O PLURALISMO FAMILIAR E A LIBERDADE DE CONSTITUIÇÃO DE UMA COMUNHÃO DA VIDA FAMILIAR

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O PLURALISMO FAMILIAR E A LIBERDADE DE CONSTITUIÇÃO DE UMA COMUNHÃO DA VIDA FAMILIAR LA PLURALIDADE DE LA FAMILIA Y UNA CONSTITUCIÓN DE BECAS DE LIBERTAD DE VIDA FAMILIAR 182 Ana Paula de Araujo 1 Carina Ana de Oliveira 2 Elieser Leal Germano 3 Tatiane Alves Salles dos Santos 4 RESUMO O presente artigo tem como objetivo abordar os principais temas relevantes com relação ao novo modelo familiar constituído pela evolução da sociedade. Para tanto, será realizado uma breve análise histórica a respeito da formação da família e a evolução legislativa até os dias atuais. Analisando as garantias constitucionais e infraconstitucionais, bem como doutrinas e jurisprudências relevantes ao tema apresentado. PALAVRAS-CHAVE: Família. Entidades Familiares. Igualdade. Liberdade. Afeto. RESUMEN Este artículo tiene como objetivo abordar las cuestiones clave de interés en relación con el nuevo modelo de familia que consiste en el desarrollo de la sociedad. Por lo tanto, se llevará a cabo un breve análisis histórico con respecto a la formación de la familia y la evolución legislativa hasta la actualidad. El análisis de las garantías constitucionales y la infraconstitucionales, así como las doctrinas pertinentes de la jurisprudencia y el tema presentado. PALABRAS CLAVE: Familia. Entidades Familiares. Igualdad. Libertad. Afecto. INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo abordar as principais mudanças no âmbito familiar com base no novo modelo constituído pela sociedade. É evidente ao analisar a evolução histórica do direito que mudanças ocorrem constantemente, pode-se dizer que o direito vive em constante transformação, ao passo que a sociedade evolui, é dever do direito evoluir juntamente para atender as necessidades sociais. As evoluções oriundas da sociedade foram primordiais 1 Acadêmica em Direito do 9º semestre em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta FADAF. 2 Acadêmica em Direito do 9º semestre em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta FADAF. 3 Acadêmico em Direito do 9º semestre em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta FADAF. 4 Acadêmica em Direito do 9º semestre em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta FADAF.

183 para as alterações legislativas voltadas a família. Com essas mudanças vieram à tona vários conceitos de família, denominadas pela família eudemonista, que tem como prioridade o afeto entre os integrantes da entidade familiar, a união homoafetiva, as famílias monoparental e pluriparental. Esse reconhecimento afastou a noção de que apenas as famílias biológicas e baseadas no casamento eram moralmente corretas. O exemplo disso é o marco extremamente importante que ocorreu com a evolução constitucional, pois a Carta Magna possibilitou o reconhecimento das uniões homoafetivas ampliando o desenvolvimento e a vivência dos membros familiares, considerando a dignidade da pessoa humana e regulamentando o direito das relações pessoais e assim transformando o conceito de família, possibilitando uma igualdade maior de direitos, e protegendo todos os seus integrantes. Portando o reconhecimento da multiparentalidade significa um avanço para o direito de família brasileiro, bem como efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana. PANORAMA HISTÓRICO Apurou-se ao longo da história que a humanidade sempre necessitou viver em comunidade, sendo comprovado ao longo dos anos que é psicologicamente impossível aos seres humanos viverem de forma isolada, sem compartilhamentos, sem trocas. E com base nessa junção das pessoas é que passou a existir e se formarem as famílias. Extrai-se no decorrer da história que a ideia de família vem muito antes do direito, dos códigos, das normas, do poder do estado e até da igreja na vida das pessoas. Observa-se que na Antiguidade, com o código de Hammurabi, o sistema familiar passou a ser por lei patriarcal, e o casamento monogâmico, considerando que para ser legítimo e válido o casamento deveria ser mediante contrato. Também existia o divórcio, mas neste caso o marido poderia repudiar a sua mulher, se esta fosse considerada negligência com suas obrigações e deveres de esposa. Já com relação ao código de Manu, este consagrou explicitamente a incapacidade da mulher de sozinha se reger. Admitia o divórcio, porém a separação só poderia ocorrer se a deficiência fosse da esposa, salienta-se que o marido era quem tinha o poder sobre o matrimonio, este era quem decidia a mantença ou não do casamento. Neste código a fidelidade era exigida por lei, e se houvesse adultério a pena cabível era a morte. Para os Romanos a palavra família era vista de outra forma, podendo ser aplicada tanto para pessoas como para as coisas, com relação às coisas referia-se ao patrimônio, no que tange as pessoas era denominado pelo parentesco, portanto englobava todos sob o poder de um

184 mesmo pater famílias. Colhe-se da história Romana que o casamento se distinguia de duas maneiras: o cum manu e o sine manu. No primeiro caso, a esposa saía da dependência do pater famílias para se tornar do marido e de sua família. Já no segundo caso era diferente, a mulher poderia continuar com o seu pater famílias, sem precisar estar nas dependências da família de seu marido. Os Romanos entendiam que o casamento era um ato consensual de contínua convivência, portanto era um fato e não um estado de Direito. Por outro lado, o casamento em Roma jamais foi considerado indissolúvel, e desde o direito arcaico romano já previa o divórcio. No inicio somente o marido poderia se divorciar, entretanto com o passar do tempo, esta possibilidade foi estendida também às mulheres. Na Idade Média o direito canônico passou a ter grande influência na sociedade, pois neste período o domínio central se tornou a Igreja. Vale ressaltar que neste período a Igreja se tornou a única a julgar assuntos relativos ao casamento, bem como legitimidade de filhos e assuntos inerentes ao divórcio. Neste período o casamento deixou de ser um contrato e passou a ser visto como um sacramento. Sendo assim, a Igreja só aceitava o sexo dentro do casamento e com finalidade de procriação, portanto tudo que fosse contrario a este dogma era considerado contrário a Deus. A busca pela igualdade entre homens e mulheres teve seu inicio marcado na Revolução Francesa, entretanto por mais que se buscasse a reversão de toda a discriminação sofrida pelas mulheres, o código civil de Napoleão consagrou em seu ordenamento que o poder patriarcal de fato era outorgado aos homens, tanto sobre o direito referente aos filhos, quanto os direitos sobre a esposa. CONCEITO DE FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO O conceito de família foi gradativamente evoluindo no direito brasileiro, os códigos elaborados a partir do século XIX, versavam sobre uma família arcaica em que a mulher era submissa ao seu marido e se dedicava aos afazeres domésticos. Momento este em que o Estado tinha grande influência da igreja quanto à regulamentação da família e do casamento, o que colaborava para tornar o conceito familiar da época arcaico e hierarquizado. Modernamente há de ressaltar que houve grande mudança no que tange à época que vigorava o Código Civil de 1916 e o advento do Código Civil de 2002. Inicialmente, o conceito de família aceito pela sociedade era o da constituída pelo matrimônio vez que, a lei apenas tratava sobre casamento, relações de filiação e o parentesco, mas devido à constante mutação do seio familiar, e uma vez que cabe ao Estado, o dever jurídico constitucional de instituir as

185 medidas necessárias para a constituição e desenvolvimento das famílias, fez com que ao longo da história surgisse o reconhecimento de relações extramatrimoniais. Nesse sentido, na metade do século XX os legisladores foram vencendo as barreiras e resistências, atribuindo novos sentidos ao direito de família, como descreve Silvio de Salvo Venosa: No direito brasileiro, a partir da metade do século XX, paulatinamente, o legislador foi vencendo barreiras e resistências, atribuindo direitos aos filhos ilegítimos e tornando a mulher plenamente capaz, até o ponto culminante que representou a Constituição de 1988, que não mais distingue a origem da filiação, equiparando os direitos dos filhos, nem mais considera a preponderância do varão na sociedade conjugal. No que tange as relações extramatrimoniais pode-se afirmar que atualmente o núcleo familiar, forma-se também pela união estável, pela união de um dos pais com seus descendentes (famílias monoparentais), e também pela união homoafetiva. Em relação a esse ultimo apesar de se tratar de um tema omisso na legislação, é muito discutido pela doutrina e jurisprudência, por ter existência na sociedade. Com essas evoluções espera-se uma resposta rápida do direito, o que não ocorria no passado, quando as alterações se davam por ordem sociológica, e, deste modo, gradativamente. Com tal avanço, o legislador promulgou, por exemplo, a Lei nº 9.263, de 12/01/1996, que regula o 7º do art. 226 da Constituição, que trata do planejamento familiar: o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais e constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal (art. 1º).Tal norma complementa a disposição constitucional da qual cabe à pessoa natural a livre decisão sobre o planejamento familiar, fundando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, sendo de responsabilidade do Estado fornecer recursos educacionais e científicos para operacionalizar a norma. Nesse sentido, o artigo 1513 do Código Civil Brasileiro estatui que é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família. Por fim, atualmente temos um conceito social de família mais abrangente e diversificado e não mais aquele conceito de que família era consagrada apenas pelo casamento em que a mulher e os filhos eram submissos ao pater familias. Nesse sentido a Constituição Federal de 1988 consagra e protege a família em seu artigo 226, compreendendo tanto a família fundada no casamento, como a união de fato, a família natural e a família adotiva.

186 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES FAMILIARES Os princípios são utilizados como forma de auxiliar o operador do direito para uma melhor interpretação das normas, não sendo soluções exclusivas aos problemas, permitindo também uma adequação do direito às constantes mudanças da sociedade. O princípio da afetividade fundamenta as relações interpessoais e o direito de família nas relações socioafetivas de caráter patrimonial ou biológico e na comunhão de vida. A família contemporânea não se justifica sem que o afeto exista, pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, fazendo com que a família seja uma relação que tem como pressuposto o afeto, devendo tudo o que for vinculado neste ter a proteção do Estado. (LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4.ed. 2ª tiragem [s.l.}: Saraiva, 2012, p. 70-71) Entidade familiar deve ser compreendida como uma unidade envolvida por laços de afetividade, pois a família contemporânea é um grupo que busca concretizações pessoais e afetivas, e o indivíduo contemporâneo prioriza seu bem-estar e suas relações afetivas, cabendo ao Estado e também ao Direito ajustar-se a essa nova tendência. Na atual sociedade houve a mudança da família como um âmbito econômico para uma compreensão solidária e afetiva, isto para acompanhar as necessidades de seus membros. Portanto, indispensável pensar nas relações de família sem considerar a qualidade dos vínculos existentes dentro dela, pois por mais complexas que sejam, compõe-se por afeto, solidariedade, perdão, paciência, dentre outros diversos modos de vivência. Assim, não resta dúvida de que é necessário priorizar a importância da afetividade, constituindo assim, um princípio aplicado no âmbito familiar. Nesse sentido, o afeto torna-se uma das bases estruturais do direito de família contemporâneo, a qual é composta por seres humanos, munidos de necessidades, desejos e ideias que se modificam ao passar do tempo, devendo o direito acompanhar e se atualizar com essas modificações de pensamentos. Outrossim, a afetividade no decorrer do tempo, vem gerando consequências importantes e concretas, por sua marcante função social, bem como causando alterações profundas no modo de pensar a família brasileira. Uma das consequências fora o reconhecimento da união homoafetiva, a qual passou a ser uma comunidade equiparada à união estável. (Decisão do STF, 05 de maio de 2011, publicada no informativo nº 625). Importante mencionar também sobre o reconhecimento da

187 parentalidade socioafetiva como uma nova forma de parentesco, bem como também, a admissão da reparação civil pelo abandono afetivo. Tais consequências demonstram o impacto do reconhecimento do afeto, ressaltando sua importância para o meio jurídico. Nessa linha, não se torna relevante se os laços de parentesco de uma família sejam biológicos ou não, pois têm o mesmo valor e são dirigidos, implicitamente, pelo princípio da afetividade. A família já não tem mais o antigo ponto de vista de ser imutável e indissolúvel, sendo o afeto o responsável por esta concepção inovadora. Pelas considerações expostas, é de suma importância que o Direito, notadamente o Direito de Família estejam sempre atualizados sobre as constantes mutações na sociedade brasileira, para que as normas possam harmonizar-se com o meio social, de acordo com os novos valores e novas formas de constituir uma família. DISCUSSÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA ENTRE CÂMARA E STF Não são poucas as polêmicas que englobam esse tema, decisões do STF e projetos de Leis ajudaram ainda mais a existirem conflitos entre grupos de deputados e por movimentos ligados a defesa dos direitos da comunidade LGBT. Carlos Ayres Britto, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, afirmou em entrevista ser contrário ao projeto de Lei 6.583/2013 e classificou como uma afronta direta ao STF. O projeto cria o Estatuto da Família, onde restringe o termo família ao núcleo formado por homem e mulher, foi aprovado pela Câmara Legislativa e seguirá para o Senado, a menos que haja recurso para análise da matéria pelo plenário da Câmara. O ministro declarou nos seguintes termos. Eu não entendo porque [aprovaram a lei]. A redação do acórdão do STF é claríssima, não enseja nenhuma dúvida interpretativa. Já transitou em julgado, inclusive. [...] Para mim, com todo respeito, foi uma afronta direta à decisão do Supremo e, por consequência, um desrespeito à Constituição Federal no tema. O acórdão do STF citado por Ayres Britto reconheceu a união estável de casais do mesmo sexo sendo publicado em outubro de 2011, após julgamento concluído em maio do mesmo ano. O texto abriu precedente e foi seguido por outras instâncias judiciais. Em 2013, uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obrigou os cartórios a celebrar os casamentos. Rodrigo Delmasso (PTN), autor do projeto de Lei 6.583/2013, afirma que a lei não interferia nos direitos civis conquistados pelos homossexuais, somente explicaria o que já

188 consta na Constituição Federal que: a família é a formação, é a união estável entre um homem e uma mulher". Por outro lado, Michel Platini, representante da ONG Estruturação Grupo LGBT de Brasília, pretende questionar a lei na Justiça. "Iremos entrar com uma ação direta pedindo a declaração da inconstitucionalidade da lei. Reconhecemos uma inconstitucionalidade gravíssima." O pastor evangélico Silas Malafaia criticou ações do STF em relação à concessão de direitos à comunidade LGBT. O STF reconheceu, por unanimidade, a equiparação dos direitos entre as uniões homossexual e heterossexual. A audiência contou com a presença do ativista gay Toni Reis. Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados para discutir o Estatuto da Família, Malafaia proferiu: O STF não é maior que a Constituição, enquanto o artigo 226, parágrafo 3º, estiver em voga, podem discutir aqui o que quiserem. E não venham aqui com citações do STF. Parece-me que o STF não legisla coisa nenhuma. Isso é uma afronta ao Parlamento. O artigo 226 da Constituição determina que a entidade familiar é constituída pela união entre um homem e uma mulher. "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar", diz o trecho. Toni Reis criticou a lentidão do Parlamento em legislar sobre o tema, e pronunciou: O STF não legislou, apenas agiu por omissão tomando tal decisão. Um dos principais pontos do Estatuto tornou-se uma enquete no site da Câmara dos deputados, tendo mais de 10,2 milhões de votos computados, sendo 48,09% dos votos favoráveis ao conceito de família formado exclusivamente por casais heterossexuais, enquanto 51,62% dos votos fora contrários. Com base no caput do Art. 226. da CF/88 onde diz que: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. O Relator Min. Ayres Britto fez o seguinte julgamento em 05/05/2011: O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional

189 de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por intimidade e vida privada (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do STF para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. União estável. Normação constitucional referida a homem e mulher, mas apenas para especial proteção desta última. (...) A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia entidade familiar, não pretendeu diferenciá-la da família. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado entidade familiar como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem do regime e dos princípios por ela adotados, (...). (...) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do CC, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011.) No mesmo sentido: RE 687.432-AgR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 18-9-2012, Primeira Turma, DJE de 2-10-2012. O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do relator, ministro Ayres Britto, para julgar procedentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4477 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, também convertida em ADI, nas quais a Procuradoria-Geral da República e o governo do Estado do Rio de Janeiro pedem a extensão do conceito de família às relações homoafetivas estáveis. Em seu voto, Lewandowski observou que a união homoafetiva estável, realmente não está no rol das famílias abrangidas pelo artigo 226 da CF/88, quais sejam: famílias heterossexuais constituídas pelo casamento, por união estável, pública e duradoura e, ainda, a monoparental, que é a família que continua constituída entre pai ou mãe e filhos, na ausência de um dos genitores.

190 Entretanto, sustentou que a união homoafetiva estável no tempo e pública é uma realidade no tempo atual. Tanto que, no último senso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou a existência de 60 mil casais em união homoafetiva no Brasil. Portanto, não existindo previsão constitucional para essa nova modalidade de entidade familiar, deve-se aplicar a ela o que o ministro chamou de técnica de integração analógica, enquadrando essa nova relação na legislação mais próxima, no caso o art. 226 da CF/88, até que ela seja definitivamente regulada por lei aprovada pelo Congresso Nacional. Atendendo a dignidade humana prevista, sem desrespeitar os tipos de entidades familiares já existentes. Diante de todo exposto, percebe-se que a União Homossexual é fato consumado em nossa sociedade, mesmo envolvendo polêmica em alguns aspectos. O direito apenas deve reconhecer a regra que já existe, não podendo fabricar, ou até mesmo criar a realidade através de leis. CONSIDERAÇÕES FINAIS A família é muito mais que uma união derivada do casamento entre um homem e uma mulher. Família é uma junção de afetos, uma comunhão de trocas de amparo, o compromisso maior instituído pela formação de uma família deve ser único e exclusivo de amor e mútua assistência. São evidentes as diversas modalidades de família que vem se descortinando, quais sejam, a família formada pelo casamento, a família por união estável, a família monoparental, a família homossexual. A formação do Direito é necessária para subsidiar os anseios da sociedade em cada momento histórico. Assim, com o decorrer do tempo, com a evolução do pensamento humano, com a quebra de vários paradigmas, não cabe aos legisladores impor a sociedade que estabeleçam em seu seio familiar uma forma de vida que nos remete ao que existiram no passado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: DIAS, Maria Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. 2. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, atualizada e ampliada, 2014.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 191 VICENTE, Paulo; Marcelo Alexandrino. Direito Constitucional descomplicado. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método 2012. BRASIL.<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 06 de out. 2015. BRASIL.<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206647>. Acesso em: 11 de out. de 2015. BRASIL.<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/159000907/recurso-especial-resp- 1284566-rs-2011-0232543-3/decisao-monocratica-159000917> Acesso em: 11 de out. de 2015.