AS ORIGENS DA RELIGIÃO SOB A PERSPECTIVA DE RICHARD DAWKINS

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Transcrição:

AS ORIGENS DA RELIGIÃO SOB A PERSPECTIVA DE RICHARD DAWKINS Maria Helena Azevedo Ferreira (UEM/LERR) Orientadora: Vanda Fortuna Serafim (UEM/DHI/LERR) Resumo: Esta comunicação destina-se apresentar o nosso projeto de iniciação científica ainda em desenvolvimento, que consiste em pensar inicialmente de que forma Richard Dawkins elabora um discurso acerca da origem da religião, tomando como fontes duas importantes obras do autor: Deus, um delírio (2007) e O gene egoísta (1976). Dessa forma, torna-se possível pensar as principais bases teóricas do discurso de Richard Dawkins. Ao perceber essas bases teóricas, nos é possível elencar, enquanto objetivo específico, a investigação da forma como o fenômeno religioso é articulado nos escritos do cientista, sendo necessário também analisar pensamento de Dawkins acerca da religião, a partir da História das Ideias. Para problematizar tais questões utilizaremos como aporte teórico Edgar Morin (1991) para analisar a postura teórica de Dawkins como teoria, refletindo acerca da dinâmica das ideias e Bruno Latour (2012) para perceber um aspecto anti-fetichista, para o qual o homem moderno está inclinado, pensando nesses moldes o conhecimento científico, principalmente, nos focando no discurso de Dawkins. Metodologicamente, ao trabalharmos com uma fonte escrita, partiremos do embasamento de Jacques Le Goff (1990) e sua proposta de análise do documento enquanto monumento; articulando a categoria de lugar social elaborada por Michel de Certeau (1982) a fim de pensar os espaços de produção do discurso. Palavras-chave: Richard Dawkins; Religião; Ciência; Darwinismo. 2272

Richard Dawkins, intelectual britânico, nasceu em Nairóbi em 1941 no Quênia, filho de imigrantes ingleses. Em 1949 ele e sua família regressaram para a Inglaterra, onde estudou na Universidade de Oxford. Mas tarde passou a dar aulas de zoologia em Berkeley na Universidade da Califórnia. Nossa proposta consiste em analisar como Richard Dawkins constrói um discurso acerca das origens religiosas por meio das obras O gene egoísta e Deus, um delírio. Ao passo em que na obra O gene Egoísta (1976) é definido um método de compreensão do comportamento animal, inclusive da raça humana, partindo de uma visão darwinista que é apropriada e logo após decodificada em novos moldes, a obra Deus, um delírio (2007), que é escrita quase três décadas depois, parte do pressuposto que o mundo, tanto biologicamente como socialmente, é regido pelo sistema da seleção natural de Darwin, podendo categorizar a religião através desse panorama. Em O gene egoísta (1976) Richard Dawkins baseia-se, sobretudo, no darwinismo para explicar sua teoria acerca do egoísmo e do altruísmo, no entanto observamos que esse darwinismo é visto como o ponto de ruptura entre dois modelos de pensamento convergentes, segundo o autor as descobertas de Charles Darwin, permitiram que nos livrássemos de um universo de superstições e adotássemos uma nova referência para explicar antigas questões. O intelectual britânico, portanto, se mostra como um darwinista social, na medida em que enxergaria o processo de seleção natural determinante para os quesitos sociais, além disso sua postura em relação a religião e ciência, compreende-se como um processo de evolução, onde a religião ocuparia um status inferior enquanto modelo explicativo e a ciência, principalmente o ramo da biologia, estaria colocado como um novo horizonte, sendo, portanto, fruto de uma evolução social. Em Deus, um delírio (2007) Dawkins procura dar ênfase na origem religiosa, enquadrando-a dentro da perspectiva de seleção natural: Sabendo que somos produtos da evolução darwiniana, devemos perguntar que pressão ou pressões exercidas pela seleção natural favoreceram o impulso à religião. A pergunta ganha urgência com as considerações darwinianas sobre a economia. A religião é tão 2273

dispendiosa, tão extravagante; e a seleção darwiniana normalmente visa e elimina o desperdício. (DAWKINS, 2007, p. 173). Podemos observar na postura de Richard Dawkins um aspecto presente em outros autores que relacionam a noção de evolução advinda de uma perspectiva darwinista, com os aspectos culturais e sociais de uma dada sociedade. O núcleo dessa esfera de pensamento se refere, assim, a uma noção de que o âmbito das mentalidades está sujeito a uma evolução. Celso Castro (2005) ao pensar os pais do evolucionismo cultural: Lewis Morgan, Edward Tylor e James Frazer; identifica aspectos em comum que regem a ideia de um evolucionismo cultural, o qual não estaria diretamente ligado às concepções de Darwin, entretanto é possível estabelecer, segundo o autor, ligações indiretas. A obra A origem das espécies inaugura um novo conceito, que é a ideia que uma evolução, ou seja, autores contemporâneos a Darwin, como é o caso dos autores supracitados, assimilam a questão do progresso dentro da teoria darwiniana e passam, tal aspecto para compreender o plano social. Entretanto, Castro (2005) aponta que a importante obra de Darwin, não foi o único elemento desencadeador do processo de pensamento acerca do evolucionismo cultural, o contexto social de insurgência de tais ideias, se tornam fundamental nessa perspectiva. Dessa maneira, juntamente com as descobertas darwinistas, as descobertas arqueológicas provocaram um alargamento no sentido de tempo, pois há um desligamento com a ideia bíblica de que a o mundo tinha por volta de cinco mil anos e abria-se caminho para pensar que a sociedade já esteve em estágios inferiores e estaria em um processo de evolução. O papel de Darwin neste contexto se torna secundário quando Castro (2005) nos apresenta Herbert Spencer, considerado por muitos, o pai do darwinismo social, ele foi o primeiro, segundo o autor, a pensar a sociedade em um processo de evolução, onde a mesma caminharia de uma sociedade arcaica para uma civilização. Neste sentido a sociedade, assim como as teorias darwinistas, caminhariam de uma simplicidade para a complexidade. Interessante salientar, que sociedades vistas como arcaicas na contemporaneidade, são entendidas como sobrevivências, pois ao conceber 2274

que todas as sociedades passariam por um processo de evolução, a explicação para sua existência desse arcaísmo, estaria justificado como sobrevivência, algo que deveria ter desaparecido. Sendo assim, resquícios das sociedades mais antigas em sociedades mais evoluídas. (CASTRO, 2005) Entre os pensadores apresentados, Castro indica Edward Tylor como o precursor dessa ideia de sobrevivências, as mesmas estariam, nas palavras de Tylor, em forma de processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que, por força do hábito, continuariam a existir num novo estado de sociedade diferente no qual tiveram a sua origem e então permanecem como provas e exemplos de uma condição de cultura que evoluiu em uma mais recente. Estes costumes sobreviventes, portanto, enquadrados dentro de uma perspectiva evolucionista, estariam vigentes nas sociedades sem exercer qualquer função social ou até mesmo uma racionalidade (CASTRO, 2005). A partir desse panorama, podemos perceber na figura de Richard Dawkins, um aspecto sóciobiologico. O intelectual britânico considera as ideias darwinistas como consensuais, ao mesmo tempo em que sua concepção se apoia em uma recusa da transcendência e em uma subordinação do âmbito social à esfera biológica. Assim, podemos dividir a concepção de Dawkins em relação à religião em duas principais vertentes: a primeira que considera e religião dentro de um aspecto evolucionista cultural, onde a mesma seria um modelo explicativo para as questões do mundo em um estágio anterior e em um estágio superior, substituindo a religião, estaria a ciência. Identificamos, portanto, uma ideia de que a sociedade é formada por diferentes estágios em constante evolução, podemos, assim, perceber uma influência de Edward Tylor, não apenas por pensar a questão da sociedade divida em estágios, mas também por conceber a questão da sobrevivência. A qual se mostra como segunda vertente, referente à questão da origem religiosa. Tal ponto, como aponta Arthur Cesar Isaia (2010), na obra de Dawkins estaria pensado sob uma perspectiva darwiniana e ocuparia um status inferior, na medida em que a religião seria um subproduto de um comportamento útil para a conservação da espécie humana, acerca da concepção de Dawkins, Isaia explica: Durante a evolução somos geneticamente programados para resistirmos ou fugirmos do perigo e defender nossa prole. A espécie precisa sobreviver. Assim como os adultos assumem a proteção da 2275

prole, desenvolve-se uma tendência à obediência, ao seguimento dos adultos por parte dos filhotes. Isso é bom e isso mantém os filhotes vivos. O problema para Dawkins é que essa tendência natural à obediência e ao seguimento dos mais velhos, trouxe consigo um subproduto inevitável: a vulnerabilidade à infecção por vírus mentais. (ISAIA, 2010, p.29) Estes vírus mentais são entendidos como a religião e suas variações, que dizem respeito a uma sobrenaturalidade. Em suma, Richard Dawkins, enquanto intelectual e disseminador de ideias, apresenta um posicionamento em relação às origens religiosas, partindo de um consenso darwiniano, no entanto percebemos sua postura, de certo modo, enquanto resultado direto e indireto de uma série de pensadores, não apenas de Charles Darwin, como também de diversos pensadores que remodelaram o conceito de evolução biológica e trouxeram para o âmbito social. Essa problemática está articulada sob uma perspectiva da História das Ideias em diálogo com a História das Religiões e das Religiosidades. Percebendo a produção de discurso acerca do darwinismo em diálogo com o âmbito social, é possível identificar um sistema de ideias. Para compreender essa problemática utilizamos como aporte teórico Edgar Morin (1991) para pensar a organização e a dinâmica das mesmas. Ao observarmos de que forma as alegações de Dawkins acerca da origem da religiosa são construídas, é possível, ainda, basear nossa preleção por meio da obra História e Psicanálise: entre a ciência e a ficção de Michel de Certeau. Por fim, considerando a postura de Dawkins em relação à ciência, tomaremos como base as discussões de Bruno Latour (2002) ao tratar do conceito anti-fetichista. Além disso, procuramos problematizar dois pontos cruciais, utilizando as colocações de Edgar Morin (2007), o primeiro ponto diz respeito à posição interdisciplinar a qual darwinismo social se coloca, transitando entre a biologia e as ciências humanas. Um segundo aspecto ser analisado referente a esse ramo da ciência, é a questão da ideia de progresso humano inerente a acumulação de conhecimento. Entendendo a construção do discurso darwinista de Richard Dawkins através de nossas fontes é possível esboçar o modelo teórico proposto por Morin (2007); identificando nesse processo aspectos inerentes aos sistemas de pensamento, mais especificamente ao conceito de teoria. Antes da 2276

conceituação desse termo dentro de nossa perspectiva acerca de Dawkins, se faz necessário um breve panorama acerca da dinâmica das ideias, a fim de perceber como darwinismo social na visão de Dawkins pode se formar a partir de bases já existentes. A produção da realidade ideológica a qual nos deparamos é fruto, segundo Morin (1991), das interações cerebrais/ espirituais das sociedades que são regidas por regras coletivas e tais regras coletivas, por sua vez, são determinantes nas ações individuais. Entretanto, se mostra interessante perceber a elaboração dessa problemática, uma vez que a formação de uma realidade, no caso o darwinismo social de Richard Dawkins para pensar a religião, onde ao mesmo tempo em que o sujeito é influenciado por um âmbito coletivo é também produtor e disseminador de uma cultura. Com isso, para haver um processo de ruptura com um sistema de ideias, é preciso que um espírito individual pré-condicionado em condições já préestabelecidas que favoreçam a emergência de novas concepções. Tais condições, segundo Morin (1991) se apresentariam primeiramente em forma de uma autonomia relativa dos espíritos; em seguida de uma emergência do conhecimento e ideias novas e por fim ao desenvolvimento das críticas recíprocas. Assim, o que pesa sobre o consciente de um sujeito pensante é o fato de haver certo estranhamento em relação à cultura de origem, se estabelecendo um sentimento contrário em relação à ordem estabelecida, tornando, portanto, impossível a colocação de um novo sistema de ideias dentro de um velho, é preciso haver um desligamento, quase que por completo do sistema antigo. Neste sentido, podemos pensar no processo de eclosão das teorias darwinistas e como essas anunciaram um novo modelo de pensamento o qual irá ser assimilado e recodificado de acordo com a conjuntura inerente a outros indivíduos. Há, portanto, uma dinâmica, que perpassa as condições do sujeito e seu meio o para o surgimento de uma nova concepção, sendo esse meio caracterizado pela democracia intelectual e política, e também pela existência de um comércio de trocas de ideias. Desse modo podemos conceber a esfera do pensamento darwinista, enquanto objeto passível de reinterpretações e 2277

novas assimilações, permitindo, neste contexto, um diálogo entre biologia e plano social, permitindo-se modificar-se em suas variáveis. O conceito de teoria apontado por Morin, neste sentido, se torna fundamental para compreendermos de que forma uma postura teórica é construída: Assim, um sistema de ideias continua a ser teoria enquanto aceitar a regra do jogo competitivo e crítico, enquanto evidenciar maleabilidade interna, isto é, capacidade de adaptação e modificação na articulação entre seus subsistemas, como a possibilidade de abandonar um subsistema e de o substituir. Por outras palavras, uma teoria é capaz de modificar suas variáveis (que definem nos termos de seu sistema) mas não os parâmetros (os próprios termos que definem o sistema). (MORIN, 1991, p.118) Sob perspectiva de Morin (2007) podemos entender a postura de Dawkins enquanto uma variável, pois o intelectual britânico, apesar de demonstrar um consenso em adotar o darwinismo enquanto modelo explicativo para o âmbito cultural, argumenta que, em caso de uma teoria explicativa melhor surgisse ele a colocaria no lugar do pensamento darwinista. Entretanto, enquanto teoria, o posicionamento de Dawkins se sustenta em um núcleo mais firme, embora as variáveis sejam relativamente mais inconstantes, esse núcleo é um pensar cientificamente, pois em seu entendimento não haveria verdade fora desse âmbito, assim os métodos científicos seriam dotados de um discurso de dominância. Na postura teórica de Dawkins é identificável um movimento de separação do discurso dito como real e o fictício, correspondentes à ciência e a religião respectivamente. É salutar a esta discussão a percepção de Certeau (2012) de que, quem promove esse afastamento é o discurso que se coloca como dominante, ou seja: a ciência. Ela estabelece os seus próprios modos de verificação para determinar o que é verdadeiro, por meio da denúncia o falso. Ao apontar que, a religião é vista como uma organização essencialmente metafísica e não podendo ser comprovada em laboratórios, a verificação de sua veracidade seria ilegítima e assim há um restringimento da mesma a um mundo material, colocando-a sob os moldes do darwinismo. Entretanto a religião, sob a qual colocamos o status de ficção, pelo entendimento de Certeau (2012), não pode ser levada em consideração quanto ao seu nível de realidade, o que importa no discurso religioso é até onde sues 2278

conceitos podem transformar, ou seja, compor a esfera da realidade. A produção desse real é ocultado, na medida em que a ciência adquire um estado absoluto, ao monopolizar a verdade, não permitindo dessa forma concorrentes, como coloca Certeau: No entanto, ao enunciar o que deve se pensar e fazer, esse discurso não tem necessidade de se justificar porque fala em nome do real (CERTEAU, 2011, p.53). Certeau (2012) indica que à medida que a ficção, ou a religião, não tem comprometimento com o real, acaba sendo expressa por meio de metáforas, ao passo que a ciência ao fazer uma mutilação nos seus próprios métodos de concepção da realidade, acaba por afastar-se da mesma. Esse caráter submisso que a ciência lança para a religião, na medida em que desconsidera outras vertentes de compreensão do mundo, se dá pela percepção, por parte do ramo científico, de que a religião deve ocupar um status inferior pelo fato dessas construírem seu objeto de adoração com as próprias mãos. Assim, ao criar representações do sagrado, o homem religioso acaba por fabricar o seu fetiche, tal fabricação é contestada por parte do homem moderno, ou seja, do anti-fetichista, que concebe falsidade na crença do homem religioso. Em outras palavras, o homem moderno cria uma concepção em relação ao seu opositor, o homem religioso, que não corresponde as convicções reais desse homem religioso, mas ao entendimento que ele tem sobre o que seria a crença deste. O que seria esse fetiche objeto de crítica do homem moderno? Latour explica: O fetichismo, segundo acusação, estaria enganado sobre a origem da força. Ele fabricou o fetiche com suas próprias mãos, com seu próprio trabalho humano, suas próprias fantasias humanas, mas ele atribui esse trabalho, essas fantasias, estas forças ao próprio objeto por ele fabricado. (LATOUR, 2012, p.26) O que os antifetichistas fazem é tentar ignorar a origem do fetiche, no entanto Latour aponta, que ao fazer isto, ele acabar por inverter a origem da força, ou seja, ele transforma aquele ser sobrenatural responsável pela confecção do fetiche em mero produto de criação do homem, a partir dessa concepção o homem finalmente estaria livre para ser autônomo. 2279

Dentro dessa perspectiva podemos entender o caráter libertador o qual o ateísmo ilustrado por Dawkins propõe, que ao pretender eliminar os ídolos, constrói novos, desfocaliza essa adoração, para adotar outra, logo em seguida. Ilustrada pelo o que Latour chama de multidão social, esta conserva os mesmos níveis de transcendência que anterior, no entanto ela acredita-se formulada por outros moldes. Essa nova relação se configura no momento em que os homens estabelecem relações entre si, a partir daí há uma nova fabricação dos fetiches, guiados sem perceber por uma força invisível. Neste contexto a denúncia feita aos religiosos, os fetichistas, é usurpada na medida em que ganha corpo no âmbito cientifico. Esse âmbito científico, compreendendo neste panorama o darwinismo social, tem uma proposta primária de interdisciplinaridade. Assim Morin (2007) coloca que a ciência tal como a assimilamos hoje, enquanto formadora de um conhecimento geral pressupõe esse transdisciplinaridade, formando um novo modo de conhecimento. Entretanto a proposta interdisciplinar, segundo Morin, provoca um novo tipo de disciplina normativa, onde há uma submissão do papel do sujeito na produção de conhecimento, com objetivo de dar objetividade as realidades inerentes ao ser humano. Ao perder de vista o as implicações do espírito humano no conhecimento científico aconteceria um movimento de mutilação, ainda que a proposta gire em torno de uma interdisciplinaridade, como é caso do darwinismo social, a mesma se encontra insuficiente uma vez que há a submissão dos aspectos inerentes à biologia ao campo social, dessa forma os mecanismos utilizados para pensar a natureza são reaproveitados para pensar o as relações sociais do indivíduo. Além disso, ao pensar a sociedade e o conhecimento enquanto elementos em progresso se há uma ideia do que seria tal aspecto. A ideia de progresso, portanto se remeteria em uma acumulação de conhecimento dito racional, ao mesmo tempo em que se considera como algo positivo e reflexo do real. No entanto Morin (2007) explica que essa ideia de evolução enquanto anunciadora de uma realidade não é completa, na medida em que o progresso é sempre acompanhado pelo seu contrário, não sendo o único componente em ação. 2280

A concepção de Dawkins, dessa maneira, em relação à religião parte do consenso de que o darwinismo é uma teoria que não tolera desperdícios e sempre está caminhando para uma evolução, nesta situação a religião se encontra enquanto parasitária. Podemos ver, portanto, o movimento de abdicação da realidade em favor de um sistema que não permite dissidências. Para perceber metodologicamente essas temáticas levantadas, levando em consideração que nossas fontes tratam-se de dois livros de Richard Dawkins, Deus um delírio (2007) e O gene egoísta (1976), é imprescindível levar em consideração o lugar social de Dawkins, delimitado por Michel de Certeau (1982). Dessa forma, segundo Certeau, o escritor parte de um ponto de observação que está intrínseco as suas decisões pessoais, assim suas ideias transcritas em seu livro estão relacionadas ao seu lugar social, portanto seu discurso parte de um não-dito, que como apresenta Certeau está embutido ao longo de seu raciocínio empregado. Assim é garantido um caráter subjetivo a sua obra, não tratando apenas de ideias ateístas em seu estado puro, mas também estaria implícito o espaço social no qual foi produzido. Para Certeau o recurso às opções pessoais fazia com que entrasse em curto circuito o papel exercido sobre as ideias pelas localizações sociais (CERTEAU, 1982, p.68), dessa forma, o devemos levar em consideração as implicações dessas peculiaridades no discurso de Dawkins. Se tratando de uma fonte escrita, partimos da abordagem apresentada por Jacques Le Goff em seu livro História e memória no capítulo documento/ monumento. Fazendo uma retrospectiva acerca do olhar do historiador sobre o documento. Le Goff afirma, que ainda no século XIX, sentiam-se as limitações que a interpretação pura e simples, trazidas pelo positivismo, do documento trazia consigo, pois os fatos que não estavam devidamente documentados se perdiam no tempo, restringindo o campo de estudo do historiador. A ampliação da posição em relação ao documento, trazida pelo Annales, segundo Le goff é autônoma ao conceito documento/monumento, pois esta é entendida por ele como um elemento de esquivo ao objetivo central do historiador, que é essa relação: de exercer uma análise ao documento pensando como monumento, ou seja, é importante fazer um exercício crítico em torno do documento em medida que se considera as causas primárias de sua escrita, assim se procura um panorama mais amplo desse documento, 2281

permitindo assim, um olhar científico ao mesmo. O documento, pensando nesta perspectiva, é consequência de uma sociedade enquadrando o monumento no documento. Como aponta Le Goff (1990), a mudança de posicionamento em relação ao documento está indubitavelmente ligada ao monumento, na medida em que o documento carrega um inconsciente cultural e são empregadas nele o modo de sua produção, portanto o documento é resultado de uma estruturação do seu conteúdo, passível à um questionamento sobre o sua intencionalidade e acerca da sua manipulação. Dessa forma, podemos concluir que, ao analisar as obras de Richard Dawkins, por meio de um aparato teórico fundamentado pela proposta de uma nova história de Jacques Le Goff e Pierre Nora, é possível historicizar a postura ateísta de Dawkins expressa em seu livro, do mesmo modo é concebível delimitar o lugar social de Dawkins, colocado por Certeau, demarcando essa influência em suas obras e buscando perceber como elabora um discurso sobre as origens das religiões. Bibliografia DAWKINS, Richard. O gene Egoísta. São Paulo: Companhia das Letras,1976.. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. CASTRO, Celso. Evolucionismo Cultural: Textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005 CERTEAU, Michel de. A Operação Historiográfica. In:. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.. História e Psicanálise: entre a ciência e a ficção. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. ISAIA, Artur Cesar. A relação entre natureza e religião em Burkert e Dawkins. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n.8, 2010. P.25-32 LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru: Edusc: 2002. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. 2282

MORIN, Edgar. O método IV. As ideias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Lisboa: Biblioteca Universitária, 1991.. Ciência com consciência. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007 2283