Artigo: O seringal caboclo no Município de Breves no período anterior a expansão da economia da borracha.

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Transcrição:

Universidade Federal do Pará Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Faculdade de História Disciplina: Historiografia da Amazônia Discente: Lidiane Sanches da Silva Docente: Fernando Arthur Artigo: O seringal caboclo no Município de Breves no período anterior a expansão da economia da borracha. Belém-Pa, 19 de Janeiro de 2009.

O seringal caboclo no município e Breves no período anterior a expansão da economia da borracha. Lidiane Sanches da Silva Resumo: Este artigo visa analisar a presença do seringal caboclo definido por João Pacheco, no município de Breves, localizado na região das Ilhas, uma das mais antigas zonas de produção da borracha, e estudado por Theodoro Braga que descreve suas riquezas naturais. Tentando associar ao estudo de Bárbara Weinstein sobre o período que antecede o surto gomifero, no qual o referido município é caracterizado pela presença de pequenas propriedades de terra habitadas por uma população de origem mestiça, indígena e escrava, que aliava extrativismo com produção de subsistência. Palavras-chave: Seringal Caboclo, Município de Breves, extrativismo. O Município de Breves, localizado na região das Ilhas, área rica em seringueiras é objeto de estudo do historiador Theodoro Braga, que descreve sua história e riquezas naturais, como a famosa árvore Havea brasiliensis, que no apogeu do surto gomífero domina a economia da região, apresentando, no entanto, na fase anterior a sua expansão, especificamente na década de 1850, as modalidades que vão orientar a produção de borracha. Como expõe João Pacheco em O Caboclo e o Brabo, notas sobre duas modalidades de força de trabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX, em regiões como a das Ilhas e do Baixo Amazonas, o modelo de seringal que prevaleceu foi o caboclo, totalmente antagônico aquele do auge no qual a principal mão de obra era o brabo, ou seja, esta era composta principalmente por nordestinos, entretanto, neste primeiro modelo de seringal a população extratora é de origem local e cabocla, que aliava uma produção de subsistência ao extrativismo de produtos florestais, entre eles a borracha. Como expõe Barbara Weinstein, no seu livro A borracha na Amazônia expansão e decadência (1850-1920) no município de Breves, prevaleceu à existência da pequena propriedade explorada por uma população pobre, que mesmo sobre determinada autonomia não fugia do sistema de aviamento, incomodando uma elite latifundiária defensora da agricultura como forma de desenvolvimento e altamente critica da atividade extrativa que na sua visão provocava a dispersão da população. Tudo isto, sobre a égide da critica ao modelo

de ciclo como forma de organizar os fatos relacionados à economia da Borracha em um discurso simplista, monótono e previsível, que exclui as produções e discussões que antecederam o auge desta economia. Em seu livro de 1911, O município de Breves (1783-1910): Monografia organizada com o estudo de documentos oficiais e obras vulgarizadas, Theodoro Braga realiza um trabalho sobre este município aliando história a uma descrição aprofundada do meio natural, principalmente no que se refere à flora e a hidrografia deste local, a primeira além de apresentar um grande potencial madeireiro, a árvore Andiroba, da qual se extrai um importante azeite, assim como a presença de imponentes palmeiras como o miritizeiro, o açaizeiro, entre outras, é descrita por Theodoro Braga, como rica em seringueiras, a hidrografia, por sua vez, é peculiar por apresentar uma série de furos, canais e igarapés de excelente navegação que ligam o Rio Amazonas ao Rio Pará, tornando os estreitos de Breves, rota oficial dos grandes vapores. Nesta obra, Theodoro Braga (1911) utiliza documentos oficiais que descrevem a história deste município, da fundação de sua sede municipal até 1910, período em que a economia da borracha atingia o auge de sua expansão e Breves como um dos mais antigos municípios produtores da goma elástica, rico em seringueiras, tem sua sede descrita pelo autor como uma das poucas povoações do interior do Estado d onde o progresso é mais sensível. Esse progresso, porém, não é devido a estabelecimentos industriais ou de cultura, mas unicamente, a sua posição interessante em relação ao commercio e navegação. Collocada com effeito entre as águas do Amazonas e do Pará (1911, p. 18) e cuja produção gomifera occupa todos os braços da região de que tratamos (1911). Daí o fato do autor dedicar boa parte de seu estudo as seringueiras da região, consideradas como verdadeiras riquezas, sem esquecer, no entanto, das outras espécies vegetais, como a andiroba que para ele teria um grande potencial econômico não fosse o uso exclusivo da mão-de-obra na produção da borracha. A obra de Theodoro Braga de caráter propagandistico, cujo discurso se coloca a favor de Antonio Lemos digníssimo intendente do município de Belém e chefe imperterrito do Partido Republicano do Pará (1911, p.21), se inscreve em um momento de expansão da economia da borracha, em que é importante a mobilização de mão-de-obra para uma localidade, na qual a produção da borracha era feita praticamente por uma população cabocla e até mesmo indígena que sangrava as arvores em troca de produtos e utensílios domésticos (1911, p. 72) desde o período anterior ao surto gomífero.

No que se refere a essa primeira exploração da borracha no município, o livro de Bárbara Weinstein (1993), é importante, pois analisa o período anterior à expansão mencionando diversas vezes o respectivo município, cujo modelo de seringal estabelecido, enquadra-se no modelo caboclo descrito por João Pacheco (1979). João Pacheco, neste texto, critica a história da borracha na Amazônia que buscando chegar a uma forma comum, simplificada, esvaziada das características concretas assumidas pela evolução da produção gomifera nas várias regiões da Amazônia e capaz, portanto, de se enquadrar em situações bastante diferentes (1979, p.102) cristalizou a noção de ciclo como modelo de explicação e organização dos fatos históricos, criando um discurso monótono e previsível que assim dirigido tem a tendência a excluir as primeiras produções de borracha que antecedem o apogeu, mas que formaram as modalidades iniciais dessas produções. Nesse sentido, João Pacheco acredita que essa descrição tipificada impede que questões como a utilização da mão-de-obra indígena, a presença de outros tipos de produção como a de subsistência e a multiplicidade de papeis econômicos sejam trabalhadas, portanto, para o autor, o atual estudioso da borracha deve estar descompromissado com a noção de ciclo. Neste sentido, esse autor considera o seringal a partir de uma noção de fronteira, ou seja, como um mecanismo de ocupação de novas terras e de sua incorporação, em condição subordinada, dentro de uma economia de mercado (1979, p.106) atentando para o tempo e ritmos diferenciais pelos quais as áreas que a compõem se desenvolvem. E dessa forma, criando modelos alternativos para o seringal, um referente ao período anterior ao auge da borracha, cujas características são a presença de um seringueiro local de origem cabocla e mestiça, de outras formas de produção como a de subsistência, a extração de outros produtos silvestres como o cacau, óleo de copaíba, madeira castanha, pescado, banha de tartaruga, azeite de andiroba, entre outros, associados a uma pequena extração de borracha e a força de trabalho familiar, enfim são algumas das características do que ele chama de seringal caboclo, cuja atividade se localiza no limite da fronteira econômica, na região das Ilhas, na qual se encontra o município de Breves, e do Baixo Amazonas no rio Xingu, Tapajós e Trombetas. O outro modelo de seringal descrito por João Pacheco (1979), seria o do auge ou o do Brabo, forma como foi definido principalmente o seringueiro nordestino, que por não ser da região desconhece o território e a natureza local, esse modelo é o que está cristalizado na historiografia sobre a borracha na Amazônia, formado pelo nordestino que trabalhava isolado, realizando uma exclusiva e alta produtividade de borracha, em áreas muito além da fronteira de mercado.

Bárbara Weinstein (1993), no livro anteriormente citado, também trabalha em certa medida com um modelo de seringal que se estabeleceu no período anterior ao surto gomífero, assim como critica na introdução deste livro a noção de ciclo da borracha e de uma historiografia tradicional e dependentista, fugindo ainda da visão direcionada ao seringueiro, como aquele individuo desumanizado, passivo e escravizado por dívidas. No capitulo referente ao período anterior a expansão a autora cita em larga escala os municípios mais antigos produtores de borracha, localizados na região das ilhas, área de densas florestas ricas em seringueiras, entre os quais estão, Breves, Melgaço e Anajás, sendo que os últimos até a década de 1970 eram distritos do município de Breves. A autora (Weinstein, 1993), assim como João Pacheco (1979) da ênfase a uma discussão que se estabeleceu principalmente neste período, mais especificamente na década de 1850, momento em que a borracha aparece como um importante produto de exportação, e que diz respeito à idéia de agricultura versus extrativismo, na qual a crescente economia da borracha, contrariamente ao que se pensava não recebia o apoio da elite paraense. Primeiramente a elite que se colocou contra a extração da borracha era formada por grandes pecuaristas, comerciantes estabelecidos, grandes latifundiários, cujas propriedades localizavam-se em áreas não produtoras de borracha, as quais no Pará eram a regiões das Ilhas e Baixo Amazonas, normalmente suas propriedades estavam localizadas nas vizinhanças dos centros comerciais de Belém e Santarém, como nos rios Guamá e Tocantins que concentraram boa parte dos engenhos de açúcar, produções de mandioca e arroz, e como principal área pecuária temos a Ilha de Marajó com seus campos naturais. De acordo com a autora (Weinstein, 1993), esta elite e os habitantes da Amazônia de mentalidade desenvolvimentista, criticavam os hábitos migratórios e disperso dos trabalhadores envolvidos com a indústria da borracha, que seriam nocivos ao próprio desenvolvimento dos centros urbanos do interior e a expansão da agricultura, provocando uma ruralização da população que permanecia nos seringais. Como ela mesma exemplifica (Weinstein, 1993, p.63), citando Ferreira Penna que fala sobre a violenta oscilação da população da sede municipal de Breves durante a estação seca e a chuvosa. No próprio livro de Theodoro Braga (1911; p.21), já no momento de expansão da economia da borracha o autor fala a respeito da mudança da sede do município que passa da cidade de Breves para a nova cidade Antonio Lemos, localizada no canal do Tajapurú, que fica próximo aos rios Mapuá e Aramã, áreas de concentrações de seringueiras, ou como na fala do naturalista Henri Walter Bates que viajou pelas águas deste município, utilizada por Theodoro no seu referido livro (1911, p.72) hontem passámos o dia no estabelecimento de

que acima fallamos (sítio isolado). Consiste ele súmente na casa de um commerciante brazileiro, que ahi vive com sua família, não tendo por vizinhos senão alguns índios moradores na matta imediattamente proxima. Admirar-se-á à primeira vista o que levou um homem a isolar-se em meio a sua solidão. Porém o commercio da borracha é extremamente produtivo aqui. Portanto, mesmo o negocio da borracha sendo lucrativo para a região, para a elite latifundiária ele proporcionava na mesma escala a dispersão e isolamento da população que dessa forma ficava mais vulnerável ao sistema de aviamento. Além disso, como expõe João Pacheco (1979), tendo por base uma série de estudiosos contemporâneos ao período anterior à expansão da economia da borracha, a sua cotação e produção, no que diz respeito a esse momento, não foi constante, seguindo uma lógica ascendente, tão presente na noção de ciclo econômico, pelo contrario ela é bem inconstante marcada por súbitas subidas e descidas de cotação. Dessa forma, de acordo com e elite latifundiária era perigoso deixar a economia da região sobre a égide de uma indústria inconstante e nociva ao desenvolvimento urbano e expansão da agricultura. Essa posição contrária tomada pela elite paraense neste momento tem suas origens históricas que estão diretamente relacionadas à formação do seringal caboclo. Como coloca Bárbara Weinstein (1993, p.58), os sinais de progresso na economia agrária podem ter sido estimulantes para as elites de proprietários de terra da Amazônia, mas em breve as esperanças de crescimento continuado se derruíram devido a uma rebelião de proporções nunca vistas. A Cabanagem que desintegrou a vida econômica e social de toda a Amazônia (...) atraiu milhares de caboclos e antigos escravos, cuja participação pouco tinha a ver com as causas originais da rebelião. A formação de uma população rural e semi-autonoma, o que ocorria desde século XVIII, devido aos afrouxamentos sociais e políticos provocados pela rebelião teve seu crescimento acelerado, tendo como conseqüência o rompimento dos vínculos de dependência da população cabocla com a elite branca. Essa população fugitiva teve como refugio seguro, de acordo com os relatos da época, os lugares mais atrasados da região das Ilhas, ou os trechos menos acessíveis dos rios Xingu, Tapajós e Trombetas, locais onde era comum a presença de terras não reclamadas e nas quais a população pobre, escrava e mestiça pode se entregar a uma produção de subsistência, assim como, a uma atividade extrativa, como a da borracha, com a qual ela poderia ter acesso a uma serie de produtos domésticos (Weinstein, 1993). O município de Breves, como expõe Bárbara Weinstein (1993), apresentava antes da ascensão da borracha, um complexo sistema de propriedade de terra totalmente distinto

daquele apresentado no modelo de seringal do auge, marcado inicialmente pela presença de pequenas propriedades, cujas famílias, de acordo com os registros de terras, provinham de uma origem pobre, em que alguns de seus posseiros eram de extração indígena ou escrava. Existiam ainda no referido município algumas propriedades maiores, no entanto, em geral prevalecia a presença de pequenas propriedades, nas quais os seus habitantes, normalmente, estavam dedicados a uma produção de subsistência, a extração de outros recursos silvestres aliadas à extração da borracha, ou seja, a localidade era marcada pela presença de pequenos seringalistas de origem humilde. Essa informação contraria a idéia de uma região de fronteira, na qual a posse da terra é determinada pela força, assim como a presença de um grande seringalista dono de um grande seringal, mantendo milhares de seringueiros escravizados por dívidas. Essa posição, de determinada independência em ralação a elite branca, era o que incomodava os grandes proprietários paraenses, que não possuíam mais o controle dos excedentes produtivo de uma população mestiça e escrava, envolvida cada vez mais com a indústria da borracha, causando outro ponto de conflito que era justamente a perda de uma mão-de-obra que se dispersava pelas florestas atrás das seringueiras. Esse caboclo e sua família de posição política inferior e no isolamento do seringal, em longo prazo, com a expansão da economia da borracha, tornam-se alvos do sistema de aviamento e de uma relação totalmente coercitiva (Weinstein, 1993). No município de Breves, o complexo sistema de propriedade de terra alia-se ainda a uma complexa rede de comerciantes. Esse último dominava a vida social e política das zonas de extração do látex, devido ao seu duplo papel de fornecedor e comprador, no entanto, como expõe Bárbara Weinstein (1993), de acordo com a documentação referente a registros de terra, esses poderiam ser também donos de seringais, como acontece com a família Gonçalves de Lemos, cujo patriarca além de ter sido intendente de Breves, possuía uma casa comercial em Breves, barracões menores espalhados por toda a região das ilhas e doze diferentes seringais avaliados em torno de 66 contos de réis, notificados no seu inventário, analisado pela autora que não deixa de lado uma perceptível rede de endividamento, na qual o sujeito mencionado devia 35 contos para uma firma em Belém e os seus fregueses de Breves e Anajás lhe deviam 17 contos. A autora não esquece também dos comerciantes itinerantes, os famosos regatões, objetos de desprezo da elite tradicional, que condenava tanto a suas práticas comerciais fraudulentas quanto o fato desses serem vistos como astutos e sem raízes.

Considerações Finais A obra de Theodoro Braga sobre o Município de Breves, fala de um modo geral sobre uma localidade extensa, situada na região das Ilhas, área de densas florestas ricas em seringueiras, o seu estudo se prende em questões políticas oficiais e numa descrição do meio natural físico desse município, descrevendo imensamente a importância da sua hidrografia, conhecida pelos seus estreitos de excelente navegação, e da sua flora, que entre outras riquezas apresenta em larga escala seringueiras, da qual se extrai a melhor borracha do mundo (Braga, 1911). Theodoro Braga, escrevendo em um período marcado por uma jovem República e no momento de ascensão da borracha, nos introduz o estudo de uma das mais antigas regiões extratoras de látex, que no anterior a expansão dessa economia apresentou, devido as suas especificidades, tanto históricas quanto naturais, um modelo de organização do seringal distinto daquele estabelecido pela historiografia tradicional sobre a borracha. João Pacheco (1979) sugere que a forma de produção da borracha em que se enquadra o período do apogeu difere daquela presente no período anterior a expansão, realizada no mesmo tipo de unidade produtiva e comercialização que as demais produções, como a do cacau. Esse fato não é omitido nos trabalhos de autoridades regionais, como Ferreira Reis e Armando Mendes, mas apenas visto como uma questão de singularidade regional e atípica. No entanto, João Pacheco partindo de relatos fragmentários, nos quais o seringal é visto de forma heterogênea, tenta definir modelos alternativos de organização da produção da borracha, como o caboclo marcado pela produção de subsistência familiar aliada a extração do látex, realizado por uma população local nos limites da fronteira comercial, ao qual também pode se associar a presença da pequena propriedade e de pobres seringalistas de origem mestiça, não esquecendo a presença crescente do sistema de aviamento marcada por uma rede de dívidas e de créditos, presente também neste seringal, como foi posto por Bárbara Weinstein (1993), que, entretanto, percebe que nesta região das Ilhas geralmente era fraca a presença de um grande seringalista ou de muitos seringueiros aprisionados por dívidas. Esses por sua vez, se lançavam para as florestas, como uma opção de fuga dos vínculos que os ligavam a uma elite branca proprietária de terras, altamente descontente com a evolução da indústria da borracha, que gerava uma nova forma de produção, ameaçadora para a influencia política da elite tradicional. Neste contexto enquadra-se a formação do seringal no município de Breves, e de seu complexo sistema de propriedade de terra, no qual se estabeleceu a pequena propriedade,

assim como uma série de seringueiros de origem mestiça, cabocla e escrava, a qual não posso deixar de comparar com a existência atual dessas pequenas propriedades, normalmente habitadas por posseiros, nesse município, assim como de uma população rural que realiza a famosa roça produtora da farinha de mandioca, aliada a extração em pequena escala da madeira e do palmito, como ocorre intensamente no município de Anajás, e por fim a permanecia do aviamento e do regime das águas, cujo o único meio de locomoção nessa imensa região, ainda são os rios, estreitos, canais e furos de Breves.

Referências Bibliográficas: BRAGA, Theodoro. O Município de Breves (1783-1910). Monografia organizada com o estudo feito sobre documentos oficiais e obras vulgarizadas. Belém: Livraria Gillet de Torres e Comp., 1911. OLIVEIRA, João Pacheco de. O Caboclo e o Brabo Notas sobre duas modalidades de força-de-trabalho na expansão da fronteira amazônica no século XIX. Encontros com a Civilização Brasileira, vol. 11 (1979), pp. 101-140. WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec/ Edusp, 1993.