Conceito, evolução e autonomia do direito penal econômico



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Transcrição:

Conceito, evolução e autonomia do direito penal econômico Eduardo Magalhães Ferreira Mestrando em Direito Empresarial pela FDMC, Servidor Público Estadual 1. CONCEITO Uma das características do Direito Penal moderno diz respeito à frequente aplicação à delinquência econômica ou organizada. Chega-se a afirmar que o delito econômico praticado por uma empresa teria se tornado o paradigma para a construção dogmática em Direito Penal. Nesse cenário, destaca-se o Direito Penal Econômico, cujo conceito está intimamente ligado ao conjunto de normas jurídicas que protegem a ordem econômica, devendo esta ser entendida como a regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Pode-se ainda dizer que se trata do conjunto de normas jurídico-penais que protegem a ordem econômica, tida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia. Alguns autores conceituam o Direito Penal Econômico, ainda, como um ramo do Direito Penal, que trata especificamente das infrações contra a ordem econômica, ou seja, seria uma área do Direito Penal que sanciona determinadas condutas que afetam sensivelmente as relações econômicas e lesam bens jurídico-penais, ultrapassando os limites do mero ilícito administrativo-econômico.

2 Ora, tratando-se a economia de um campo frágil e vulnerável, ataques contra esta efetivados justificam pronta repreensão, diante do forte reflexo social que causa. Não se pode perder de vista que a sociedade e as empresas são direta e fortemente afetadas com os impactos do desequilíbrio econômico. Dessa forma, torna-se imperioso para o bom desenvolvimento da economia a atuação do Estado, ainda mais diante da fragilidade do poder de autoregulação dos mercados. Portanto, a Constituição da República legitima a intervenção estatal na economia, assim como a intervenção na contenção dos ilícitos econômicos, sejam eles em esfera meramente administrativa, sejam em âmbito penal. Assim, diante da necessidade de um controle efetivo dos ataques à ordem econômica, o ilícito foi repartido de acordo com o bem jurídico, entre penais e não penais. Daí a conclusão de que o Direito Penal Econômico seria o ramo do Direito Penal que trata justamente das infrações contra a ordem econômica. Destarte, uma vez que a economia passar a ser o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Econômico, deve-se afastar de sua área de atuação os demais delitos que atingem interesses outros, ainda que similares, como, por exemplo, os crimes falimentares. 2. Evolução Não obstante se possa encontrar desde a Antiguidade dispositivos que versem sobre matéria penal regulamentando atividades econômicas, o que se convencionou chamar de Direito Penal Econômico teria surgido ao longo do século XX, mais especificamente a partir das mudanças sociais decorrentes do período pós-primeira guerra mundial e crise de 1929.

3 Sendo assim, a primeira grande guerra mundial deu início ao surgimento daquilo que, posteriormente, viria a ser o Direito Penal Econômico. Isso porque o Estado viu-se obrigado a intervir no mercado, passando a ser instrumento controlador da vida econômica. Os governos foram acionados para intervir sobre as tragédias decorrentes dos conflitos bélicos, bem como para proteger os Estados que mais sofreram com os ataques de outros países, tornando-se imperiosa a regulação da ordem interna mediante o controle das operações econômicas, para que houvesse equilíbrio e direcionamento legal do capital existente. A crise econômica de 1929 também teve particular importância, pois as mudanças verificadas após aquele evento geraram grandes preocupações de ordem criminológica, como a existência de criminals of the upperworld, constatada por Morris, em 1935, e a elaboração da teoria do White-collar crime, idealizada por Edwin H. Sutherland, em 1939. O Direito Penal Econômico, diante desse cenário excepcional, que exigiu maior presença dos Estados Liberais, destinou-se a descrever as condutas que, se praticadas, desestabilizariam a ordem econômica, colocando em risco as demandas sociais e os objetivos dos governos. A exemplo do que ocorreu em diversos países, várias leis foram criadas no Brasil, visando a adoção de medidas de contenção e punição de condutas lesivas ao patrimônio privado e ao patrimônio público. Citam-se, como exemplo: a) Lei nº 8.137/90 (Crimes contra a ordem tributária); b) Lei nº 8.176/91 (Crimes contra a ordem econômica); c) Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa); d) Lei nº 4.729/65 (Sonegação Fiscal); e) Lei nº 7.492/86 (Colarinho Branco); f) Lei nº 8.978/90 (Código de Defesa do Consumidor); g) Lei nº 9.034/95 (Crime organizado);

4 h) Lei nº 9.613/98 (Lavagem de capitais); i) Lei nº 6.385/76 (Mercado de Valores Mobiliários); j) Lei nº 9.279/96 (Patentes); l) Lei nº 11.101/2005 (Recuperação de Empresas e Falência). Não bastasse a influência das guerras sobre os países, o processo de consolidação da democracia nas denominadas transições dos regimes de governos, com a participação de civis nestes, fomentou a regulamentação das condutas ilícitas praticadas no mercado e em esfera pública, haja vista a incidência de grande número de grupos formados para a realização de fraudes, cujos prejuízos, não raramente, eram de grande monta. As conseqüências revelavam inúmeras perdas, tanto para empresas como para o erário público, que deixava de aplicar recursos em políticas básicas. Contudo, o Direito Penal Econômico alcançou patamares mais expressivos e maior relevância científica após a realização em Roma, em 1953, do VI Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, quando então a esse ramo do Direito foi atribuída a tutela das atividades econômicas regulamentadas não apenas pelo Estado, mas também por associações profissionais que buscassem o aumento e justa distribuição de bens na sociedade. Na Alemanha, no início de 1972, durante o 49º Congresso de Juristas Alemães e, mais tarde, com a criação de uma Comissão de Experts para a Luta contra a Delinquência Econômica, surgiu um movimento a favor da criminalização de condutas em âmbito econômico, com base nas crescentes críticas ao sistema econômico, no repúdio à conduta de certas empresas, especialmente em matéria de meio ambiente, em escândalos econômicos de grande repercussão na opinião pública, dentre outros fatores. Sendo assim, a regulação jurídica das atividades econômicas desencadeou o surgimento de normas penais que visassem a proteção desta atuação estatal. Isto porque o intervencionismo estatal gerou a crise do liberalismo e mais, o fenômeno da globalização

5 tirou desta especialidade do Direito Penal o caráter meramente regional, uma vez que o mundo globalizado trouxe novas formatações para a atividade ilícita: criminalidade supranacional e crime organizado. A verdade é que a estrutura tradicional do Direito Penal não poderia tratar daquela nova criminalidade econômica, uma vez que houve uma mudança considerável nas premissas sociais que orientam a intervenção punitiva. As proteções a bens jurídicos passaram a adquirir novos contornos, como erário, sistema financeiro, ordem econômica etc. Desta forma, o tradicional sistema punitivo deu lugar a uma intervenção agressiva, prevencionista (crimes de perigo abstrato) e até, em determinadas situações, sem qualquer legitimação constitucional. Portanto, com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, surgiu um novo tipo de criminalidade, envolvendo a ordem econômica. Devido às características destas ações, os crimes desta natureza são praticados, via de regra, por pessoas que possuem uma certa respeitabilidade social, devido à posição profissional que ocupam. Normalmente, não se trata de pessoas detentoras de um perfil ameaçador, o que torna ainda mais difícil a investigação para determinação da ilicitude das condutas, bem como a conseqüente responsabilização dos autores. Pode-se afirmar que a Procuradoria-Geral da República (Ministério Público Federal) e a Polícia Federal assumiram fundamental papel de confronto com os grupos criminosos e pessoas individuais que praticam crimes contra a ordem econômica. Em se tratando de crime econômico, tem-se que a atuação ilícita dá com uma maximização organizacional com busca ao enriquecimento indevido, mediante o uso de

6 fraudes e dissimulações e incidindo diretamente sobre os fatores motrizes da economia, em especial, camuflando-se em pessoas jurídicas que desenvolvem atividades em várias áreas como tributária, empresarial, trabalhista, cível etc., mas sempre com o objetivo único de obtenção de lucros e lesão à economia. Tal idéia relaciona-se diretamente à existência do crime organizado, pois ampara em forte logística e em avançados métodos de proliferação do crime, isto é, referida visão parte da premissa de que todo crime econômico é amparado em uma sólida reunião de agentes engajados com o propósito de lesar a economia. A partir daí, verifica-se que o ilícito penal econômico surge a partir de uma norma penal tipificando ataques frontais aos pilares fundamentais da atividade econômica, afetando o bom desenvolvimento e evolução da política econômica estatal. Nesta concepção do Direito Penal Econômico, verifica-se a existência de delitos de variadas ordens: a) determinados pela natureza do estatuto social da empresa (falimentares e societários); b) determinados pela natureza da atividade da empresa, podendo ser delitos contra outros sujeitos econômicos (propriedade industrial, concorrência desleal, consumidor, relações de trabalho, livre concorrência, ambientais) ou contra instituições (financeiras, tributárias, administração pública, por vezes). Os bens jurídico-penais supra-individuais acompanham essa classificação. Salienta-se que tais crimes também podem ser praticados através ou no interesse de empresas e corporações, por ações orquestradas por seus representantes legais e dirigentes, daí a razão da relevante discussão acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Entretanto, existem outros crimes que, não obstante praticados por qualquer pessoa, também podem afetar, lesar ou colocar em perigo o normal funcionamento do sistema econômico-financeiro ou de outros interesses coletivos e difusos, tais como evasão de divisas, sonegação fiscal, omissão de recolhimento de tributos, poluição do

7 meio-ambiente causada em larga proporção por queimadas irresponsáveis, desmatamento de áreas protegidas etc. 3. Autonomia Na doutrina há quem entenda ser possível a autonomia plena do Direito Penal Econômico em relação ao Direito Penal tradicional, de tal forma que o processo de ruptura se daria em quatro momentos: 1) verifica-se a racionalidade desta nova teoria geral; 2) cria-se uma especial legalidade (aceitação de normas penais em branco, ruptura parcial do princípio da taxatividade e admissão de tipos penais abertos como integração analógica); 3) dá-se novo perfil às definições estruturais do Direito Penal tradicional (tipicidade, ilicitude, culpabilidade, concurso de pessoas, relação de causalidade etc.); 4) reestrutura-se o sistema de penas, em virtude da ineficácia da pena privativa de liberdade. Lado outro, também não se poderia taxar tal autonomia de absoluta, pois a aceitação de tal ideia acarretaria o rompimento com a tradição humanista e liberal do Direito Penal (Righi, 2000). Portanto, o Direito Penal Econômico não poderia simplesmente se isolar em seus fundamentos principiológicos, uma vez que a mudança de perspectiva de proteção de bens jurídicos (do individual para o supra-individual) é a marca da ordenação normativa deste ramo do Direito Penal. Há, aí, uma hipertrofia do sistema penal para atingir esta nova criminalidade. A verdade é que o Direito Penal Econômico trata de um sistema punitivo em evolução que necessita de transformações dogmáticas e político-criminais, todavia não se podendo afastar dos princípios que inspiraram sua formação humanística. Disto conclui-se que não é a absoluta autonomia desta especialização do Direito Penal que resolverá o problema da criminalidade econômica, devendo-se sempre recorrer,

8 dentro do possível, a outras disciplinas jurídicas, bem como não se olvidando de manter laços com a ordem constitucional, vale dizer, ao mesmo tempo em que a punição se legitima pela proteção a direitos e garantias fundamentais (definindo os bens jurídicopenais), limita-se a intervenção penal ao respeito a critérios de proporcionalidade, como ofensividade, insignificância, intervenção mínima e ultima ratio. 4. Referências Bibliográficas ALMEIDA, Arnaldo Quirino de. Síntese de Direito Penal Econômico: conceito, objeto e características da criminalidade econômica. Disponível em 01/08/2012 em http://arnaldoquirino.com/2012/01/09/sintese-de-direito-penal-economico-conceitoobjeto-e-caracteristicas-do-direito-penal-economico/. ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Ilícitos Penais Econômicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, s/d. COSTA JÚNIOR, Paulo José da; PEDRAZZI, Cesare. Tratado de Direito Penal Econômico. Vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, s/d. CRESPO, Aderlan. Direito Penal Econômico. Disponível em 01/08/2012 em http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_35012/artigo_sobre_direito_penal_economi co. FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael (coordenadores). Direito Penal Econômico: questões atuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. LOPES, Luciano Santos. Conceito de Direito Penal Econômico e sua pretensa autonomia. Disponível em 01/08/2012 em http://www.iamg.org.br/lerpublicacao.php? publicacao=279. PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. PODVAL, Roberto (coordenador). Temas de Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. RIGHI, Esteban. Los delitos económicos. Buenos Aires: Ad Hoc, 2000. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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