Estudo da Legislação Penal de Combate ao Racismo



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Transcrição:

Estudo da Legislação Penal de Combate ao Racismo Professor: Almiro de Sena Soares Filho 1. Introdução A declaração de direitos humanos da Organização das Nações Unidas de 1948 significou um divisor de águas na história da evolução e efetivação dos direitos e das garantias fundamentais da pessoa humana, porque a partir dela estabeleceu-se a concepção dos direitos humanos sob o enfoque da especialização dos direitos e dos sujeitos a que se destinam. Percebeuse então a necessidade de proteção específica àquelas populações, grupos e indivíduos afrodescendentes ou oriundos dos povos do continente africano, uma vez que esse povo foram, historicamente, agredidos, de diversas formas, em sua dignidade. Como o Brasil é formado por diversas etnias, por vários povos provenientes de diversos locais do mundo, é especialmente importante para nós conhecer profundamente a legislação que trata sobre as questões étnico-raciais. 2. Conceito Legal de Discriminação Racial É dado pela Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, feita pela ONU e ratificada pelo Brasil em 1968. Em seu artigo 1º tem-se que a expressão "discriminação racial" significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. É importante ressaltar que existe uma exceção à essa regra jurídica, ou seja, uma discriminação que seja permitida - é a discriminação positiva, prevista no parágrafo 4º do artigo 1º da referida Convenção, que dispõe: "Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos". Em nossa Constituição Federal de 88, artigo 5º, 2º e 3º temos disposição a respeito da incorporação de Tratados Internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro. Ainda

tendo por base a Carta Maior, considere-se que no: Artigo 5º, incisos XLI e XLII - considera a prática do racismo crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Artigo 1º, inciso III - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um valor essencial nos países livres. Artigo 3º, inciso IV - é um dos objetivos principais da República combater o preconceito e a discriminação. Artigo 4º, inciso VIII - reafirma o compromisso da República de combater o racismo em todas as suas manifestações. Ressalte-se ainda que nos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias ADCT - artigo 68, o legislador constitucional visa resgatar a propriedade das populações quilombolas, incumbindo ao Estado Brasileiro o seu reconhecimento. Essa é uma forma eficaz e positiva do Estado e da sociedade brasileira na tentativa de eliminar e atenuar todas as conseqüências negativas do racismo para as diversas populações do país. 3. Legislação Penal Infraconstitucional Tipifica atos e condutas consideradas como crime perante o ordenamento jurídico pátrio. Na Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989 temos tipificados os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, consoante alteração da Lei nº 9.459 de 13 de maio de 1997. 4. Diferenças conceituais entre Discriminação, Preconceito e Racismo 4.1. Discriminar, em sentido amplo, é o ato de distinguir, separar, diferenciar. Isso nem sempre é ruim, pois por vezes é feito para se obter resultados positivos, desde que feito por critérios corretos, sendo feito de forma corriqueira no cotidiano. O sentido que se quer enfocar neste caso é a Discriminação Racial, que é totalmente repudiável e punível em nosso ordenamento. 4.2. Preconceito é a idéia preconcebida, anterior, com base na qual alguém, sem tomar conhecimento devido de determinada situação, já produz uma idéia anterior sobre outra pessoa ou circunstância, seja ela positiva ou negativa. O preconceito condenável é aquele que se baseia em questão religiosa, sexual, de procedência nacional ou étnico. Porém o preconceito, enquanto apenas no plano das idéias, da cogitação, não pode ser punido. Mas quando essa idéia preconceituosa é exposta, sendo veiculada e divulgada na sociedade, aí sim essa conduta é reprovável e seu autor pode ser punido.

4.3. Racismo é uma doutrina, um pensamento elaborado durante séculos em que se considerou que um determinado povo poderia ser superior a outro tão somente com base na formação biológica, composição étnica, na cor da pele ou textura dos cabelos. É um pensamento científico que hoje resta superado. Historicamente, no século XIX, o racismo foi considerado ciência na Europa, tendo sido parcialmente absorvida pela sociedade brasileira. No preâmbulo da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial tem-se que: "A doutrina da superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, não existindo justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum. De qualquer forma, se consideramos que o Racismo resta superado nos dias de hoje, pergunta-se por que a insistência quanto à discussão desse assunto. Tal discussão se justifica na necessidade de contemplar que, ainda em nossa realidade, se vê a presença do Racismo subsistindo na mentalidade de algumas pessoas e até mesmo em alguns meios acadêmicos. Sendo assim, uma vez ou outra nos deparamos com questões relativas à raça. Por isso faz-se necessário compreender e distinguir os conceitos de Raça, Cor e Etnia na legislação, uma vez que o Direito não pode ignorar a realidade. 5. Diferenças entre Raça e Cor 5.1. Raça: Segundo Luigi Luca Cavalli Sforza, Sérgio Danilo Pena e Oracy Nogueira, estudiosos da medicina e cientistas, as diferenças biológicas e anatômicas entre seres humanos são ínfimas, não sendo suficientemente importante para diferenciar os seres humanos. Nesse sentido, não há que se falar em raça para animais racionais, apenas para os irracionais, pois neles se observa diferenças relevantes para classificá-los. 5.2. Cor: É apreciação da coloração da pele que, de acordo com a pigmentação, apresenta quantidade maior ou menor da substância melanina. Essas variações são, cientificamente, comprovadas como insignificantes para diferenciar um ser humano de outro. Em nosso país, verifica-se que as pessoas que tem uma coloração de pele mais branca, tem maior possibilidade de ascensão social, podendo vir a ocupar altos cargos na esfera pública e privada mais facilmente do que os de coloração mais escura. É o chamado preconceito de marca, diz respeito apenas ao biotipo da pessoa, coloração da pele, tipo de cabelo ou contorno das feições faciais. Nos EUA, predomina o preconceito de origem, no qual verifica-se também a ascendência da pessoa, não basta apenas a pessoa ser branca, sendo relevante saber também se ela tem herança indígena ou negra.

6. Tipos penais da Lei de Combate ao Racismo - Lei 7.716/89 Esta lei tipifica 20 condutas, variando desde o impedimento ao acesso de pessoas à cargos públicos até o impedimento de crianças e adolescentes à escola. Nos artigos 1º a 19 são tipificadas condutas de discriminação racial, étnica, religiosa ou procedência nacional (xenofobia). Esses crimes são imprescritíveis e inafiançáveis. A partir do artigo 20 dessa lei, teremos a descrição de condutas cuja amplitude é bem maior. Nos artigos anteriores, a ofensa era destinada a sujeitos únicos e determinados, mesmo que de um grupo étnico ou racial. Os tipos penais descritos no artigo 20 comportam condutas específicas no sentido de serem manifestações racistas. Haverá ainda a incidência de uma qualificadora para os casos em que essa manifestação se dê por meio de imprensa e também há um procedimento específico para os crimes de racismo, tendo em vista o alcance e poder de ofensividade desses crimes. 7. O crime de Injúria Racial No Código Penal também há tipificação de crime racial, que é o artigo 140, 3º, que traz a conduta de injúria racial. Este é um crime formal, que tem por objetivo atingir o decoro, a honra subjetiva da pessoa. A honra subjetiva corresponde aquilo que alguém pensa sobre si mesmo. A Injúria Racial se distingue do crime do caput porque neste a honra é ofendida por várias expressões, não especificamente racistas. Já quando a honra for atingida por expressões unicamente de cunho racista, aí sim estamos diante de injúria racial. 7.1. Diferenças entre o crime de racismo e a injúria racista O crime de Injúria Racial é prescritível, afiançável e de Ação Penal Privada. Já o crime de Racismo é imprescritível, inafiançável e de Ação Penal Pública Incondicionada. 7.2. Como diferenciar esses dois tipos de crimes? Não há um pensamento unânime na doutrina e jurisprudência. Há pontos de vista que se destacam, dentre eles, há dois posicionamentos: O primeiro ensina que se deve verificar a questão subjetiva, ou seja, analisar se quando o agente proferiu aquelas expressões, ele estava querendo atingir aquele indivíduo do grupo étnico-racial ou ele queria atingir toda a coletividade, todo o grupo ao qual faz parte a vítima. O problema está em avaliar exclusivamente esse critério, porque depende unicamente da pessoa que proferiu as expressões. Na prática, o que se vê é que o agressor, quando assume que proferiu as

injúrias, justifica-se afirmando que as fez porque estava irritado com a vítima, mas que não é racista, tendo vizinhos, amigos e até parentes negros. O segundo posicionamento toma por base o contexto objetivo em que foi pronunciada aquela expressão. Então analisa-se o ambiente em que se deu a conduta, a pessoa que pronunciou, a própria vítima, o histórico de conduta de cada envolvido, além da análise do próprio critério subjetivo para que se possa classificar a conduta como Injúria Racial ou Racismo. A crítica que se faz a essa dicotomia legal é que ela acaba por beneficiar o infrator de crime de racismo, porque tende a classificar-se as condutas como meras injúrias. 8. A questão do Racismo em outros diplomas legais Importa também mencionar que a questão do racismo é repudiada por outras leis importantes de nosso ordenamento, como: 8.1. Lei de Combate à Tortura 9.455/97: Em seu artigo 1º, I, "c", que dispõe: "Constitui crime de tortura: constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de discriminação racial ou religiosa". A pena para este crime é de Reclusão, de 2 a 8 anos; 8.2. Lei de Combate ao Genocídio 2.889/56: Em seu artigo 1º tem-se que "quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional étnico, racial ou religioso" por morte, lesão grave ou outro tipo de violência. A pena para este crime é a mesma que a pena cominada para o homicídio qualificado, ou lesão corporal qualificada, etc; 8.3. Lei de Imprensa 5.250/67: Seu artigo 14 tipifica como crime a propaganda de preconceitos de raça ou de classe, cominando pena de Detenção, de 1 a 4 anos. 8.4. Tribunal Penal Internacional: Recentemente criado através do Estatuto de Roma, a lei que estabelece esse Tribunal e que também torna o Brasil submetido a ele, estabelece, em seu artigo 6º, sua competência para julgar crimes raciais. 9. A questão político-social do racismo no Brasil: Importa discutir essa questão como uma forma de resgatar a identidade do povo brasileiro. Quando se fala em combate ao racismo e aplicação da legislação relativa, o que se quer é o reconhecimento dos negros como cidadãos comuns, com a punição e repressão dos agentes de racismo e a promoção da igualdade étnico-racial. Mas para que o racismo seja realmente combatido, é preciso haver políticas públicas e resgate de valores, que devem ser veiculados também pela mídia, ressaltando-se a importância da população negra na formação da sociedade brasileira.