Desenvolvimento de larvas de Aedes aegypti L. (Diptera: Culicidae) em diferentes tipos de água Gervina B. M. Holanda Ivna R. S. Melo Raissa M. Braga Rebecca B. Silva Orientadora: Profa. Dra. Ana Fontenele Urano Carvalho Centro de Ciências Departamento de Biologia Disciplina de Fisiologia Animal Introdução Apesar do grande número de estudos realizados em diferentes países que visam ao melhor conhecimento da biologia, ecologia e controle de Aedes aegipty, a espécie tem sido relativamente pouco investigada, considerando-se a heterogeneidade de ambientes nos quais ocorre. Como em muitos outros países, a dengue é um problema de saúde pública no Brasil. O estado do Ceará apresenta históricos de casos de dengue desde 1986. Nos últimos anos, casos de dengue foram confirmados em todos os meses do ano, com maior incidência após o período de início das chuvas (Núcleo de Vigilância Epidemiológica, 2008). Uma das características que distingue A. aegypti de outras espécies de mosquitos é a capacidade de desenvolver suas larvas em grande variedade de ambientes naturais e artificiais (Foks et al., 1993; Chiaravalloti-Neto, 1997). Trata-se de um mosquito com hábito predominantemente urbano (Consoli & Lourenço, 1994). O mosquito desenvolve-se preferencialmente em criadouros artificiais, tanto aqueles a céu aberto, preenchidos por água de chuvas, como aqueles utilizados para armazenar água para uso doméstico. O período de eclosão de ovos a mosquitos adultos varia de acordo com a temperatura e a disponibilidade de alimento do meio. O Brasil oferece propícias condições de temperatura e umidade para o mosquito se desenvolva, estando presente em cerca de 3600 municípios brasileiros (Tocantins, 2003). A importância dos estudos ecológicos recai na constatação de que populações de A. aegypti, de diferentes áreas geográficas, podem diferir quanto a importantes
características bio-ecológicas de relevância para orientar as ações de controle (Reiter et al., 1995). Com o grande número de casos de dengue no Brasil e no estado do Ceará, faz-se necessária a realização de pesquisas sobre a influência do ambiente no desenvolvimento do mosquito, a fim de identificar possíveis fatores que possam influenciar a proliferação de larvas dos mosquitos em espaços urbanizados. O objetivo o presente trabalho é analisar o desenvolvimento de estágios de Aedes aegypti em diferentes tipos de água, realizando-se uma análise dessas amostras. Metodologia 1.Coleta e análise de água Foram selecionados quatro tipos de água de diferentes locais: o açude Santo Anastácio, uma piscina de condomínio residencial, tratada diariamente com 300 ml de hipoclorito de cálcio 65%, o rio Galvão e um poço artesanal, localizados no estado do Ceará. O controle utilizado foi água de torneira desclorinada. A coleta foi realizada no mês de maio, durante a estação chuvosa. As amostras para a análise microbiológica foram coletadas em frascos de vidro estéreis (100mL) e armazenadas a temperatura de 5 C. A análise foi efetuada com um prazo máximo de 6h após a coleta. O parâmetro físico-químico da água analisado foi o ph, medido em um phmetro (DigiMedDH20 Digicrom analítica). A qualidade bacteriológica de água foi analisada através da técnica de tubos múltiplos para a determinação do número mais provável (NMP) de coliformes totais de acordo com a metodologia da American Public Health Association (1995). O processo foi realizado em duas etapas. Na primeira, as amostras foram diluídas e inoculadas em tubos contendo o meio de cultura caldo Lauryl Sulfato Triptose (teste presuntivo para bactérias do grupo coliformes totais). Na segunda etapa foi realizado o teste confirmatório, em que foi inoculada uma alçada dos tubos positivos, onde a positividade era indicada pela produção de gás, para o meio caldo VB (Bile verde brilhante). O NMP de coliformes totais foi estimado pela tabela de Taylor. 2. Seleção e incubação dos ovos de Aedes aegypti A linhagem de Aedes aegypti escolhida para o estudo foi a panamericana. Os ovos fornecidos pelo Núcleo de Endemias Transmissíveis por Vetores (NUEND), foram
contados em placas de Petri com o auxílio de lupa, selecionando-se aqueles viáveis, com formato fusiforme e aspecto brilhoso. O experimento foi realizado em triplicatas, cada uma consistindo de 100 ovos. As cartelas contendo os ovos foram submergidas em frascos de vidros contendo 100 ml de água a ser analisada. Os frascos foram, em seguida, vedados com gaze hidrófila e tiras elásticas e acondicionados em temperatura ambiente, variando de 25 a 29 C, em local sombreado. 3. Análise do desenvolvimento Para análise do desenvolvimento, foi feito um acompanhamento diário, durante 20 dias, da quantidade aproximada de larvas presentes nas amostras para as seguintes fases do desenvolvimento de um indivíduo: larva de 1 estágio, larva de 2 estágio, larva de 3 estágio, larva de 4 estágio, pupa e mosquito adulto. Essa contagem foi conduzida de forma indirete, buscando-se situar a quantidade de larvas para cada fase nas categorias zero, 0-25%, 25-50%, 50-75% e 75-100%, tornando-se como padrão a quantidade de larvas presentes nas amostras da água do açude, nas quais, ao primeiro dia, pode-se observar que entre 90-100 ovos haviam eclodido, valor estimado visualmente. Foram registrados nesse acompanhamento os dias em que indivíduos dos diferentes estágios do desenvolvimento de A. aegypti surgiram e o tempo de persistência de cada estágio nas amostras. No 21 dia, foi realizada uma contagem direta, com o auxílio da lupa, dos organismos vivos presentes nas triplicatas, identificando-se em qual estágio do desenvolvimento encontrava-se cada indivíduo. Para análise quantitativa do desenvolvimento, foram consideradas as médias das classes amostrais estabelecidas, isto é, os valores 0% (para classe zero), 12,5% (para a classe 0-25%), 37,5% (para a classe 25-50%), 62,5% (para a classe 50-75%) e 87,5% (para a classe 75-100%). Inicialmente, foram calculadas as médias das triplicatas de cada tipo de água analisadas para cada dia do acompanhamento para 1, 2, 3 e 4 estágios larvais, obtendo-se, então, as médias diárias dos estágios para as amostras de água. Resultados e Discussão
Segundo Consoli e Lourenço-de-Oliveira (1994), a maioria das larvas de mosquitos alimenta-se indistintamente do microplâncton presente em seus habitats, constituído de algas rotíferas, bactérias, esporos de fungos, ou quaisquer partículas de matéria orgânica. Então, alguns dos resultados apresentados no estudo, como o alto índice de proliferação de larvas nas águas do açude, do rio e do poço, podem ter sua explicação na alimentação do inseto, que, ao que tudo indica, desenvolve-se melhor em ambientes com partículas dissolvidas, como é o caso desses tipos de água. Os mesmo autores, porém, afirmam que, para ocorra a proliferação de A. aegypti, é necessário que a água armazenada seja limpa, isto é, não turva, pobre em matéria orgânica e em sais, o que não é o caso da água coletada no açude no Santo Anastácio e no rio Gavião. Foi observado um grande índice de mortalidade de larvas nos últimos dias da análise, principalmente nas amostras de água do açude. Segundo Gama et al. (2005), uma elevação na densidade larvária em condições de laboratório pode causar o aumento
da mortalidade das larvas, devido, provavelmente, à carência de alimentos e à superpopulação, que afetam o desenvolvimento também em campo. Apenas nas amostras de água do açude, do poço e de água da torneira declorinada desenvolveram-se pupas e mosquitos adultos. As pupas surgiram a partir do 14 dia de análise, enquanto que os mosquitos foram encontrados nas referidas amostras a partir do 16 dia. O resultado obtido para as amostras do açude e do poço era esperado, já que se trata de meios em que houve um grande e rápido desenvolvimento das larvas, em comparação com as amostras da piscina e da água de torneira declorinada. Contudo, o resultado observado para esta última pode ser explicado pelo fato de a triplicata em surgiram pupa e mosquito adulto apresentar somente um indivíduo durante grande parte do desenvolvimento larval, o que corrobora a idéia da competição do desenvolvimento e crescimento reduzido em elevadas densidades larvárias. A partir da análise das médias do tempo de persistência de cada estágio larval, pode-se perceber que na água da torneira declorinada o número de dias de presença do 1 estágio larval é alto, se comparado com o das demais amostras. De forma inversa, o número de dias de presença registrado para os estágios finais do desenvolvimento larval dessa mesma amostra é inferior ao apresentado pelos demais tipos de água. Esse padrão aponta, possivelmente, para um ritmo de crescimento das larvas mais lento na água da torneira declorinada, provavelmente devido a baixa disponibilidade de alimento. A resolução N 20/86 do CONAMA, art 5, estabelece que o índice limite de coliformes totais para águas destinadas à proteção das comunidades aquáticas é de 5000 coliformes totais por 100 ml. Utilizando-se esse padrão para verificar a qualidade das águas analisadas, já que estas constituem um meio de desenvolvimento de comunidades aquáticas, observa-se que a água do açude e a água do rio ultrapassam esse limite. Entretanto, o desenvolvimento larval nesses tipos de água ocorreu de maneira rápida e a maior parte dos ovos eclodiu. Isso indica que as larvas são resistentes e adaptadas à água poluída e que provavelmente se desenvolveram bem devido à presença de partículas orgânicas das quais se alimentaram. O desenvolvimento larval de A. aegypti varia de acordo com as condições biológicas da água onde se desenvolve. É necessária a realização de estudos abrangendo outros aspectos físico-químicos e biológicos dos potenciais criadouros do mosquito. É importante que se considere
linhagens de mosquito com relevância epidemiológica, para que se busquem alternativas eficazes para reduzir a sua proliferação. Referências American Public Health Association. Standard methods for the examination of water and wastewater. 15. Ed. New York, 1995. Chiaravalloti-Neto, F. 1997. Conhecimentos da população sobre dengue, seus vetores e medidas de controle em São José do Rio Preto, São Paulo. Cadernos de Saúde Pública, 13:447-453. Consoli, R. A. G. B. & Lourenço-de-Oliveira, R. 1994. Principais mosqitos de importância sanitária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. Focks, D. A.; Haile D. G.; Daniels, E. & Mount, G. A. 1993. Dynamic life table model for Aedes aegypti (Diptera: Culicidae): Simulations results and validation. Journal of Medical Entomology, 30: 1018-1028. Gama, R, A, et al. 2005. Efeito da densidade larval no tmanho de adultos de Aedes aegypti criados em condições de laboratório. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropcial, 38 (1):64-66. Kay BH, Nam VS, Tien TV et al. 2002. Control of aedes vectors of engue in three provinces of Vietnam by use of Mesocyclops (Copepoda) and community-based methods validated by entomologic, clinical and serological surveillance. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 66, 40-48. Núcleo de Vigilância Epidemiológica. 2008. Boletim Semanal da Dengue. Disponível em: http://www.saude.ce.gov.br/internet/publicacoes/boletins/dengue/dengue_20_06_2008.p df. Acesso em: 23 de junho de 2008. Reiter, P.; Amador, M. A.; Anderson, R. A. & Clark, G. C. 1995. Short report: Dispersal of Aedes aegypti in urban area after blood feeding as demonstrated by rubidium-marked eggs. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, 52:177-179. Resolução CONAMA N 20, de 18 de junho de 1986. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res2086.html. Acesso: 17 de junho 2008. Tocantins 2003. Dengue. Portal da Saúde do Tocantins, Palmas, Tocantins.