POLLYANNA DE OLIVEIRA ARAÚJO

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Transcrição:

POLLYANNA DE OLIVEIRA ARAÚJO O BRASIL E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: Análise de Despacho Proferido por Ministro do STF Celso de Mello em petição 4.625-1/República do Sudão Professor: Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros. BRASÍLIA 2009

RESUMO O presente artigo tem como objetivo demonstrar a inexistência de uma democracia verdadeira, pura, nos Estados que adotam tal forma de governo. A idéia trazida como democracia, é de demagogia, ou seja, uma democracia impura, uma forma corrupta da verdadeira democracia. Diante disso, o estudo se faz pertinente tendo em vista o pensamento de Carl Schmitt que demonstra o falso discurso trazido pela democracia existente nos Estados Democráticos. Palavras-Chave: Democracia. Princípio da identidade. Estado democrático. ABSTRACT The present article has how aim to demonstrate the non-existence of a true, pure democracy, in the States that adopt such a form of government. The idea brought like democracy, is of demagogy, in other words, an impure democracy, the corrupt form of the true democracy. Before that, the study is made relevant have in mind the thought of Carl Schmitt what demonstrates the false speech brought by the existent democracy in the Democratic States. Keywords: Democracy. Beginning of the Identity. Democratic State.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 4 1 SOBERANIA ESTATAL VERSUS TPI... 4 2 IRRELEVÂNCIA DA QUALIDADE DE OFICIAL... 7 3 ENTREGA DIFERENTE DE EXTRADIÇÃO... 9 4 PRISÃO PERPÉTUA... 11 5 RESERVA LEGAL... 13 6 COMPETÊNCIA DO STF... 14 CONCLUSÃO... 15 REFERÊNCIAS... 16

4 INTRODUÇÃO O Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, profere despacho referente a pedido de cooperação feito pelo Tribunal Penal Internacional, em razão de ausência eventual do Ministro-Presidente e seu substituto regimental, de acordo com artigo 37, inciso I do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Senão vejamos: Submete-se, ao Supremo Tribunal Federal, o exame de pedido de cooperação judiciária que objetiva a detenção para ulterior entrega ao Tribunal Penal Internacional de determinado chefe de Estado estrangeiro, em pleno exercício de suas funções como Presidente da República de um país africano. 1 Todavia, algumas são as indagações formuladas no Brasil e em outros países que ratificaram o Estatuto de Roma. A compatibilidade das normas internas, com as normas postas em tal Estatuto, parecem em algum momento não existir. É com essa preocupação, que alguns países reformaram suas constituições a fim de compatibilizá-las com a jurisdição do TPI, enquanto outros resolveram decidir tais incompatibilidades posteriormente. O Brasil reformou sua constituição com a Emenda Constitucional n. 45 de 2004. Tal emenda introduziu o artigo 5, 4 da Constituição Federal, determinando, assim, a sujeição do Estado brasileiro a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Nesse contexto, o Ministro Celso de Mello expõe algumas reflexões suscitadas em torno do TPI e do Estatuto de Roma. 1 SOBERANIA ESTATAL versus TPI A posição ocupada pelo TPI de subsidiariedade, de complementaridade, é o que lhe impede de ferir a soberania do Estado sobre o qual tem jurisdição. O TPI não 1 STF, Petição 4.625-1/República do Sudão.

5 invade tal Estado e o impede de julgar seus criminosos, pelo contrário, atua no caso de um julgamento forjado ou na falta de um julgamento. Nesse sentido, Flávia Piovesan: Surge o Tribunal Penal Internacional como aparato complementar as cortes nacionais, com o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves crimes internacionais, considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirma-se, desse modo, a responsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos humanos, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Vale dizer, a jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar a do Estado, ficando, pois, condicionada a incapacidade ou omissão do sistema judicial interno. O Estado tem, assim, o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacionais, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Como enuncia o artigo 1 do Estatuto de Roma, a jurisdição do tribunal é adicional e complementar a do Estado, ficando condicionada a incapacidade ou a omissão do sistema judicial interno. Dessa forma, o Estatuto busca equacionar a garantia do direito a justiça, o fim da impunidade e a soberania do Estado, a luz do princípio da complementaridade e do princípio da cooperação. 2 Sendo assim, podemos entender que o TPI não fere a coisa julgada, pois esse estaria atuando apenas quando fosse necessário em uma condição de cooperação. Artigo 20, 3 do Estatuto de Roma : Ne bis in idem: 3 - O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal por atos também punidos pelos artigos 6.º, 7.º ou 8.º, a menos que o processo nesse outro tribunal: a) Tenha tido por objetivo subtrair o argüido à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça. 3 Artigo 17 do Estatuto de Roma: Questões relativas à admissibilidade: 2 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. Editora Saraiva, 2008, 9ª edição, p. 223/224. 3 Estatuto de Roma.

6 1 - Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o artigo 1.º, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou não tenha capacidade efetiva para o fazer; b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade efetiva para o fazer; c) A pessoa em causa tiver sido já julgada pela conduta a que se refere à denúncia e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no n. 3 do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. 2 - A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no artigo 5.º; b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) O processo não ter sido ou não estar a ser conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar a ser conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça. 3 - A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o argüido, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo. 4 4 Ibidem.

7 Artigo 5, inciso XXXVI da CF/88 a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 5 Coisa Julgada Material artigo 467 do CPC é a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeira a recurso ordinário ou extraordinário. 6 Portanto, é válido reforçar que A jurisdição do TPI é subsidiária à jurisdição estatal. O Tribunal somente atuará quando o julgamento local tiver sido forjado para absolver o autor dos crimes definidos pelo Estatuto, ou então quando a investigação e o processamento desses acusados demorar injustificadamente. 7 Também não se pode pensar que o reexame das questões já decididas em último grau pelas instâncias nacionais competentes colida com a CF/88, nesse caso a norma constitucional brasileira deve ceder perante jurisdição do TPI, como no caso da proibição de pena de caráter perpétuo. 8 2 IRRELEVÂNCIA DA QUALIDADE DE OFICIAL Determinadas funções são protegidas por imunidades internacionais, ou seja, a relevância da função exercida exige essas prerrogativas para que ela seja exercida completamente. Todavia, tais prerrogativas podem gerar impunidades, e no que tange as imunidades internacionais, o Estatuto de Roma proíbe expressamente. Artigo 27 do Estatuto de Roma : Irrelevância da qualidade oficial: 1 - O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal, nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per si motivo de redução da pena. 5 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 6 Código de Processo Civil Brasileiro. 7 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 89. 8 Ibidem, p. 90.

8 2 - As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa. 9 Artigo 31 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas de 1961: 1. O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de: a) uma ação sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da missão; b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado,como executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário; c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais. 2. O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha. 3. O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução, a não ser nos casos previstos nas alíneas "a", "b" e "c", do parágrafo 1º deste artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afetar a inviolabilidade de sua pessoa ou residência. 4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante. 10 Contudo, as imunidades ou privilégios especiais que possam ser concedidos aos indivíduos em função de sua condição como ocupantes de cargos ou funções estatais, seja segundo o seu direito interno, seja segundo o Direito Internacional, não constituem motivos que impeçam o Tribunal de exercer a sua jurisdição em relação a tais pressupostos. Válido é ressaltar que de acordo com essa nova sistemática, não podem os genocidas e os responsáveis pelos piores crimes cometidos contra a humanidade acobertar-se 9 Estatuto de Roma. 10 Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961.

9 pela prerrogativa de foro, pelo fato de que exerciam uma função pública ou de liderança à época do delito. 11 3 ENTREGA DIFERENTE DE EXTRADIÇÃO A Constituição brasileira proíbe expressamente a extradição de seus nacionais, tal previsão poderia colidir com a previsão expressa do Estatuto de Roma, todavia, o próprio Estatuto diferencia o instituto extradição do instituto entrega. Artigo 89, 1 do Estatuto de Roma: O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91.º, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos. 12 Artigo 91 do Estatuto de Roma : Conteúdo do pedido de detenção e de entrega: 1 - O pedido de detenção e de entrega será formulado por escrito. Em caso de urgência, o pedido poderá ser feito através de qualquer outro meio de que fique registro escrito, devendo, no entanto, ser confirmado através dos canais previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º 2 - O pedido de detenção e entrega de uma pessoa relativamente à qual o juízo de instrução tiver emitido um mandado de detenção, ao abrigo do artigo 58.º, deverá conter ou ser acompanhado dos seguintes documentos: a) Uma descrição da pessoa procurada, contendo informação suficiente que permita a sua identificação, bem como informação sobre a sua provável localização; b) Uma cópia do mandado de detenção; e 11 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 86. 12 Estatuto de Roma.

10 c) Os documentos, declarações e informações necessários para satisfazer os requisitos do processo de entrega pelo Estado requerido; contudo, tais requisitos não deverão ser mais rigorosos do que os que devem ser observados em caso de um pedido de extradição em conformidade com tratados ou convênios celebrados entre o Estado requerido e outros Estados, devendo, se possível, ser menos rigorosos face à natureza particular de que se reveste o Tribunal. 3 - Se o pedido respeitar à detenção e à entrega de uma pessoa já condenada, deverá conter ou ser acompanhado dos seguintes documentos: a) Uma cópia do mandado de detenção dessa pessoa; b) Uma cópia da sentença condenatória; c) Elementos que demonstrem que a pessoa procurada é a mesma a que se refere a sentença condenatória; e d) Se a pessoa procurada já tiver sido condenada, uma cópia da sentença e, em caso de pena de prisão, a indicação do período que já tiver cumprido, bem como o período que ainda lhe falte cumprir. 4 - Mediante requerimento do Tribunal, um Estado Parte manterá, no que respeita a questões genéricas ou a uma questão específica, consultas com o Tribunal sobre quaisquer requisitos previstos no seu direito interno que possam ser aplicados nos termos da alínea c) do n.º 2. No decurso de tais consultas, o Estado Parte informará o Tribunal dos requisitos específicos constantes do seu direito interno. 13 Artigo 5, inciso LI da CF/88 Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; 14 Artigo 5, inciso LII da CF/88 Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; 15 Artigos protegidos pelo artigo 60, 4 da CF/88. Entende-se por entrega o ato de o Estado entregar uma pessoa ao Tribunal nos termos do presente Estatuto, 16 já a extradição entende-se a entrega de uma pessoa por um 13 Ibidem. 14 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 15 Ibidem. 16 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 78.

11 Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno. 17 Cachapuz de Medeiros destaca a diferença fundamental, consiste em ser o tribunal uma instituição criada para processar e julgar os crimes mais atrozes contra a dignidade humana de uma forma justa, independente e imparcial. Na condição de órgão internacional, que visa realizar o bem-estar da sociedade mundial, porque reprime crimes contra o próprio Direito Internacional, a entrega do Tribunal não pode ser comparada à extradição. 18 Sendo assim, não se trata de entregar alguém para outro sujeito de Direito Internacional Público, de categoria igual ao Estado-parte, também dotado de soberania e competência na ordem internacional, mas sim, a um organismo internacional criado pelo aceite e esforço comum de vários Estados. 19 4 PRISÃO PERPÉTUA A pena de prisão perpétua é outro assunto que aparentemente poderia ser visto como incompatível com a Constituição brasileira. O legislador ao vedar tal pena, o fez com intenção de proibir sua aplicação pelo direito interno e não por um direito internacional, supra-estatal. Artigo 77, 1, b do Estatuto de Roma: Sem prejuízo do disposto no artigo 110.º, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5.º do presente Estatuto uma das seguintes penas: a) (...) b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau da ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem. 20 17 Ibidem, p. 79. 18 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O tribunal penal internacional e a constituição brasileira. In: O que é o tribunal penal internacional. Brasília: Câmara dos Deputados/Coordenação de Publicações, 2000, (série ação parlamentar, n. 110, p. 209-215). 19 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 78. 20 Estatuto de Roma.

12 Artigo 80 do Estatuto de Roma: Não interferência no regime de aplicação de penas nacionais e nos direitos internos: Nada no presente capítulo prejudicará a aplicação, pelos Estados, das penas previstas nos respectivos direitos internos, ou a aplicação da legislação de Estados que não preveja as penas referidas neste capítulo. 21 Artigo 5, inciso XLVII da CF/88: Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; 22 O STF no processo de extradição 426 julgado em 04/09/85, caso Russel Weisse, mudou seu pensamento no caso em que exigia a comutação da pena de prisão perpétua (aplicável no país requerente) pela privativa de liberdade não superior a 30 anos (pena máxima prevista pelo CPB). Esse caso foi resolvido com a Constituição de 67, mas tal entendimento iguala-se para a nossa atual CF/88. Esse tipo de interpretação tem sua base na Lei N. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) que não proíbe a extradição em função da pena de prisão perpétua. 23 Nesse sentido, a interpretação mais correta seria: (...) de que quando a Constituição prevê a vedação de pena de caráter perpétuo, está direcionando seu comando tão-somente para o legislador interno brasileiro, não alcançando os legisladores estrangeiros e tampouco os legisladores internacionais que, a exemplo da Comissão de Direito 21 Ibidem. 22 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 23 Veja-se extradição 399 do STF, entre outras, in RTJ 108/18.

13 Internacional das Nações Unidas, trabalham rumo à construção do sistema jurídico internacional. 24 Como destaca Cachapuz de Medeiros, entende o STF que a esfera da nossa lei penal é interna. Se somos benevolentes com nossos delinqüentes, isso só diz bem com o sentimento dos brasileiros. Não podemos impor o mesmo tipo de benevolência aos países estrangeiros. 25 5 RESERVA LEGAL Ao ter em seu bojo a previsão dos crimes que irá julgar, o TPI não pode ser considerado um tribunal de exceção, como os tribunais de Tókio e Nuremberg. O TPI é um tribunal que respeita os direitos e garantias fundamentais do ser humano, prevendo assim seus crimes. Cabe, entretanto, ao direito interno tipificar os crimes previstos no Estatuto de Roma, o genocídio está tipificado, já os outros crimes estão em um projeto de lei sendo analisados pelo Congresso Nacional. Artigo 22, 1 do Estatuto de Roma: Nullum crimen sine lege: 1 - Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal. 26 Artigo 23 do Estatuto de Roma: Nulla poena sine lege: Qualquer pessoa condenada pelo Tribunal só poderá ser punida em conformidade com as disposições do presente Estatuto. Mister se faz ressaltar que O Estatuto de Roma detalhou minuciosamente os crimes de sua competência, o que se deve em grande parte ao fato de ter sido o Tribunal 24 CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O tribunal penal internacional e a constituição brasileira. In: O que é o tribunal penal internacional. Brasília: Câmara dos Deputados/Coordenação de Publicações, 2000, (série ação parlamentar, n. 110, p. 15). 25 Ibidem, p. 14-15. 26 Estatuto de Roma.

14 criado não somente para julgar nacionais de outros Estados, mas também para julgar nacionais dos próprios Estados que o criaram. 27 6 COMPETÊNCIA DO STF Ao ressaltar a competência do Supremo Tribunal Federal devemos analisar a Constituição Federal de 1988, vejamos: Artigo 105, inciso I, i da CF/88 : Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; 28 Devemos diferenciar aqui um pedido formulado por um tribunal internacional e uma carta rogatória expedida por um outro Estado. Contudo não podemos esquecer a distinção de uma sentença proferida por um tribunal internacional (que não está afeto à soberania de qualquer Estado) e outras sentenças proferidas por tribunais estrangeiros (cujas jurisdições estão afetas à soberania do respectivo Estado estrangeiro onde estão localizados). 29 Nesse sentido: O Superior Tribunal de Justiça não tem competência constitucional para homologar as sentenças provenientes de tribunais internacionais, que têm jurisdição sobre o nosso país, como é o caso do Tribunal Penal Internacional. Sentenças proferidas por tribunais internacionais não se enquadram na roupagem de sentenças estrangeiras a que se referem os dispositivos citados. Por sentença estrangeira deve se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados. (...) Sabe-se que o 27 Ibidem. 28 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 29 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 91.

15 direito internacional não se confunde com o chamado direito estrangeiro. O direito internacional disciplina, pois, a atuação dos Estados, das organizações internacionais e também dos indivíduos no cenário internacional. Já o direito estrangeiro é aquele afeto a jurisdição de outro Estado que não o Brasil. Sentenças internacionais são atos judiciais emanados de organismos judiciários internacionais de cuja formação o Estado participou com o produto de sua vontade, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso do TPI, seja porque, mediante acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. 30 As execuções das decisões do TPI no Brasil caberão ao Poder Judiciário estatal, entende-se que as decisões provenientes de tribunais internacionais são juridicamente obrigatórias, mas não auto-aplicáveis. Ao Estado, portanto, cabe a faculdade de escolher os meios técnicos de implementação das decisões da Corte Penal Internacional no âmbito do seu direito interno sob pena, de se não o fizer, incorrer em responsabilidade penal internacional. 31 CONCLUSÃO O Tribunal Penal Internacional é um sonho que se transformou em realidade. Muitos crimes contra a humanidade foram cometidos em períodos de guerra. Todavia, ao final, restavam apenas impunidades ou julgamentos desumanos e incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Tribunais de exceção foram criados para punir os responsáveis por crimes atrozes, mas com isso desencadeavam uma série de barbáries. O TPI surgiu com o escopo de ser um tribunal protetor dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, de um julgamento respeitador do devido processo legal. Os países que estão sujeitos a jurisdição do TPI introduziram em seu direito interno uma justiça internacional, supra-estatal, sendo assim tal Estatuto transcende o direito interno, é algo superior. Com isso, não podemos falar em incompatibilidades entre o direito interno e o direito previsto no Estatuto de Roma, pois o segundo não pode ser equiparado ao 30 Ibidem, p. 91-92. 31 Ibidem, p. 94.

16 primeiro já que é uma justiça escolhida por seus signatários, e que não se sujeita ao direito interno. O Brasil ao estar sujeito a jurisdição do TPI reconhece uma justiça supraestatal, e por esse motivo, deve analisá-lo como tal, resolvendo qualquer conflito aparente que o texto do Estatuto de Roma venha a apresentar. REFERÊNCIAS CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O tribunal penal internacional e a constituição brasileira. In: O que é o tribunal penal internacional. Brasília: Câmara dos Deputados/Coordenação de Publicações, 2000, (série ação parlamentar, n. 110). Código de Processo Civil Brasileiro. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Convenção de Viena sobre relações diplomáticas de 1961. Estatuto de Roma. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tribunal penal internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. Editora Saraiva, 2008, 9ª edição. STF, Petição 4.625-1/República do Sudão. Veja-se extradição 399 do STF, entre outras, in RTJ 108/18.