Processos de composição musical vinculados ao registro sonoro: uma pesquisa-ação realizada com adolescentes Graciano Lorenzi Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) gracianolorenzi@gmail.com Resumo: Essa pesquisa de mestrado está sendo desenvolvida junto a um grupo de adolescentes de uma escola da rede pública de ensino da cidade de Gravataí/RS. Foram doze encontros em que os adolescentes compuseram seis músicas, instrumentais e com letras, e cujo resultado final foi a produção de um CD. A metodologia utilizada foi a pesquisa-ação por oferecer as melhores condições de percepção do processo composicional e por estar em sintonia com a trajetória pedagógica do pesquisador. O objetivo principal da pesquisa é investigar processos de composição musical vinculados ao registro sonoro realizados por adolescentes. Introdução Minha trajetória como educador musical está intimamente ligada ao uso de alguns recursos tecnológicos no registro de composições de alunos, prática que já venho cultivando alguns anos em escolas públicas do ensino fundamental e em cursos superiores de Pedagogia e de Artes. Alicerçado na convicção de que as possibilidades de fazer música vão além de questões genéticas ou de um talento natural, sempre vislumbrei o acesso à música e ao fazer musical voltados para a improvisação e composição como a linha guia para a minha prática pedagógica. Aliado a essa premissa, mantive também a preocupação de realizar junto com alunos a produção de CDs musicais, como resultado final de seus processos composicionais. Nesse sentido, desenvolvi ações pedagógico-musicais voltadas para a composição e registro em CD das produções de alunos em diferentes níveis e contextos (LORENZI, 2005a). No total, foram nove produções musicais 1 que resultaram em oitenta e seis composições, instrumentais ou não (LORENZI, 2004; LORENZI 2005b, LORENZI 2005c). O presente projeto refere-se à dissertação de mestrado em andamento, cujo objetivo é investigar processos de composição musical vinculados ao registro sonoro realizados por adolescentes. As escolhas que envolvem essa pesquisa vão além de uma escolha temática ou metodológica. Implicam na conjugação de enfoques e na utilização de uma metodologia na qual o pesquisador também compõe o quadro da ação a ser pesquisada. Dessa forma, a pesquisa investiga a relação da prática composicional no âmbito da Educação Musical e sua relação com o registro sonoro mediado pelo uso da tecnologia. 1 Produções aqui referidas como sendo o processo composicional com alunos que resultou na gravação de um CD. As produções aconteceram no próprio ambiente de ensino e seus títulos são: Os CACS cantam suas canções (1998); Quem é que nunca viu que na escola tem um prédio novo? (1999); Invertendo a Lógica (1999); Pedagogia não rima com Demagogia (1999); Festival ECA da Música (2000); Impasse (2001); Loucos por Progresso (2002); Flores (2004) e Dia-a-dia em canto (2005). 598
Como questões de pesquisa indago como o uso de registros sonoros se coaduna aos resultados composicionais? Como se caracteriza essa modalidade de registro? Como o registro sonoro participa dos resultados composicionais? Como objetivos específicos a pesquisa visa analisar processos composicionais de adolescentes à luz do registro sonoro e da mesma forma analisar as características do registro sonoro no contexto da prática composicional de adolescentes. Referências teóricas A importância da tecnologia nas aulas de música parece ser consenso entre pesquisadores no campo da Educação Musical, mas no Brasil está longe de ser uma prática comum entre os educadores musicais (FRITSCH et al., 2003; KRÜGER et al., 2003). Muito embora o avanço tecnológico se configure como sendo um fenômeno global, tanto no que diz respeito ao processo de produção quanto no armazenamento e difusão da informação, é no cotidiano do ensino de música que se faz visível a distância entre professores - e suas apalpadelas com a tecnologia - e alunos, aprendendo e dominando os recursos que a tecnologia proporciona. O advento das novas tecnologias ampliou as formas de aprender música. Pesquisas têm oferecido importantes indicativos quanto às novas possibilidades de aprendizado musical (RAMOS, 2000; WILLE, 2003; SCHMELING, 2005). O uso da tecnologia tem favorecido, entre outros aspectos, a possibilidade do registro sonoro de composições musicais em variados contextos e níveis de envolvimento musical. Além disso, dentro desse âmbito, a tecnologia proporciona a instantaneidade da informação musical e como consequência, o retorno quase imediato da produção musical ao seu autor. Essa realidade estabelece novas formas de avaliação estética, bem como vislumbra formas de aprender e vivenciar música, na medida que são mediadas por recursos oferecidos pela tecnologia. Da mesma forma, estudos têm intensificado a discussão em torno dos processos composicionais em contextos de aprendizagem musical (SANTOS, 1994; SWANWICK & FRANÇA, 1999; DUARTE, 2001; SILVA, 2001). Entre outras idéias, tais estudos apontam para a necessidade de repensar o papel da composição musical nos processos de ensino de música. Tal preocupação revela um conceito de composição musical mais próximo do fazer musical cotidiano e mais presente naqueles espaços restritos a essa prática, normalmente vinculados aos currículos dos cursos superiores de música e conservatórios. 599
Metodologia Do ponto de vista metodológico, a pesquisa-ação configura-se como sendo a mais apropriada e foi utilizada com um grupo de adolescentes de oitava série de uma escola pública de Gravataí-RS. A participação desse grupo numa Oficina de Composição Musical constiuiu-se o âmbito da pesquisa. Como mencionado, a pesquisa está sendo realizada no âmbito de uma Oficina de Composição Musical com adolescentes. A Oficina tem a duração aproximada de dez encontros e terá como meta principal a produção de um CD pelos adolescentes com músicas instrumentais e com letra. Tendo em vista a preocupação temática e as questões de pesquisa propostas anteriormente, torna-se necessário uma metodologia investigativa que favoreça a percepção de todo o processo composicional e de registro sonoro, em uma situação de aprendizagem musical. Entre os motivos que sustentam a escolha da pesquisa-ação como metodologia para essa pesquisa, está o compromisso que os participantes da pesquisa assumem ao participarem da Oficina. Tratando-se de adolescentes, seu desejo em vivenciar a música através da composição constitui-se fator motivacional. Outro motivo diz respeito à modalidade de experiência que utiliza o recurso tecnológico ao longo da proposta pedagógico-musical. A disponibilidade de instrumentos musicais e equipamentos tornam viável o desenvolvimento da pesquisa. Um terceiro motivo aponta para as reais condições de efetivação da proposta metodológica voltada para o registro sonoro de composições próprias. Levando em conta as experiências anteriores realizadas nesse âmbito, verifica-se por parte do pesquisador as condições necessárias para a realização da Oficina (ação) e da própria investigação (pesquisa). Ao fazer referência sobre metodologia a ser utilizada nessa pesquisa, torna-se necessário definir em suas especificidades o modelo de pesquisa-ação a ser adotado como referência. Segundo Morin (2004), o termo pesquisa-ação é freqüentemente atribuído a Kurt Lewin. Nessa concepção a democracia e a mudança como finalidade são os princípios norteadores. No que tange à sua estrutura, a pesquisa-ação, em sua acepção clássica, organiza-se em um ciclo contínuo de três processos: planejamento, ação e coleta de dados (MORIN, 2004, p. 56). Além disso, deve-se considerar o grupo e seu contexto e as variáveis inerentes a ele: subgrupos, membros, restrições, normas e canais de comunicação. Observa-se também as condições de não mudança que permitem ao grupo conservar seu equilibrio. Nessa concepção, o papel do pesquisador pende mais para o âmbito da pesquisa e sua implicação como ator fica em segundo plano. 600
A proposta metodológica de pesquisa-ação a ser adotada aqui é a Pesquisa-Ação Integral (PAI), com algumas variantes. Tal modelo, segundo Morin (2004), permite aos atores construirem suas teorias e estratégias que emergem do campo e que, em seguida são validadas, confrontadas e desafiadas. Com tal propósito, a realização da Oficina não objetiva ser o meio de comprovação de uma hipótese, nem tampouco pretende denotar uma ação para o grupo investigado. Antes, fundamenta-se na necessidade de participação das diversas etapas do processo, resguardando as reais possibilidades de o fazê-lo. Corroborando com essa posição, Andaloussi (2004) faz referência a ação com o grupo como sendo transversal as dimensões da ação voltadas por, para e sobre o grupo. Dentro das características do processo desenvolvido na PAI encontra-se os componentes necessários e que dão sustentabilidade à metodologia: o contrato, de caráter aberto em que os implicados assumem um papel ativo na ação; a participação, aqui assumida como co-gestão; a mudança, cujo objetivo principal é tornar complementar a ação e o discurso em torno da problemática; o discurso, na medida que vincula-se ao vivido e favorece, dessa forma, a conscientização; e a ação, que oferece aos participantes a possibilidade de que suas forças vivas sejam utilizadas ao máximo. Como instrumentos de coleta de dados será utilizada a entrevista focada coletiva e individual. Nessa perspectiva, a entrevista focada será utilizada para elucidar aspectos que dizem respeito à participação dos diversos grupos envolvidos na ação. Yin (2005, p. 117) se refere a esse tipo de entrevista como sendo espontânea de caráter informal e além disso permite que o respondente faça comentários novos sobre o tópico apresentado pelo entrevistador. Outra característica importante da entrevista focada é a possibilidade oferecida por ela em reunir envolvidos em uma mesma situação particular (COHEN e MANION, 1994, p. 289). Como recurso técnico de coleta de dados serão utilizadas gravações digitais de áudio e gravações analógicas em vídeo, que posteriormente digitalizadas poderão auxiliar na análise. Considerações O tema escolhido justifica-se pela necessidade de dedicar um olhar mais atento às práticas composicionais de adolescentes quando vinculadas ao registro sonoro, num contexto formal de ensino. Tal olhar permitirá que se entenda mais profundamente as características de tal relação, favorecendo assim, o redimensionamento da prática composicional no âmbito da educação musical. Da mesma forma, essa pesquisa procura elucidar os aspectos característicos do uso da 601
tecnologia nos registros sonoros, no contexto da prática composicional. Esse aprofundamento poderá contribuir na desmistificação de tal uso, oferecendo novas visões e possibilidades para a o ensino de música. Assim sendo, alguns elementos relevantes no processo composicional com os adolescentes já são notórios. Entre eles está a possibilidade que o registro sonoro oferece aos adolescentes em perceber seu resultado musical de forma total e interligada, diferentemente das percepções ao longo do processo, geralmente mais fragmentadas e recortadas. Nesse sentido, a gravação e a reprodução das próprias composições pode oferecer um feedback rápido e qualificado do que foi produzido pelos grupos. Ao longo de dois meses foi possível ao grupo pesquisado compor músicas instrumentais e com letras. A temática escolhida pelo grupo para o CD foi a adolescência e no total foram seis composições, duas com letra e quatro instrumentais. Outro aspecto já detectado numa análise preliminar diz respeito ao ponto de partida para a composição. Em geral os adolescentes primaram pela experimentação dos materiais sonoros. A estruturação das composições foi se sofisticando na medida que os adolescentes foram se familiarizando com as sonoridades. O diálogo em torno das decisões composicionais se intensificou apenas nos momentos próximos às gravações. Isso demonstra que o processo composicional dos adolescentes pesquisados teve como eixo a experimentação sonora e não a organização formal das composições. Concluo afirmando que, ao investigar os processos composicionais entre adolescentes quando vinculados ao registro sonoro, essa pesquisa pode suscitar importantes discussões em torno do papel da composição no âmbito da educação musical. Além disso, pode favorecer uma melhor compreensão sobre o uso e o papel da tecnologia nos contextos de aprendizagem musical que lançam mão da composição musical, sejam eles no nível do ensino básico, técnico ou superior. Referências COHEN, Louis; MANION, Lawrence. Research methods in education. London: Routledge, 1994. DUARTE, Mônica. A prática interacionista em música: uma proposta pedagógica. In: Centro de Letras e Artes. Debates-Cadernos de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2001, p. 75-94. FRITSCH, Eloi Fernando et al. Software Musical e sugestões de aplicação em aulas de música. In: HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana. Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, p. 141-157, 2003. 602
KRÜGER, Suzana Ester et al. Dos receios à exploração das possibilidades: formas de uso de software educativo-musical. In: HENTSCHKE, Liane; DEL BEN, Luciana. Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, p. 158-175, 2003. LORENZI, Graciano. Registro de experiências pedagógico-musicais com professoras em serviço: CD dia-a-dia em canto. In: XIX SEMINÁRIO NACIONAL DE ARTE E EDUCAÇÃO, Montenegro, 2004. Anais... Montenegro, p. 173, 2004.. Oito faixas de um CD ao longo do tempo: o registro de experiências pedagógico-musicais e as mídias eletrônicas. In: XIV ENCONTRO ANUAL DA ABEM, Belo Horizonte, 2005. Anais... Belo Horizonte, 2005a. CD-ROM.. Os processos criativos em música e as turmas de progressão nos Ciclos de Formação: uma experiência inclusiva. In: XVIII SEMINÁRIO NACIONAL DE ARTE E EDUCAÇÃO, Montenegro, 2005. Anais... Montenegro, p. 198, 2005b.. Registro de Experiências Pedagógicas em sala de aula: três relatos. In: VIII Encontro Regional Sul da Associação Brasileira de Educação Musical, Pelotas, 2005. Anais...Pelotas: ABEM, 2005c. CD-ROM. MORIN, André. Pesquisa-ação integral e sistêmica: uma antropopedagogia renovada. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. RAMOS, Sílvia Nunes. Música da televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso com um grupo de 9 e 10 anos. Dissertação (Mestrado em Música) PPGM - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. SANTOS, Regina Márcia Simão. A natureza da aprendizagem musical e suas implicações curriculares análise comparativa de quatro métodos. In: Fundamentos da Educação Musical, Série Fundamentos/ABEM, n. 2, 1994, p. 7-112. SCHMELING, Agnes. Cantar com as mídias eletrônicas: um estudo de caso com jovens. Dissertação (Mestrado em Música) PPGMUS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. SILVA, José Alberto Salgado e. A Composição como prática regular em cursos de música. Debates-Cadernos de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: Centro de Letras e Artes UNIRIO, 2001, p. 95-108. SWANWICK, Keith; FRANÇA, Cecília Cavalieri Franca. Composing, performing and audience: listenig as indicators of musical understanding. British Journal of Music Education, 1999, p. 5-19. [Separata] WILLE, Regiana Blank. As vivências musicais formais, não-formais e informais dos adolescentes: três estudos de casos. Dissertação (Mestrado em Música) PPGM - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. 603