Risco Cirúrgico e Funcionalidade em Pacientes Submetidos à Cirurgia Cardíaca

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Transcrição:

385 International Journal of Cardiovascular Sciences. 2016;29(5):385-389 ARTIGO ORIGINAL Risco Cirúrgico e Funcionalidade em Pacientes Submetidos à Cirurgia Cardíaca Surgical Risk and Functionality in Patients Undergoing Heart Surgery André Luiz Lisboa Cordeiro 1, Alina Ávila Oliveira Ribeiro Brito 2, Isabela Carvalho 2, Jessielle Oliveira 2, André Raimundo Guimarães 3, Thiago Melo de Araújo 4, Giulliano Gardenghi 5 Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública 1, Liga de Pesquisa em Fisioterapia Cardiorrespiratória 2, Instituto Nobre de Cardiologia da Santa Casa de Misericórdia 3, Universidade Salvador 4, Hospital ENCORE 5, Aparecida de Goiânia, GO Brasil Resumo Fundamento: A cirurgia cardíaca pode levar a um declínio da função pulmonar e periférica. O EuroSCORE avalia o risco da cirurgia cardíaca, e a mensuração da independência funcional verifica a capacidade para desempenhar atividades funcionais. Objetivo: Identificar a correlação entre uma escala de risco cardíaco e a funcionalidade de pacientes submetidos à Métodos: Trata-se de um estudo transversal prospectivo, realizado com pacientes submetidos à avaliação da funcionalidade no período pré-operatório, por meio da mensuração da independência funcional e de avaliação pelo EuroSCORE, afim de estabelecer o nível de risco para a Após o procedimento cirúrgico, no primeiro dia após alta da unidade de terapia intensiva, a mensuração da independência funcional foi reavaliada e comparada com o valor inicial. Resultados: Incluímos 52 pacientes (55,8% homens) com média de idade de 56,9 ± 14,2 anos. A média da mensuração da independência funcional pré-operatória foi de 125,4 e a pós-operatória 106,78. Foi aplicado o teste t, que mostrou redução significativa entre os períodos analisados, com o valor de p = 0,000. Ao correlacionar os valores da mensuração da independência funcional pós-operatória com o risco cardíaco, observou-se relação importante, sendo p = 0,006 e r = -0.37. Conclusão: Uma avaliação pré-operatória demonstrando um maior risco cardíaco tem impacto negativo sobre a funcionalidade de pacientes submetidos à (Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389) Palavras-chave: Infarto do Miocárdio / cirurgia, Cirurgia Torácica, Procedimentos Cirúrgicos Cardíacos, Risco, Fisioterapia. Abstract Background: Cardiac surgery can lead to a decline in lung and peripheral function. EuroSCORE is a scale that assesses cardiac surgery risk and the measurement of functional independence evaluates the ability to perform functional activities. Objective: To identify the correlation between a cardiac risk scale and functionality in patients undergoing CS. Methods: This is a prospective cross-sectional study, carried out with patients submitted to functional evaluation in the preoperative period, through the measurement of functional independence and evaluation by the EuroSCORE, to establish the level of risk for cardiac surgery. After the surgical procedure, on the first day after discharge from the intensive care unit, the functional independence measurement (FIM) was reevaluated and compared to the initial value. Results: We included 52 patients (55.8% men) with a mean age of 56.9 ± 14.2 years. The mean preoperative and postoperative FIM values were 125.4 and 106.78. The t test was performed, which showed a significant reduction between the analyzed periods, with a value of p = 0.000. By correlating the postoperative FIM values with the cardiac risk, it was observed that there was an important association, with p = 0.006 and r = -0.37. Conclusion: We concluded that a preoperative assessment showing an increased cardiac risk has a negative impact on the functionality of patients undergoing cardiac surgery. (Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389) Keywords: Myocardial Infarction / surgery; Thoracic Surgery; Cardiac Surgical Procedures; Risk; Physical Therapy Speciality. Correspondência: André Luiz Lisboa Cordeiro Av. Dom João VI, 275, Acupe de Brotas, CEP: 40290-000. Salvador, BA Brasil E-mail: andrelisboacordeiro@gmail.com (Full texts in English - http://www.onlineijcs.org) DOI: 10.5935/2359-4802.20160065 Artigo recebido em 05/08/16; revisado em 30/09/16; aceito em 21/10/16.

Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389 386 Introdução Observa-se, nos últimos anos, um aumento no número de cirurgias cardíacas. No Brasil, a taxa de mortalidade de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e Insuficiência Cardíaca (IC), em caráter de urgência, no mês de janeiro de 2014, foi de 10,20%. 1 Todas as cirurgias cardíacas têm o objetivo de garantir alívio de sintomas, prevenir infartos do miocárdio, melhorar o funcionamento cardíaco e recuperar as condições físicas do paciente. 2 Fantinati e Oliveira 3 verificaram que as principais complicações relacionadas a cirurgias cardíacas estão associadas ao sistema pulmonar, destacando, entre elas a hipoxemia, a diminuição da complacência pulmonar, e a redução dos volumes e capacidades pulmonares. Os mesmos trazem que estudos abordam como principais objetivos da fisioterapia A redução dos riscos de complicações pulmonares, a melhora da ventilação pulmonar, a diminuição do quadro álgico no pós-operatório estão entre os principais objetivos da fisioterapia. O tempo prolongado de ventilação mecânica (VM) está relacionado a índices elevados de morbidade e maior tempo de estadia hospitalar, trazendo efeitos deletérios para a mecânica pulmonar, e interferindo significantemente na funcionalidade e na capacidade de realização as atividades de vida diária. 4,5 A funcionalidade dos pacientes é avaliada normalmente pela escala de Medida de Independência Funcional (MIF). A MIF foi desenvolvida na década de 1980 por uma força tarefa norte-americana de medicina física e reabilitação. A mesma é uma medida que atende critérios de confiabilidade, validade, precisão, praticidade e facilidade. Tem como meta determinar quais os cuidados necessários a serem prestados para que o paciente realize as atividades de vida diária. 6 Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi identificar a correlação entre uma escala de risco cardíaco e a funcionalidade de paciente pós- Métodos Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado na Unidade de Internamento do Instituto Nobre de Cardiologia (INCARDIO) da Santa Casa de Misericórdia localizado na cidade de Feira de Santana (BA), durante o período de abril a setembro de 2015. A amostra foi composta por 52 pacientes. Foram incluídos indivíduos de ambos os sexos com idade superior a 18 anos que realizaram cirurgias cardíacas eletivas, como a de revascularização do miocárdio, troca de válvula mitral e/ou aórtica. Foram excluídos indivíduos que não concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, que apresentaram instabilidade hemodinâmica, limitação funcional prévia, contraindicação clínica ou cirurgia de urgência, impossibilitando as avaliações funcionais préoperatória e com dados insuficientes no prontuário para preenchimento da escala de risco cirúrgico. Após atenderem os critérios de inclusão, os pacientes foram submetidos a avaliação da funcionalidade no período pré-operatório, por meio da MIF, que avalia a capacidade do paciente de desenvolver cuidados com o corpo, controle de esfíncter, transferências e locomoção, além da função cognitiva, como comunicação e memória, além da avaliação por meio do Sistema Europeu para Avaliação de Risco em Cirurgia Cardíaca (EuroSCORE) para estabelecer o nível de risco para a O segundo momento da pesquisa ocorreu após o procedimento cirúrgico, no primeiro dia do paciente na Unidade de Internação do INCARDIO, onde a MIF foi reavaliada. A escolha desse momento foi devido a maior independência que o paciente apresentava quando comparado ao período na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os dados foram considerados normais após a verificação com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para cruzamento dos valores da MIF e do EuroSCORE, foi utilizada a correlação de Pearson e, para análise apenas dos valores de MIF pré e pós-operatório, foi utilizado o teste T pareado, sendo o nível de significância estatística adotado de 5%. O presente estudo foi desenvolvido de acordo a resolução 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa Faculdade Nobre, obtendo aprovação no dia 23 de setembro de 2015. Resultados Entre abril a setembro de 2015, foram internados 68 pacientes; 16 foram excluídos devido à limitação funcional prévia (seis pacientes), falta de informações em prontuário (quatro) e não aceitaram assinar o

387 Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389 Termo de Consentimento (seis). Incluímos 52 pacientes (55,8% homens) com média de idade de 56,9 ± 14,2 anos, que realizaram cirurgia cardíaca INCARDIO. A Tabela 1 apresenta características dos pacientes incluídos no estudo. Tabela 1 Caracterização da amostra dos pacientes inclusos no estudo Variável n (%) Tabela 2 Mensuração da independência funcional (MIF) e risco cardíaco em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca Pré Pós Valor de p MIF 125,4 ± 1,1 106,7 ± 8,8 0,000* EuroSCORE 1,97 ± 2,1 1,97 ± 2,1 Valor de p 0,83 0,006 Dados apresentados como média ± desvio padrão. * Teste t de Student para amostras pareadas; correlação de Pearson. Sexo Masculino 29 (55,8) Feminino 23 (44,2) Idade, anos 56,9 ± 14,2 Tipo de cirurgia Revascularização do miocárdio 38 (73,1) Cirurgia valvar 12 (23,1) Correção de CIA 2 (3,8) Tempo de CEC, minutos 70,9 ± 21,2 Tempo de VM, horas 7,6 ± 2,8 CIA: comunicação interatrial; CEC: circulação extracorpórea; VM: ventilação mecânica. A média da MIF pré-operatória foi 125,4 e a pósoperatória foi 106,78. O teste T mostrou redução significativa, entre os períodos analisados, com valor de p = 0,000. Quando correlacionado o risco cardíaco com a MIF pré-operatória, não foi encontrada relação significativa, perfazendo o valor de p = 0,83, porém, ao correlacionar os valores da MIF pós-operatória com o risco cardíaco, observou-se que há uma relação importante, sendo o p = 0,006 e r = -0,37, com o teste não paramétrico de Spearman, adotando p < 0,05 para significância estatística. Na análise risco cardíaco e do tempo de VM, não houve correlação significativa, sendo p = 0,50. A tabela 2 evidencia essas análises. Discussão O presente estudo comprovou que existe uma relação positiva entre uma escala de risco cardíaco e a funcionalidade em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Os pacientes que apresentava maior risco précirurgia evoluíram com piora da funcionalidade. Em pesquisa realizada por De Santana et al., 7 com 77 indivíduos, com o intuito de avaliar a qualidade de vida de pacientes que realizaram cirurgia cardíaca, 55,8% eram do sexo masculino e idosos, com média de idade de 52,88 ± 3,17. Estudo realizado por Daniel et al. 8 com 109 pacientes submetidos à intervenção cirúrgica dos tipos revascularização miocárdica, trocas valvares, correção de aneurismas e de comunicação interatrial (CIA), a revascularização miocárdica prevaleceu, perfazendo 60% da amostra. Em pesquisa realizada com 1.065 pacientes de CC, 60% realizaram CRM, 32,7% troca valvar e 7% cirurgia mista, que consiste na CRM e troca valvar, tendo como características epidemiológicas que 62% eram do sexo masculino e idosos, com média de idade de 61,4 ± 11,8 anos, em concordância com os achados neste estudo. 9 Estudo nacional com 14 pacientes de CC, com o objetivo de avaliar a perda de funcionalidade após a intervenção cirúrgica, encontrou achados semelhantes aos do presente estudo, em que a média da MIF pré-operatória foi de 126 e a pós-operatória de 103, encontrando p = 0,0001. 10 Já pesquisa realizada por Borges et al. 11 com 41 indivíduos, observaram que há um défice na capacidade funcional de pacientes submetidos à intervenção cirúrgica. Corroboram ainda com este estudo pesquisas realizadas por Morais et al., 2 em que 22 pacientes submetidos a CC apresentaram declínio funcional, quando comparados os períodos pré e pós operatório. Em um trabalho de um grupo grego, que teve como objetivo avaliar o sistema EuroSCORE como preditor

Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389 388 de mortalidade em cirurgia de revascularização do miocárdio, foi analisada a quantidade de óbitos com a estimativa dada pelo sistema, chegando à conclusão de que a mortalidade prevista pelo mesmo pode ser considerada bastante próxima da mortalidade observada. A acurácia ou a habilidade preditiva do sistema, estimada pela estatística c do modelo logístico, foi igual a 69,9% (intervalo de 95% de confiança: 69% a 70,8%), evidenciando que o EuroSCORE tem precisão para identificar grupos de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca que apresentam menor probabilidade de apresentar complicações não fatais. 12 Em pesquisa com 1.173 pacientes submetidos a CC, o modelo demonstrou boa relação com incidência de mortalidade intra-hospitalar e segurança em predizer o risco dos pacientes. Dentre os vários escores de risco cirúrgico, o EuroSCORE mostrou desempenho e acurácia superiores, sendo o modelo mais atualizado e melhor validado. 13 Em contrapartida, Parolari et al., 14 em metanálise de 12 estudos, com 26.621 indivíduos, abordaram que o escore tem baixo poder discriminatório, por superestimar a mortalidade. Garofallo et al. 9 reforçam os achados supracitados, ao compararem o sistema europeu e o escore americano, observando que os mesmos subestimaram a mortalidade intra-hospitalar, mostrando-se inadequados na avaliação pré-operatória dos pacientes que serão submetidos à Em estudo realizado com 94 pacientes, foi aplicado o sistema de risco, que classificou os pacientes em alto, médio e baixo risco operatório, perfazendo os valores 58,5%, 28,7% e 12,8% respectivamente. Dos pacientes classificados de alto risco, 43,6% desenvolveram Lesão Renal Aguda (LRA), no pós-operatório, satisfazendo p = 0,03, na comparação entre o surgimento de LRA e os valores de estratificação de risco pelo EuroSCORE. Além deste achado, houve associação estatística significante entre a classificação de risco com o tempo de permanência em terapia intensiva. 15 Estudos trazem que pacientes submetidos à CC têm em média um tempo de internamento em UTI de 4,16 ± 3,76 dias, porém fatores como tempo de ventilação mecânica, complicações respiratórias, infecções, insuficiência renal, instabilidade hemodinâmica, como arritmias, hipertensão arterial e IAM, podem interferir, elevando assim o tempo de internamento. 16 Estudos trazem que quanto maior o tempo de imobilismo, maior o défice funcional. Neste contexto, trazemos a importância da intervenção fisioterapêutica cada vez mais precoce. Dentre os procedimentos realizados pelo fisioterapeuta no pós-operatório de CC, contamos com a deambulação, procedimento que gera impacto hemodinâmico, porém se caracteriza como seguro e viável, não gerando riscos a pacientes deste perfil. 17 Em um estudo recente, Chodór et al. 18 verificaram que a redução do risco cardíaco por meio da cirurgia de implante da válvula aórtica transcateter (TAVI) aumenta a capacidade funcional avaliada pelo teste de caminhada de 6 minutos mesmo após 12 meses de acompanhamento. Resultado semelhante foi encontrado por Gotzmann et al., 19 avaliando o mesmo perfil de paciente. Outro grupo demonstrou que o risco e o tipo de cirurgia estiveram relacionadas com a capacidade em realizar exercícios em pacientes no pós-operatório de troca valvar. 20 Esse resultado pode ser um complemento ao nosso racional, visto que, no presente estudo, foi demonstrada uma diminuição da funcionalidade, o que pode estar relacionado com a piora da capacidade em realizar exercício. Algumas limitações podem ser discutidas no presente estudo: falta de um cálculo amostral; não avaliação de variáveis que poderiam interferir no aumento do tempo de permanência do paciente na UTI, como utilização de drogas vasoativas; falta de dados referentes as características clinicas dos pacientes. Conclusão Quanto maior o risco cardíaco, maior a perda de funcionalidade em pacientes submetidos à Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Cordeiro ALL, Brito AAOR, Carvalho I, Oliveira J. Obtenção de dados: Cordeiro ALL, Brito AAOR, Carvalho I, Oliveira J. Análise e interpretação dos dados: Araújo TM. Análise estatística: Araújo TM, Gardenghi G. Redação do manuscrito: Cordeiro ALL, Brito AAOR, Carvalho I, Oliveira J. Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Cordeiro ALL, Guimarães AR, Araújo TM, Gardenghi G. Potencial Conflito de Interesse Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação.

389 Int J Cardiovasc Sci. 2016;29(5):385-389 Referências 1. Ministério da Saúde. DATASUS. Morbidades hospitalares do SUS - por local de internação Brasil. [Acesso em 2014 Mar 6]. Disponível em: http:// www.datasus.gov.br 2. Morais DB, Lopes AC, Sá VM, Silva Junior WM, Cerqueira Neto ML. Evaluation of functional performance in patients undergoing cardiac surgery. Rev Bras Cardiol. 2010;23(5):263-9. 3. Oliveira JC, Fantinati MS. Perfil de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e preditores das complicações pós-operatórias. Rev Biomotriz. 2013;7(1):sp. 4. Akdur H, Polat MG, Yiğit Z, Arabaci U, Ozyilmaz S, Gürses HN. Effects of long intubation period on respiratory functions following open heart surgery. Jpn Heart J. 2002;43(5):523-30. 5. Arcêncio L, Souza MD, Bortolin BS, Fernandes AC, Rodrigues AJ, Évora PR. Cuidados pré e pós-operatórios em cirurgia cardiotorácica: uma abordagem fisioterapêutica. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2008;23(3):400-10. 6. Riberto M, Miyazaki MH, Jorge Fº D, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da medida de independência funcional. Acta Fisiatr. 2001;8(1):45-52. 7. Passos JF, Oliveira GU, Santana-Filho VJ, Araujo Fº AA, Silva Jr WM, Cerqueira TC, et al. Avaliação da qualidade de vida de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca no Estado de Sergipe. Caderno de Graduação-Ciências Biológicas e da Saúde. 2013;1(17):113-24. 8. Daniel CR, Driessen T, Fréz AR, Mora CT. Força muscular respiratória não influencia no uso da ventilação não invasiva após Fisioter Pesqui. 2014;21(1):60-6. 9. Garofallo SB, Machado DP, Rodrigues CG, Bordim O Jr, Kalil RA, Portal VL. Applicability of two international risk scores in cardiac surgery in a reference center in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):539-48. 10. Cordeiro AL, Brito AA, Santana NM, Silva IN, Nogueira SC, Guimarães AR, et al. Análise do grau de independência funcional pré e na alta da UTI em pacientes submetidos à Revista Pesquisa em Fisioterapia. 2015;5(1):21-7. 11. Borges JB, Ferreira DL, Carvalho SB, Martins AS, Andrade RR, Silva MA. Pain intensity and postoperative functional assessment after heart surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2006;21(4):393-402. 12. Toumpoulis IK, Anagnostopoulos CE, Swistel DG, DeRose JJ Jr. Does EuroSCORE predict length of stay and specific postoperative complications after cardiac surgery?. Eur J Cardiothorac Surg. 2005;27(1):128-33. 13. Romagnoli E, Burzotta F, Trani C, Siviglia M, Biondi-Zoccai GG, Niccoli G, et al. EuroSCORE as predictorofin-hospital mortality after percutaneous coronary intervention. Heart. 2009;95(1):43-8. 14. Parolari A, Pesce LL, Trezzi M, Cavallotti L, Kassem S, Loardi C, et al. EuroSCORE performance in valve surgery: a meta-analysis. Ann Thorac Surg. 2010;89(3):787-93. 15. De Moura EB, Bernardes Neto SG, Amorim FF, Viscardi RC. Correlação do EuroSCORE com o surgimento de lesão renal aguda pós-operatória em Rev Bras Ter Intensiva. 2013:25(3):233-8. 16. Laizo A, Delgado FE, Rocha GM. Complications that increase the time of hospitalization at ICU of patients submitted to cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):166-71. 17. Cordeiro AL, Silva AA, Santana MI, Carvalho S, Guimarães AR. Hemodynamic impact of walking in patients submitted heart surgery. Rev DERC. 2015;21(2):54-7. 18. Chodor P, Wilczek K, Zielinska T, Przybylski R, Glowacki J, Zembala M, et al. Assessment of cardiovascular function following transcatheter aortic valve implantation based on 6-minute walk test. Cardiol J. 2016 Oct 7. [Epub ahead of print]. 19. Gotzmann M, Hehen T, Germing A, Lindstaedt M, Yazar A, Laczkovics A, et al. Short-term effects of transcatheter aortic valve implantation on neurohormonal activation, quality of life and 6-minute walk test in severe and symptomatic aortic stenosis. Heart. 2010;96(14):1102-6. 20. Pardaens S, Moerman V, Willems AM, Calders P, Bartunek J, Vanderheyden M, et al. Impact of the preoperative risk and the type of surgery on exercise capacity and training after valvular surgery. Am J Cardiol. 2014;113(8):1383-9.