PROCURA-SE UMA VIÚVA Por CARLA GIFFONI BN 010.350 carlagiffoni@yahoo.com.br http://recantodasletras.com.br /autores/carlagiffoni
1- CORREDOR DA CAPELA MORTUÁRIA - INT - DIA Matilde e Donana, duas senhoras brancas, vestindo roupas sóbrias e apresentando 80 e 82 respectivamente, caminham pelo corredor procurando a sala onde é velado o corpo do general Osvaldo Viana. MATILDE - Donana, quem é a viúva? DONANA - (mal disfarçando a irritação) Você sabe que não sei Matilde. Só sei que é uma mulher muito jovem. Não sei onde Osvaldo estava com a cabeça de se casar com uma garota que tem idade para ser sua neta! MATILDE - Neta?! Você está sendo muito generosa, Donana! Pelo que ouvi falar, a garota tem idade para ser bisneta dele. Realmente, homem não pensa com a cabeça de cima! Onde já se viu uma coisa dessa?! DONANA - É claro que ela deu o golpe do baú, porque, convenhamos, ninguém é capaz de se apaixonar por um velho de 87 anos! Donana e Matilde param em frente a um quadro negro, onde se lê: "Velório do general Osvaldo Viana". CORTA PARA 2 - SALA DE VELÓRIO - INT - DIA Donana e Matilde caminham na sala do velório do general Osvaldo Viana, onde há 30 pessoas, algumas idosas, e outras mais jovens. Donana e Matilde procuram a viúva do general para dar os pêsames. - Três homens aparentando 40 anos conversam baixinho. - Cinco mulheres velhas, brancas, rezam o terço baixinho de olhos fechados. - Um casal jovem olha distraído para os lados. MATILDE - Mas como vamos descobrir a viúva no meio de tanta gente, Donana?
CONTINUED: 2. DONANA - Ah, basta ver uma garota que seja nova e que esteja chorando. MATILDE - Chorando de mentirinha, né? Pois com a polpuda pensão que receberá no Exército, ela deve estar mesmo é soltando rojões. DONANA - Fica quieta, Matilde, e vê se acha a viúva para que a gente possa dar logo os pêsames. Donana e Matilde caminham pela sala do velório. Uma jovem aparentando 18 anos, toda tatuada, com calça e blusa de couro, cheia de piercing (argola no nariz, orelha, na boca e sobrancelha), fuma e solta gargalhada alta chama a atenção de Matilde e Donana. Elas se olham. MATILDE - Será que é ela a víúva do general Osvaldo? DONANA - Não. Osvaldo não estava tão senil assim. Donana e Matilde se aproximam do caixão do general Osvaldo Viana. Uma mulher nova, aparentando 25 anos, loira, esguia, branca, com um vestido sóbrio preto está na cabeceira do caixão e olha tristemente para o rosto do general. Ela está de óculos escuro. Donana e Matilde olham-se entre si e dizem simultaneamente: MATILDE E DONANA - É ela! Donana e Matilde caminham em direção a jovem branca e tocam no braço da jovem, tentando consolá-la. MATILDE - Minha filha, não fique assim. DONANA - Você tem uma vida pela frente! A jovem tira os óculos escuro e olha para as duas com espanto. Tenta falar alguma coisa, explicar, mas Matilde e Donana não deixam que ela emita qualquer palavra. MATILDE - Você é jovem, encontrará um homem bom! Osvaldo certamente abençoará a nova união! Você vai ver, Nosso Senhor Jesus Cristo vai
CONTINUED: 3. ajudar. Faça uma novena para São Benedito que logo, logo, você arranjará outro amor. A jovem tenta explicar, mas é interrompida por Donana. DONANA - Não precisa falar nada, nós entendemos a sua dor. Eu também fiquei desolada quando perdi meu marido, há quase 20 anos. Mas a vida continua. Você vai ver. Vai passar (dá dois tapinhas amigáveis na mão da jovem). A jovem faz uma cara esquisita, entre choro e riso. Ela pega um lenço da bolsa e segura-o na frente da boca e começa a emitir sons como se estivesse soluçando. Matilde e Donana demonstram desolação, não sabem o que fazer. Cada vez que Matilde e Donana tentam consolar a jovem, a garota soluça mais e mais forte, sempre com o lenço na frente da boca. DONANA - Vou buscar um pouco de água com açúcar pra você, minha filha. MATILDE - Isso, Donana, vá buscar uma água para a pobrezinha. Eu fico aqui com a viúva do Osvaldo (passa o braço no ombro da jovem que soluça com o lenço na boca). Donana sai em busca do copo de água. No meio do caminho, encontra o irmão do general, Paulo Viana, um velho de 85 anos, branco. Donana segura o braço de Paulo. DONANA - Arrume um copo de água para a viúva, ela está desesperada ali no caixão (aponta o caixão onde estão Matilde e a jovem). Jovem soluçando e Matilde tentando consolá-la. PAULO VIANA - (espantado) Mas aquela ali não é a viúva de Osvaldinho. A viúva de meu irmão é aquela ali, perto da saída. Paulo Viana mostra a jovem com piercing e tatuagens, que fuma e gargalha a plenos pulmões. DONANA - Quê?! Mas então quem é aquela jovem ali no caixão, com
CONTINUED: 4. cara de desolada, que Matilde está consolando? Matilde dá tapinhas no braço da jovem, que soluça alto, com o lenço na boca. FIM PAULO VIANA - Aquela é Glorinha, filha do general Roberto Duval, que morreu há poucos dias. Ela está triste pela morte do pai. Duval era muito ligado ao meu irmão Osvaldo.