INTRODUÇÃO Para que é que está a olhar? E M 1972, A TATE GALLERy, EM LONDRES, comprou uma escultura intitulada Equivalente VIII, da autoria de Carl Andre, um artista minimalista americano. Feita em 1966, essa escultura consiste em 120 tijolos refractários que, dispostos de acordo com as instruções do artista, formam um rectângulo com dois tijolos de largura. Quando a Tate expôs a obra em meados da década de 1970, a iniciativa revelou-se bastante controversa. Não havia nada particularmente especial nesses tijolos de cores vivas; podiam ter sido adquiridos por qualquer pessoa, por meia dúzia de cêntimos cada um. A Tate Gallery pagou mais de duas mil libras por eles. A imprensa britânica entrou em parafuso. «Esbanjar o erário público num monte de tijolos!», gritaram os jornais. Mesmo a Burlington Magazine, uma revista elitista de arte, perguntava «A Tate enlouqueceu?» Por que motivo, interrogava uma publicação, esbanjava a Tate o precioso dinheiro público em algo que «podia ter ocorrido a qualquer trolha»? Cerca de trinta anos depois, a Tate voltou a adquirir uma obra de arte invulgar. Dessa vez optaram por comprar uma fila de pessoas. Na verdade, isto não é exactamente verdade. Não compraram propriamente as pessoas, pois isso é ilegal hoje em dia, mas compraram realmente a fila. Ou, mais precisamente, um pedaço de papel no qual o artista eslovaco Roman Ondák tinha escrito as instruções para uma
18 150 ANOS DE ARTE MODERNA NUM PISCAR DE OLHOS «Fofinha, sucedâneo não se diz.» obra de arte performativa que incluía contratar um punhado de actores que formariam uma fila. Nesse pedaço de papel, especificava que os actores deviam criar uma fila artificial à entrada ou no interior de uma exposição de arte. Uma vez em posição ou, em gíria artística, «instalados», todos deveriam adoptar um ar de paciente expectativa, como se estivessem à espera de que algo acontecesse. A ideia era que a presença deles iria intrigar e atrair pessoas que por ali passassem, que poderiam então juntar-se à fila (o que, pela minha experiência, acontecia geralmente) ou talvez caminhar ao lado dela, de sobrancelhas franzidas numa expressão perplexa, perguntando-se o que é que lhes estaria a escapar. É uma ideia divertida, mas será arte? Se um trolha podia ter concebido Equivalente VIII de Carl Andre, então a fila enganadora de Ondák talvez pudesse ser considerada como o supra-sumo da idiotice. Certamente que os média iriam enlouquecer. No entanto, não houve sequer um murmúrio: nenhuma crítica, nenhum escândalo, nem mesmo uma selecção de manchetes irónicas por parte dos membros mais espirituosos da imprensa tablóide nada de nada. A única cobertura que essa aquisição teve ficou-se por duas linhas de concordância nos jornais requintados, com mais incli-
INTRODUçãO 19 nação para as artes. Então o que acontecera nesses trinta anos? O que tinha mudado? Porque tinha a arte moderna e contemporânea deixado de ser vista como uma piada de mau gosto, transformando-se em algo respeitado e reverenciado em todo o mundo? O dinheiro tem alguma coisa a ver com isso. Nas últimas décadas, tinham afluído ao mundo da arte quantias avultadíssimas. Haviam-se esbanjado dinheiros públicos na melhoria de velhos museus e na construção de novos. A queda do comunismo e a desregulação dos mercados levara à globalização e à emergência de uma classe internacional de super-abastados, e a arte transformara-se no investimento sólido de eleição entre os novos-ricos. Enquanto os mercados de acções entravam em derrocada e os bancos faliam, o valor da arte moderna de topo de gama continuava a aumentar, assim como a quantidade de pessoas que entravam no mercado. Há poucos anos, a Sothe - by s, a leiloeira internacional, calculava que tinha licitantes de três países representados na sala para uma das suas vendas mais importantes de arte moderna. Neste momento, esse número pode muito bem superar os quarenta, incluindo novos coleccionadores abastados da China, Índia e América do Sul. O que significa que entrou em jogo uma economia de mercado básica: é um caso de oferta e de procura, com esta última a ultrapassar de longe a primeira. O valor das obras altamente consideradas de artistas mortos (e portanto improdutivos) como Picasso, Warhol, Pollock e Giacometti continua a subir como um elevador. O preço é impulsionado por banqueiros de criação recente e por oligarcas obscuros, por cidades de província ambiciosas e por países virados para o turismo que querem «fazer um Bilbao» isto é, transformar as suas reputações e engrandecer os seus perfis, encomendando uma galeria de arte moderna que dê nas vistas. Todos eles descobriram que comprar uma mansão ou construir um museu de último grito é a parte fácil; enchê-lo com algumas obras de arte minimamente condignas, que impressionem os visitantes, é muito mais difícil, justamente porque elas não abundam por aí. E se a arte moderna «clássica» de alta qualidade não está disponível, a melhor coisa a seguir a ela é a arte moderna «contemporânea» (as obras de artistas vivos). Também neste caso, os preços subiram
20 150 ANOS DE ARTE MODERNA NUM PISCAR DE OLHOS «Sentimo-nos mais à vontade a trabalhar com artistas mortos.» inexoravelmente para esses artistas considerados como pertencentes à lista A, como acontece com o artista pop americano Jeff Koons. Koons é famoso por ter produzido um cachorro gigantesco com flores incrustadas Puppy (1992) (ver Fig. 22), assim como numerosas figuras de cartoon em alumínio que parecem ter sido feitas a partir de balões. Em meados da década de 1990, era possível comprar uma obra de Koons por algumas centenas de milhares de dólares. Em 2010, as suas esculturas, com cores vivas e brilhantes, vendiam-se por milhões. Koons tornara-se uma denominação comercial, sendo a sua arte imediatamente reconhecível pelos que estão ao corrente dela, à semelhança do logótipo da Nike. É um dos muitos artistas vivos que se tornou muito rico num período de tempo notavelmente curto à custa deste surto de desenvolvimento das Belas- -Artes. Artistas outrora pobres são agora multimilionários com todos os sinais exteriores de estrelas de cinema: amigos célebres, aviões a jacto privados e média insaciáveis interessadíssimos em relatar cada um dos seus fascinantes passos. O sector de revistas de luxo em crescimento em finais do século xx ficou encantado por ajudar a criar o perfil público desta nova geração de artistas compreendidos pelos média. Imagens de criativos excêntricos ao lado da sua arte excêntrica, exibida em espaços luxuosamente concebidos nos quais se misturavam ricos e famosos, constituíam o tipo de banquete visual voyeurista que os leitores ambiciosos das revistas devoravam avidamente
INTRODUçãO 21 (a Tate Gallery até contratou a editora da Vogue para produzir a sua revista destinada aos membros). Essas publicações, juntamente com suplementos a cores de jornais, geraram um público novo, moderno e cosmopolita, para uma arte e artistas novos, modernos e cosmopolitas. Era uma multidão juvenil enfastiada com todas essas velhas pinturas acastanhadas veneradas pela geração anterior. Não, as filas crescentes de visitantes de galerias de arte contemporânea desejavam uma arte que falasse do seu tempo. De uma arte que fosse nova, dinâmica e emocionante: de uma arte que tivesse a ver com o aqui e agora. De uma arte que fosse como eles: desejável e moderna. De uma arte que fosse um pouco como o rock & roll: barulhenta, rebelde, divertida e fixe. O problema que este novo público enfrentou, o problema que todos nós enfrentamos quando nos deparamos com uma nova obra de arte, é o da compreensão. Não importa se o leitor é um negociante de arte estabelecido no mercado, um académico notável ou um conservador de museu; qualquer pessoa pode sentir-se meio perdida diante de uma pintura ou de uma escultura acabada de sair do estúdio de um artista. Mesmo Sir Nicholas Serota, o internacionalmente respeitado patrão do império Tate Gallery da Grã-Bretanha, fica ocasionalmente desconcertado. Uma vez contou-me que pode ficar um pouco «intimidado» quando entra no estúdio de um artista e vê uma nova obra pela primeira vez. «Muitas vezes não sei o que pensar», disse. «Sinto-me muito intimidado.» É uma confissão de peso por parte de alguém que é uma autoridade mundial em matéria de arte moderna e contemporânea. Que hipóteses temos nós? Algumas, diria eu. Porque não penso que a verdadeira questão tenha a ver com o facto de considerarmos que uma obra de arte contemporânea, novinha em folha, é boa ou má o tempo encarregar- -se-á disso por nós. É mais uma questão de compreender onde é que essa obra se encaixa na história da arte moderna e porquê. Existe um paradoxo a respeito do nosso relacionamento amoroso com a arte moderna: por um lado, somos milhões a visitar museus como o Pompidou em Paris, o MoMA em Nova Iorque e a Tate Modern em Londres; por outro lado, a resposta mais frequente que recebo quando começo uma conversa sobre esse assunto é «Ah, não sei nada sobre arte.»
22 150 ANOS DE ARTE MODERNA NUM PISCAR DE OLHOS Esta pronta confissão de ignorância não se deve a uma falta de inteligência ou de cultura. Tenho ouvido isto até de escritores famosos, de realizadores de cinema bem-sucedidos, de políticos ambiciosos e de académicos eruditos. Claro que todos eles, sem excepção, estão enganados. Sabem realmente alguma coisa sobre arte. Sabem que Miguel Ângelo pintou a Capela Sistina. Sabem que Leonardo da Vinci pintou a Mona Lisa. Sabem quase certamente que Auguste Rodin era escultor e, na maior parte dos casos, conseguem citar uma obra ou duas feitas por ele. Na verdade, o que querem mesmo dizer é que não sabem nada de arte moderna. Na verdade, o que querem mesmo dizer é que podem saber alguma coisa sobre arte moderna que Andy Warhol fez uma obra de arte com as latas de sopa Campbell s, por exemplo, mas que não a entendem. Não conseguem compreender por que razão algo que vêem que até uma criança poderia fazer é, aparentemente, uma obra-prima. No fundo, no fundo, suspeitam que é uma impostura mas, agora que as modas mudaram, acham que não é socialmente aceitável dizer uma coisa dessas. Não penso que seja uma impostura. A arte moderna (abarcando mais ou menos o período que vai da década de 1860 à de 1970) e a arte contemporânea (geralmente considerada como sendo a arte produzida por artistas ainda vivos) não são uma partida de longa duração que alguns iniciados pregam a um público crédulo. É verdade que há muitas obras feitas hoje a maioria mesmo que não aguentarão o teste do tempo, mas, do mesmo modo, haverá algumas que passaram totalmente despercebidas e que um dia serão reconhecidas como obras-primas. A verdade é que as obras de arte excepcionais criadas actualmente, e ao longo do último século, representam algumas das maiores realizações do Homem na era moderna. Somente um tolo denegriria o génio de Pablo Picasso, Paul Cézanne, Barbara Hepworth, Vincent van Gogh e Frida Kahlo. Não é preciso ser músico para saber que Bach podia compor uma melodia ou que Sinatra podia cantar uma. Na minha opinião, a melhor posição para começar quando se trata de apreciar e desfrutar a arte moderna e contemporânea não é decidir se é boa ou má, mas compreender como se evoluiu do classicismo de Leonardo para os actuais tubarões em formol e camas des-
INTRODUçãO 23 feitas. Tal como acontece com muitos assuntos aparentemente impenetráveis, a arte assemelha-se a um jogo: basta saber as regras e normas básicas para aquilo que parecia desconcertante começar a fazer algum sentido. E, embora tenda a ser vista como a regra fora de jogo da arte moderna a única que as pessoas não conseguem contornar ou explicar numa conversa à mesa do café, a arte conceptual é surpreendentemente simples. Tudo o que o leitor precisa de saber para entender o essencial pode ser encontrado nesta história da arte moderna que cobre mais de 150 anos durante os quais a arte ajudou a mudar o mundo e o mundo ajudou a mudar a arte. Todos os movimentos, todos os «ismos», estão intrincadamente ligados, conduzindo cada um deles a outro, como elos de uma cadeia. Mas todos têm as suas abordagens próprias, os seus estilos distintos e os seus métodos de criação artística, que são o culminar de uma ampla diversidade de influências: artísticas, políticas, sociais e tecnológicas. É uma história espantosa e uma história que, espero, faça da sua próxima visita a uma galeria de arte moderna uma actividade ligeiramente menos intimidadora e um pouco mais interessante. Começa mais ou menos assim...