GERAÇÕES DE MIGRANTES E A FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM CAMPINAS:

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GERAÇÕES DE MIGRANTES E A FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM CAMPINAS: 1774-1920. 1 Paulo Eduardo Teixeira (UNESP/Marília) RESUMO Um dos objetivos desse trabalho é apresentar algumas reflexões sobre a importância dos processos migratórios, internos e externos, que tiveram na formação da cidade de Campinas em diferentes momentos de sua história. Destacar que as diferentes gerações de migrantes contribuíram para a formação de famílias em que os noivos eram naturais da própria vila/cidade, e que no decorrer do tempo foram crescendo em importância para o crescimento vegetativo da população campineira. As informações para identificação da origem ou naturalidade das pessoas utilizadas nesta pesquisa foram os registros de casamentos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas, para o período de 1774-1888, e os registros civis de casamento que foram implantados a partir de 1875 e que foram coletados até o ano de 1921. Palavras-chave: Migrações; Casamentos; Naturalidade; Nupcialidade; Campinas. 1 Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP Brasil, de 24 a 28 de novembro de 2014. 1

GERAÇÕES DE MIGRANTES E A FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS EM CAMPINAS: 1774-1920. 2 Paulo Eduardo Teixeira (UNESP/Marília) INTRODUÇÃO A origem do povoamento de Campinas principiou no século XVIII quando a localidade era apenas um pouso para os viajantes que adentravam ao sertão, e com o passar dos anos tornou-se bairro rural da Vila de Jundiaí. Em 1774 houve a elevação da localidade para a condição de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas, a qual abrigava neste ano 342 pessoas distribuídas em 57 domicílios. De 1797 a 1842 Campinas viveu sob a condição de Vila de São Carlos, e o crescimento populacional foi intensificado pela chegada de pessoas oriundas de várias vilas paulistas, sobretudo Itu, Jundiaí, Nazaré, Atibaia, Bragança, Parnaíba, Santo Amaro e muitas outras. Durante este período também vieram inúmeros escravos, uns de origem africana e outros nascidos no Brasil, provenientes de variadas localidades. (TEIXEIRA, 2004) A presença de escravos na Vila campineira esteve relacionada ao avanço da fronteira agrícola, inicialmente com a cultura da cana-de-açúcar que aportou em solo campineiro no final do século XVIII, e posteriormente com o café, este principalmente após os anos de 1850. Com a constituição da cidade de Campinas a presença de migrantes, livres ou escravos, continuou a ser observada, no entanto, em relação à população cativa, a presença de nativos africanos passou a ser fruto da migração interna, a partir de alguns processos de deslocamento que deram início em outros estados brasileiros, sobretudo do Nordeste via Rio de Janeiro, motivados pela proibição do tráfico internacional. Outro reflexo desse ato foi a chegada de imigrantes europeus em massa, especialmente a partir dos anos de 1880, que pode estar vinculado ao fim do tráfico de africanos, seguido por uma série de leis de caráter abolicionista que foram decretadas. 2 Trabalho apresentado no XIX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em São Pedro/SP Brasil, de 24 a 28 de novembro de 2014. 2

Estes fatos retratam de forma sucinta alguns processos envolvidos na fundação e crescimento de Campinas, tais como as políticas de povoamento/imigração, economia de plantation, a formação de famílias (TEIXEIRA, 2004 e 2011). 3 OBJETIVOS Um dos objetivos desse trabalho é apresentar algumas reflexões sobre a importância dos processos migratórios, internos e externos, que tiveram na formação da cidade de Campinas em diferentes momentos de sua história. Destacar que as diferentes gerações de migrantes contribuíram para a formação de famílias em que os noivos eram naturais da própria vila/cidade, e que no decorrer do tempo foram importantes para o crescimento vegetativo da população campineira. FONTES E METODOLOGIA As informações para identificação da origem ou naturalidade das pessoas utilizada nesta pesquisa foram os registros paroquiais de casamentos 4, para o período de 1774-1888, e os registros civis de casamento que foram implantados a partir de 1875 e que foram coletados até o ano de 1921, totalizando 20.182 eventos. Obviamente os dados representam uma parcela da população total, no entanto, o objetivo maior foi o de propor algumas ideias que os dados sugeriram para pensar a formação das famílias campineiras ao longo de várias gerações. Ambos os tipos de registros de casamento foram coletados a partir da leitura paleográfica realizada ao longo de vários anos, onde as informações contidas nestes documentos foram transportadas para o software SPSS, e posteriormente receberam os primeiros cuidados para iniciar a fase de análise das informações sobre naturalidade, 3 Muitas das reflexões aqui apresentadas foram desenvolvidas em trabalhos anteriores que abordaram o tema da formação das famílias em Campinas até o ano de 1850. Os dados referentes a segunda metade do século XIX e início do XX são resultado de ampla pesquisa vinculada ao Projeto Temático da FAPESP: Observatório das Migrações em São Paulo (Fases e Faces do Fenômeno Migratório no Estado de São Paulo), sob a coordenação da Dr.ª Rosana Baeninger. Os dados coletados para Campinas contaram com a parceria da Dr.ª Maria Silvia Bassanezi, que participou da Pesquisa Migrações internas em uma perspectiva histórica. Uma pesquisa exploratória. 4 Aqui foram utilizados os registros de casamentos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas. A segunda Paróquia a existir foi a de Nossa Senhora do Carmo, denominada inicialmente de Santa Cruz, criada em 18/04/1870. Nesta última existem dois volumes contendo as notações dos matrimônios realizados entre 1870 e 1891, mas que não foram trabalhados nesta pesquisa. 3

nacionalidade, idade, etc. Durante a coleta de informações foram notados problemas relativos aos procedimentos utilizados na feitura dos documentos, como por exemplo, a não informação da naturalidade dos noivos durante alguns períodos, ou ainda, a total ausência de casamentos em dois momentos dos registros paroquiais, 1830 e 1850. No entanto, os sub-registros não impediram a realização do trabalho analítico, que ora apresentamos em suas linhas gerais. DISCUSSÃO A primeira análise que fazemos visa demonstrar o crescimento da população de Campinas até o final do sistema escravista, e que se valeu tanto do crescimento vegetativo quanto do migratório. O Gráfico 1 apresenta os números absolutos da população total em alguns anos, e podemos notar alguns fatos, primeiro: crescimento modesto durante o período que Campinas era uma Freguesia, isto é, entre os anos de 1774-1794; segundo, que a população livre foi majoritária até o ano de 1814, quando então o crescimento de escravos foi maior até os anos de 1850, fruto da economia açucareira; terceiro, que a população cativa decresce numericamente a partir dos anos de 1870; e quarto, que a população livre a partir dos anos de 1870 passa a ter uma composição que integram muitos libertos e imigrantes europeus. Gráfico 1: População Livre e Escrava, Campinas 1774-1886 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 1774 1794 1814 1829 1854 1872 1886 TOTAL LIVRES ESCRAVOS Fonte: Listas Nominativas de Habitantes de 1774, 1794, 1814, 1829 (AEL/Unicamp). Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo de 1854. Recenseamento Geral do Império de 1872. Relatório Província de São Paulo de 1888. 4

1774 1781 1788 1795 1802 1809 1816 1823 1830 1837 1844 1851 1858 1865 1872 1879 1886 A análise dos registros de casamentos por meio do Gráfico 2 sinaliza para uma tendência de crescimento ao longo de todo o período, embora de maneira mais sutil possa ser visto, por exemplo, um maior número de casamentos de escravos nos anos de 1850. Gráfico 2: Totais de Casamentos por Ano. Campinas, 1774-1888 5 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 Livres Escravos Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp) A diminuição do número de casamentos de escravos a partir dos anos de 1870 pode ser um reflexo da queda de possíveis nubentes vindos do cativeiro, que passaram à condição de livres em virtude das variadas formas de alforria que o Estado passou a proporcionar, como a Lei Provincial 26/1884 que mandava cobrar de cada escravo de lavoura existente na Província o imposto de 3$000 por ano, que foi aplicado às despesas com o serviço de imigração, ou ainda como a Lei Imperial 3.270/1885 que previa a extinção gradual da escravidão. Em relação à população livre, o crescimento do número de casamentos pode não ter sido tão expressivo a partir de 1870 devido ao fato de não incluirmos os dados relativos aos casamentos realizados na segunda Paróquia de Campinas, a Santa Cruz. Quando passamos a incluir os registros civis de casamento com o intuito de observar as mudanças operadas no final do século XIX (fim do escravismo, imigração internacional, proclamação da República), notamos que após a criação e regulamentação 5 Os dados da população livre utilizada neste estudo foram computados até o ano de 1884, uma vez que a coleta de informações continua. As quedas observadas para os anos de 1829-1836, e 1858-59, correspondem ao não registro dos eventos, provavelmente ocorridos em virtude da perda de informações por parte dos padres responsáveis pelos livros e não pela ausência de matrimônios. 5

1774 1782 1790 1798 1806 1814 1822 1830 1838 1846 1854 1862 1870 1878 1886 1894 1902 1910 1918 do registro civil, observamos os primeiros assentos já em 1875, entretanto não houve resposta da população para isso e nem infraestrutura suficiente, e o casamento religioso manteve-se oficial até a República. Gráfico 3: Casamento Religioso e Civil. Campinas, 1774-1921. 600 500 400 300 200 100 0 RC RP Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp) Cabe registrar que foram criados os distritos de Souzas e Valinhos em 1896, Americana em 1904, Cosmópolis e Sumaré em 1909, lugares que possivelmente foram criados novos cartórios, e que não fizeram parte do universo explorado nesta pesquisa, ou seja, possivelmente o volume de casamentos em Campinas deve ser ainda maior. Outro fato a ser destacado no contexto da transição do trabalho escravo para o livre em Campinas são as epidemias de febre amarela que dizimaram inúmeras pessoas, causando também um forte êxodo da cidade para outros lugares. As epidemias foram bem estudadas por Lycurgo de Castro Santos Filho e José Nogueira Novaes (1996), assim como mereceu consideração no trabalho de Amaral Lapa em seu livro A Cidade: Os Cantos e os Antros: Campinas 1850-1900 (1996). O fato é que elas atingiram a cidade com ímpeto sobretudo nos anos de 1889, 1890, 1892, 1896 e 1897, sendo as duas primeiras as geradoras de elevados índices de mortalidade devido as condições precárias de saúde e saneamento, comum na maioria das cidades brasileiras da época. Esse momento pode ser notado ao analisarmos o Gráfico 4, que retrata o crescimento populacional de Campinas até 1920. 6

Gráfico 4: Crescimento Populacional de Campinas entre 1774-1920 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 1760 1780 1800 1820 1840 1860 1880 1900 1920 1940 TOTAL LIVRE ESCRAVA Fonte: Listas Nominativas de Habitantes de 1774, 1794, 1814, 1829 (AEL/Unicamp). Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo de 1854. Recenseamento Geral do Império de 1872. Relatório Província de São Paulo de 1888. Censos de 1890 e 1920. O Gráfico 4 ainda revela o crescimento da população livre e escrava dentro de patamares próximos até os anos de 1860, quando então notamos um arrefecimento deste aumento nos anos de 1870, seguido de uma queda a partir de então, da população cativa, que passa a sofrer diretamente os vários efeitos do processo de abolição da escravatura no Brasil, certamente com o aumento das alforrias, que ajudaram a empurrar a curva de livres para cima. Não obstante, até maio de 1888 houve casamentos de cativos em Campinas. Quando tratamos de perceber o movimento populacional à luz dos registros de casamentos, importante é notar as taxas brutas de nupcialidade ao longo de sua história com o objetivo de melhor entender as fases de seu povoamento e o consequente domínio de seu território, uma vez que ilustram o momento escravista da vila/cidade e a transição para o século XX, que irá transformá-la gradativamente em um centro urbano importante no contexto regional. Vejamos o Gráfico 5. 7

Gráfico 5: Taxas Brutas de Nupcialidade em Campinas, 1774-1920 30 25 20 15 10 5 0 1760 1780 1800 1820 1840 1860 1880 1900 1920 1940 TBNup TBNup Livre TBNup Escrava Fonte: Registros Paroquiais de Matrimônio da Paróquia de N. Sra. da Conceição de Campinas (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp). Listas Nominativas de Habitantes de 1774, 1794, 1814, 1829 (AEL/Unicamp). Quadro Estatístico da População da Província de São Paulo de 1854. Recenseamento Geral do Império de 1872. Relatório Província de São Paulo de 1888. Censos de 1890 e 1920. O Gráfico 5 demonstra até o final do período escravista a distinção entre o comportamento nupcial da população livre e cativa, atestando que no início do povoamento de Campinas, quando esta era uma Freguesia e posteriormente se transforma em vila, que o peso de seu crescimento se deveu em grande medida à presença da população livre, ao menos até o ano de 1814, quando então um processo de saída de parte dessa população dá espaço ao estabelecimento de grandes propriedades canavieiras com a larga utilização de mão-de-obra escrava, que cresce vertiginosamente de 1814 até os anos de 1830, quando Campinas se torna uma das maiores vilas paulista exportadora de açúcar, momentos estes que podem ser caracterizados pelos elevados índices de nupcialidade livre e escrava. (Cf. TEIXEIRA, 2004, especialmente o capítulo 3) A tendência de elevados níveis da nupcialidade são responsáveis pela geração de uma prole legítima, e isso demonstra a importância do número de casamentos em uma dada localidade. Além disso, as elevadas taxas de nupcialidade no período de 1774-1850 revelam a força do casamento e consequentemente da formação de famílias como agente povoador. Um segundo momento que é possível divisar pelo Gráfico 5 corresponde aos anos que a lavoura cafeeira irá adentrar o território de Campinas, que se inicia por volta de 1830 até os anos de 1850, quando então a lavoura canavieira deixa de ser preponderante 8

na paisagem das muitas fazendas da região. Esse período apresenta um declínio constante das taxas de nupcialidade, atingindo as menores taxas desde o início de sua história. Em 1854 a taxa bruta de nupcialidade geral caiu de 12,7 para 2,7 em 1872. Em 1886 a taxa se eleva um pouco, chegando a 3,4 ao passo que em 1890 foi de 0,91. Nesse sentido, as observações feitas acima sobre as crises epidêmicas que assolaram a cidade não podem ser desconsideradas, bem como o final do processo de abolição, que permitiu a migração de um grande contingente de pessoas para outras paragens. Por exemplo, São Carlos do Pinhal assim como outras vilas localizadas mais a oeste de Campinas devem ter recebido parte desse contingente populacional que fugia das pestes e mesmo daqueles que procuravam terras mais baratas e abundantes para iniciar a formação de uma lavoura, o que pode explicar os níveis de nupcialidade mais elevados para São Carlos, quando em 1886 a taxa indicou 6,4 e 7,6 para o ano de 1907. (TRUZZI & BASSANEZI, 2009:201) Finalmente, cabe ainda uma nota sobre o Gráfico 5, o qual retrata o final do século XIX e início do XX em Campinas, momento que a cidade retoma seu crescimento populacional, conforme já vimos no Gráfico 4, e a taxa bruta de nupcialidade da ordem de 1,58 em 1920, espelha a fixação de um novo contingente de pessoas, os imigrantes europeus. Tabela 1: Naturalidade dos Nubentes, Campinas: 1774-1921 NATURALIDADE DOS NUBENTES EM CAMPINAS - 1774-1921 LOCAL HOMENS % MULHERES % CAMPINAS 4.910 24,3 7.260 35,9 SÃO PAULO (CAPITAL) 274 1,4 240 1,2 ITU 243 1,2 179 0,9 JUNDIAÍ 391 1,9 360 1,8 MOGI MIRIM 194 1 231 1,1 SÃO CARLOS DO PINHAL 258 1,2 136 0,7 GENTIO DE GUINÉ 1.399 6,9 927 4,6 "DE NAÇÃO" (AFRICANO) 283 1,4 123 0,6 CRIOLO/A 202 1 474 2,3 SUBTOTAL 8.154 40,3 9930 49,1 NÃO DECLARADO 5.513 27,3 4.240 21 OUTROS LUGARES 6.515 32,4 6012 29,9 TOTAL 20.182 100 20.182 100 Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp) A análise dos registros de casamento permitem identificar a origem dos noivos, ou seja, ao se casarem eram obrigados a declarar o local de nascimento, e assim 9

contribuíram para que hoje possamos saber as localidades que mais contribuíram para o povoamento e a formação de novos casais, alguns que permaneceram em Campinas, e muitos outros que rumaram para outras áreas mais ao interior. A Tabela 1 indica um elevado percentual de indivíduos que não declararam a localidade de seu nascimento (27,3% dos homens e 21% das mulheres), no entanto, é possível notar que a maior parcela dos noivos que se casaram em Campinas é da própria vila/cidade. Ao observarmos as localidades que mais contribuíram, notamos uma diferença entre livres e escravos, estes últimos advindos em grande número da África, sobretudo os homens (cerca de 8,3% dos noivos, contra 5,2% das noivas que vieram da Guiné ou eram De Nação ). Por sua vez, as vilas mais antigas do interior paulista, como Itu, Jundiaí e Mogi Mirim, contribuíram com 4,5% dos noivos e 3,9% do total de noivas, lembrando que a participação destes se fez notar de forma mais intensa durante os anos iniciais de formação da Freguesia (1774-1797) e vila (1798-1854). Por sua vez, a presença de noivos e noivas advindos da vila de São Carlos do Pinhal, estabelecida em 1865 6, retrata uma estratégia utilizada pelas famílias mais abastadas que estão nas zonas de fronteiras, de procurarem manter alianças por meio do casamento dos filhos com seus parentes e conhecidos das vilas e cidades que as antecederam ou contribuíram para o novo povoamento. O nome de São Carlos do Pinhal advém da Fazenda Pinhal, parte das terras que pertenciam à Sesmaria que levava o mesmo nome, e que pertenceu a Carlos Bartholomeu de Arruda Botelho (1785/86) e que foi requerida por um de seus filhos, Carlos José Botelho, em 1831. Com a morte deste último Carlos Botelho em 1854, a Sesmaria foi dividida e a Fazenda do Pinhal passou a pertencer ao senhor Antonio Carlos de Arruda Botelho, que veio a ser Barão, Visconde e Conde do Pinhal. No entanto, muito antes de receber esses títulos de nobreza, devemos saber que logo após o falecimento de sua primeira esposa em 1852, o mesmo veio a contrair segundas núpcias com Dona Ana Carolina de Melo Oliveira. Dona Ana recebeu o batismo em 13/12/1841, filha legítima, possivelmente a caçula do Alferes José Estanislau de Oliveira e sua mulher Dona Eliza Justina de Melo Oliveira/Melo Franco, como indicam os oito registros de batizados de seus filhos, todos nascidos em Campinas. 7 6 A fundação de São Carlos se dá em 04 de novembro de 1857, sendo posteriormente elevada à condição de vila em 1865 com a instalação da Câmara Municipal, para no ano de 1880 tornar-se cidade. 7 Cf. Registro Paroquial de Batismo da Paróquia de N. Sra. da Conceição de Campinas, 13/12/1841 (AEL/Unicamp). 10

Para melhor compreendermos as redes de aliança e apoio construídas durante o povoamento do interior paulista durante o século XIX, devemos de voltar no tempo para falar um pouco do avô de Dona Ana Carolina, o professor jubilado de Retórica da cidade de São Paulo, o senhor Estanislau José de Oliveira. Em seus últimos dias, resolveu viver em Campinas, onde tinha uma fazenda de 110 alqueires em que trabalhavam 46 escravos, denominada de Engenho dos Pinheiros. Segundo seu testamento, teve 18 filhos ao lado de sua esposa dona Maria Joaquina de Araújo, a quem deixou a incumbência de cuidar dos filhos menores, pois quando de sua morte, em 1826, a caçula Francisca tinha apenas cerca de seis anos de idade. 8 Seu trabalho em São Paulo lhe proporcionou um contato com algumas personalidades importantes da época, como o coronel Daniel Pedro Müller, que foi padrinho de batismo de sua última filha, nascida em Campinas. 9 Estabelecido no período áureo do açúcar em Campinas, o Engenho dos Pinheiros certamente garantiu a formação de fortunas maiores que foram aplicadas no café anos mais tarde por seus filhos. Mas como legado ele deixou uma rede de amizades que garantiu aos descendentes uniões seguras. Por exemplo, em Campinas, uma de suas filhas, dona Esperança Joaquina de Oliveira, casou-se com o capitão José Bento Gomes, enquanto outra, dona Ana Maria das Dores, veio a contrair núpcias com o capitão João Batista da Luz. 10 Mas foi o filho José Estanislau de Oliveira, pai de dona Ana Carolina de Melo Oliveira, que do posto de alferes passou a ser o senhor da cidade de Araraquara, tornando-se o primeiro barão daquela localidade, em 1867. 11 (TEIXEIRA, 2011:185-186) Dentre seus filhos, Dona Amália Carolina Oliveira Borges, a primeira filha do casal, tornou-se a baronesa de Dourados, 12 enquanto o doutor Luís José de Mello Oliveira viria a se tornar o barão de São João do Rio Claro, 13 cidade que deu nome ao novo título do primeiro barão de Araraquara, o de visconde de Rio Claro. 14 O título de barão de Araraquara passaria então a um outro membro de sua família, Estanislau José de Oliveira, neto 15, também conhecido por José Estanislau de Arruda Botelho, o primeiro filho de dona Ana Carolina de Melo Oliveira, que se tornou a Condessa do Pinhal. 8 Testamento de Estanislau José de Oliveira, Professor de Retórica, 1823, TJC, 1º Of. (Centro de Memória da Unicamp). 9 Cf. Registro Paroquial de Batismo, 10.12.1820 (Arquivo da Cúria Metropolitana de Campinas). 10 Cf. Registro Paroquial de Casamento 29.4.1824 e 7.1.1826, respectivamente (Arquivo da Cúria Metropolitana de Campinas). 11 Decreto em 30.5.1867 (cf. Barata & Bueno, s. d.). 12 Foi casada com o tenente-coronel José Luís Borges, que recebeu o título de barão de Dourado em 19 de agosto de 1889. Cf. Fundo Jolumá Brito. Série Personagens. Dados biográficos. Barões diversos, p.287 (Centro de Memória da Unicamp). 13 Decreto em 28.2.1885. Posteriormente passou a ser barão de Mello Oliveira, conforme decreto de 28.3.1885 (cf. Barata & Bueno, s. d.). 14 Decreto em 19.7.1870 (cf. Barata & Bueno, s. d.). 15 Decreto em 28.2.1885. Passou a ser chamado segundo barão de Araraquara (cf. Barata & Bueno, s. d.). 11

Estanislau, o neto, nascido em São Carlos do Pinhal, fortalecerá as alianças familiares por meio de um casamento com a filha de Manuel Carlos Aranha, o Barão de Anhumas, e que representa uma das mais importantes famílias campineiras do século XIX, uma vez que ele foi genro da Viscondessa de Campinas. 16 Quando procuramos compreender a participação de estrangeiros no processo de povoamento de Campinas, notamos que eles se concentram em seis grupos, sendo cinco europeus e um de africanos, os quais vieram durante o período que vigorou o comércio de escravos (Cf. Tabela 2) Tabela 2: Nacionalidade dos Nubentes, Campinas: 1774-1921 NACIONALIDADE DOS NUBENTES EM CAMPINAS - 1774-1921 LOCAL HOMENS % MULHERES % BRASIL 8.263 40,9 9.571 47,4 ALEMANHA 163 0,8 112 0,6 ÁUSTRIA 126 0,6 110 0,5 ESPANHA 424 2,1 378 1,9 ITÁLIA 2.904 14,4 2.398 11,9 PORTUGAL 1.275 6,3 630 3,1 AFRICANA 1.682 8,3 1.050 5,2 SUBTOTAL 14.837 73,4 14.249 70,6 NÃO DECLARADO 5.068 25,1 5.777 28,6 OUTROS PAÍSES 277 1,5 156 0,8 TOTAL 20.182 100 20.182 100 Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp) A Tabela 2 ainda denota a forte presença de brasileiros em Campinas durante todo o período analisado, sendo maior a participação das mulheres no mercado matrimonial, atingindo quase a metade do número de noivas. Dentre todos os grupos de estrangeiros analisados, o número de nubentes homens superou o de mulheres, algo que não ocorreu entre brasileiros. Esse é o indício da presença de muitos homens, sobretudo jovens, que deixaram suas famílias em suas terras de origem, e ao chegarem ao Brasil procuram criar suas próprias famílias. Dentre os casamentos realizados na Paróquia de Campinas, 78,3% das noivas eram solteiras e 74,2% dos noivos também estavam nessa mesma condição, ao passo que 11,5% dos noivos eram viúvos e 7,1% eram mulheres na condição de buscar um outro casamento. Observando a idade dos noivos e noivas por meio dos registros civis 16 Manuel Carlos Aranha, filho de pais desconhecidos, contrai matrimônio em 06/02/1843, com dona Ana Tereza da Anunciaçam, filha legítima do senhor Francisco Egidio de Souza Aranha e de sua mulher, dona Maria Luiza da Anunciaçam, futura Viscondessa de Campinas. Cf. Registro Paroquial de Casamento (Arquivo da Cúria Metropolitana de Campinas). 12

de casamento do Distrito de Santa Cruz, notamos que a idade modal para os homens se casarem era de 22 anos, enquanto para as mulheres era 18, sendo a média de idade 25 para os noivos e 20 para as noivas, fator que mostra o peso da idade dos viúvos. 17 Se os italianos foi o grupo de europeus mais representativo, não podemos desprezar a participação dos africanos, que esteve logo abaixo deles, no entanto, a presença de ambos se faz em dois momentos distintos, os cativos da África que vieram a se casar em Campinas se concentram na primeira metade do século XIX, enquanto os italianos se mostrarão com mais força a partir de 1870. Vejamos a Tabela 3. Tabela 3: Nacionalidade dos Nubentes, Campinas: 1774-1921 NACIONALIDADE DOS NUBENTES EM CAMPINAS - 1774-1921 LOCAL PERÍODOS/CICLOS 1774-1850 (Vila de São Carlos - Açúcar) 1851-1890 (Cidade de Campinas -Café) 1891-1921 (Café e Indústria) HOMENS % MULHERES % HOMENS % MULHERES % HOMENS % MULHERES % BRASIL 2.633 66,7 2.709 75,7 130 20,3 114 33,8 5.500 53,6 6.748 65,3 ALEMANHA 1 0 - - 34 5,3 16 4,7 128 1,3 96 0,9 ÁUSTRIA - - - - 3 0,5 1 0,3 123 1,2 109 1,1 ESPANHA 1 0 - - 2 0,3 1 0,3 421 4,1 377 3,6 ITÁLIA 1 0 - - 10 1,5 12 3,5 2.893 28,2 2.386 23,1 PORTUGAL 74 1,8 6 0,2 16 2,5 3 0,9 1.185 11,5 621 6,1 AFRICANA 1.236 31,3 860 24,1 446 69,5 190 56,4 - - - - TOTAL 3.946 100 3.575 100 641 100 337 100 10.250 100 10.337 100 Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp) Finalmente, a Tabela 3 destaca que entre os estrangeiros, os portugueses foram aqueles que mantiveram uma presença discreta entre os campineiros, ao menos até o início da grande imigração, ao passo que os africanos têm uma redução contundente após 1850. A falta de declaração da nacionalidade apontada nas Tabelas 1 e 2, podem ser melhor entendidas como sendo falhas nos registros paroquiais e do cartório civil entre os anos de 1851 e 1890, o que explica os baixos casos de noivos no cômputo geral. O período pós-abolição, portanto de 1891-1920, os noivos (homens e mulheres) de origem brasileira passam a ter grande peso entre os consortes, não obstante, irá predominar uniões com características que marcam uma endogamia entre membros de mesmos grupos. Assim, dentre 13.494 cerimônias, 77,2% delas foram celebradas uniões 17 A mediana para os noivos ficou em 24 anos e para as mulheres 19. Como os registros paroquiais não informavam a idade dos noivos, a única maneira de obter tal informação é por meio da reconstituição de famílias, a qual realizamos para a população livre de Campinas para o período de 1774-1850. A idade média dos homens ao casar foi de 23,4 anos e das mulheres 17,4 anos. Cf. TEIXEIRA, 2011:87. 13

de pessoas do mesmo grupo étnico, sendo 57% dos brasileiros, 3,4% dos portugueses, 1,8% dos espanhóis, 0,3% entre alemães e outros 0,3% de austríacos, e 14,4% entre italianos. Não obstante, houve casamentos interétnicos, sendo que os alemães foram os mais procurados, ou seja, 76 cerimônias envolveram noivos alemães (o que equivale a 46% dos alemães que se casaram) que se uniram a brasileiras, ao passo que 42 noivas alemãs (isto é, 37,5% do total de nubentes alemãs) casaram com brasileiros. O segundo grupo mais afeito aos casamentos com brasileiros foram os portugueses (465 noivos portugueses, algo em torno de 36,5%, se casaram com noivas brasileiras, e 116 noivas portuguesas se uniram a brasileiros, cerca de 18%). Em termos percentuais podemos dizer que as mulheres austríacas foram mais consideradas pelos brasileiros que as espanholas e italianas, enquanto que no sentido inverso, ou seja, quando as noivas eram brasileiras, as buscas se davam da seguinte forma, isto é, os espanhóis (32% ou 135), seguidos pelos italianos (28% ou 833) e pelos austríacos (24% ou 30). Se o primeiro e segundo períodos marcam a presença africana, podemos dizer que o processo de miscigenação gerou relações interétnicas sobretudo entre brasileiros/portugueses e africanos, gerando os mulatos. Por sua vez, o processo que foi desencadeado com a vinda de outros europeus, leia-se brancos, além dos portugueses, demonstra nitidamente que uma política de branqueamento somente poderia ser efetiva se houvesse a formação de casais mistos, e que no caso de Campinas o grande número de casamentos entre iguais demonstrou que essa política estava fadada ao insucesso. E por último, podemos dizer que as muitas cerimônias de casamento que foram realizadas transcorreram sobretudo durante o dia, com ênfase para os horários da manhã, entre 8 e 11 horas, meio dia, momento que foram registrados 1.408 casamentos nesse horário, assim como o período de uma da tarde até as 17 horas. No entanto, o que nos chamou a atenção foram os casamentos que passaram a ser realizados nos períodos noturnos, ou seja, após as 18 horas, conforme podemos observar no Gráfico 6. 14

1838 1841 1844 1847 1850 1853 1856 1859 1862 1865 1868 1871 1874 1877 1880 1883 1886 1889 1892 1895 1898 1901 1904 1907 1910 1913 1916 1919 Gráfico 6: Casamentos da População Total de Campinas após 18 horas 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 TOTAL 18-18,5 19-19,5 h 20-20,5 h 21-21,5 h 23 h Fonte: Registros Paroquiais de Casamento, Livres e Escravos (AEL/Unicamp). Registro Civil de Casamentos de Campinas (CMU/Unicamp) Assim, com o passar dos anos, notamos um aumento do número de cerimônias realizadas cada vez mais tarde, por volta de 20 horas, o que atesta uma mudança de comportamento social que possivelmente tem relações com as mudanças das estruturas econômicas da sociedade campineira de então, com uma série de mudanças que vão operar a urbanização da cidade. No entanto, podemos observar também que essa tendência caiu após o ano de 1900, algo que ainda deve ser explicado de forma mais cabal. Como exemplo podemos citar a cerimônia de casamento ocorrida em 15 de junho de 1901 que uniu Francisco de Andrade Couto, natural de Campinas, com idade de 38 anos, solteiro, com a viúva Risoleta Soares, de 30 anos, também natural de Campinas, no horário de 21 horas. Os nomes dos pais do noivo, José Soares de Couto e dona Anna Jacintha de Andrade Couto, são informados pelo registro de casamento ao lado dos pais da noiva, o excelentíssimo Barão de Paranapanema e sua esposa, a excelentíssima Baroneza de Paranapanema. 18 A noiva viúva, que havia sido casada com o doutor Francisco de Paula Silva e Cunha, na ocasião das segundas núpcias registrou a presença de três filhos do primeiro casamento, e pela data de falecimento do marido (04/12/11898) nota-se que ela não teve dificuldade para encontrar um segundo marido, sobretudo pelas estratégias matrimoniais adotadas entre as nobres famílias campineiras, afinal, os pais da noiva sabiam muito bem o que isso significava, pois a mãe da noiva, a Baronesa, dona Maria Carolina de Toledo Lima, era a terceira esposa do Barão de Paranapanema, o 18 Cf. Registro Civil de Casamentos de Campinas de 15/06/1901 (CMU/Unicamp). 15

senhor Joaquim Celestino de Abreu Soares, que recebera o título nobiliárquico pouco tempo antes do falecimento de seu genro, isto é, em 15/09/1897, mas que usufruiu pouco tempo desse título, uma vez que uma pequena nota no registro indicou que o mesmo era falecido. Essas relações são interessantes, uma vez que demonstram o comportamento social dessa nobreza, que realiza casamentos noturnos talvez para se distinguir socialmente dos demais grupos sociais. Interessante notar que três dias depois do caso exposto anteriormente ocorreu o enlace matrimonial de uma outra filha do Barão de Paranapanema. Dona Elisa Soares de Andrade, de apenas 21 anos, casou às 20 horas do dia 18 de junho de 1901 com o doutor Abílio Álvaro Miller (Müller), natural da cidade de São Pedro, Rio Grande do Sul, com a idade de 28 anos, no entanto, esta era filha da segunda mulher do Barão, dona Ernestina Duarte de Andrade, que também era falecida na ocasião. Pouco tempo mais tarde, no dia 20/02/1902, outra filha do Barão se casou, às 20 horas e trinta minutos, desta vez foi dona Ernestina Soares de Andrade, de 18 anos, com o doutor Francisco de Araújo Mascarenhas, de 32 anos de idade. Outra filha do mesmo casal também tinha se casado, no entanto, a cerimônia aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1900, às 20 horas, sendo dona Ercília Soares de Andrade, de 19 anos, a noiva, que se uniu com Favorino de Abreu Soares, de 30 anos, ambos nascidos em Campinas. O interessante notar nos casamentos destas filhas, que em nenhum momento os documentos indicam o título de barão dado ao pai dessas noivas, possivelmente porque na ocasião a esposa, dona Ernestina Duarte Soares já ter falecido. No entanto, a despeito das cerimônias realizadas no período noturno, os casamentos realizados durante o dia, como já dissemos, eram os mais comuns, sendo o horário de 12 horas um dos mais procurados. Assim foi na celebração do enlace entre Raul Soares Bicudo, um jovem de 23 anos, que no dia 08 de junho de 1901 recebeu por mulher dona Olívia Soares de Andrade, de 18 anos, às 12 badaladas do relógio, sendo os pais da noiva o dito Barão de Paranapanema e sua segunda mulher, dona Ernestina. Dona Amália Soares de Toledo, dona Eudóxia de Soares de Toledo e dona Maria Angélica Soares, que eram as irmãs de dona Risoleta Soares, e consequentemente filhas do Barão e da Baronesa de Paranapanema, se casaram durante o dia, fato que demonstra 16

que a tendência ao casamento noturno entre a elite campineira após os anos de 1900 começaram a mudar. 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo migratório interno apresenta uma importância significativa para explicar certos comportamentos populacionais ocorridos nesse período de grandes mudanças sociais. Uma dessas dinâmicas é o crescimento vegetativo da população que se fixou em Campinas, proporcionando ao longo das gerações de livres e escravos um contingente significativo de jovens naturais da própria localidade. Ao observar a naturalidade dos noivos de condição social livre e que contraíram casamento em Campinas, podemos dizer que até os anos de 1820 há o predomínio de jovens oriundos de localidades vizinhas (TEIXEIRA, 2004:114-118), e que dos anos vinte do século XIX até a década de 1870 predominaram os noivos nascidos em Campinas (TEIXEIRA, 2012: 61-84), o que significa o enraizamento das famílias dos primeiros povoadores e de muitas outras que vieram por meio de um processo migratório de curtas distâncias. Quanto aos livres que foram registrados nos cartórios do registro Civil de 1875 a 1920, a influência da grande imigração se faz notar da seguinte maneira: dentre as noivas, 63,5% eram nacionais, das quais 67% eram nascidas em Campinas, seguidas pelas italianas (22,4%), portuguesas (5,8%), espanholas (3,5%) e alemãs (1,0%); os noivos seguiram tendência semelhante, dos 52% nascidos no Brasil, 58,7% eram campineiros, seguidos pelos italianos (27,1%), portugueses (11,2%), espanhóis (3,9%) e alemães (1,5%). Finalmente, quanto aos escravos que se casaram em Campinas podemos afirmar que houve um processo que não pode ser desvinculado dos fatores econômicos e migratórios da população livre. Assim, a origem africana da maioria dos noivos e noivas cativos que se casaram sob a bênção da Igreja era indicada nos documentos como Gentio de Guiné, ou seja, dos 3.650 matrimônios, 37,9% dos noivos e 25,3% das noivas receberam tal denominação. A participação de outros grupos, como os oriundos de Angola, Benguela, Congo, Guiné e Moçambique são ínfimos ou inexistem em alguns períodos. Os noivos de Nação aparecem com maior vigor no período de 1850 a 1877, enquanto que os nascidos em Campinas, existentes desde o período inicial que estudamos, 19 Cf. Registro Civil de Casamentos de Campinas de 25/04/1908, 27/06/1908 e 24/07/1909, respectivamente. (CMU/Unicamp) 17

vão crescendo mais e mais, chegando a compor 6,4% de noivos (235 casos), e 11,6% de noivas (423 casos), entre 1774 e 1888. Essas informações indicam que a reprodução natural da população cativa se fazia mesmo sob condições muito adversas, como a elevada razão de sexo entre eles, e as duras condições do cativeiro. Em suma, a demografia histórica procura criar mecanismos para aproveitar algumas informações contidas em documentos que não são de caráter estatístico para pensar diversos processos que são importantes para o entendimento do passado, e apesar dos dados não cobrirem toda a população, ao menos eles sugerem uma tendência que foi a da importância da migração interna no processo de constituição de famílias nos novos espaços que se abriram ao povoamento no interior paulista, como foi o caso que procuramos estudar: Campinas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARATA, C. A.; BUENO, A. H. C. Dicionário das famílias brasileiras. S. l.: Litografia Tucano Ltda., s. d. 2v. CD-ROM. BASSANEZI, Maria Silvia Beozzo (org.). São Paulo do passado: dados demográficos censo de 1890. NEPO/UNICAMP, 1998. LAPA, José Roberto do Amaral. A cidade: Os Cantos e os Antros: Campinas 1850-1900. São Paulo: Edusp, 1996. SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro e NOVAES, José Nogueira. A Febre Amarela em Campinas, 1889-1900. Campinas, CMU/UNICAMP, 1996. TEIXEIRA, Paulo Eduardo. Processos migratórios na formação do interior paulista (Campinas: 1774-1877). In: TEIXEIRA, Paulo E.; BRAGA, Antonio M. da C.; BAENINGER, Rosana (Orgs.) Migrações, implicações passadas, presentes e futuras. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012, pp. 61-84.. A formação das famílias livres: Campinas, 1774-1850. São Paulo: Editora Unesp, 2011.. O outro lado da família brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 2004. TRUZZI, Oswaldo M. S. & BASSANEZI, Maria Silvia B. População, grupos étnicosraciais e economia cafeeira: São Carlos, 1907. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 26, n.2, p. 197-218, jul./dez. 2009. 18