Acórdãos STA Processo: 0538/07 Data do Acordão: 17/10/2007 Tribunal: 2 SECÇÃO Relator: JORGE LINO Descritores: Sumário: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL PRESCRIÇÃO PRAZO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO I - A Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, entrou em vigor em 4 de Fevereiro de 2001 e veio diminuir o prazo de prescrição das dívidas à segurança social de dez para cinco anos. II - Terminando o prazo prescricional a um sábado, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil. III - Se o prazo de prescrição for interrompido pela instauração, ou citação, na execução fiscal, fica inutilizado todo o tempo decorrido até esse momento, começando nesta data a correr novo prazo prescricional de 5 anos artigo 326, n.º 1, do Código Civil -, sempre salvo o caso da cessação do respectivo efeito interruptivo. Nº Convencional: JSTA0008356 Nº do Documento: SA2200710170538 Recorrente: A... Recorrido 1: INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP Votação: UNANIMIDADE Aditamento: Texto Integral Texto Integral: 1.1 A... vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a oposição que deduzira à execução fiscal para cobrança de contribuições para a Segurança Social. 1.2 Em alegação, o recorrente formula as seguintes conclusões. a) A douta sentença recorrida entendeu que o prazo de prescrição em causa e que terminou num Sábado, a 04-02-2006, passaria para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, Segunda-feira, 06-02-2006, por força do disposto na alínea e) do artigo 279 do Código Civil. b) Contudo, tal norma reporta-se exclusivamente a prazos terminados em Domingos e dias feriados, o que não é manifestamente o caso em apreço, já que o prazo da prescrição dos autos teve o seu termo num Sábado; c) Mesmo que assim não se entendesse, tal normativo não teria aplicação ao caso em apreço, já que a prescrição opera-se simplesmente pelo não exercício de um direito já previamente definido no decurso do prazo legalmente previsto; d) Ou seja, para a verificação prescrição basta ocorrer o decurso do tempo legalmente previsto para o efeito, sem necessidade da ocorrência de qualquer outro facto ou a prática de qualquer outro acto; e) Por outro lado, a citação, como causa interruptiva da prescrição,
deverá ocorrer dentro do prazo legalmente previsto para o termo da prescrição, ou seja, teria que ocorrer até ao dia 04-02-2006, inclusive, e apenas ocorreu no dia 06-02-2006; f) Para mais e salvo melhor opinião, a génese da alínea e) do artigo 279 do Código Civil que prevê a passagem para o primeiro dia útil dos prazos com termo em Domingos e dias feriados tem subjacente a ocorrência de um outro facto externo ao mero decurso do prazo ou a prática de um acto, o que não acontece com a prescrição que opera com o mero decurso do tempo. 1.3 O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., contra-alegou e conclui do seguinte modo. 1. A douta sentença recorrida declarou a Oposição deduzida improcedente e em consequência determinou a não verificação da prescrição das contribuições para a segurança social relativas aos meses de 04/1998 a 12/2000. 2. De acordo com o disposto no art. 119 da referida Lei 17/2000, este diploma entrou em vigor (verificados) 180 dias após a data da sua publicação, ou seja, entrou em vigor no dia 05/02/01. 3. O decurso do prazo de prescrição dos 5 anos só se verificou no dia 07/02/06, uma vez que, tratando-se de um prazo fixado em anos, o mesmo só termina às 24 horas do dia que corresponda dentro do último ano àquela data, ou seja, termina no dia 05/02/06. 4. No entanto, como dia 05/02/06 foi um Domingo, o fim do prazo dos 5 anos transferiu-se para o primeiro dia útil, i.e., 06/02/06, de acordo com o disposto no art 279 al. e) do Código Civil., aplicável por força do art. 296 do mesmo diploma legal. 5. Veja-se neste sentido os Acórdãos n s 1502/06 de 16/01/07, 1573/07 de 14/02/07, 1557/07 de 14/02/07 e 1567/07 de 14/02/07 todos do Tribunal Central Administrativo Sul, bem como Acórdão n 68106.6B6PNF de 07/09/06 do Tribunal Central Administrativo Norte. 6. A citação interrompe a prescrição, nos termos do art 49 n 1 da L.G.T, concluindo-se no caso em apreço nos presentes autos que o novo prazo de prescrição de 5 anos ainda não se completou, em virtude da interrupção operada pela citação no dia 06/02/06. 1.4 O Ministério Público neste Tribunal remeteu para o parecer que a seguir se transcreve. Atento o já anteriormente decidido neste TCA Sul sobre matéria idêntica, sendo outra agora recorrido o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, no douto acórdão de 16 de Janeiro de 2007 Recurso nº 1502/06, e atenta a posição sufragada pelo recorrido na contestação a fls. 26/27, e com o qual se concorda, entende-se que o recurso não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida. 1.5 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência. 2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte. - Na execução fiscal executam-se créditos por contribuições para a segurança social referentes aos meses de 04/1998 a 09/2002. - O Oponente foi citado para a execução em 6 de Fevereiro de 2006.
2.2 Está em causa, nos autos, a prescrição das contribuições para a segurança social relativas aos meses de Abril de 1998 a Setembro de 2002. À data vigorava, para o efeito, o artigo 53.º, n.º 2, da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, que fixava o prazo de prescrição em dez anos. Todavia, o artigo 63.º, n.º 2, da Lei 17/2000, de 8 de Agosto, fixou-o em cinco anos. Por modos que, nos termos do artigo 279.º do Código Civil, é este o prazo aplicável, contado a partir da entrada em vigor da lei nova. Pelo que a primeira questão dos autos é justamente a da sua entrada em vigor. E, a tal propósito, estabelece o artigo 119.º da dita Lei 17/2000 que a presente lei entra em vigor 180 dias após a data da sua publicação. Assim, na sua interpretação puramente literal e por mera contagem aritmética, teriam de passar 180 dias sobre aquela data de 8 de Agosto de 2000 já que o primeiro dia não entra no cômputo do prazo artigo 279.º, alínea b) -, o que situaria o início da vigência em 5 de Fevereiro de 2001. Mas não será esse o modo mais correcto de ver as coisas. Na verdade, estabelece o artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, que, na falta de fixação do dia, os actos legislativos e os outros actos de conteúdo genérico entram em vigor no 5.º dia após a publicação. Saliente-se que o quinto dia não corresponde à passagem de cinco dias mas de quatro: assim, a lei entra em vigor no 5.º dia após a publicação e não passados cinco dias, após este momento. Trata-se, no primeiro caso, de um nome numeral ordinal e, no segundo, de um cardinal, aquele mostrando a ordem, o lugar numérico que as coisas, animais ou pessoas ocupam numa série e este determinando o número exacto das mesmas. Todavia, dada a geral dificuldade de lidar com os números ordinais (para já não falar dos proporcionais multiplicativos e partitivos e dos colectivos), sobretudo quando estes tenham de dizer-se em mais de dois numerais simples, a prática jurídica tem considerado, para o falado efeito da determinação do início da vigência das leis, os números cardinais como se fossem ordinais. Por simetria com a dita Lei n.º 74/98, deveria assim ter-se dito que a Lei n.º 17/2000 entrava em vigor no centésimo octogésimo dia após a data da sua publicação. Dada, pois, a dita prática jurídica e porque estamos em matéria garantística de prazos, tem-se a Lei n.º 17/2000 por entrada em vigor no dia 4 de Fevereiro de 2001. Pelo que o prazo prescricional de 5 anos, previsto no seu artigo 63.º, n.º 2, se completou no dia 4 de Fevereiro de 2006, um sábado. Modo de ver que levanta a segunda questão dos autos. Com efeito, segundo dispõe o artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o
primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas às férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver que ser praticado em juízo. Assim, há que equacionar a questão de saber se o prazo prescricional terminado ao sábado, se transfere para o primeiro dia útil seguinte. Este artigo 279.º aplica-se ao termo dos prazos, transferindo-o para o primeiro dia útil seguinte, se este se verificar em domingo ou dia feriado. O que bem se compreende, pois, se assim não fosse, o prazo seria diminuído em, pelo menos, um dia. Com efeito, tal normativo vale, mutatis mutandis, para a fixação dos prazos legais (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado), que não só em matéria de negócios jurídicos (Como refere Mário de Brito, Código Civil anotado, vol. I, p. 342, nota 570: O artigo fala em termo e em prazo. Termo é a fixação de tempo pela referência a certa data: - estipula-se, por exemplo, que uma dívida se vence em determinado dia. Prazo é a fixação de tempo com referência a uma série de momentos temporais (anos, meses ou anos): - estipula-se, por exemplo, que uma dívida se vencerá no prazo de um ano.), aplicando-se a prazos relevantes para a prática de actos. A razão de ser do artigo 297.º, ao ordenar a predita transferência de prazos, concretiza-se em que, se há prazos que não têm que ser praticados em juízo, como normalmente acontece relativamente aos negócios jurídicos, outros têm efectivamente de ser praticados nos tribunais, como é o caso dos prazos judiciais, tendo o legislador resolvido equipará-los para tal efeito. É que, enquanto os prazos processuais se suspendem nas férias judiciais (excepto se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes) e o seu termo se transfere para o primeiro dia útil seguinte se terminarem em dia em que os tribunais estejam encerrados - artigo 144.º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil -, os prazos substantivos, normalmente mais longos, não sofrem tal suspensão nas férias, feriados ou fins de semana. Todavia, nos preditos termos do artigo 279.º, o termo do seu prazo, ocorrendo num destes dias, transfere-se para o primeiro dia útil. Caso contrário, o interessado teria menos prazo do que o concedido por lei para praticar o acto. Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1991, processo n.º 002785. Ora, o instituto da prescrição visa sancionar a negligência do titular do direito: não tendo sido exercido, o direito extingue-se decorrido este prazo que, atenta a sua finalidade, se pode suspender e/ou interromper. Pelo que, apesar de constituir uma garantia do devedor decorrido o prazo prescricional, o devedor pode opor-se ao exercício do direito, não por este ser impossível mas por tal exercício já não ser razoável -, o termo do prazo é, nos preditos termos, mais relevante para o titular do direito. E, assim sendo, o artigo 279.º, alínea e), primeira parte, do CC, é
aplicável ao prazo de prescrição, mas já não sempre a segunda: é que o termo do prazo que termine nas férias judiciais apenas se transfere para o primeiro dia útil se o acto ( ) tiver que ser praticado em juízo. Ora, o prazo de prescrição não carece de qualquer acto praticado em juízo para decorrer. A sua interrupção é que pode operar-se por acto praticado em juízo. Trata-se, pois, de realidades jurídicas distintas, mas articuladas: o prazo substantivo de prescrição obedece às regras do artigo 279.º do CC e o prazo processual da citação é disciplinado, não por esta norma, mas pelas dos artigos 143.º e 144.º do CPC, sendo que, nos termos do n.º 2 daquele primeiro inciso normativo, as citações podem ser efectuadas durante o período das férias judiciais. Isto é, a citação realizada durante as férias judiciais interrompe o prazo de prescrição que esteja a decorrer, pelo que não é necessário que tal prazo se transfira para o primeiro dia útil após as férias, uma vez que o titular do direito pode, neste período, interromper a prescrição. Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Janeiro de 2007, processo n.º 06S3757. Sucede, portanto, que, como ficou dito, o termo do prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 63.º, n.º 2, da Lei n.º 17/2000, se verificou no dia 4 de Fevereiro de 2006, um sábado. Todavia, a dita alínea e) apenas prevê a transferência dos prazos que terminem ao domingo, dia feriado e nas férias judiciais (neste último caso, só se o acto tiver que ser praticado em juízo, nos preditos termos). Contudo, a solução é a mesma. Em 1966, ano em que foi aprovado o Código Civil, as secretarias judiciais estavam abertas aos sábados, situação que só foi alterada em 1980, com o artigo 3.º da Lei n.º 35/80, de 29 de Julho, que reestruturou as secretarias judiciais. Aliás, note-se que o artigo 144.º, n.º 2, do CPC, a que se fez referência, por ter sido alterado em 1985, já equipara os sábados aos domingos e dias feriado. Sendo que, mesmo antes de 1980, se entendia que os prazos que findassem aos sábados, transferiam o seu termo para o dia útil seguinte cfr. o assento de 16 de Março de 1981, in Boletim, n.º 295, p. 115, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 1988 processo n.º 1893 e Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, 105, p. 345. Ou seja, o último dia do prazo de prescrição de 5 anos previsto na Lei n.º 17/2000 foi 6 de Fevereiro de 2006, segunda-feira, dia em que a recorrente foi citada. Importa, pois, verificar se ocorreu algum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, sendo certo que nos autos estão em análise contribuições para a segurança social relativas aos meses de Abril de 1998 a Setembro de 2002 e só o artigo 63.º daquele último diploma
legal veio regular, pela primeira vez, esta matéria no âmbito das contribuições ora em crise. E, assim sendo, as disposições relevantes, de acordo com a data em que ocorreu o facto tributário, são, sucessivamente, o artigo 27.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o artigo 34.º do Código de Processo Tributário, o artigo 49.º da Lei Geral Tributária ou o artigo 63.º, n.º 3, da Lei n.º 17/2000, uma vez que apenas as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, valendo as de natureza substantiva apenas para os factos posteriores à entrada em vigor destes diplomas. Todavia, no caso dos autos, atento o disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil, a todas as dívidas é aplicável este último diploma, pois que se trata de lei que estabelece um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior, não faltando, segundo a lei antiga, menos tempo para o prazo prescricional se completar. Na verdade, mesmo relativamente à dívida mais antiga, de Abril de 1998, e mesmo não tomando em linha de conta a instauração da execução, que, se anterior à LGT, interrompia a prescrição, isto é, considerando o prazo de 8 anos desta lei, faltavam, em 4 de Fevereiro de 2001, mais de 5 anos para o prazo de prescrição se completar, pelo que é este o prazo aplicável. Ora, a Lei n.º 17/2000 entrou em vigor, como se disse, em 4 de Fevereiro de 2001, sendo pois aplicáveis os ditos artigos 49.º, n.º1, e 63.º, n.º3, que estatuem que a citação interrompe a prescrição. E tendo a citação da execução interrompido a prescrição no último dia do prazo, todo o tempo decorrido entre 4 de Fevereiro de 2001 e 6 de Fevereiro de 2006 ficou inutilizado, começando nesta data a correr novo prazo prescricional de 5 anos artigo 326º, n.º1, do Código Civil que não se encontra decorrido. Pelo que não se encontram prescritas as dívidas em causa. E, então, havemos de convir que a Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, entrou em vigor em 4 de Fevereiro de 2001 e veio diminuir o prazo de prescrição das dívidas à segurança social de dez para cinco anos. Terminando o prazo prescricional a um sábado, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos do artigo 279.º, alínea e), do Código Civil. Se o prazo de prescrição for interrompido pela instauração, ou citação, na execução fiscal, fica inutilizado todo o tempo decorrido até esse momento, começando nesta data a correr novo prazo prescricional de 5 anos artigo 326º, n.º 1, do Código Civil -, sempre salvo o caso da cessação do respectivo efeito interruptivo. Cf. tudo o que acaba de ser dito (com as alterações necessárias às diferentes datas das contribuições em causa) no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5-7-2007, proferido no recurso n.º 359/09, que aqui, data venia, se reproduziu a bem dizer textualmente. 3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 17 de Outubro de 2007. Jorge Lino (relator) Lúcio Barbosa António Calhau.