Diretor: João Teives n Diretor Editorial: Hermínio Santos n Mensal n Ano IV n N.º 43 n Outubro de 2013 n 15 euros Miguel Castro Pereira, managing partner da Abreu Advogados Transformar custos em receitas Pág. 30 06 19 João Espanha, sócio da Espanha e Associados Estado tem de fazer dieta O Estado está mal habituado e portanto quanto mais dinheiro tem mais gasta e não há volta a dar. Por isso, João Espanha, sócio da Espanha e Associados, especialista em Direito Fiscal, defende que é preciso fazer dieta, o que passará por uma grande razia no que diz respeito ao funcionalismo público. Sobre a sociedade, Espanha diz que se podem esperar algumas surpresas nos tempos mais próximos. O Tribunal Constitucional tem futuro? Desde abril de 2012 que as relações entre o Governo e o Tribunal Constitucional têm sido marcadas pela turbulência. O Advocatus pediu a quatro advogados uma opinião sobre o tema. O resultado são artigos de Alexandre de Albuquerque, da Albuquerque & Associados, José de Matos Correia, da CMS-Rui Pena & Arnaut, Eduardo Paz Ferreira, da Paz Ferreira & Associados, etiago Duarte, da PLMJ.
Sociedades Entrevista Fátima de Sousa Jornalista fs@briefing.pt A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. De tal forma que 50 por cento da faturação da sociedade tem origem, direta ou indiretamente, em clientes estrangeiros. Está a crescer também no estrangeiro, nomeadamente nos países de língua portuguesa, que representa 10 por cento do negócio. O managing partner, Miguel Castro Pereira, traça a estratégia de uma firma que tem ganho dimensão com diversificação. Miguel Castro Pereira, managing partner da Abreu Advogados Crescemos com o investimento estrangeiro Ramon de Melo 30 Outubro de 2013
Advocatus É managing partner da Abreu desde 2011. Que desafios coloca gerir uma sociedade com 250 pessoas? Miguel Castro Pereira Um dos pontos que é essencial na gestão de uma sociedade com a dimensão da Abreu é que a gestão tenha caráter técnico e profissional. E um dos primeiros aspetos que foi necessário acautelar foi que a intervenção dos sócios fosse mais do género de uma sociedade anónima, isto é, remetida sobretudo para as assembleias gerais, e que se criasse uma estrutura de governação profissional. Uma das alterações que introduzimos foi a criação de uma comissão executiva, que tem funções de supervisão das áreas de gestão, todas elas atribuídas a profissionais, como acontece em qualquer outra empresa. O que se pretendeu foi libertar os sócios que estavam envolvidos na gestão para aquilo que sabem fazer melhor, que é serem advogados. E isso teve um reflexo objetivo desde logo: no primeiro ano, o aumento do valor hora médio da sociedade foi claramente influenciado pelo facto de os fee earners que têm as taxas mais altas alocarem mais tempo à prática da advocacia. O envolvimento dos sócios na gestão limitava claramente a capacidade de geração de receitas da sociedade. A estrutura profissional, que é constituída por quadros de direção licenciados em diversas áreas, reporta à diretora-geral, que, por sua vez, reporta ao managing partner. A minha função é de intervenção, mas não de intervenção operacional. Sempre achei que o órgão máximo de gestão em qualquer estrutura deve ser aquele que está menos sobrecarregado com tarefas de execução quotidiana, tem de estar livre para pensar a função e para decidir. Advocatus Que alterações foram introduzidas com esse modelo de gestão? MCP Tendo como objetivo um processo de gestão profissionalizado, introduzimos uma série de medidas, nomeadamente um Acreditamos que o nosso conceito pode ser aplicado em qualquer parte do mundo. A questão não é tanto nós, advogados portugueses, exercermos localmente. A questão é o nosso modelo de gestão ser aplicado localmente com advogados locais O que se pretendeu foi libertar os sócios que estavam envolvidos na gestão para aquilo que sabem fazer melhor, que é serem advogados. E isso teve um reflexo objetivo desde logo: no primeiro ano, o aumento do valor hora médio da sociedade foi claramente influenciado controlo de custos muito apertado. Contratámos uma consultora, que trabalhou apenas na base da remuneração correspondente à efetiva redução de custos. Olhou- -se de fora sistematizada para toda a estrutura de decisão, nomeadamente o processo de compras, de adjudicação de serviços. Uma coisa que também fizemos foi diversificar bastante as nossas áreas de negócio, Com a privatização dos atos notariais, por exemplo, abriu-se claramente uma janela de oportunidade porque há muitos atos que podem ser praticados por advogados. Por isso, criámos uma área de registos e notariado, que é um centro de custos e de proveitos autónomo, em que temos a trabalhar oito a dez solicitadores. É uma one stop shop: fazemos tudo no escritório. Parece não ter grande novidade, mas quando o fazíamos com uma estrutura externa estávamos a cobrar ao cliente um custo que para nós era também um custo, assim passa a ser um proveito. É uma área que tem tido bastante crescimento. Outra área de grande novida- Outubro de 2013 31
Entrevista A partir de determinada altura, crescemos e tivemos de pensar se íamos continuar uma boutique ou prestar serviços de natureza global. E o que decidimos foi crescer para os serviços de natureza mas tentar continuar uma boutique em cada uma das áreas Há, de facto, muitas oportunidades para encontrar negócio. E nós procuramos transformar custos em receitas. O cliente fica melhor servido, as nossas margens são mais competitivas e passamos a ter essa receita de é a das traduções jurídicas. Tínhamos uma grande necessidade interna e solicitações dos nossos clientes, pelo que acabámos por criar um serviço próprio. Áreas como estas são tão simples. Há, de facto, muitas oportunidades para encontrar negócio. E nós procuramos transformar custos em receitas. O cliente fica melhor servido, as nossas margens são mais competitivas e passamos a ter essa receita. São áreas de negócio que começam a ter alguma expressão. Uma das que tem mais expressão é a do contencioso de cobrança, que tradicionalmente não existe nos escritórios de advogados. Nós desenvolvemos um modelo próprio que é muitíssimo rentável e que atingiu o break even logo no primeiro ano. Neste momento representa cerca de 11 por cento da faturação do escritório. Temos um modelo muito eficiente em que a margem é inferior à do restante negócio, mas em que o volume permite libertar lucros muito interessantes. MARQUES MENDES Uma contratação valiosa Foi em finais de 2011 que a Abreu contratou, como consultor, o ex-ministro e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes. Um processo que Miguel Castro Pereira resume em poucas palavras: Nós sabíamos que o Luís tinha interesse em voltar à vida profissional de advogado e, por um conjunto de circunstâncias, fizemos o convite e ele aceitou. Estamos bastante satisfeitos. Diz o managing partner, que um membro da equipa muito valioso, com uma capacidade de gestão de dossiês que faz toda a diferença. Que consegue trabalhar com equipas multidisciplinares, que tem sensibilidade jurídica e dá confiança aos clientes. Advocatus Esta diversificação acontece como uma compensação face à contração noutras áreas de prática da sociedade? MCP Nas áreas de referência do escritório não tivemos quebra de faturação, o que já diz alguma coisa nesta conjuntura. No volume global, há alguma compensação: mantivemos os níveis e subimos noutras áreas, nomeadamente na área internacional, que representa 10 ou 11 por cento da nossa faturação. Outra das áreas que tem crescido muito é a do desporto. Não representa o volume de faturação de corporate, M&A ou mesmo financeiro, mas tem dobrado a faturação a cada ano. O que está aqui em causa é a relação entre a dimensão e o risco. Se eu tiver dimensão, mas o negócio concentrado apenas uma área, o risco aumenta. Mas se tiver dimensão diversificada, o risco diminui. Fala-se muito que as sociedades cresceram demais, mas se tivéssemos continuado uma boutique de financeiro e fiscal, o que teria 32 Outubro de 2013
acontecido agora? O que é importante é que há um crescimento sustentado e com sinergias. Claramente acredito neste modelo, que nos permite minimizar o risco da atividade. Advocatus A área internacional é uma das que está a crescer. Qual é a estratégia da Abreu nos mercados externos? MCP Temos um histórico de presença efetiva nos países de língua portuguesa. Estamos em Angola há dez anos. Não fomos a correr agora. Estamos presentes através de uma associação com a FBL Advogados, que é a sociedade de advogados independente de maior dimensão. No Brasil, temos uma associação com a Siqueira Castro, mas o foco é diferente: há muito interesse brasileiro em investimento nos outros países de língua portuguesa, sobretudo em Moçambique, e os nossos colegas careciam de ter um apoio consistente nesses países. A associação com o Brasil não significa prestar serviços no Brasil, onde não temos valor acrescentado dado o nível de sofisticação e de qualidade da advocacia brasileira. Mas temos um núcleo de advogados brasileiros em Portugal, que apoia projetos de investimentos português no Brasil. E de lá encaminham clientes, quer para investimento em Portugal representamos por exemplo a Embraer e a Amil quer para investimento em Angola e Moçambique. O nosso nível de prestação de serviços é uma garantia para os nossos colegas brasileiros quando encaminham esses clientes. Não queremos um escritório da Abreu em cada jurisdição. O que queremos é que o nível de serviço seja o da Abreu em cada jurisdição. Em Moçambique temos um escritório recente, criado de raiz, em que o sócio que dá o nome, Rodrigo Ferreira Borges, é também sócio da Abreu. Em Angola a solução que nos interessa é a ligação com a FBL, com quem temos equipas conjuntas. Em Timor-Leste, temos uma joint-venture com a C&C, que é o nosso Nas áreas de referência do escritório não tivemos quebra de faturação, o que já diz alguma coisa nesta conjuntura. No volume global, há alguma compensação: mantivemos os níveis e subimos noutras áreas, nomeadamente na área internacional Não queremos um escritório da Abreu em cada jurisdição. O que queremos é que o nível de serviço seja o da Abreu em cada jurisdição Sempre tivemos uma marca característica de apoio a clientes internacionais, mas havia uma janela de oportunidade que eram os países de língua portuguesa e há cerca de dez anos decidimos avançar Outubro de 2013 33
Entrevista O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes. Deve estruturar a gestão e deixá-la funcionar, pensar a estratégia e o negócio, estabelecer contactos internacionais e parcerias locais escritório associado em Macau. Acreditamos que o nosso conceito pode ser aplicado em qualquer parte do mundo. A questão não é tanto nós, advogados portugueses, exercermos localmente. A questão é o nosso modelo de gestão ser aplicado localmente com advogados locais. Advocatus Há outros países que vos interessem? MCP Temos claramente interesse em estar presentes em mais um ou dois países de língua portuguesa. Por outro lado, temos acompanhado os nossos clientes noutras jurisdições, por exemplo, na Argélia, onde se verifica uma série de investimentos por construtoras portuguesa que estamos a acompanhar através da associação com a FIDAL, um escritório francês com uma presença muito sólida na África francófona. Advocatus Qual o peso dos clientes internacionais no negócio da Abreu? MCP Cerca de 50 por cento da nossa faturação é originada em clientes internacionais. Quando falamos na Embraer ou na Amil, na realidade a partir de determinada altura fazem investimentos em Portugal e tornam-se clientes portugueses, mas nós consideramos que são, direta ou indiretamente, clientes internacionais. A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. Acontece que, entretanto, muitos desses clientes que assessorámos nos projetos de aquisição em Portugal constituíram as suas sociedades locais, que continuam a ser detidas maioritariamente por capital estrangeiro, pelo que continuam a ser para nós clientes internacionais. É uma característica do escritório que faz com que o próprio tipo de advocacia que exercemos seja muito virado para o internacional. É uma marca identitária do escritório desde que tinha 12 advogados. Isso, transposto para realidades como o exercício da advocacia em Angola e Moçambique, faz a diferença e permite-nos aceder a trabalho de maior valor acrescentado. A Abreu cresceu muito com o investimento estrangeiro em Portugal. Acontece que, entretanto, muitos desses clientes que assessorámos nos projetos de aquisição em Portugal constituíram as suas sociedades locais, que continuam a ser detidas maioritariamente por capital estrangeiro Advocatus Como é que a Abreu cresceu de 12 advogados para 250 pessoas e uma prática full-service? MCP Houve vários momentos de evolução da sociedade. Quando cheguei, éramos 12 pessoas e já prestávamos serviços em nichos como Fiscal e Financeiro o que continua uma característica do escritório. A partir de determinada altura, crescemos e tivemos de pensar se íamos continuar uma boutique ou prestar serviços de natureza global. E o que decidimos foi crescer para os serviços de natureza mas tentar continuar uma boutique em cada uma das áreas. O que é muito difícil, mas evoluímos para isso. Mais tarde tivemos de decidir se iríamos para fora. Sempre tivemos uma marca característica de apoio a clientes internacionais, mas havia uma janela de oportunidade que eram os países de língua portuguesa e há cerca de dez anos decidimos avançar. Pensámos logo num triângulo que ligaria Angola, Portugal e Moçambique. Advocatus Nessa altura seguiram os clientes ou foram, digamos assim, pelo próprio pé? MCP Na altura, fomos atrás de clientes portugueses. Mas não é hoje a nossa realidade. Hoje prestamos sobretudo serviços a clientes estrangeiros e, cada vez mais, a clientes angolanos e moçambicanos através dos colegas locais. No início foi, como lhe disse, uma janela de oportunidade, mas entretanto evoluímos no conceito e achamos que em qualquer jurisdição podemos ter uma presença. Diferenciamo-nos precisamente pela questão da língua portuguesa, mas não significa que este modelo não possa ser exportado para outras jurisdições. O que tivemos sempre em mente foi procurar alternativas de negócio. Outra coisa que procuramos é antecipar os movimentos de mercado, criando áreas de negócio e produtos específi- 34 Outubro de 2013
cos. Esta questão dos golden visa, por exemplo; estudámo- -la profundamente, temos uma equipa montada que atende todos os dias um ou dois investidores chineses, fizemos e continuamos a fazer promoções na China, criámos um package à medida destes clientes. O que tivemos sempre em mente foi procurar alternativas de negócio. Outra coisa que procuramos é antecipar os movimentos de mercado, criando áreas de negócio e produtos específicos Advocatus A Abreu cresceu organicamente e por integração. Ainda há margem para crescimento? MCP De facto, a nossa dimensão foi feita não só organicamente, mas também por integração de outras firmas, sempre com menor dimensão do que a Abreu no momento das respetivas integrações. O que tem sucedido com as nossas integrações é que, em praticamente todos os casos, tem havido sinergias que, efetivamente, têm gerado rendimento superior em conjunto. Hoje, ainda é possível fazer algumas integrações, em áreas muito específicas de negócio, em que há escritórios de advogados muito especializados e que nos podem interessar, para valorizar competências que já temos, mas em que podemos ganhar alguma diferenciação. Temos tido bastante crescimento orgânico diria que dos nossos 28 sócios oito foram estagiários no escritório. E pontualmente fazemos algumas integrações individuais, correspondentes ao mesmo conceito de encontrar escritórios muito especializados. Costumo dizer que as pessoas boas têm sempre trabalho. Advocatus Para terminarmos como começámos: uma das vantagens da gestão profissionalizada foi libertar os sócios para a advocacia. No seu caso, como foi? MCP O meu plano era continuar a trabalhar nos assuntos dos clientes como antes, mas não se consegue. Diria que talvez 30 por cento do meu tempo é alocado a clientes. Gostaria que fosse mais. Continuo a fazer a gestão dos meus clientes, porque, mesmo numa estrutura institucional como esta, cria-se uma empatia entre clientes e advogados. É do interesse do escritório. Por isso, deleguei mais do que delegava. Gosto de ser advogado e gosto de ser gestor, mas não acho que deva estar só vocacionado para a gestão. Dedico-lhe outros 30 por cento do meu tempo e o resto é para a promoção. O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes. Deve estruturar a gestão e deixá-la funcionar, pensar a estratégia e o negócio, estabelecer contactos internacionais e parcerias locais. O managing partner deve ir onde está o negócio, deve procurar potenciar o negócio, não deve apenas concentrar-se na gestão interna, deve continuar a intervir em clientes Outubro de 2013 35