Cisto Dermóide Mediano com Abordagem Extra-oral - Relato de Caso Medium Dermoid cyst with Extra-oral Boarding Clinical Case Report 1 André Luis Fernandes da SILVA¹, Carlos Rodrigo Barros de SIQUEIRA¹, Rodrigo Pires da ROCHA, Heber da Silva VICTAL¹, João Milanez MOREIRA JÚNIOR², Wissem KHALIL³. Resumo O cisto dermóide é uma forma de teratoma cístico derivado principalmente do epitélio germinativo embrionário, mas que, em alguns casos, também contém estruturas de outras camadas germinativas, classificando-o como cisto de desenvolvimento. Quanto à etiologia, autores relatam que este cisto deriva do aprisionamento do epitélio no fechamento dos arcos branquiais. Sua localização mais comum é o assoalho de boca e a região sub-mandibular. O acesso extra-oral está bem indicado para remoção das lesões sub-mandibulares. Este trabalho tem como objetivo informar os aspectos clínicos e histopatológicos do cisto dermóide, bem como relatar um caso clínico de cisto dermóide mediano em região submandibular com abordagem cirúrgica por via extra-oral. Palavras-chave Cisto de desenvolvimento Cisto Dermóide Mediano Patologia oral e maxilofacial. Abstract The dermoid cyst is a form of teratoma cystic derivative mainly of the embryonic germinativo epitélio, but that, in some cases also it contains structures of other germinativas layers, classifying it as development cyst. How much to the etiology, authors tell that to this cyst drift of the capture of the epitélio in the closing of the branchial arcs. Its more common localization is the wooden floor of mouth and the sub-mandibular region. The extra-verbal access well is indicated for removal of the sub-mandibular injuries. This work has as objective to inform the clinical and histopatológicos aspects of the dermoid cyst, as well as telling a clinical case of medium dermoid cyst in region to submandibular with surgical boarding for saw extra-oral. Keywords Cyst of development Medium Dermoid Cyst Oral and maxilofacial Pathology. 1- Residente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Geral Universitário de Cuiabá-UNIC / MT. 2- Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital dos Servidores RJ; Professor da Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Geral Universitário de Cuiabá-UNIC / MT; Professor da Disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Universidade de Cuiabá-UNIC / MT; 3- Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital Geral Universitário de Cuiabá-UNIC / MT. Caso Clínico 55 - Rev INPEO de Odontologia Cuiabá MT v.2 n. 1 p. 1-76 Jan Jul 2008
Cisto Dermóide Mediano com Abordagem Extra-oral Relato de Caso Introdução O cisto dermóide é uma forma de teratoma cístico derivado principalmente do epitélio germinativo embrionário, mas que, em alguns casos, também 10 contém estruturas de outras camadas germinativas. 10 New & Erich (1937) relataram 103 casos na região de cabeça e pescoço e observaram que as localizações mais comuns eram o assoalho de boca e as áreas submandibulares. Quanto à etiologia, autores relatam que este cisto deriva do aprisionamento de epitélio no fechamento dos arcos branquiais. Por vezes alguma confusão é feita entre os cistos dermóide e epidermóide, dado a sua semelhança clínica e histopatológica. O cisto dermóide é um cisto de desenvolvimento constituído por uma parede fibrosa revestida interiormente por epitélio estratificado e contendo anexos dermais, como folículos pilosos, 18 glândulas sudoríparas e glândulas sebáceas. Os epidermóides, por sua vez, são revestidos pelo epitélio da epiderme, contudo não possuem anexos cutâneos em sua parede, sendo, portanto, duas entidades 17 15 distintas. Sewerin & Praetorius (1974) chamam a atenção para a importância de cortes seriados para a diferenciação entre cistos epidermóides e dermóides, já que quando o patologista lança mão de poucos cortes pode conter para o estudo áreas não representativas de toda a lesão, como por exemplo áreas que não contenham os anexos cutâneos que por ventura estejam 16 presentes, causando erro no diagnóstico. Uma 9 descrição desses cistos foi feita por Meyer (1955) e 14 Seward (1965), que identificaram 1.495 cistos dermóides diagnosticados na população adulta, num 9,2,6 período de 25 anos. Destes, 24 (1,6%) ocorreram no assoalho da boca. Apesar de seu aparecimento ocorrer algumas vezes já no nascimento ou em idosos, a maioria acontece entre as idades de 15 e 35 anos, igualmente 18 14 distribuídas entre homens e mulheres. Seward (1965) sugeriu, de forma não muito segura, que o local mais provável para a origem do cisto dermóide no assoalho de boca está anteriormente entre as projeções dos arcos 15 mandibulares para a língua. A respeito do cisto dermóide lateral, ele acredita que localização anatômica indica sua origem no final da face ventral da primeira bolsa faríngea ou do extremo ventral da primeira fenda branquial. O problema dessa postulação é que isso implica uma derivação endodérmica, o que não é compatível com as estruturas que contêm anexos da pele, visto que outros folhetos embrionários não 17 estariam envolvidos na gênese desse cisto. Para Shear (1999), esses cistos são provavelmente derivados de restos epiteliais retidos na linha média durante o fechamento dos arcos branquiais mandibular e hióideo, já que algumas destas células são blastômeros totipotentes, pode-se compreender a existência de estruturas não epiteliais. Ambos os cistos, dermóide e 18 epidermóide, são revestidos por epitélio queratinizado. Alguns casos podem apresentar áreas de epitélio pseudoestratificado colunar ciliado, mas os cistos no assoalho da boca, revestidos por epitélio secretor, 13 provavelmente, têm origem a partir de ductos salivares. Os cistos dermóides são caracterizados pela presença de um ou mais anexos cutâneos, tais como folículos pilosos, glândulas sudoríparas e glândulas sebáceas. Os pêlos são raramente encontrados. O lúmen é quase sempre preenchido por queratina. Numa série de 56 - Rev INPEO de Odontologia Cuiabá MT v.2 n. 1 p. 1-76 Jan Jul 2008
André Luis Fernandes da Silva; Carlos Rodrigo Barros de Siqueira; Rodrigo Pires da Rocha; Heber da Silva Victal; João Milanez Moreira Júnior; Wissem Khalil 231 casos em crianças, ao redor de ¾ estavam 11 localizados acima dos ombros. As regiões orbital e periorbital foram as regiões do corpo mais freqüentemente 3 envolvidas, com 87 casos (37%). Bloom et al. (2002) descreveram um interessante caso de cisto dermóide em um neonatal, presente no assoalho de boca e se estendendo até a linha média do pescoço, para o qual a 3 conduta escolhida foi a remoção cirúrgica. Matheus et 8 al. (2001) relatam um caso de cisto dermóide em 14 assoalho de boca, assim como Santos-Briz et al. (2000) 1 e Alessandrini et al. (2001). Muitos cistos dermóides do assoalho de boca ocorrem na linha média e são referidos como dermóides medianos. Eles produzem tumefação do assoalho de boca e no pescoço. A tumefação intrabucal provoca elevação da língua, dificuldade de fala, mastigação e deglutição; já a tumefação no pescoço dá ao paciente uma aparência de queixo duplo. Os cistos dermóides laterais são muito raros e em geral produzem uma tumefação menor que os medianos, cistos desta natureza tendem a ser pequenos 12 na infância e de acordo com Regezi & Sciubba (1999) são pouco dolorosos e de baixo crescimento. As lesões são geralmente menores que 2 cm em diâmetro, no entanto, exemplos extremos podem ser de 8 a 12cm. 6 Issa & Davies (1971) relataram um excepcional exemplo de cisto dermóide no processo coronóide da mandíbula, em uma mulher de 26 anos. Craig et al. 4 (1980) relataram um outro cisto dermóide intra-ósseo na linha média da mandíbula, em um homem de 28 anos, concluindo que o cisto dermóide intra-ósseo deve ser considerado diagnóstico diferencial de lesões císticas 9 na linha média da mandíbula. Meyer (1955) chama a atenção para algumas entidades que podem se assemelhar clinicamente a um cisto dermóide: rânula, bloqueio uni ou bilateral dos ductos de Wharton, cisto do trato tireoglosso, higroma cístico, cisto da fenda branquial, infecção ou celulite aguda do assoalho de boca, infecção das glândulas submandibular e sublingual, tumores benignos e malignos do assoalho da boca e das glândulas salivares adjacentes e massa 7 de gordura normal na área submentoniana. Louis et al. (2002) citam que uma completa história, seguida por exame detalhado da cabeça e pescoço, geralmente limitam o diagnóstico diferencial, e a imagem radiográfica pode prover ao cirurgião as respostas para as possíveis causas. Relato do Caso Paciente W.F.B, 24 anos de idade, masculino, feoderma, foi atendido no Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital Geral Universitário de Cuiabá, referindo ter um caroço embaixo da língua, com tempo de evolução de 11 anos, crescimento lento e constante, indolor, causando assimetria facial, disfagia e disfonia. Ao exame físico evidenciou-se aumento volumétrico bem delimitado em região submandibular, de consistência fibrosa à palpação e ausência de linfoadenopatia (Figura1 e 2). Figura 1 - Perfil direito. Figura 2 - Vista ínfero-superior. 57 - Rev INPEO de Odontologia Cuiabá MT v.2 n. 1 p. 1-76 Jan Jul 2008
Cisto Dermóide Mediano com Abordagem Extra-oral Relato de Caso À oroscopia apresentou aumento volumétrico em região sub-lingual com elevação da língua, mucosas íntegras e normocoradas, salivação com fluxo e aspecto normais (Figura - 3). Figura 3 - Assoalho Oral. Foi então realizado punção aspirativa com resultado negativo, sugerindo lesão de conteúdo sólido. Os exames de imagem solicitados formam radiografia panorâmica e oclusal de mandíbula, tomografia computadorizada com janela para tecido mole do 1/3 inferior da face e ultra-sonografia da região de soalho bucal. O resultado foi uma lesão radiolúcida, circunscrita e bem delimitada, medindo 6,3 x 4,3 X 3,0 cm, com seu maior diâmetro no sentido ântero-posterior (Figura 4 e 5). Optou-se pela biópsia excisional com acesso extra-oral, uma vez que a lesão apresentava seu maior diâmetro no sentido ântero-posterior e localizava-se entre os músculos milo-hióideo e gênio-hióideo, anterior ao músculo hioglosso. Foi realizada a enucleação da lesão em centro cirúrgico sob anestesia geral com intubação nasotraqueal. Foram demarcados os pontos de referência como corpo e ângulos mandibulares, linha média submandibular e região de osso hióideo (Figura 6). Com uma incisão mediana no trígono submentual e dissecção por planos, acessamos a lesão que apresentava-se bem delimitada, inserida e com um grande suprimento vascular (Figura 7 e 8). No pós-operatório imediato o paciente evoluiu com melhora significativa na deglutição e fonação. Nenhum sinal de recidiva tem sido observado em 18 meses de pós-operatório (Figura 9). Figura 4 - Tomografia computadorizada(corte coronal)lesão em região submandíbular. Figura 5 - Tomografia computadorizada (corte axial). Lesão em região submandibular. 58 - Rev INPEO de Odontologia Cuiabá MT v.2 n. 1 p. 1-76 Jan Jul 2008
André Luis Fernandes da Silva; Carlos Rodrigo Barros de Siqueira; Rodrigo Pires da Rocha; Heber da Silva Victal; João Milanez Moreira Júnior; Wissem Khalil acesso extra-oral pode ser minimizada, realizando a incisão em linha média sub-mandibular e suturado por planos, deixando a camada epitelial sem tensão. A literatura relata alternativas de tratamento visando 2,5,7 minimizar a formação de cicatriz, como laserterapia e 2 aplicação local de corticóides. Figura 6 - Pontos de Referência e delimitação do acesso. Figura 7 - Ressecção da Lesão. Conclusão O cisto dermóide minúsculo é um cisto de desenvolvimento e necessita de remoção cirúrgica como forma de tratamento, que geralmente não há 18 recidiva. A escolha pela abordagem intra ou extra-oral, quando acomete a região de soalho bucal ou região Figura 8 - Macroscopia. Discussão Figura 9 - Aspecto Final A realização da biópsia excisional como tratamento para cisto dermóide é bem indicada na literatura. O acesso extra-oral para a exérese desta lesão pode ser discutido. Suas vantagens incluem melhor visualização do campo operatório, controle da hemostasia e preservação das estruturas nobres do assoalho bucal, e como desvantagem podemos citar presença de cicatriz na face. Por se tratar de uma lesão inserida em musculatura com um grande suprimento vascular, confirma-se o acesso extra-oral como a melhor escolha para o procedimento, pois teríamos muitas dificuldades em remover a lesão e obter hemostasia adequada com acesso intra-oral, pela dificuldade de afastamento e, conseqüentemente, de visualização, causado principalmente pela barreira física que o corpo mandibular oferece. A cicatriz formada na face pelo submandibular, depende da localização da lesão, bem como do seu tamanho. A tomografia computadorizada e a ultra-sonografia são necessárias para a determinação da localização da lesão. Apesar da formação de cicatriz em face o acesso extra-oral, além de preservar estruturas nobres do assoalho bucal, provê melhor visualização e maior área de trabalho ao cirurgião, facilitando o procedimento cirúrgico. A recuperação pós-operatória do paciente também é um fator a ser considerado. A presença de incisão e sutura em soalho bucal é um fator de desconforto ao paciente e com o acesso extra-oral, ele pode alimentar-se normalmente no pós-operatório imediato. 59 - Rev INPEO de Odontologia Cuiabá MT v.2 n. 1 p. 1-76 Jan Jul 2008
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