A CONCEPÇÃO DOS LICENCIANDOS DE MATEMÁTICA SOBRE O USO DE CALCULADORA NO ENSINO FUNDAMENTAL: um estudo exploratório Marilene Rosa dos Santos- UFRPE marilene-rosa@bol.com.br Vladimir Lira Veras Xavier de Andrade- UFRPE vladiandrade@ig.com.br Verônica Gitirana UFPE vggf@ufpe.br INTRODUÇÃO O surgimento da calculadora de bolso aconteceu há aproximadamente quarenta anos, tornando-se muito útil para fazer cálculos precisos com rapidez. Com o passar dos anos foram sendo aperfeiçoadas, tornando-se menores e diminuindo de preço, existem regiões do país em que esse instrumento chega a custar menos que três reais. Entretanto, apesar de sua importância incontestável e de sua presença obrigatória no cotidiano da maioria da população, as calculadoras têm sido pouco utilizada nas salas de aula de matemática. Durante muitos anos o uso das calculadoras no ensino médio e principalmente no ensino fundamental foi considerado por muitos professores como inadequado. Para estes, a calculadora faz com que o aluno deixe de raciocinar, tornando-se preguiçoso, deixe de desenvolver mentalmente operações simples ou ainda deixe de aprender a realizar manualmente operações que a calculadora executa rapidamente. Esta concepção vem mudando apesar de ser, ainda hoje, aceita por muitos professores de matemática. Podemos observar que estas mudanças vêm sendo incorporadas também pelos livros didáticos, que passam pouco a pouco a considerar o uso da calculadora como instrumento importante na construção dos conceitos matemáticos. Como bem enfatiza Bigode (2000, p.18) Não cabe mais discutir se as calculadoras devem ou não ser utilizadas no ensino, o que se coloca é como utiliza-las... Cabe ao professor explorar por si as calculadoras e as atividades a elas associadas, propondo aos alunos situações didáticas que os preparem verdadeiramente para enfrentar problemas reais.
2 Sabemos que com o uso da máquina de calcular, diminui-se o volume de cálculos rotineiros e vagarosos que os alunos precisam realizar, liberando desta forma mais tempo para raciocinar. Para D Ambrósio (2002, p. 31) "com uma calculadora abrem-se inúmeras possibilidades de se fazer matemática criativa com temas clássicos. Não consigo entender por que razão a calculadora ainda não se incorporou integralmente às aulas de matemática". O emprego da calculadora em sala de aula é expressamente autorizado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que aponta, nas suas orientações aos professores do ensino fundamental, para importância da adoção das novas tecnologias no ensino, entre estas a calculadora. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais: Estudos e experiências evidenciam que a calculadoras é instrumento que pode contribuir para a melhoria do ensino de Matemática. A justificativa para essa visão é o fato de que ela pode ser usada como um instrumento motivador na realização de tarefas exploratórias e de investigação. Além disso, ela abre novas possibilidades educativas, como a de levar o aluno a perceber a importância do uso dos meios tecnológicos disponíveis na sociedade contemporânea. A calculadora é também um recurso para verificação de resultados, correção de erros, podendo ser um valioso instrumento da auto-avaliação. (BRASIL, 1997, p. 46) De acordo com Falzetta (2003), o uso da calculadora pode ser potencializado em pelos menos três áreas da Educação Matemática: Resolução de problemas Operações repetitivas de somar, subtrair, multiplicar e dividir são agilizadas pelos alunos quando utilizam uma calculadora. As dificuldades próprias do cálculo com a utilização de papel e lápis se suavizam, logo cresce o interesse dos alunos e centra a atenção no processo de resolução de problemas. Cálculo mental e estimativa Os alunos tornam-se dispostos a fazer suposições e refletir sobre o resultado, principalmente quando o instrumento é empregado para checar se o raciocínio está correto. Intuição matemática A calculadora como um instrumento de investigação permite explorar conteúdos que antes eram vistos apenas na teoria. A partir deste contexto, o foco do ensino neste novo milênio deveria ser quais procedimentos e técnicas utilizar para resolver um problema e interpretar as soluções encontradas, aumentando assim, as habilidades do aluno em descobrir as operações
3 adequadas mais do que propriamente efetuar uma operação. Desta forma, estaremos preparando nossos alunos para inserção no mercado de trabalho, contribuindo assim para construção de sua cidadania. Por outro lado, existe uma dicotomia muita grande entre a teoria e a prática nos cursos de licenciatura em matemática. De acordo com Santos (1995, p.7), a formação do professor precisa ser analisada com base em teorias que estabeleçam relações entre o pessoal e o social, o coletivo e o individual ou entre agência e estrutura. Nesse contexto o novo perfil do professor de matemática tem sido discutido profundamente em congressos de educação matemática, nas últimas décadas, tendo em vista a elaboração de um currículo que desenvolva competências profissionais que até aqui foram pouco exploradas. Pires (2000) cita algumas dessas competências, entre elas: Capacidade de atuar com base numa visão abrangente do papel social do educador; Capacidade de analisar e selecionar material didático e elaborar propostas alternativas para a sala de aula; Capacidade de compreender, criticar e utilizar novas idéias e novas tecnologias; Capacidade de interpretação e representação gráfica. Segundo a autora: A presença de computadores, calculadoras, vídeos e de outros recursos didáticos na escola, pressupõe que o professor saiba lidar com eles de forma crítica e criativa e que possa aproveitar ao máximo o potencial educativo de tais tecnologias. Apesar das mudanças de orientações no ensino propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais devemos ter em conta que para sua efetiva aplicação é necessário uma mudança na formação dos professores. Em especial procuramos nos deter neste trabalho ao uso da calculadora no Ensino Fundamental. Para tanto, apresentamos alguns questionamentos como: Será que os licenciandos em matemática estão sendo preparados para esta mudança? O uso da calculadora em sala de aula no Ensino Fundamental é discutido na formação inicial do professor de matemática? Os licenciandos fazem alguma restrição ao uso da calculadora em sala de aula?
4 O contato dos licenciandos com a sala de aula muda em algum aspecto à concepção destes sobre o uso das calculadoras? Com base nessa problemática, resolvemos realizar uma pesquisa, cujos objetivos eram identificar as concepções dos licenciandos em matemática sobre o uso da calculadora no Ensino Fundamental e aferir se o curso, a qual ele está vinculado, contribuiu nesta concepção. METODOLOGIA A pesquisa baseou-se numa abordagem qualitativa, revestindo-se de um caráter diagnóstico e exploratório, adotando para isto, um estudo com duas turmas de duas licenciaturas do Estado de Pernambuco. A pesquisa tomou como dados as respostas de um questionário aplicado em sala de aula. Adotamos como campo de pesquisa, duas turmas, a primeira do curso de Licenciatura em Matemática da UFPE e a segunda turma do Curso de Licenciatura em Matemática da UFRPE. SUJEITOS A amostra é composta por 9 (nove) alunos, a maioria do 8º período, do curso de licenciatura plena em matemática da Universidade Federal de Pernambuco e 10 (dez) alunos, matriculados em uma disciplina do 5º período, do curso de licenciatura plena em matemática da Universidade Federal Rural de Pernambuco. A escolha dos alunos do 8º período justifica-se pelo fato de já estarem concluindo o referido curso, logo teríamos uma visão de saída desses professores-alunos. Entretanto, a escolha pelos alunos do 5º período seria pelo fato de estarem nos meados do curso, ou seja, teríamos a possibilidade de observar a concepção inicial desses alunos. A seleção da amostra foi aleatória. Selecionamos uma turma de alunos de cada período estudado e aplicamos o questionário, durante o horário de aula, a todos alunos presentes na sala de aula. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICO Para a obtenção dos dados sobre a concepção dos Licenciandos de Matemática, a respeito do uso de calculadoras no Ensino Fundamental utilizamos um questionário,
5 constituído apenas de questões abertas. Estas perguntas serviram para identificar as concepções prévias dos alunos quanto ao uso das calculadoras. O fato de um aluno ser favorável ao uso das calculadoras no ensino não implica necessariamente em aceitação do seu uso no ensino fundamental. Um outro elemento investigado é a ligação entre a atuação profissional do aluno e a repercussão na sua concepção. O contato com a sala de aula e com o livro didático tem uma influência mais forte do que a simples debate do tema em sala de aula? Foram formuladas as seguintes perguntas: 01 Você é contra ou a favor do uso da calculadora na sala de aula? Justifique 02 Quais as vantagens que você vê no uso da calculadora na sala de aula? 03 Quais as desvantagens que você vê no uso da calculadora na sala de aula? 04 Caso você seja favorável ao uso da calculadora, em quais situações você considera mais adequado o uso? 05 Ela deve ser usada no ensino fundamental, médio ou apenas na universidade? 06 Caso você considere que deva se usar na escola, você faria alguma restrição do uso da mesma ou não? 07 Caso faça uma restrição, quais os elementos que devem ser considerados na restrição ou em que casos você considera que se pode usar a calculadora? 08 Você já leu algum texto, livro, revista ou outra publicação que trata da calculadora em sala de aula? Caso afirmativo ele era favorável ou contrário? 09 - Você já teve a oportunidade ao longo do seu curso de discutir sobre esse assunto em alguma disciplina? Caso afirmativo você se lembra em qual disciplina, em que período do curso ela foi dada e quais os aspectos discutidos? 10 Você já lecionou em alguma escola? RESULTADOS Para análise dos resultados consideramos em separado os resultados obtidos em cada turma. Uma vez que uma turma conta com alunos no final do curso e a outra com alunos em meados do Curso. Com base nas respostas criamos quatro categorias: Categoria 01 Formada pelos alunos que lembram que em algum momento do curso discutiram sobre o uso das calculadoras no ensino. Categoria 02 Formada por alunos que já lecionam ou lecionaram em alguma escola.
6 Categoria 03 Formada por alunos que em algum momento do Curso discutiram sobre o tema e que já lecionam ou lecionaram em alguma escola. Categoria 04 Formada por alunos que afirmam que não discutiram durante o curso sobre o uso das calculadoras e que nunca lecionaram. Para cada categoria definimos três tipos de resposta: São contra o seu uso no ensino fundamental Restringe o seu uso no ensino fundamental São favoráveis ao uso da calculadora na sala de aula no ensino fundamental. Com base nestas categorias obtivemos as tabelas 01 e 02. Tabela 01 Resultado da amostra com alunos que cursavam disciplina do último ano do Curso de Licenciatura em Matemática da UFPE São contra Restringe o uso São favoráveis N % N % N % Categoria 01 1 11,11 0 0 1 11,11 (discutiram) Categoria 02 1 11,11 0 0 3 33,33 (Lecionam) Categoria 03 1 11,11 1 11,11 1 11,11 (Discutiram e lecionam) Categoria 04 0 0 0 0 0 0 (Não discutiram e não lecionam) Total 3 33,33 1 11,11 5 55,55
7 Tabela 02 - Resultado da amostra com alunos que cursavam disciplina do quinto período do Curso de Licenciatura em Matemática da UFRPE São contra Restringe o uso São favoráveis N % N % N % Categoria 01 0 0 0 0 0 0 (discutiram) Categoria 02 5 50 0 0 1 10 (Lecionam) Categoria 03 0 0 0 0 1 10 (Discutiram e lecionam) Categoria 04 1 10 2 20 0 0 (Não discutiram e não lecionam) Total 6 60 2 20 2 20 O que se pode observar na Tabela 01 é que a experiência em sala de aula (o contato com o aluno, o livro didático) teve um maior peso na visão dos alunos do que o debate sobre o tema em alguma disciplina do referido curso. A maioria dos alunos (55,55%) é favorável ao uso das calculadoras em sala de aula no ensino fundamental sem restrição. Apesar deste resultado temos ainda uma parcela considerável contrária ao seu uso (33,33%). No Tabela 02, observamos uma visão bastante diferente dos licenciandos. A maioria dos licenciandos no meado do curso é contrária ao uso das calculadoras no ensino fundamental (60%). As experiências na sala de aula não tiveram o peso apresentado na turma anterior uma vez que a grande maioria dos alunos que lecionam são contrários ao uso das calculadoras. Nenhum dos alunos afirmou ter discutido sobre o tema o que pode ter contribuído ainda mais para o resultado desfavorável. Comparando as duas tabelas, vemos que naquela em que alunos que discutiram ainda apresentam uma freqüência maior em torno dos que são favoráveis ao uso (com ou sem restrição). Desta forma, apesar de não decisiva, o estudo aponta que a discussão em sala de aula é um ponto que pode auxiliar numa reflexão em prol do uso da calculadora. Porém, um elemento que merece mais investigação é que tipo de exploração em sala de aula tem sido feita e qual conduz a uma concepção favorável ao uso da calculadora.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados ainda não são conclusivos necessitando de novos estudos, contudo eles apontam para necessidade de uma maior discussão sobre o tema em sala de aula uma vez que mesmo junto aos alunos que mencionaram que em algum momento que discutiram sobre o tema os resultados são inferiores aos obtidos com os alunos que tiveram experiência profissional na área. Esta discussão por outro lado nos conduz a uma visão de que os cursos de licenciatura precisam de uma mudança na formação dos alunos que sentem um distanciamento entre as práticas desenvolvidas no curso e as propostas curriculares vigentes. A pesquisa nos leva também a propor a necessidade de investigação em torno do uso que o licenciando faz da calculadora em sua própria formação. Que tipo de atividade ou exploração vem influenciando os licenciandos que aceitam e usam a calculadora em sala de aula. PALAVRAS CHAVES: calculadora, formação de professor, concepção do professor REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, M. E.D.A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1991 BIGODE, A. J.L. Matemática hoje é feita assim. São Paulo: FTD, 2000. BRASIL, Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. 142 p. D AMBROZIO, Ubiratan. A Matemática nas Escolas. In: Educação Matemática em Revista, São Paulo, ano 9, edição especial, p. 29-33, mar. 2002. FALZETTA, R. A calculadora libera a turma para pensar. In: Revista Nova Escola, São Paulo, ano XVIII, Nº 168, p. 24-25, dez.2003 PIRES, Célia M.C. Novos desafios para os cursos de licenciatura em matemática. In: Educação Matemática em Revista, São Paulo, ano 7, nº8, p. 10-15, jun. 2000. SANTOS,L.L.C.P. Formação do(a) professor(a) e pedagogia crítica. In: FAZENDA, Ivani (org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus, 1995.