RESGATE E MEMÓRIA: CATALOGAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO À PESQUISA DA DOCUMENTAÇÃO DO ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS

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Transcrição:

RESGATE E MEMÓRIA: CATALOGAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO À PESQUISA DA DOCUMENTAÇÃO DO ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS JOANILDO BORGES DE JESUS E MATHEUS AZEVÊDO SILVA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA CAMPUS V A universidade é reconhecida perante a comunidade local através do seu desempenho nas atividades que lhe são atribuídas, estando a pesquisa entre as atividades que tornam a instituição universitária singular. Propomos, orientadores e orientandos, através deste projeto o estabelecimento de uma relação com a comunidade local assentada na pesquisa sobre a memória do município, buscando identificar, organizar, divulgar e preservar a documentação acerca da história da cidade em suas variadas abordagens. A documentação a ser pesquisada encontra-se guardada no Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus, estabelecimento onde observa-se haver carências no que diz respeito à classificação, organização e divulgação dos documentos que compõe o acervo do referido arquivo tornando mais difícil para os pesquisadores a tarefa da consulta às fontes. Os arquivos, museus, bibliotecas, centros de documentação e pesquisa, entre outros são considerados espaços convencionais para a guarda dos documentos, porém, já não é possível limitarmos a função destes espaços à guarda e preservação dos documentos antigos. Entendemos que os arquivos, museus e demais órgãos citados precisam estar a serviço da comunidade local e regional como entidades estratégicas para o desenvolvimento da pesquisa e o reconhecimento da memória histórica de um povo e/ou de uma sociedade. A cidade de Santo Antônio de Jesus é conhecida pelo caráter comercial e pela produção de fogos de artifícios, tendo 120 anos de fundação, e uma população aproximada de 80.000 habitantes,constituindo-se em uma das principais cidades do Recôncavo Sul baiano. De acordo com a professora Ana Maria Carvalho de Oliveira 1, o povoamento da área do atual município de Santo Antônio de Jesus se realizou de maneira lenta e gradual, iniciando-se no século XVI, atravessando os séculos XVII e XVIII, mas se consolidando, apenas, no século XIX. Situado em uma zona intermediária, entre o litoral e o sertão, a ocupação deste município foi decorrência da expansão das fronteiras econômica e demográfica, que se desenrolou na Capitania e, depois, na Província da Bahia. A região de Santo Antônio de Jesus não se destacou pela produção açucareira, pois as referências à sua produção agrícola remontam aos cultivos da mandioca, do fumo e do café 2, não obstante, se tenha registrado também a presença de engenhos, todavia, estes não foram tão 1

preponderantes quanto no modelo clássico, atribuído a agroindústria açucareira do Recôncavo. Considerando que os cultivos agrícolas levaram a produção de gêneros alimentícios que abasteciam principalmente o mercado local, regional e da capital, podemos acentuar que o povoamento da região foi marcado pela expansão da fronteira demográfica, caracterizando-se por uma expansão espontânea e ligada basicamente à produção para subsistência 3. Atualmente, Santo Antônio de Jesus, em virtude da expansão do seu comércio e do setor de serviços, abriga vários estabelecimentos de ensino privado e da rede pública, destacando-se o Campus V da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Tal Campus atende às demandas colocadas pela região no tocante a formação de profissionais qualificados para exercer diversos postos no mercado de trabalho. Inserido nesse contexto, o curso de História destaca-se também pela produção de inúmeros trabalhos de relevância para a região e para o Estado da Bahia, fato atestado pela manutenção do Laboratório de História Regional e da Pós Graduação em História Regional, além do conceito A obtido no Provão do MEC. Portanto, as discussões empreendidas no curso estão em sintonia com algumas das correntes historiográficas em voga no atual panorama acadêmico brasileiro. A História Social, ao firmar-se como forte tendência na historiografia moderna através da grande influência dos Annales, da História Cultural e da História Social Inglesa, apresentou-nos além de novas temáticas, novas possibilidades de investigação, renovando não só a questão da utilização de inúmeros formas de testemunhos, como também uma nova maneira de produzir a memória social. A revolução documental que assistimos trouxe em seu bojo uma nova concepção de documento, assim como de memória e de sua organização. Considerando como princípio que os documentos são suportes pelos quais se obtém uma dada história e que eles são portadores de vivências diferentes, tanto a produção da memória quanto a sua organização devem ser revistas à luz da pertinência e da ambigüidade dos novos testemunhos. Acreditamos que as fontes e os documentos estão em todos os lugares, fazendo-se necessário um mapeamento e um arrolamento exaustivo de todas as fontes. Entretanto, esta empreitada é ampla por demais, bastando-nos neste momento, através deste projeto, contribuirmos junto ao Arquivo Público Local para catalogar e divulgar as fontes encontradas, valorizando a memória do povo, identificando conflitos e possibilitando à comunidade acadêmica, em especial aos docentes e discentes da Licenciatura em História; e a sociedade local o conhecimento dos meios através dos quais investigar e analisar aspectos sócio-culturais, políticos e econômicos da história da região. Os documentos privilegiados foram os inventários e processos-crime, fontes largamente utilizadas por diverso historiadores. Maria Inês Cortes de Oliveira, no livro O Liberto: seu mundo e os outros 4 recorre a 472 inventários e testamentos para trazer a tona as condições e os modos de vida e o imaginário dos ex-escravos de Salvador nos séculos XVIII e XIX. Por meio de 2

questionários aplicados aos testamento e inventários, a autora buscava um maior número de informações possíveis que viabilizassem suas interpretações. Por sua vez, Kátia Mattoso em A Opulência na Província da Bahia 5, aborda a noção de riqueza na Bahia oitocentista através da análise dos inventários e testamentos deixados pelas classes dominantes da província, cruzando-os com os das classes menos abastadas. O trabalho de Alcântara Machado, Vida e Morte do Bandeirante 6, um dos pioneiros na utilização dos inventários como fonte histórica, revela múltiplas possibilidades de análise acerca de minúcias da vida dos bandeirantes paulistas do século XVII a partir de tais documentos. Baseando-nos em tais obras, organizamos o trabalho no Arquivo Público de Santo Antônio de Jesus em duas fases, a primeira constituindo-se na leitura e catalogação dos inventários, e a segunda constituindo-se no lançamento de um guia das fontes pesquisadas. O período compreendido entre os meses de agosto de 2002 e maio de 2003 foi dedicado à primeira fase do projeto, onde foram identificados 185 inventários, correspondentes a 70% do material existente. Tal catalogação obedeceu a critério cronológico, o que nos permitiu analisar um espaço de tempo que vais do ano de 1839 ao ano de 1912. Do total de inventários catalogados 84% apresentam-se em bom estado de conservação, o que equivale a legibilidade do documento e a boa conservação de suas páginas. Em contrapartida, foram encontrados 24 inventários (13%) em mau estado de conservação, apresentando problemas como deterioração das páginas pela ação de fungos e traças, que por sua vez decorrem de falhas na conservação da documentação. Além destes, foram localizados 5 inventários (3%) em péssimas condições, não permitindo, em dois casos, sequer a leitura dos envolvidos no processo.observamos também que em 18 inventários (9.7 %) apresentam documentos anexos, tais como recortes de jornais e inventários de segundos, dentre outros. Por fim, deve-se salientar que foram encontrados 70 inventários (38%) incompletos, sendo comum a falta de capa, das primeiras e das ultimas páginas. Uma vez encaminhada esta etapa, torna-se necessário empreendermos algumas considerações acerca do conteúdo dos documentos catalogados, sobretudo pela quantidade de informações que estes guardam e pelas amplas possibilidades de estudo que oferecem. Contudo, mesmo com os avanços obtidos, não podemos deixar de mencionar as dificuldades encontradas no trabalho, sobretudo a falta de material básico, como luvas, lupas, máscaras e as acomodações pouco apropriadas do Arquivo Público de Santo Antônio de Jesus, que apresenta espaço diminuto em relação a quantidade de documentos que abriga. Ainda assim, o trabalho não deixou de ser realizado. No tocante à mão-de-obra, observamos que o número de escravos era relativamente pequeno, sendo que o maior plantel encontrado entre os documentos possuía apenas 12 escravos, 3

entre eles crianças. Contudo, o que mais nos chamou atenção foi a alta incidência de famílias escravas, segundo atestam as relações de escravos encontradas em inventários pré-1888. É interessante observar as práticas descritas nos inventários, como as intensas disputas entre os herdeiros e parentes dos inventariados pelo espólio deixado pelo falecido ou falecida. Ou ainda a anexação de recortes de jornal (estes sobretudo a partir do início do século XX) como forma de atestar dívidas, notificar intimações judiciais e divulgar editais. A presença de recortes de jornal nos inventários nos permite ter acesso a informações sobre os produtos comercializados, sobre os assuntos em voga e sobre a organização da cidade nos inícios do século passado. Dessa forma, atestamos a importância do projeto Resgate e Memória para a nossa formação enquanto pesquisadores, dado seu importante caráter de iniciação científica, um trabalho de construção lento e acumulativo, portanto, de aprimoramento, mas que cujo primeiro passo sem duvida já fora dado. Cientes das dificuldades que certamente estão por vir esperamos supera-las a partir da socialização das experiências de profissionais que se enfrentaram as mesmas, conforme atesta a presença dos orientadores Ana Maria de Oliveira, que se debruçou sobre uma boa parte dos documentos do Arquivo Municipal de Santo Antonio de Jesus ao desenvolver seu Livro Recôncavo Sul: homens, terra economia e poder e que portanto tem muito a acrescentar à discussão sobre o processo de analises dessas fontes. Podemos destacar também a importante presença e apoio do professor Mestre Raimundo Nonato Fonseca - substituto da professora Oliveira, atualmente no doutorado o qual vem realizando junto conosco o trabalho de leitura e catalogação dos documentos. Findado o trabalho com os inventários, partimos para a leitura e catalogação dos processos-crime, esperando obter o mesmo ou maior sucesso, dado que a familiaridade criada com a documentação facilita o manuseio e a interpretação, dinamizando o trabalho. 4

1 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho. Recôncavo Sul: terras, homens, economia e poder no século XIX Salvador BA: UNEB. 2002. CITAÇÕES 2 AGUIAR. Durval, Vieira de. Descrições Práticas da Província da Bahia. 2ª edição. Rio de Janeiro. Cátedra. Brasília. INL. 1979. p. 244. QUEIROZ, Fernando Pinto de. A Capela do Padre Matheus. Feira de Santana. Sagra. 1995. p. 135.e MATTOSO, Kátia M. de Queiroz. Bahia Século XIX: Uma Província no Império. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1992. p. 460. 3 O conceito de subsistência aqui é amplo significando uma produção econômica também destinada ao abastecimento interno. Ver neste sentido: CASTRO, Hebe Maria Mattos.Ao Sul da História Lavradores Pobres na Crise do Trabalho Escravo. São Paulo. Brasiliense. 1987. P.82. NOVAIS, Fernando A. Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial. 5ª edição. São Paulo. Brasiliense. P.74 e NEVES, Erivaldo. Fagundes. Uma Comunidade Sertaneja: Da Sesmaria ao Minifúndio (Um Estudo de História Regional e Local) Salvador. UFBA. Feira de Santana. UEFS. 1998. p. 173 4 OLIVEIRA, Maria Inês Cortes de. O Liberto: seu mundo e os outros. São Paulo: Curropio: CNPq. 1988. 5 MATTOSO, Kátia M. de Queirós. A Opulência na Província da Bahia In: ALENCASTRO, Luís Felipe de. (org.). História da Vida Privada no Brasil. Império: a Corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras. 1997. 6 MACHADO, Alcântara. Vida e Morte do Bandeirante São Paulo: Revista dos Tribunais. 2º ed. 1930. 5