45 mm BIOGEOGRAFIA DE COSTÕES ROCHOSOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA OS ESTUDOS DO QUATERNÁRIO

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BIOGEOGRAFIA DE COSTÕES ROCHOSOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA OS ESTUDOS DO QUATERNÁRIO Wagner Ferreira Vilano 1,3; Celia Regina de Gouveia Souza 1,2 Wagner.vilano@usp.br/wagner@clp.unesp.br 1 Depto. de Geografia Física - FFLCH/USP; 2 Instituto Geológico-SMA/SP; Campus Experimental do Litoral Paulista/UNESP Pça. Infante Don Henrique s/n - São Vicente-SP Resumo. Os costões rochosos destacam-se pela diversidade e ocorrência de várias espécies de plantas e animais com grande relevância ecológica e socioeconômica, mas são também ameaçados por usos e ocupação antrópica inadequados. Apesar disso, são poucos os estudos sobre esse importante ecossistema costeiro, principalmente no que tange aos seus aspectos geológicos e geomorfológicos. No Brasil, os verdadeiros costões rochosos ocorrem na região Sudeste e parte da região Sul, onde o Planalto Costeiro atinge a linha de costa, formando uma linha de costa bastante irregular sustentada por promontórios rochosos e segmentada em ilhas. Os organismos que habitam esses ambientes necessitam de adaptações especiais para viverem nessas áreas muito agitadas, sob a influência diária de ondas, ciclos de maré, ventos e correntes costeiras, se distribuindo, por isso, em zonas segundo um gradiente vertical preciso e espacialmente adensado. Os costões rochosos estão intimamente ligados à história evolutiva da zona costeira, sendo importantes testemunhos das variações do nível relativo do mar que ocorreram durante o Quaternário. Por tudo isso, estudos multidisciplinares sob o ponto de vista da biogeografia, incluindo as interações entre as características físicas (geologia, geomorfologia, hidrodinâmica) e biológicas (fauna e flora) dos costões rochosos, podem fornecer importantes resultados para avaliações (paleo)ambientais, para o manejo atual desses ecossistemas, bem como previsões de impactos das mudanças climáticas e seus efeitos, além de subsidiar instrumentos legais para a sua conservação e proteção. Um desses estudos está em fase inicial de desenvolvimento em costões rochosos do Município de Ubatuba (Litoral Norte de São Paulo). Palavras-chave: Biogeografia, Costão Rochoso, Quaternário. Abstract. Rocky shores stand out by the diversity and occurrence of various species of plants and animals with high ecological and socioeconomic importance, although they are threatened by inadequate use and occupation. In spite of this, studies about these important ecosystems are few, mainly in reference to geological and geomorphological subjects. In Brazil, rocky shores display in the Southeast and South regions, where the Coastal Plateau riches the shoreline forming headlands, rocky cliffs and many islands. The organisms inhabiting the rocky shores require special adaptations to live in such energy environments, daily under the influence of waves, tidal cycles, winds and coastal currents, so distributing in a precise and dense vertical zonation. Besides, rocky shores are closely linked to the geological and geomorphological Quaternary evolution of the coastal zone, once they may keep significant evidences of the sea level changes. Therefore, multidisciplinary studies from

the point of view of the Biogeography, including the relationship between physical (geology, geomorphology, hydrodynamics) and biological (fauna and flora) characteristics of rocky shores, can provide important support for the ecosystem management, (paleo)environmental assessments, climate changes impacts forecasts, as well as legal instruments for their conservation and protection. An example of such kind of study has just been started in rocky shores on Ubatuba County, Northern Littoral of the State of São Paulo. Key-words: Biogeography, rocky shore, Quaternary. 1. INTRODUÇÃO Suguio (1992) definiu costa rochosa como sendo o afloramento de rochas cristalinas, encontrado em locais aonde falésias rochosas chegam ao mar, podendo apresentar à sua frente terraços de abrasão por ondas e blocos caídos. Dentre os diferentes ecossistemas costeiros, os menos estudados são os costões rochosos, provavelmente devido à dificuldade e à periculosidade de acesso, bem como à multiplicidade de conhecimentos científicos necessários para compreender o funcionamento desse importante ecossistema. Moura et al. (2006) ressaltam que, no que se refere a estudos geológicos e geomorfológicos de áreas costeiras, os costões rochosos e, em particular, as plataformas costeiras, têm sido esquecidos. Apesar de apresentarem uma distribuição espacial específica e até mesmo modesta, os costões rochosos são de extrema importância para a ciência, no estudo ecológico de comunidades, e para a humanidade, que paradoxalmente acaba sendo a principal responsável pela sua atual e potencial degradação (Vitouseck et al., 1997; Lubchenco, 1998). No Brasil, diferente de outros ecossistemas próximos à linha costa, como dunas, faixas de restinga, margens de rios e manguezais (áreas de preservação permanente), os costões rochosos não são protegidos por qualquer legislação ambiental específica. Este trabalho traz uma breve revisão bibliográfica sobre algumas questões que permeiam o conhecimento da biogeografia de costões rochosos no Sudeste brasileiro, área de maior abrangência desse tipo de ecossistema em nosso país. 2. A BIOTA DOS COSTÕES ROCHOSOS Os organismos que habitam os costões rochosos necessitam de adaptações especiais para viverem nessas áreas tão agitadas e sob a influência diária dos ciclos de maré, ondas, ventos e correntes. Assim, sua distribuição se dá em faixas horizontais distintas em toda a extensão vertical do costão (Figura 1), sendo cada faixa conhecida por zona (Coutinho, 1995). Embora a zonação de espécies segundo um gradiente ambiental não seja uma propriedade exclusiva dos costões rochosos, nestes ambientes ela é particularmente precisa e espacialmente condensada (Coutinho, 2002). Assim, cada costão possui uma zonação própria, cuja abundância das populações está relacionada à adaptação das espécies às condições ambientais locais, como diferentes latitudes, níveis de maré e exposição ao ar. Essas limitações fazem com que ocorram fortes interações biológicas nesses ambientes, em decorrência do gradiente existente entre o habitat terrestre e o marinho.

Figura 1. Zonação em costões rochosos (Pinheiro et al., 2008). 1 - Ouriço verde, Lytechinus variegatus; 2 - Alga vermelha coralina, Jania adhaerens Ouriço preto, Echinometra lucunter; 4 - Alga vermelha, Porphyra acanthophora; 5 - Alga vermelha, Galaxaura marginata; 6 - Estrela vermelha, Echinaster brasiliensis; 7 - Alga parda, Sargassum sp.; 8 - Pepino-do-mar, Holothuria grisea; 9 - Alga parda, Dictyopteris delicatula; 10 - Alga parda, Padina gymnospora; 11 - Anêmona vermelha, Bunodosoma caissarum; 12 - Caranguejo grapsídeo, Pachygrapsus transversus; 13 - Ermitão diogenídeo, Calcinus tibicen; 14 - Caranguejo xantídeo, Eriphia gonagra; 15 - Aglomerado arenoso produzido por poliquetos sabelarídeos, Phragmatopoma lapidosa; 16 - Craca, Tetraclita stalactifera; 17 - Alga verde, gênero Ulva; 18 - Mexilhão, gênero Mytilus; 19 - Craca, Chthamalus stellatus; 20 - Caramujo, Tegula viridula; 21 Gastrópodo, gênero Littorina; 22 - Barata-da-praia, gênero Ligia. Os levantamentos faunísticos e florísticos nos costões podem fornecer importantes subsídios para avaliações ambientais, bem como a distribuição espacial e a abundância de espécies são informações imprescindíveis para decisões ecológicas e de manejo em qualquer sistema (Andrew & Mapstone, 1987). 3. ASPECTOS BIOGEOGRÁFICOS DOS COSTÕES ROCHOSOS NO BRASIL No litoral brasileiro os costões rochosos verdadeiros estão presentes quase que exclusivamente nas regiões Sudeste e Sul, entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC) (Villwock et al., 2005) (Figura 2). Figura 2. Classificação da costa brasileira (Vilwock et al., 2005). Sua distribuição está condicionada às áreas onde o embasamento ígneo-metamórfico, de idade précambrianamesozóica, que compõe o Planalto Costeiro atinge a linha de costa, formando uma linha de costa irregular sustentadas por promontórios rochosos e segmentada em ilhas. Os costões rochosos se encontram na base dessas feições e em geral apresentam plataformas de abrasão marinha. São, portanto, ambientes sujeitos à intensa ação marinha e, via-de-regra, palco de conflitos devido ao uso e à ocupação antrópica inadequada. De acordo com Coutinho (2002), os organismos bentônicos que habitam os costões rochosos no Brasil são resultado de uma interação complexa entre fatores biogeográficos, que incluem a disponibilidade de substrato consolidado, a presença de cursos de água doce de maior porte, as características das massas

de água, particularmente das correntes do Brasil e das Malvinas e dos afloramentos localizados da Água Central do Atlântico Sul (ACAS), e também fatores históricos. De maneira mais específica, a distribuição dos organismos ao longo do costão rochoso decorre da atuação diferencial de fatores abióticos, tais como diferenças de temperatura, umidade, irradiância, latitude, níveis de maré e exposição ao ar, e de fatores bióticos como as interações biológicas (competição, predação, parasitismo e mutualismo). Para outros autores (Luckhurst & Luckhurst, 1978; Kostlev et al., 2005), até o próprio relevo pode influenciar na biodiversidade desses habitats, como por exemplo, a rugosidade do substrato, que pode ser um fator importante na abundância e na riqueza de espécies, pelo fato de possibilitar a existência de espaços mais heterogêneos, permitindo o estabelecimento de maior variedade de espécies, assim como de indivíduos. Então, as formas da linha de costa, as correntes marinhas, o grau de exposição às ondas, a temperatura da água, a salinidade e o oxigênio dissolvido podem também definir a distribuição, a composição e a riqueza de espécies nos costões. Entretanto, acredita-se também que intervenções antrópicas causando modificações físicas da linha de costa e poluição das águas e sedimentos também sejam fatores determinantes das características e da conservação dessas espécies, pois alteram as propriedades físico-químicas e, consequentemente, biológicas desses ambientes. 4. VARIAÇÕES DO NÍVEL RELATIVO DO MAR NO QUATERNÁRIO As variações do nível relativo do mar (NM) afetam os processos costeiros e levam a mudanças na forma, na configuração e na localização da linha de costa (Davidson-Arnott, 2005). Os costões rochosos estão intimamente ligados a essas variações, sendo importantes testemunhos da história evolutiva da zona costeira durante o Quaternário (Suguio, 2001). Desta forma, a morfologia atual dos costões rochosos pode fornecer indicadores erosivos das variações do NM, registrados como plataformas de abrasão marinha dispostas em vários níveis, acima ou abaixo do NM atual. Outro aspecto relevante é a possibilidade de preservação de registros dos organismos que habitavam esses ambientes em épocas em que o NM se encontrava em posição diferente da atual, entre eles: tocas de ouriços, restos de corais, restos de conchas de ostras incrustadas na rocha, e tubos de vermitídeos. Por exemplo, o gastrópode incrustante conhecido como vermitídeo Petaloconchus (Macrophragma) varians, tem sido descrito como um dos indicadores biológicos mais confiáveis para o estabelecimento de curvas de variação do NM durante o Holoceno nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (Angulo et al., 1999; Angulo et al., 2002; Suguio, 2001; Suguio et al., 2005). Não obstante, a elevação atual do NM também deve estar afetando os costões rochosos, modificando sua zonação biológica vertical e retomando a erosão de plataformas de abrasão marinha modeladas quando o NM estava acima do atual. Neste sentido, Souza (1997; 2009) identificou esses fenômenos no litoral de São Paulo, associando-os a um dos onze indicadores de erosão costeira monitorados no Estado.

5. INTERVENÇÕES ANTRÓPICAS EM COSTÕES ROCHOSOS Nas últimas décadas o crescente desenvolvimento do turismo nos municípios litorâneos tem gerado diversos impactos ambientais, aos quais, apenas recentemente, tem sido dedicada a devida atenção (Cetesb, 2009). O principal impacto antropogênico gerado pelo aumento sazonal da população em cidades litorâneas, principalmente no verão, é o acréscimo significativo da carga orgânica lançada nos corpos de água utilizados como receptores de esgotos (Sato et al., 2005). Na região Sudeste do Brasil este fato é agravado pelo alto índice de pluviosidade nessa época do ano, que contribui sobremaneira com a poluição das águas costeiras, afetando muitos costões. Outro importante impacto nos costões diz respeito às intervenções físicas na linha de costa e nos próprios costões, que podem modificar a dinâmica de circulação costeira e todos os aspectos que dela dependem e, portanto, afetar as características desse ecossistema. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os costões rochosos têm importância fundamental para várias áreas das ciências ambientais que se ocupam do estudo de ambientes costeiros, bem como para os recursos pesqueiros e, consequentemente, a sustentabilidade de algumas atividades socioeconômicas na zona costeira. Estudos multidisciplinares sob o ponto de vista da biogeografia, incluindo as interações entre as características físicas (geologia, geomorfologia, hidrodinâmica) e biológicas (fauna e flora) dos costões rochosos, podem fornecer importantes resultados para avaliações (paleo)ambientais e para o manejo atual desses ecossistemas, bem como para previsões de impactos das mudanças climáticas em curso e seus efeitos, além de subsidiar instrumentos legais para a sua conservação. Um desses estudos está em fase inicial de desenvolvimento, pelos autores, em costões rochosos do município de Ubatuba, Litoral Norte de São Paulo. REFERÊNCIAS Andrew, N.L., Mapstone, B.D., 1987. Sampling and description of spatial pattern in marine ecology. Oceanography and Marine Biology: An Annual Review, v. 25, pp. 39-90. Angulo, R.J., Giannini P.C.F., Suguio K., Pessenda, L.C.R., 1999. The relative sea-level changes in the last 5,500 years Southern Brazil (Laguna-Imbituba region, Santa Catarina State) based on vermetid 14C ages. Marine Geology, v. 159, pp. 327-339. Angulo, R.J., Pessenda, L.C.R., Souza, M.C., 2002. O significado das datações ao 14C na reconstrução de paleoníveis marinhos e na evolução das barreiras quaternárias do litoral paranaense. Revista Brasileira de Geociências, v. 32, nº 1, pp. 95-106. CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, 2009. Relatório de Qualidade das Águas Litorâneas no Estado de São Paulo. Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Série relatórios. 16 p.(http://www.cetesb.sp.gov.br/agua/praias/publicacoes.asp). Coutinho, R., 1995. Avaliação Critica das Causas da Zonação dos Organismos Bentônicos em Costões Rochosos. Ecologia Brasilienses, Volume I: Estrutura, Funcionamento e Manejo de Ecossistemas Brasileiros, pp. 259-271.

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