Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina. Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar Ano letivo Carmen Elena Tavares Pais

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Transcrição:

Utilização da terapêutica biológica, com fármacos anti-fator de necrose tumoral alfa (anti-tnfα), na Doença Inflamatória Intestinal, numa consulta diferenciada: análise retrospetiva dos últimos 11 anos. Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar Ano letivo 211-212 Carmen Elena Tavares Pais ICBAS CHP/HSA

Utilização da terapêutica biológica, com fármacos antifator de necrose tumoral alfa (anti-tnfα), na Doença Inflamatória Intestinal, numa consulta diferenciada: análise retrospetiva dos últimos 11 anos. Dissertação de Candidatura ao grau de Mestre submetida ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Ano letivo 211-212 Carmen Elena Tavares Pais Contacto: lmed669@icbas.up.pt Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar Endereço: Rua de Jorge Biterbo Ferreira, nº 228, 45-313 Porto ORIENTADOR Drª. Paula Maria Lago Vieira dos Santos Assistente Hospitalar Graduada de Gastrenterologia, do Serviço de Gastrenterologia, do Centro Hospitalar do Porto HSA CO-ORIENTADOR Dr. Fernando José Montenegro Sollari Allegro Professor Associado Convidado do ICBAS, Médico Gastroenterologista, Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto ICBAS CHP/HSA 1

Resumo Introdução: Os agentes anti-fator de necrose tumoral alfa (anti-tnfα) constituem uma nova estratégia terapêutica na Doença Inflamatória Intestinal (DII). Em Portugal, estão aprovados o Infliximab e o Adalimumab no tratamento da Doença de Crohn (DC) e da Colite Ulcerosa (CU), sendo eficazes na indução e manutenção de remissão clínica. Objectivos: Análise retrospetiva e descritiva das características clínicas e epidemiológicas dos doentes com DII submetidos a terapêutica com fármacos anti- TNFα, avaliar a sua eficácia e os seus efeitos adversos. Metodologia: A amostra do estudo, doentes seguidos em consulta diferenciada de DII do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Santo António, foi obtida a partir de uma base de dados nacional, criada no âmbito do Grupo de Estudos de Doença Intestinal Inflamatória (GEDII), complementada com informação do processo clínico do doente. Foram selecionados e analisados os doentes com DII que realizam ou realizaram terapêutica com Infliximab (IFX) ou Adalimumab (ADA), desde o ano 2, até abril de 212. Resultados: Dos 914 doentes com DII, 162 doentes (17,7%) realizaram ou realizam terapêutica com um agente anti-tnfα, 146 (9,1%) com DC e 16 (9,9%) com CU. O agente anti-tnfα utilizado foi em 73,4% o IFX e em 26,6% o ADA (n=188). Fizeram tratamento de manutenção 127 (78,4%) doentes, sendo o tempo médio do tratamento de 32,6 meses, máximo de 131 meses e mínimo de 2 meses. Dos 151 tratamentos de manutenção, em 69,54% dos casos a resposta ao tratamento foi completa, em 25,83% parcial e ausente em 4,64% dos casos. Nos doentes sob terapêutica de manutenção, o tratamento foi suspenso em 26,5% (n=151) sendo as reações adversas e a perda de resposta os principais motivos. Conclusão: Os agentes anti-tnfα são fármacos muito eficazes e seguros no tratamento da DII, sendo fundamental conhecer as indicações precisas para a sua utilização, a altura mais adequada para a sua introdução e monitorizar de forma regular os doentes, nomeadamente no que concerne ao risco de infeções graves e linfoma. Os parâmetros analisados apresentam uma distribuição de acordo com o esperado e de acordo com outros estudos. Palavras-chave: Infliximab, Adalimumab, Doença Inflamatória Intestinal. ICBAS CHP/HSA 2

Abstract Introduction: The anti-tumor Necrosis Factor-α (anti-tnfα) agents is part of a new therapeutic strategy in Intestinal Bowel Disease (IBD). In Portugal, Infliximab (IFX) and Adalimumab (ADA) have been approved for the treatment of Crohn s Disease (CD) and Ulcerative Colitis (UC) and they show to be effective in the induction and maintenance of clinical remission. Objectives: The elaboration of a retrospective and descriptive study of clinical and epidemiological features in patients with IBD, treated with anti-tnfα, assessing its effectiveness and its adverse events. Methodology: Were selected and analyzed patients with IBD, followed in a differentiated consultation of Gastroenterology Service from Santo António Hospital of Porto, treated or in treatment with IFX or ADA between 2 and April 212. Data were collected using a national database created by the Portuguese Group of Studies of Inflammatory Bowel Disease (GEDII), supplemented with information from the patient s medical file. Results: From 914 patients with IBD, 162 (17,7%) underwent treatment with anti- TNFα, 146 (9,1%) with CD and 16 (9,9%) with UC. IFX were used in 73,4% treatments and ADA in 26,6% (n=188). One hundred and twenty seven (78,4%) patients completed induction therapy and started maintenance therapy. The median time of maintenance treatment was 32,6 months, between a maximum of 131 and minimum of 2 months. The clinical response for maintenance treatment was complete in 69,5% treatments, partial in 25,8% and absent in 4,6% (n=151). Adverse events and loss of response were the main reasons for stopping maintenance treatment, which occurred in 26,5% of the cases. Conclusions: The anti-tnf-α agents are effective for the treatment of IBD. It s important to know the indications for biological therapy and the best time to start therapy. The increased risk for infections and lymphomas applies a complete and regular motorization. The results obtained were in harmony to what was expected. Keywords: Infliximab, Adalimumab, Inflammatory Bowel Disease. ICBAS CHP/HSA 3

Introdução A Doença Inflamatória Intestinal (DII) representa um grupo de doenças crónicas sistémicas envolvendo um processo inflamatório idiopático do trato gastrointestinal causado por uma desregulação do sistema imune. Engloba duas principais entidades, a Doença de Crohn (DC) e a Colite Ulcerosa (CU). Nalguns casos de DII do cólon não é possível o diagnóstico diferencial entre DC e CU, sendo designados como DII Cólica Não Classificável (DIICNC). Outra entidade, a Colite Indeterminada (CI) pode ser definida após análise inconclusiva da peça operatória para o diagnóstico diferencial entre DC e CU. A CU resulta de um processo inflamatório restrito à mucosa cólica, iniciando-se no reto e estendendo-se de forma retrógrada pelo cólon. Geralmente, as lesões são difusas e superficiais e apenas nos casos mais severos há ulceração profunda. A DC caracteriza-se por um processo inflamatório transmural, por vezes com formação de granulomas, que pode atingir qualquer região do trato gastrointestinal de forma descontínua, desde a boca até ao ânus, apesar do íleon distal e cólon direito serem os mais atingidos. A DC tem comportamento variável: inflamatório (não penetrante e não estenosante), estenosante e penetrante, fenótipos que podem evoluir no curso da doença. Uma série de Manifestações Extra-Intestinais (MEI) faz parte do espetro da DII. As mais frequentes são o eritema nodoso, pioderma gangrenoso, aftas orais, uveítes, irites, artrite periférica, sacroileíte e espondilite anquilosante 1. A patogénese da DII não é ainda conhecida. Atualmente, acredita-se que advém de uma resposta inflamatória inapropriada a microrganismos comensais num hospedeiro geneticamente suscetível. Um elemento fundamental neste processo é o fator de necrose tumoral alfa (TNFα), uma citocina pró-inflamatória com ação em várias patologias como a artrite reumatoide, espondilite anquilosante, DII e na psoríase 2. Assim, na última década, surgiram novas estratégias terapêuticas com ação sobre o TNFα, com agentes anti-tnfα, nomeadamente o Infliximab (IFX), o Adalimumab (ADA) e o Certolizumab pegol. Na Europa, o IFX foi aprovado para o tratamento da DC em 1999, e para o tratamento da CU em 26. Já o ADA é mais recente e foi aprovado para o tratamento da DC em 27 e para a CU em 212. O Certolizumab pegol não está aprovado na Europa, para o tratamento da DII 3,4. O IFX é um anticorpo monoclonal quimérico que se mostrou eficaz na indução e manutenção de remissão da DC, estando indicado na doença moderada a severa, ICBAS CHP/HSA 4

refratária ou intolerante à terapêutica convencional 5,6. É administrado por infusões intravenosas de 5mg/kg de peso corporal com tratamento de indução às, 2 e 6 semanas, seguido de manutenção cada 8 semanas, nos respondedores à terapêutica de indução. Na CU, o IFX é eficaz na indução e manutenção da remissão, estando indicado na doença moderada a severa, refratária ou intolerante à terapêutica convencional 4. O ADA é um anticorpo monoclonal humano recombinante, eficaz na indução e manutenção da remissão na DC, estando indicado na doença moderada a severa, refratária ou intolerante à terapêutica convencional. A administração é por via subcutânea, com tratamento de indução na dose de 16 mg e 8 mg com intervalo de 2 semanas, seguido de tratamento de manutenção, nos respondedores, com 4 mg cada 2 semanas 8,9,1. O ADA é também eficaz nos doentes com intolerância ou perda de resposta ao IFX 11. As reações adversas aos agentes anti-tnfα incluem maior risco de infeções oportunistas, nomeadamente reativação de tuberculose latente, reações infusionais agudas e de hipersensibilidade tardia (no caso específico do IFX), reação Lupus-like, risco aumentado de neoplasias, nomeadamente linfoma não-hodgkin e linfoma hepatosplénico de células-t e, por fim, reações inflamatórias paradoxais como é o caso da psoríase 12. A imunogenicidade dos fármacos anti-tnfα, maior no caso do IFX (anticorpo quimérico) embora também ocorra com o ADA e o certolizumab pegol, é responsável pelas reações infusionais e pela perda de resposta ao tratamento, interferindo assim com os resultados a longo prazo. A associação com Imunossupressores (IM) diminui a formação de anticorpos contra os anti-tnfα prevenindo as reações infusionais e a perda de resposta 13. Existe, atualmente, evidência de que a intervenção terapêutica precoce com IM e fármacos anti-tnfα, dada a sua capacidade de induzir cicatrização completa das lesões da mucosa, pode interromper a progressão inflamação-destruição/fibrose, alterando a história natural destas doenças, diminuindo desta forma a taxa de hospitalização, a necessidade de cirurgia e restaurando a qualidade de vida dos doentes 12. O objetivo deste trabalho é efetuar uma análise retrospetiva e descritiva das características clínicas e epidemiológicas dos doentes com DII submetidos a terapêutica com fármacos anti-tnfα e avaliar a sua eficácia e os seus efeitos adversos. ICBAS CHP/HSA 5

Materiais e Métodos Analisaram-se os registos da consulta diferenciada de DII, do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar do Porto-Hospital Santo António (CHP-HSA), inseridos numa base de dados nacional, no âmbito do Grupo de Estudos de Doença Intestinal Inflamatória (GEDII), autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. Esta base de dados, criada em 25, tem os registos de várias consultas de DII, de numerosos hospitais nacionais, é atualizável e passível de análise dos seus dados por cada centro. Neste estudo, foram selecionados e analisados os doentes com DII que realizam ou realizaram terapêutica com IFX ou ADA, desde o ano 2, até abril de 212. Foi igualmente facultada informação do processo clínico. Os parâmetros colhidos para a caraterização clínica e epidemiológica dos doentes com DII foram: sexo, data de nascimento, data do diagnóstico, tipo de DII e Classificação de Montréal na altura do diagnóstico e antes do início do tratamento com agentes biológicos, presença de MEI, Doenças Autoimunes (DAI) associadas e terapêutica imunossupressora concomitante. Relativamente à terapêutica biológica, foi registado qual o agente anti-tnfα utilizado, data de início e indicação para o tratamento, sendo apenas incluídos doentes que iniciaram o tratamento até janeiro de 212. Foi colhida a resposta clínica ao tratamento e qual o tipo de tratamento efetuado, indução ou indução seguida de manutenção. Registou-se a data e motivo da paragem ou substituição do tratamento e reações adversas ocorridas. No caso de mudança do agente anti-tnfα ou reinício do mesmo agente mais de 6 meses após interrupção, os parâmetros anteriormente assinalados foram colhidos para o segundo tratamento. As interrupções inferiores a 6 meses foram consideradas interrupções temporárias. O tempo do tratamento de manutenção foi calculado em meses com a data do início do tratamento até à data de paragem/substituição ou até abril de 212, para os casos que mantinham a terapêutica. As indicações para o tratamento com IFX ou ADA foram: corticorresistência; corticodependência; intolerância ou resistência aos IM, gravidade da doença, doença perianal grave e, por fim, MEI. Foi considerada a paragem ou substituição do tratamento quando, por resistência, perda de resposta ou efeito adverso, se suspendia o tratamento ou se iniciava tratamento com outro agente anti-tnfα, respetivamente. Os motivos de paragem e substituição colhidos foram intolerância ao agente por reações adversas, ausência ou ICBAS CHP/HSA 6

perda de resposta, melhoria clínica e, por fim, foi reservado um campo para outros motivos como paragem ou pausa por gravidez e opção do doente. Os casos de terapêutica combinada com IM foram igualmente assinalados, com indicação dos fármacos IM e anti-tnfα associados. A colheita e junção dos dados foram realizadas no programa Microsoft Excel e posteriormente tratados e analisados com o software estatístico IBM SPSS 19.. O projeto deste estudo, observacional, descritivo, transversal e retrospetivo, foi aprovado a 11 de janeiro de 212 pela Comissão de Ética para a Saúde CES do Centro Hospitalar do Porto, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 97/95 de 1 de maio, e pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto, segundo a referência N/REF.ª 279/11(179-DEFI/265-CES). ICBAS CHP/HSA 7

Resultados Na consulta diferenciada de DII do Serviço de Gastrenterologia do CHP-HSA, são acompanhados 914 doentes com DII, dos quais 162 (17,7%) realizaram ou realizam terapêutica com um agente anti-tnfα, de 2 até 31 de abril de 212, caraterizados clínica e demograficamente nas Tabelas I e II. Tabela I Caraterização clínica no início do tratamento, dos doentes com DC e CU, que realizaram ou realizam terapêutica com agentes anti-tnfα. DC CU Total Número doentes 146* (9,1%) 16 (9,9%) 162 Sexo Feminino 86 8 94 Masculino 6 8 68 MEI 46 7 53 Articulares 33 5 38 Cutâneas 15 1 16 Oculares 5 1 6 Manifestações hepato-biliares: CEP HAI 3 3 Imunossupressão concomitante 1 2 3 Fármaco anti-tnfα IFX 122 (64,9%) 16 (8,5%) 138 (73,4%) ADA 47 (25%) 3 (1,6%) 5 (26,6%) *Inclui 6 casos de reclassificação do diagnóstico inicial de CU e 1 de DIICNC. CEP Colangite Esclerosante Primária. HAI Hepatite Auto-Imune. Todas as análises e cálculos respeitantes ao tipo de DII foram realizados com a classificação da doença de acordo com os critérios de Montréal na altura do tratamento. O tempo médio, entre o diagnóstico da DII e o início do tratamento com agentes anti-tnfα, foi de 89,3 meses, máximo de 348 e mínimo de 2 meses. ICBAS CHP/HSA 8

Tabela II Classificação de Montréal (explicada no Anexo 1) na altura do diagnóstico e no início do tratamento. Diagnóstico Início Tratamento DC 139 146 Idade de Diagnóstico (A) A1 12 -- A2 14 -- A3 3 -- Localização (L) L1 45 4 L1+L4 7 9 L2 24 24 L2+L4 2 L3 51 57 L3+L4 9 12 Comportamento (B) B1 65 53 B2 42 5 B3 32 43 Doença Perianal (p) 32 6 CU 22 16* Extensão da doença (E) E1 E2 11 8 E3 11 8 DIICNC 1 -- *Ocorreram 6 casos de reclassificação de CU para DC. Reclassificação para DC. A Figura 1 esquematiza os tratamentos com agentes anti-tnfα efetuados. Mantinham-se em regime de manutenção 111 (68,5%) doentes, 68 (61,3%) com IFX e 43 (38,7%) com ADA. O tempo médio do tratamento de manutenção foi de 32,6 meses, máximo de 131 meses e mínimo de 2 meses. Os Gráficos 1 e 2 representam o tempo do tratamento de manutenção, em anos, realizado pelos doentes com DC. Realizaram-se 151 tratamentos de manutenção, com resposta completa em 69,5% (15) dos casos, parcial em 25,8% (39) e ausente em 4,6% (7). Ocorreu paragem em 4 (25,6%) dos tratamentos de manutenção. ICBAS CHP/HSA 9

Doentes submetidos a Tratamento de Indução com agentes anti-tnfα 162 Suspensão 35 (21,6%) Progressão para Tratamento de Manutenção 127 (78,4%) Sem mais tratamentos com agentes anti-tnfα 21 (6%) Reinício 11 (31,4%) Substituição para ADA (Indução + Manutenção) 3 (8,6%) Mantêm tratamento 92 (72,4%) - IFX 66 - ADA 26 Suspensão 35 (27,6%) Tratamento Indução IFX 6 Tratamento Manutenção 4 Suspensão 2 Indução + Manutenção ADA 5 Suspensão 1 Suspensão Mantêm 3 Sem mais tratamentos com agentes anti-tnfα 23 Substituição para ADA (Indução + Manutenção) 12 Suspensão 2 Paragem Mantêm 2 Mantêm 4 Mantêm 1 Figura 1 Esquema de tratamento com fármacos anti-tnfα, com o respetivo número de doentes. ICBAS CHP/HSA 1

Número doentes Número doentes Dissertação de Tese de Mestrado Integrado em Medicina 25 2 15 1 5 Tempo de Tratamento de Manutenção IFX na DC 14 18 12 2 11 5 6 1 1 1 1 25 2 15 1 5 Tempo de Tratamento de Manutenção ADA na DC 8 2 13 1 5 Anos de tratamento Gráfico 1 Duração, em anos, do tratamento de manutenção com IFX, em doentes com DC. Anos de tratamento Gráfico 2 Duração, em anos, do tratamento de manutenção com ADA, em doentes com DC. Tabela III - Indicações do tratamento com IFX e ADA para a DC e CU. Indicação IFX ADA DC CU DC CU Total Doença Perianal 28 1 29 15,43% Resistência aos IM 23 1 1 25 13,3% Intolerância aos IM 14 1 1 25 13,3% Gravidade da doença 47* 3 21 71 37,77% MEI 3 2 2 1 8 4,26% Corticorresistência 2 6 8 4,26% Corticodependência 5 2 7 3,72% Perda de resposta ao IFX Na Na 5 2 7 3,72% Intolerância ao IFX Na Na 8 8 4,26% *Inclui um caso de tratamento em estratégia top-down. Ausência de resposta ao tratamento de indução com IFX. Na = não aplicável ICBAS CHP/HSA 11

Tabela IV Motivos de paragem do tratamento de indução com IFX e ADA: número de casos (n) e respetiva percentagem. Foram excluídos os casos de interrupção temporária do tratamento Motivos de Paragem IFX ADA TOTAL DC CU DC CU n % Tratamento episódico 16 Na Na Na 16 43,2 Ponte para o tratamento com IM 4 4 1,8 Reações adversas 9 1 1 27 Ausência de resposta 2 4 6 16,2 Opção do doente 1 1 2,7 TOTAL 32 5 37 1 Na = Não aplicável Tabela V Motivos de paragem do tratamento de manutenção com IFX e ADA: número de casos (n) e respetiva percentagem. Foram excluídos os casos de interrupção temporária do tratamento Motivos de Paragem IFX ADA TOTAL DC CU DC CU n % Reações adversas 12 3 15 37,5 Ausência de resposta 1 1 2 5 Perda de resposta 8 3 2 13 32,5 Remissão clínica 2 3 5 12,5 Gravidez 2 1 3 7,5 Suspeita de doença neurológica desmielinizante 1 1 2,5 Opção do doente 1 1 2,5 TOTAL 27 6 7 4 1 ICBAS CHP/HSA 12

Tabela VI Reações adversas do tratamento de manutenção com IFX e ADA, que motivaram suspensão do tratamento, com número de casos (n) e respetiva percentagem. Reações Adversas IFX ADA TOTAL DC CU DC CU n % Reação Infusional Major 11 11 44 Reacção de Hipersensibilidade Tardia 2 2 8 Reacção Lupus-like 1 1 4 Psoríase 3 2 5 2 Linfoma B cutâneo de células grandes 1 1 4 Linfoma Hodgkin primário do cólon 1 1 4 Infecções Oportunistas 2 1 1 4 16 Tuberculose Pleural 1 Abcesso Abdominal 1 Abcesso Hepático 1 Espondilodiscite 1 cervical Depois de uma primeira análise, os dados foram divididos em dois grupos principais, consoante o diagnóstico de DC e CU. De seguida, os doentes com DC foram agrupados da seguinte forma (com os respetivos números de doentes na Tabela VII): A - Tratamento episódico (entre 1 a 3 infusões) com IFX; B - Tratamento de indução e manutenção com IFX; C - Tratamento de indução e manutenção com IFX, com perda de resposta ou reações adversas que motivaram substituição para ADA; D - Suspensão do tratamento de manutenção com IFX; E - Tratamento de indução e manutenção com ADA, naive a IFX; F - Tratamento de indução e manutenção com ADA, exposto no passado a tratamento de episódico com IFX. Relativamente ao grupo A, dois doentes reiniciaram o tratamento de indução com IFX, 1 e 3 anos após o tratamento episódico, sem progressão para o regime de manutenção devido a reações adversas. O grupo B, doentes com DC em tratamento ICBAS CHP/HSA 13

de manutenção com IFX, engloba 2 casos de tratamento episódico com IFX em 22 que retomaram tratamento com IFX em 26 e 27, mantendo o regime de manutenção, e engloba 2 casos com paragens transitórias por gravidez. Relativamente ao grupo C, a Tabela VIII mostra os motivos de paragem do IFX que levaram à substituição para ADA. Este grupo inclui 2 doentes que pararam o tratamento de manutenção com ADA (Tabela VIII, grupo C/F) e 3 doentes que interromperam temporariamente o tratamento (2 por cirurgia e 1 por opção própria). O grupo D corresponde aos doentes que pararam o tratamento com anti-tnfα. Inclui 1 caso com interrupção temporária do tratamento por gravidez e 2 doentes que realizaram tratamento episódico prévio com IFX, em 22 e em 25, retomando tratamento com IFX em 26 e em 28, respetivamente. O grupo E, doentes que realizaram tratamento de indução seguido de manutenção com ADA, naives a IFX, abrange os doentes que mantinham o tratamento, os que interromperam temporariamente e os que suspenderam o tratamento, cujos motivos de paragem são indicados na Tabela VIII (grupo Ep). No grupo F, tratamento de indução e manutenção com ADA, exposto no passado a tratamento de indução com IFX, um doente suspendeu o tratamento de manutenção com ADA por perda de resposta (Tabela VIII, grupo C/F). Os doentes com CU foram agrupados da seguinte forma: G - Tratamento de indução com IFX; H - Tratamento de indução e manutenção com IFX, sem suspensão do tratamento; I - Suspensão do tratamento de manutenção com IFX; As Tabelas VII e VIII mostram, respetivamente, o número de doentes em cada grupo e os motivos de paragem do tratamento. Na CU, o primeiro tratamento efetuado com IFX foi em 23 e com ADA em finais de 28, por perda de resposta ao IFX. O grupo G inclui 1 caso de reinício do tratamento com agente anti-tnfα, nomeadamente ADA, 5 anos após a terapêutica com IFX, e 1 caso de ausência de resposta ao tratamento de indução com IFX com substituição para ADA. No grupo H todos os doentes responderam ao tratamento de indução, com manutenção da remissão clínica. Quanto ao grupo I, num dos casos ocorreu substituição para ADA, por perda de resposta ao IFX após 24 meses de tratamento. O tempo médio, em meses, do tratamento com IFX na CU foi de 24,5 meses, máximo de 7 e mínimo de 5 meses. Com ADA o tempo médio foi de 25 meses, máximo de 28 e mínimo de 22 meses. ICBAS CHP/HSA 14

Tabela VII Número de casos de cada grupo e respetivas percentagens. Grupo A B C D E F G H I N 2 (13,7%) 63 (43,2%) 11 (7,5%) 16 (11%) 3 (2,5%) 6 (4,1%) 5 (31,25%) 5 (31,25%) 6 (37,5%) Tabela VIII Motivos de paragem do tratamento e respetivo número de casos, dos grupos A, C, D, Ep, C/F*, G e I, e tempo, em meses, do tratamento de manutenção com IFX (grupos C, D e I) e com ADA (grupo Ep e C/F*). Motivos de Paragem A C D Ep C/F* G I Tratamento Episódico 11 Na Na Na Na Na Na Ponte para o tratamento com IM 4 Reações Adversas 4 5 7 1 2 1 Reacção infusional major 2 5 Reacção de 1 Hipersensibilidade Tardia Reacção Lupus-like 1 Psoríase 3 1 1 Linfoma B cutâneo de células 1 grandes Linfoma Hodgkin primário do cólon 1 Infecções Oportunistas 1 1 1 1 Tuberculose Pleural Abcesso Abdominal Abcesso Hepático Espondilodiscite Cervical 1 Ausência de resposta 1 1 4 Perda de resposta 5 3 1 1 3 Remissão clínica Na 2 3 Gravidez 2 1 Suspeita de doença neurológica desmielinizante 1 1 Opção do doente 1 1 Tempo de tratamento (meses) Na Média 18,3 37,3 1 19,3 -- 15,6 Máximo 44 116 2 32 -- 24 Mínimo 5 8 4 2 -- 5 Na = Não aplicável. *C/F Doentes dos grupos C e F que suspenderam o tratamento de manutenção com ADA. 1 1 ICBAS CHP/HSA 15

O número de doentes que realizaram terapêutica combinada com IM, nomeadamente Azatioprina (AZA), 6-Mercaptopurina (6-MP) e Metotrexato (MTX), foi de 19 (Tabela IX). Tabela IX Número de doentes sob tratamento combinado com IM. AZA 6-MP MTX IFX 67 1 13 DC 11 1 CU ADA 15 1 DC CU TOTAL 93 (85,3%) 1 (,9%) 15 (13,8%) 19 ICBAS CHP/HSA 16

Discussão O maior número de doentes com DC sob anti-tnfα, comparativamente à CU reflete, por um lado, a existência de formas mais graves de DII e, por outro lado, a aprovação destes fármacos mais precocemente para a DC. A terapêutica com agentes anti-tnfα foi instituída em pacientes com doença com atividade mais grave, com comportamento mais agressivo e com doença mais extensa. Nos primeiros anos de utilização do IFX na DC, o tratamento recomendado era episódico, o que explica o número de doentes que fizeram apenas 1 ou 2 infusões de IFX nos primeiros anos após a sua aprovação (Tabela IV). O estudo ACCENT I (A Crohn s Disease Clinical Trial Evaluating Infliximab in a Long-term Treatment Regimen) mostrou que o regime de manutenção, de 8 em 8 semanas, é mais eficaz na remissão clínica que o tratamento episódico 5. O IFX é o fármaco de eleição nos casos de doença perianal fistulizante complexa com atividade grave ou doença luminal fistulizante (fístulas enterocutâneas) com necessidade de indução rápida. O estudo ACCENT II englobou 282 doentes com fístulas perianais, abdominais e retovaginais, refratários a antibioterapia, tratamento com 6-MP ou AZA (tiopurinas), ciclosporina e MTX, e verificou 69% de resposta clínica às 14 semanas de tratamento com IFX. Às 54 semanas 46% dos doentes mantinham resposta clínica e 36% encerramento total das fístulas 6. Vários estudos mostram que doentes em regime de manutenção de IFX apresentam uma redução das intervenções cirúrgicas e hospitalizações, porém o número de incisões e drenagens de abcessos perianais ou o número de colocações de seton de drenagem é semelhante. Estudos posteriores avaliaram a eficácia do tratamento com IFX na cicatrização dos trajetos fistulosos perianais por RMN e ecografia-endoanal, verificando que a cicatrização completa do trajeto fistuloso era baixa 12,14. A gravidade da doença foi a principal indicação para o tratamento (37,77%), seguida pela doença perianal (15,43%), refrataridade à imunossupressão (13,3%) e intolerância aos IM (13,3%). Os agentes anti-tnfα são eficazes no tratamento de algumas MEI (como o eritema nodoso, pioderma gangrenoso, artrite periférica) embora não existam estudos randomizados e a evidência esteja reportada em case reports ou estudos com um pequeno número de doentes. Não há evidência que o IFX seja eficaz no tratamento da CEP, contudo, esta não constitui uma contraindicação para o IFX em doentes com DII 12. As reações infusionais secundárias ao IFX estão associadas ao desenvolvimento de anticorpos contra este fármaco, que segundo Baert et al. aumentam o risco de ICBAS CHP/HSA 17

reações infusionais e de hipersensibilidade tardia e perda de resposta ao IFX 13. Porém, a administração prévia de corticoesteróides diminui a formação destes anticorpos e a incidência deste tipo de reações adversas. Alguns estudos mostram que a terapêutica concomitante com IM (AZA, 6-MP ou MTX) diminui o desenvolvimento de anticorpos, com melhores resultados a curto e longo prazo 13,15. O estudo SONIC (Study of Biological and Immunomodulator Naive Patients in Crohn s disease), na DC, mostra maior eficácia da terapêutica combinada, IFX e AZA versus monoterapia com IFX, na manutenção de uma remissão livre de corticosteróides. 16 Na CU, o estudo UC-SUCCESS mostra igualmente a maior eficácia da terapêutica combinada, IFX e AZA versus monoterapia com IFX, na manutenção da remissão da doença. 17 Apesar de todos os doentes realizarem pesquisa de tuberculose latente com Rxtórax e prova da tuberculina antes do início da terapêutica biológica, um doente desenvolveu tuberculose pleural. Sabe-se que os agentes anti-tnfα aumentam o risco de infeções oportunistas e a reativação de tuberculose latente 13. Os dois casos de linfoma ocorreram durante o tratamento combinado com IFX e AZA, o que pode refletir o maior risco de neoplasias, porém a literatura é contraditória. Por um lado, o estudo coorte de Fidder et al., mostrou diferenças na mortalidade, infecções e neoplasias entre doentes com DII tratados e não-tratados com IFX 12,18. Por outro lado, uma meta análise, de Siegel et al., revelou que a taxa de linfomas não-hodgkin era 3,2 vezes superior à esperada 12,19. A reação Lupus-like ocorre por formação de anticorpos anti-nucleares (ANAs) e anti-dna de cadeia dupla (anti-dsdna), sendo mandatória a suspensão do tratamento. Porém, apesar dos ANAs e anti-dsdna se desenvolverem em, respetivamente, cerca de 4% e em 15% dos doentes tratados com IFX, a prevalência da reação Lupus-like é inferior a 1% 2. Neste trabalho apenas ocorreu um caso com IFX, apesar de esta reação ser reportada quer no tratamento com IFX quer com ADA. Os sintomas reaparecem na reintrodução do agente anti-tnfα, mas ainda não se sabe se a substituição para outro anti-tnfα é uma opção viável 12. Verificaram-se 4 casos de paragem do tratamento, devido ao desenvolvimento de psoríase, reação inflamatória paradoxal pois os agentes anti-tnfα são usados no seu tratamento. Em nenhum dos casos houve substituição para ADA. Atualmente, não se conhecem os mecanismos quer dos anti-tnfα no tratamento da psoríase quer no desenvolvimento desta patologia. Dos efeitos adversos neurológicos, o único registado foi a suspeita de doença desmielinizante não confirmada, mas que motivou a suspensão do tratamento. ICBAS CHP/HSA 18

Os agentes anti-tnfα são usados em regime step-up, no tratamento da DII refratária ou intolerante à terapêutica convencional (ácido 5-aminossalicílico, corticoesteróides e IM). Contudo, registou-se um caso de tratamento em estratégia top-down. A utilização precoce dos anti-tnfα, nomeadamente em doentes com fatores preditivos de evolução para doença complicada, permitirá um maior controlo da atividade da doença, com remissão clínica mais rápida, cicatrização da mucosa e provavelmente redução do número de hospitalizações e cirurgia 12. Apesar dos numerosos estudos clínicos sobre a terapêutica com agentes anti-tnfα, não se conhece ainda qual o tempo ideal do tratamento de manutenção. O estudo prospetivo de Louis et al. acompanhou 115 doentes que interromperam IFX, após entrarem em remissão clínica com tratamento de manutenção de IFX e tiopurinas, pelo menos durante 1 ano, ocorrendo reativação da doença em cerca de 5% dos doentes 2. A prespetiva atual sugere que em doentes sob terapêutica combinada, IM e anti-tnfα, com remissão profunda, clínica, bioquímica (Proteína C-reativa normal) e imagiológica, possa ser discutida com o paciente a suspensão da terapêutica. Embora o ADA tenha sido aprovado em 27 para o tratamento da DC, há um número considerável de doentes que iniciaram o tratamento com ADA, naives a IFX. Apenas 4 doentes suspenderam o tratamento de manutenção, por reações adversas, ausência ou perda de resposta, o que vai de encontro ao estudo CHARM (Crohn s Trial of the Fully Human Antibody Adalimumab for Remission Maintenance) onde se verificou uma maior taxa de remissão clínica em doentes naives a agentes anti- TNFα 1. O ADA é igualmente eficaz como alternativa nos doentes com perda de resposta ou intolerantes ao IFX 11. Porém, apenas 11 doentes com DC e 3 com CU iniciaram ADA após reações infusionais major ou perda de resposta ao IFX. Uma vez que a administração do ADA é subcutânea, as reações à administração são locais e brandas sem necessidade de suspensão. Estudos mostram que as infeções oportunistas são pouco frequentes mas podem ocorrer, sendo a mais frequente a candidíase oral. Os efeitos adversos graves são muito raros mas também podem surgir, tais como infeções oportunistas graves, nomeadamente a Tuberculose Pulmonar e Extrapulmonar 2. O tratamento com IFX na CU, ao contrário da prática inicial na DC, tem como objetivo atingir o regime de manutenção de 8 em 8 semanas, apenas estando contraindicado passar ao esquema de manutenção se ocorrerem reações adversas ou na ausência de resposta clínica ao tratamento de indução, o que neste estudo se verificou em 31,25% dos casos. A corticoterapia é ainda um pilar no tratamento das agudizações moderadas a severas na CU. Neste trabalho a maioria das indicações para terapêutica com IFX na ICBAS CHP/HSA 19

CU foi a corticorresistência e a corticodependência. Dois grandes ensaios randomizados controlados, ACT 1 e ACT 2 (The Active Ulcerative Colitis Trials), onde cerca de 3% dos doentes tinham doença refratária aos corticoesteróides, mostraram que o IFX é eficaz na indução e manutenção da remissão na doença moderada a severa, com diminuição da necessidade de corticoesteróides, reduções significativas das hospitalizações e procedimentos cirúrgicos relacionados com a CU. Nestes ensaios, em doentes com CU severa e corticorresistente, uma infusão única de IFX 5mg/kg de peso diminuiu a necessidade de colectomia de 67%, no grupo com placebo, para 29%. Porém, não se sabe ainda se este benefício é mantido a longoprazo 12,14. Não existe consenso sobre a possibilidade dos agentes anti-tnfα influenciarem os resultados cirúrgicos. Estudos indicam que não existe maior risco de sepsis após cirurgia eletiva nem maior risco de complicações cirúrgicas, enquanto outros estudos revelaram um aumento do risco de infeções após cirurgia, em doentes sob tratamento com IFX 12. O ADA foi recentemente aprovado no tratamento da CU, o que justifica o reduzido número de doentes sob este fármaco. O ADA mostrou ser seguro e eficaz na indução da remissão clínica em pacientes com CU ativa moderada a grave e que não responderam à corticoterapia e/ou imunossupressão 23. É igualmente eficaz em pacientes com perda de resposta ou intolerância ao IFX 24, tendo sido registados apenas 3 casos. Foram encontradas algumas limitações neste estudo. Em primeiro lugar, sendo a colheita dos dados retrospetiva, alguma informação não constava nos dados fornecidos, tendo sido necessária a consulta de processos clínicos. Vários doentes apresentavam mais que uma indicação para o tratamento com anti-tnfα, levando a uma análise e ponderação de qual a principal indicação. Concluindo, os parâmetros analisados apresentam uma distribuição de acordo com o esperado e de acordo com outros estudos. Os agentes anti-tnfα constituíram um grande passo no tratamento da DII, com eficácia na indução de remissão clínica sem corticosteróides e com um aumento significativo da qualidade de vida dos doentes, parecendo diminuir o número das hospitalizações e cirurgias, segundo a literatura. São fármacos muito eficazes e seguros no tratamento da DII, sendo fundamental conhecer as indicações precisas para a sua utilização, a altura mais adequada para a sua introdução e monitorizar de forma regular os doentes, nomeadamente no que concerne ao risco de infecções graves e linfoma. Deve-se ponderar, em cada caso, o risco-benefício de prolongar o tratamento de manutenção, atendendo a fatores do hospedeiro, da doença, da terapêutica (combinada com IM versus monoterapia) e dos custos associados. ICBAS CHP/HSA 2

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Anexos ICBAS CHP/HSA 24

Anexo 1 Classificação de Montréal Doença de Crohn Idade de Diagnóstico (A) A1 A2 A3 Localização (L) L1 L2 L3 L4 Comportamento (B) B1 B2 B3 Doença Perianal (p) <17 anos 17 4 anos >4 anos Ileal Cólica Ileocólica Trato gastrointestinal superior (modificador que pode ser adicionado a L1-L3) Não estenosante e não penetrante Estenosante Penetrante Modificador adicionado a B1-B3 quando presente Colite Ulcerosa Extensão da doença (E) E1 E2 Proctite Colite esquerda, atingimento do cólon sigmóide com ou sem atingimento do cólon descendente E3 Pancolite, com atingimento proximal ao ângulo esplénico Fonte: Silverberg MS, Satsangi J, Ahmad T, et al. Toward an integrated clinical, molecular and serological classification of inflammatory bowel disease: Report of a Working Party of the 25 Montreal World Congress of Gastroenterology. Can J Gastroenterol, 25. 19(A):5-36. ICBAS CHP/HSA 25

Anexo 2 - Esquema de tratamento com IFX, nos doentes com DC. *Ver Tabela VII, reações adversas grupo D ICBAS CHP/HSA 26

Anexo 3 - Esquema de tratamento com ADA nos doentes com DC Doentes com DC submetidos a ADA 3 Naive a IFX Com tratamento prévio com IFX Tratamento de Indução e Manutenção com ADA 3 Tratamento de Indução e Manutenção com ADA 17 Mantêm 26 Suspensão 4 Motivos (Tabela VII, grupo Ep) Suspensão do tratamento 3 Motivos: - infeção oportunista (espondilodiscite cervical) 1 - psoríase 1 - perda de resposta 1 Mantêm tratamento 14 ICBAS CHP/HSA 27

Anexo 4 - Esquema de tratamento com agentes anti-tnfα na CU Doentes com CU submetidos a tratamento de Indução com IFX 16 Suspensão 5 Motivos: - reações adversas 1; - ausência de resposta 4; Tratamento de Manutenção 11 Sem mais tratamentos com agentes anti-tnfα 3 Tratamento de Indução e Manutenção com ADA 2 Suspensão do tratamento 6 Motivos: - perda de resposta 3; - remissão clínica 3; Mantêm tratamento 5 Mantêm tratamento 2 Substituição - Tratamento de Indução e Manutenção com ADA 1 Sem mais tratamentos com agentes anti-tnfα 5 ICBAS CHP/HSA 28