Posicionamento Autónomo Instantâneo por Observações de Código. Aplicação ao Sistema GPS

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Transcrição:

Posicionamento Autónomo Instantâneo por Observações de Código Aplicação ao Sistema GPS António Pestana Outubro de 2014

1 Resumo O Posicionamento Autónomo Instantâneo por Observações de Código por vezes denominado, em língua inglesa Single Point Positioning, ou SPP (Satiropod et al., 2001) é a mais simples técnica de posicionamento GNSS. O domínio desta técnica de posicionamento é fundamental para que outras técnicas de posicionamento GNSS sejam compreendidas e implementadas. O objectivo fundamental deste documento é o de mostrar como, a partir de um conjunto de observações de código simultâneas, é possível calcular as coordenadas geocêntricas instantâneas do centro de fase da antena de um receptor GPS. 2 Notas prévias Neste texto o substantivo instante é utilizado para designar um momento no tempo. O substantivo hora designa o valor numérico único que uma particular escala de tempo atribui a um determinado instante. O substantivo Tempo (sempre com maiúscula) será usado com o significado de escala de tempo. Como existem várias escalas de tempo, elas terão de ser convenientemente identificadas (exemplos: Tempo UTC, Tempo do satélite e Tempo GPS ) Uma hora deve ser sempre acompanhada pela denominação da respectiva escala de tempo. Alguns exemplos: hora UTC, hora GPS e hora do satélite. Uma função (em sentido matemático) do tempo será uma função das horas dos instantes temporais relevantes. Resulta então que uma função do tempo é, na prática, uma função da escala temporal utilizada. Uma determinada hora identifica um determinado instante, mas, porque existem várias escalas de tempo, um mesmo instante pode ser identificado por várias horas distintas. Por vezes a palavra instante será utilizada em lugar de hora, mas este relaxamento semântico apenas ocorrerá quando seja evidente qual a escala de tempo utilizada. O substantivo posicionamento será utilizado para designar o acto, ou o efeito, de determinar as coordenadas de um ponto. Designar-se-á por posicionamento autónomo qualquer posicionamento GNSS 1 que seja conseguido recorrendo exclusivamente a sinais que, tendo sido emitidos pelos satélites GNSS, são captados por um único receptor 2. Em complemento a esta designação será também utilizada a expressão posicionamento instantâneo para designar um qualquer posicionamento GNSS que tenha sido efectuado recorrendo a um conjunto de observações resultantes do processamento de um único conjunto de sinais captados, em simultâneo, pela antena do receptor. As observações obtidas nestas condições serão designadas por observações contemporâneas. 3 Fundamentos do posicionamento GPS por análise de código Cada satélite GPS transporta, no mínimo, um relógio atómico responsável por criar a realização de uma escala de tempo específica desse satélite: o Tempo do satélite. É atribuída a denominação de sinal à combinação de uma onda portadora com um ranging code (Xu, 2007). 1 Sistemas Globais de Navegação por Satélite (Global Navigation Satellite Systems). 2 Outra forma de definir o conceito de posicionamento autónomo: técnica que permite o posicionamento da antena de um receptor GNSS de forma completamente autónoma (isto é, sem recorrer a qual outro equipamento ou serviço) e utilizando exclusivamente os dados que essa antena recebe dos satélites GNSS. 1

Um ranging code é um código binário pseudo-aleatório único 3 (PRN) destinado à medição da distância entre o satélite que o emite e a antena de um receptor que o capte. Cada satélite GPS emite vários sinais, cada um deles muito precisamente gerado em função da respectiva hora do satélite. Cada satélite GPS também difunde uma mensagem de navegação que lhe é específica. Cada receptor GPS possui um relógio interno que realiza uma outra escala de tempo, que é específica desse receptor: o Tempo do receptor. Todos estes receptores são capazes de gerar uma réplica de, no mínimo, um dos ranging codes emitidos por cada dos satélites. Portanto, um receptor é capaz de gerar, no mínimo, tantas réplicas distintas quantos os satélites GPS. Todas estas réplicas são geradas em função do Tempo do receptor. Um receptor mede a duração do voo de um sinal captado pela sua antena recorrendo a uma análise de correlação entre o código recebido e a réplica que dele está a gerar. Obtém-se assim uma observação (uma medição) que depende do Tempo do satélite e do Tempo do receptor. Esta observação, por ser obtida com recurso exclusivo a um ranging code, é denominada observação de código. Atribui-se a designação de pseudodistância ao produto da velocidade da luz no vazio pela duração do voo de um sinal, quando este percorre a distância que medeia entre o satélite emissor e a antena do receptor. Assim sendo, uma pseudodistância será uma estimativa da distância rectilínea entre o ponto ocupado pelo satélite emissor no instante da emissão e a posição ocupada pela antena do receptor no instante da recepção. Num determinado instante de medição um receptor determina, no mínimo, uma pseudodistância a cada satélite que observa. Para um determinado satélite, o receptor poderá determinar tantas pseudodistâncias quantas as réplicas de sinais captados que consegue gerar. Todos os sinais captados por um determinado receptor são-no de forma praticamente simultânea, já que os receptores modernos possuem dezenas de canais que permitem receber, de forma contínua, dezenas de sinais. Porém, caso estes sinais não tenham sido emitidos pelo mesmo satélite, os respectivos instantes de emissão serão diferentes. A posição ocupada por um qualquer satélite GPS no instante de emissão pode sempre ser calculada, no referencial geodésico WGS84 4, recorrendo a parâmetros que fazem parte da mensagem de navegação que esse satélite difunde. Porém, este cálculo obriga à utilização de uma terceira escala temporal: o Tempo GPS, de aqui em diante designado pela sigla GPST 5. O GPST é a escala de tempo oficial do Sistema GPS e será, no âmbito deste texto, a escala de tempo fundamental. Se dispusermos de um número suficiente de observações simultâneas, bem como das posições ocupadas pelos satélites observados nos respectivos instantes de emissão, então será possível calcular as coordenadas do ponto ocupado pela antena do receptor no instante da recepção. O problema a resolver é uma trilateração e o seu modelo matemático é não-linear. Neste texto considerar-se-á que o receptor apenas capta um sinal por cada satélite observado. Porém, as expressões que serão apresentadas facilmente são generalizáveis de modo 3 Um determinado código PRN é emitido por um, e apenas um, satélite GPS. Cada satélite GPS emite vários códigos PRN distintos. Os PRN do Sistema GPS podem ser transmitidos na mesma frequência portadora sem que interfiram uns com os outros. Todos estes PRN têm correlações cruzadas particamente nulas para todos os desfasamentos temporais. Um PRN particular manifesta autocorrelação praticamente nula para todos os desfasamentos temporais, com a excepção do desfasamento nulo (Misra e Enge, 2004). 4 O WGS84 (World Geodetic System 84) é um sistema de referência terrestre utilizado pelo Sistema GPS. Este sistema de referência inclui um referencial cartesiano tridimensional com origem no centro de massa da Terra e que a ela está fixo, acompanhando todos os movimentos do nosso planeta. O terceiro eixo coordenado deste referencial cartesiano (o eixo dos zz) é muito aproximadamente coincidente com o eixo de rotação da Terra. 5 O GPST (sigla de GPS time ) é uma escala de tempo uniforme e contínua. Esta escala de tempo é similar à escala temporal UTC (USNO), desde que sejam descontados os segundos intercalares (os leap seconds ). 2

a poderem lidar com vários sinais captados por cada satélite observado. Dois sinais simultaneamente captados em duas portadoras distintas, emitidos pelo mesmo satélite, permitem eliminar a primeira componente da refracção ionosférica. Se forem três os sinais captados, cada um na sua frequência portadora, então poderão ser eliminadas a primeira e a segunda componente do mesmo efeito atmosférico (Urquhart, 2009). 4 A componente de longo prazo do erro da hora do satélite Cada sinal GPS é, em termos matemáticos, uma função do tempo. Na prática, este sinal é gerado pelo satélite emissor de acordo com a escala temporal materializada pelos relógios atómicos que transporta: este sinal é uma função do Tempo do satélite emissor. Esta é uma das razões que justificam o serem os relógios dos satélites considerados componentes críticos para o funcionamento de todo o Sistema GPS. Como componentes críticos que são, os relógios dos satélites são continuamente monitorizados pelo controlo de terra, de modo a garantir que as escalas de tempo que materializam se mantêm dentro de exigentíssimos padrões de qualidade. O erro do Tempo de cada satélite é determinado relativamente ao GPST e apresenta evolução temporal, isto é, é função da hora (ver figura). Esta evolução pode ser considerada como o resultado da adição de duas componentes: uma componente que apresenta flutuações com períodos muito curtos (a componente de curto prazo ) e uma outra componente que manifesta períodos bem mais longos (a componente de longo prazo ). Os relógios dos satélites são de elevadíssima qualidade (são relógios atómicos muito estáveis) e, como já foi dito, são constantemente monitorizados. É possível caracterizar com elevado rigor a componente de longo prazo do seu erro e, aquando da resolução do problema de posicionamento, autonomizá-la da componente de curto prazo. Os elementos necessários para o cálculo da componente de longo prazo fazem parte das mensagens de navegação, sendo por isso possível aos utilizadores dos sistemas proceder a esse cálculo. Seja t s uma qualquer hora do satélite s e δt s o erro de longo prazo que lhe está associado. Os relógios dos satélites são de elevadíssima qualidade, pelo que os seus erros de curto prazo são muitíssimo pequenos. Assim sendo, a grandeza t s = t s δt s será uma boa estimativa da correspondente hora GPST 6. O IS-GPS-200D-001 (2006), nas páginas 68 e 69, especifica que δt s deve ser calculado recorrendo à expressão seguinte: δt s = a f0 + a f1 b 1 + a f2 b 1 2 + Δt rel (1) 6 No modelo matemático do SPP não é explicitamente considerada a componente de curto prazo do erro do Tempo do satélite. 3

Nesta expressão b 1 = t s t oc, sendo t oc uma hora de referência (GPST) denominada clock data reference time. A mensagem de navegação difundida pelo satélite fornece o valor de t oc em segundos da semana GPS (a semana GPS possui 604800 segundos GPS) pelo que se deverá ter particular cuidado com o correcto cálculo de b 1 quando ele abrange uma mudança de semana GPS. As quatro parcelas existentes no lado direito da igualdade modelam quatro fenómenos que contribuem para δt s, a saber: desvio ( bias ), deriva ( drift ), taxa de deriva ( drift rate ) e efeitos relativísticos. Os parâmetros a f0, a f1 e a f2 fazem parte da mensagem de navegação do satélite. O efeito relativístico Δt rel deve ser calculado de acordo com o procedimento indicado na especificação atrás mencionada. A equação (1) evidencia que δt s depende de t s e, por isso, t s depende de si próprio. Porém δt s varia lentamente ao longo do tempo, pelo que manifesta uma muito baixa sensibilidade a pequenas variações de t s. Face ao exposto resulta evidente que, para o cálculo de δt s, basta recorrer a uma razoável estimativa de t s : fazer t s = t s é suficiente. Se necessário, poderá sempre iterar-se esta igualdade (Borre, 2003). 5 A duração do voo de um sinal Já foi referido que o receptor utiliza análise de correlação para medir a duração do voo de um sinal, obtendo assim uma observação de código Δt s. Seja δt o erro, em relação ao GPST, do Tempo do receptor. Uma muito boa estimativa do tempo de voo do sinal será obtida corrigindo Δt s dos erros dos relógios do satélite e do receptor. Esta estimativa de muito boa qualidade é dada por: Δt s = Δt s + δt s δt (2) Seja t E a hora da emissão de um determinado sinal (Tempo do satélite) e t R a hora da recepção desse mesmo sinal (Tempo do receptor). A grandeza t R = t R δt é uma muito boa estimativa da hora GPST da recepção do sinal. A grandeza t E = t R Δt s será uma muito boa estimativa da hora GPST da emissão desse mesmo sinal. Resulta então que: t E = t R Δt s δt s (3) A grandeza t E = t R Δt s, que unicamente utiliza medições efectuadas pelo receptor, é apenas uma boa estimativa da hora GPST da emissão do sinal. Esta estimativa deve ser melhorada aplicando o procedimento apresentado na secção anterior, ou seja, fazendo t s = t E e utilizando a Equação (1). 6 A posição dos satélites no espaço A posição, no instante de emissão t E e referida ao referencial cartesiano tridimensional do WGS84, de um determinado satélite observado, pode ser calculada com recurso às efemérides difundidas por esse satélite. As efemérides difundidas são um conjunto de parâmetros orbitais do satélite, funções do tempo, que fazem parte da mensagem de navegação por ele transmitida. Estas efemérides apenas devem ser usadas para instantes posteriores ao reference time of ephemeris t oe (hora definida em segundos da semana GPS, também incluída na mensagem de navegação do satélite) e mantêm a validade durante duas horas. As fórmulas necessárias para o cálculo do vector de posição do satélite no instante da emissão podem ser encontradas nas páginas 97 a 98 do IS-GPS-200D-001 (2006) ou em numerosos livros de texto, nomeadamente Leick (2004), Borre et al. (2007) e Xu (2007). Os 4

cálculos a efectuar dependem de t E t oe pelo que, mais uma vez, é necessário ter em consideração eventuais mudanças de semana GPS. 7 A rotação da Terra O referencial cartesiano tridimensional do WGS84 (RCT WGS84) move-se no espaço 7 durante o voo do sinal. A Terra roda da Este para Oeste pelo que, quando observado da extremidade positiva do seu eixo do zz (observação de Norte para Sul), este referencial cartesiano roda em sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio. Para que seja possível resolver a trilateração é necessário que, tanto o vector de posição da antena do receptor no instante da recepção como o vector de posição de cada um dos satélites observados no respectivo instante de emissão, sejam conhecidos num mesmo referencial cartesiano inercial (um RCTI). Existem tantos instantes de emissão quantos os satélites observados, mas existe apenas um instante de recepção para todos os sinais captados. Assim sendo, afigura-se ser vantajoso impor que o RTCI seja coincidente com o RCT WGS84 no instante da recepção. Seja ω a velocidade de rotação da Terra (o WGS84 define ω = 7.2921151467 10 5 rad/s). Durante o voo do sinal emitido pelo satélite s a Terra roda de um ângulo dado por: Deve notar-se que a Equação (4) depende do erro do relógio do receptor ver Equação (2). Seja X s o vector de posição do satélite s relativo ao RCT WGS84 no instante de emissão t E. Sendo R 3 (θ) a matriz de rotação relativa ao terceiro eixo coordenado, então o vector de posição deste mesmo ponto, agora relativo ao RCTI será: θ = ω Δt s (4) X rot = R 3 (θ) X s (5) A Terra move-se em trono do Sol, o eixo de rotação da Terra oscila ao longo do tempo e a nossa galáxia move-se através do espaço. Porém, de acordo com Groves (2008), no posicionamento autónomo instantâneo estes movimentos podem ser ignorados. 8 As equações do modelo matemático do problema A pseudodistância ao satélite s é ρ s = c Δt s, onde c é a velocidade da luz no vazio. Seja d s a distância rectilínea entre a posição ocupada pela antena do receptor no instante da recepção e a posição ocupada pelo satélite no instante da emissão. Para cada satélite observado verificar-se-á a seguinte relação óbvia: ρ s é igual a d s mais o efeito acumulado (em termos de distância) de todos os fenómenos físicos que afectam: a) as medições efectuadas pelo receptor; b) a geração do sinal captado; c) o sinal no seu percurso entre o satélite emissor e a antena receptora. A Equação (2) mostra que uma muito boa estimativa do erro que afecta a observação que, relativamente ao satélite s, foi efectuada pelo receptor é δt δt s. Seja E s o somatório das melhores estimativas disponíveis para as grandezas dos efeitos mencionados no parágrafo anterior, excluindo o efeito do erro do Tempo do receptor e o efeito do erro do Tempo do satélite. Seja ε s o somatório de todos os efeitos negligenciados e dos efeitos dos erros dos modelos 7 Um referencial inercial permanece imóvel no espaço, ou, caso se mova, não roda e desloca-se segunda uma linha recta com velocidade constante (Groves, 2008). Face ao exposto resulta evidente que o referencial cartesiano tridimensional do WGS84, como qualquer outro referencial cartesiano fixo à Terra, é um referencial não-inercial. 5

utilizados para obter as estimativas. Se tanto E s como ε s forem expressos em termos de distâncias, então resulta que: ρ s = d s + c δt c δt s + E s + ε s (6) Já foi demonstrado, em secção anterior, que δt s pode ser calculado em função da hora da recepção t R (Tempo do receptor), da observação Δt s e de informação fornecida na mensagem de navegação difundida pelo satélite. A distância d s é uma função de dois vectores de posição, ambos determinados no mesmo referencial cartesiano inercial. Estes dois vectores são: a) o vector de posição da antena do receptor no instante da recepção; b) o vector de posição do satélite no instante da emissão. Se o RCTI adoptado for coincidente com o RCT WGS84 no instante t R, então pode obter-se uma boa estimativa do vector b) recorrendo à Equação (5) e às efemérides do satélite. A distância rectilínea procurada será d s = X X rot, onde X é o vector de posição, referido ao RCTI, da antena do receptor no instante da recepção. Note-se que X é desconhecido. Do exposto resulta que a Equação (6) é uma função de cinco incógnitas, a saber: o erro do Tempo do receptor (no momento da recepção), as três componentes do vector de posição X e ε s. Sendo n o número de satélites observados, o número de incógnitas do problema será n + 4. O modelo matemático do Posicionamento Autónomo Instantâneo por Observações de Código ignora as n incógnitas ε s, desta forma reduzindo para quatro o número de incógnitas do problema. Este modelo matemático é constituído por um conjunto de n equações não-lineares cuja forma genérica é: ρ s = d s + c δt c δt s + E s (7) A resolução deste problema implica a prévia linearização das equações do modelo e a escolha de um conjunto adequado de valores iniciais para as incógnitas 8. O sistema linearizado terá solução quando n > 3. Se n > 4 então o sistema linearizado será sobredeterminado e, por isso, de modo geral impossível. Uma estimativa do valor das incógnitas poderá ser encontrada recorrendo ao método dos mínimos quadrado (ordinários ou ponderados). O método dos mínimos quadrados fornece também o vector das n estimativas dos ε s. Sejam X = [x 1 x 2 x 3] T, X s = [x s,1 x s,2 x s,3] T e X rot = [x rot,1 x rot,2 x rot,3] T. Seja U T = [X T c δt] o vector das incógnitas. A matriz jacobiana (relativa ao vector das incógnitas) das equações do modelo matemático tem dimensão n 4 e a sua linha genérica (a linha s) é: [ d s x 1 d s x 2 d s x 3 1] (8) As derivadas da distância euclidiana em relação ao vector de posição da antena receptora são dadas pela seguinte expressão genérica: d s x i = 1 (x d i x rot, i ), com i = 1,,3 (9) s A matriz jacobiana depende das incógnitas do problema, pelo que a determinação de uma solução aceitável para o problema obriga à implementação computacional de um processo iterativo. Este processo iterativo utiliza todas as equações apresentadas neste texto, com excepção da Equação (6). 8 É frequente serem escolhidos valores iniciais nulos. 6

9 O algoritmo de cálculo Os dados do problema de posicionamento autónomo instantâneo são: a) O número de satélites observados (n) b) A duração aparente do voo do sinal emitido por cada satélite observado, determinado pelo receptor (Δt s, para s = 1,2,, n), ou as correspondentes pseudodistâncias ρ s c) Hora da recepção dos sinais, na escala de tempo do receptor (t R ) d) Informação existente na mensagem de navegação de cada satélite observado (parâmetros para a correcção da hora do satélite, efemérides, etc.). Será necessário adoptar valores para três constantes: a) A velocidade da luz no vazio (c) b) A velocidade de rotação da Terra (ω). c) O real positivo μ que será utilizado na definição do critério de paragem do processo iterativo. Será necessário arbitrar valores iniciais para as quatro incógnitas: a) As três coordenadas iniciais da antena do receptor (valores iniciais para o vector X) b) O valor inicial do erro do Tempo do receptor (valor inicial para δt) As incógnitas a determinar são as coordenadas da antena do receptor (X) e o erro da hora do receptor (δt). Seguidamente é apresentado um processo de cálculo baseado naquele que é apresentado em Borre (2003). Neste processo vai ser admitida a inexistência de valores credíveis para os erros englobados na parcela E s da Equação (6), pelo que se fará E s = 0. 1. Fazer B = [X c δt] e s = 0 2. s = s + 1 3. Calcular t E, que é uma estimativa de média precisão da hora GPST da emissão do sinal (t E = t R Δt s ) 4. Calcular δt s, que é uma estimativa da componente de longo prazo do erro do Tempo do satélite, recorrendo à Equação (1) 5. Calcular t E, que é uma estimativa de alta precisão da hora GPST da emissão do sinal, recorrendo à Equação (3) 6. Calcular Δt s, que é uma estimativa de alta precisão da duração do voo do sinal, recorrendo à Equação (2) 7. Calcular X s o vector de posição do satélite s relativo ao RCT WGS84 no instante de emissão t E 8. Determinar X rot, o vector de posição do satélite no instante de emissão, mas agora relativo ao RCT WGS84 no momento da recepção, utilizando a Equação (5) 9. Calcular d s, que é uma estimativa da distância rectilínea entre a posição da antena do receptor (no instante da recepção) e o satélite no instante da emissão (d s = X X rot ). Terminado este passo ficam a ser conhecidos todos os termos da Equação (7), pelo que ela já poderá ser incluída no modelo de mínimos quadrados 10. Se s n 1 volta a 2. 11. Construir a matriz jacobiana A, de acordo com as equações (8) e (9) 7

12. Determinar, por mínimos quadrados, um valor de maior qualidade para as coordenadas da antena (X ) e para o erro do Tempo do receptor (δt ) 13. Determinar a norma (Δ) do vector da variação que as incógnitas sofreram nesta iteração: Δ = [ X X c δt ] [ c δt ] 14. Se Δ > μ, fazer X = X e δt = δt, fazer s = 0 e voltar a 2 para dar início a uma nova iteração 15. Determinar o vector dos resíduos: R = A [ X c δt ] B 16. Terminar o processo. 10 Referências Borre, K. (2003). The GPS Easy Suite Matlab code for the GPS newcomer. GPS Solutions, vol. 7, no. 1, pp. 47-51. Borre, K., Akos, D., Bertelsen, N., Rinder, P. and Jensen, S. (2007). A software-defined GPS and Galileo receiver a single-frequency approach. Birkhäuser Boston. ISBN 0-8176-4390-7 Groves, P. (2008). Principles of GNSS, Inertial, and Multisensor Integrated Navigation Systems. Artech House. ISBN-13 978-1-58053-255-6 IS-GPS-200D-001 (2006). Interface Specification IS-GPS-200 Revision D. NAVSTAR Global Positioning System. Leick, A. (2004). GPS Satellite Surveying. 3rd Edition. John Wiley & Sons. ISBN 0-471-05930-7 Misra, P. and Enge, P. (2004). Global Positioning System signals, measurements, and performance. Ganga-Jamuna Press. ISBN 0-9709544-0-9 Satiropod, C., Rizos, C. and Wang, J. (2001). GPS single point positioning with SA off: How accurate can we get? Survey Review, 36(282), 255-262 Urquhart, L. (2009). An Analysis of Multi-Frequency Carrier Phase Linear Combinations for GNSS. Senior technical report, Department of Geodesy and Geomatics Engineering Technical Report No. 263, University of New Brunswick, Fredericton, New Brunswick, Canada. Xu, G. (2007). GPS theory, algorithms and applications. Second edition. Springer- Verlag Berlin Heidelberg. ISBN 978-3-540-72714-9 8