Jogo Cênico Cômico para 04 atores. Silva Seleto, abdicado e respeitável público! Reunimo-nos aqui hoje, numa oportunidade singular, para debater abertamente, algumas questões basilares, sobre uma das mais antigas imperfeições do ser humano: o preconceito! PRÓLOGO VOZ GRAVADA Recita-se a 4ª parte de Navio Negreiro Castro Alves Era um sonho dantesco... O tombadilho, Que das luzernas avermelha o brilho, Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... Estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães. Outras, moças... Mas nuas, espantadas No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs. E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais Se o velho arqueja... se no chão resvala Ouvem-se gritos... O chicote estala E voam mais e mais... São várias, as nuances deste terrível mal, que sabemos ser onipresente, embora extremamente desnecessário. Há quem diga, que todo ser humano possui preconceito, em algum grau, de alguma forma em relação a alguma coisa. Ou seja, não humano livre de preconceitos! ATOR 3 O preconceito mais difundido em todo o mundo é o preconceito racial. As pessoas costumam diferenciar um ser humano de outro, pela cor de sua pele. Nos Estados Unidos, por exemplo, o racismo acontece de maneira aberta. Já, no Brasil, o preconceito racial é velado. Ninguém assume, mas ele existe tão virulento quanto o americano. ATOR 4 Com isso, fazem piadas de mau gosto, excluem e criam situações vexaminosas, atacando impiedosamente os negros, que capturados e trazidos à força da África, com sangue suor e lágrimas ajudaram a construir essa promissora e desafortunada nação. TODOS Tudo o que será apresentado aqui, teria muita graça, se fosse meramente ficção. Tudo seria muito cômico, se não fosse trágico. Mesmo assim, fiquem atentos e nada percam desta hilariante viagem ao lado obscuro e mesquinho dos seres humanos (Saem) 1
...Por aqui, em especial, os indivíduos da raça negra são vulgar e maldosamente conhecidos por indecorosas e ofensivas alcunhas. Comecemos pelos apelidos inspirados nos animais... Grande pássaro! Macaco! Pantera Urubu Gorila! Corvo! Netinho... Netinho??? È... Netinho do King Kong Tiziu! Tem também aqueles apelidos inspirados nas bebidas e nos alimentos... Como por exemplo: Chocolate! Chiclete de onça Café Beira de pizza! Ki suco de piche! Coca-cola Picolé de Asfalto Feijoada Bolo! 2
Bolo? Pau de fumo! É! Bolode argila Bombril Frango de macumba Pinguim Sorvete de graxa Por fim, uma infindável lista de vulgos das mais diferentes origens: De origem doméstica, temos: Saco de lixo! Teflon Recheio de churrasqueira! Recheio de churrasqueira? É! Carvão, né! Guarda-Chuva De origem incerta e inescrupulosa temos uma interminável lista: Tição! Fumaça! Insulfilme! Parede de chaminé! Fumê! Vela pra despacho Meia-noite! Pelé Escravo 3
Quarta-Feira Tem também, Pretóleo... Quarta-feira? É... Quarta-feira de cinzas! Carbono Vinil Até apelido de origem japonesa... Duvido! Origem japonesa... Qual? Claro! Shoyu! Eu prefiro seis e meia Aí depende... Aí depende do que? Dependendo da pessoa, pode ser meia-noite mesmo! Mas aí você errou... Petróleo é o correto... Eu sei, mas pretóleo fica muito mais original... Entendeu? Por fim, poderíamos desfilar milhares de vocábulos pejorativos utilizados para desdenhar as pessoas de pele mais escura. Poderíamos eliminar todos esses grotescos apelidos e chamá-las simplesmente de negro! Poderíamos usar do eufemismo e chamá-las de afro-descendentes! Porém, infelizmente muitos insistem equivocadamente no preto! Tamanha é a ignorância dessas pessoas que não sabem diferenciar a cor de raça! Isso mesmo! Preto é cor! Negro é raça! Quando falamos de gente, falamos de raça! 4
Falamos de cor, quando falamos de objetos! Pois é, rapaz! Por falar em objeto, eu lembrei de mais um apelido! A é! Qual? Grafite! Tá bom! Mas para encerrar o assunto dos apelidos, não podemos deixar de citar a consagrada e simpática alcunha de... Negão! Uma vez encerrada a temática dos apelidos, vamos aprofundar a nossa discussão, mostrando-lhes o que nossos irmãos afrodescendentes duramente vivenciam no seu dia a dia! Para ilustrar todo esse preconceito contra a raça negra, observemos essa chocante cena: ATOR 3 (Com um bebê no colo) Lindercleidson, qual será o nome do nosso muleque? ATOR 4 (Com a camisa do corintians) Não sei Elitércia! Ainda não encontrei um nome da hora, mano! (Surge do lado contrário. Os negros observam) Quelida! Já sei como corocá nome de quiriança de chinês, né! É só fazê simpatia milenari do mestre Gao Xang Sun Li Hoo. (Surge com bebê no colo) Como malido, vai escolhe nome de quiriança nossa, né? É só joga essa pédara na água. Ruído que água do lago fizé, será nome de bebezinho chinês. Sim, sim, sim, meu honolável malido. Façamos tal escolha! (Pega uma pedra e arremessa ao rio) Escute o ruído da água, minha adolável esposa... (Ruído: Chin... Chan... Chen...) Oh, malido! O nome da quiriança será Chin Chan Chen? Sim, minha quelida esposa! Chin Chan Chen. (saem) ATOR 4 Viu só minha, nega! Que tal se a gente fizesse como os chineses, mano? Nóis joga a pedra na água e o baruio que fizer será o complemento do nome do nosso Raimundinho! ATOR 3 Manda ver, meu nego! Quem sabe não sai um nome bem bonito que nem o seu: Sindercleidson Raimundo Pafúncio... Junior, claro? ATOR 4 (Pega uma pedra e arremessa) Se liga aí! Vamos prestar atenção no ruído da água, mano... (Ruído: Chi... Pan... Zé...) GOSTOU DO TEXTO? SOLICITE-O NA ÍNTEGRA AO AUTOR. 5