Resumo texto: A exploração familiar no Brasil

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Transcrição:

Resumo texto: A exploração familiar no Brasil Grupo: Denise Mondini, Felipe Coletto, Daniel Froebel e Gabriele Valadão (com contribuições dos grupos). Hughes Lamarche e sua equipe buscaram através de um estudo de caso em explorações familiares inseridas em conjunturas bem distintas caracterizar aspectos gerais da agricultura familiar no Brasil. As raízes históricas da colonização influem, ainda hoje, fortemente sobre a estrutura fundiária, sobre a política e relações de poder no país. Três características da economia colonial permeiam até hoje a organização do espaço rural, as grandes propriedades, os sistemas de monoculturas agroexportadoras e a mão de obra escrava. A estrutura fundiária organizada em grandes propriedades herdadas ou obtidas pela grilagem de terras pelos atuais latifundiários dificulta o acesso legal à terra pelos pequenos produtores. Não obstante os ciclos econômicos que dominaram a política econômica do Brasil, durante o período colonial, atendiam a demandas do mercado externo. A partir desta orientação exportadora, podemos traçar paralelos com as monoculturas atuais, cujos produtos atendem as necessidades do mercado externo. Apesar de sua relevância econômica para o país, esse sistema mantém o Brasil em condição de exportador de produtos agrícolas de baixo valor agregado, perpetuando uma relação de dependência em relação aos países desenvolvidos. Já a escravidão, estabeleceu uma relação de opressão entre patrão e escravo que ainda perdura no campo, reforçando a dependência política e submissão de muitos agricultores. Assim a agricultura familiar se constitui no país de forma marginal e precária, em muitos casos dividindo ou compartilhando seu espaço de reprodução com as grandes propriedades, o que torna esses produtores frágeis e vulneráveis às mudanças do mercado, podendo ser expulsos de sua exploração quando sua mão de obra deixa de ser demandada pelos grandes fazendeiros ou quando as terras que exploram se tornem potencialmente mais lucrativas. Tais fenômenos são observados com a modernização do campo, que expulsou os trabalhadores rurais, que hoje vivem na miséria e marginalização em áreas insalubres das periferias urbanas. Portanto, o acesso aos recursos fundiários é fundamental para a estabilidade da exploração familiar.

O estudo busca caracterizar três realidades distintas e traçar paralelos gerais, pormenorizando diferenças e semelhanças entre as explorações familiares. São áreas de estudo o Cariri no Nordeste, a cidade de Leme em São Paulo e a região de Ijuí no Rio Grande do Sul. As regiões possuem históricos bem distintos, no Nordeste após a abolição da escravatura a demanda por mão de obra levou ao recrutamento dos pobres livres do Semi-Árido como mão de obra mal remunerada, enquanto em São Paulo a estratégia foi fomentar a imigração de estrangeiros para trabalhar no cultivo do café, em contraposição os agricultores do Rio Grande do Sul são imigrantes que se instalaram de forma autônoma em terras montanhosas da região sul, que não eram interessantes para as grandes propriedades. Essa origem, além das características edafoclimáticas e diferenças de acesso a terra e a direitos básicos como educação e saúde, fazem com que as explorações sejam muito distintas em sua estrutura e organização, como podemos observar nas descrições a seguir: Cariri: Paraíba O Cariri se encontra na Zona Semi-Árida da Paraíba no Nordeste cujas condições físicas dificultam bastante a agricultura, notadamente em razão da baixa pluviosidade. Durante a colonização e o império, a região Semi-Árida foi bastante marginal em termos de produção agropecuária. Apos a abolição dos escravos em 1888, a ocupação da região se intensifica, com os homens pobres livres do campo se tornando a maior parte da mão de obra das grandes propriedades, que detinham grande poder econômico e político. A agricultura era representada por uma associação entre criação de gado extensiva, cultura comercial do algodão e uma agricultura de subsistência. No sertão, as grandes fazendas de criação de gado predominam, pressionando as populações pobres a se instalaram nos fundos de vale em busca de um espaço para sobrevivência. Para essas famílias restava apenas a opção de se submeterem como força de trabalho mal remunerada a fim de garantir alguma segurança,. A precariedade destes agricultores "sem-terra" ou com pouca terra acentuou-se com a crise do algodão, por causa da queda de preços nos anos 1980. O trabalho realizado pelo autor e sua equipe abrangeu 61 agricultores em 1988 e buscou ser representativo no que se refere a variedade de explorações na região. Relação com a terra e estruturas fundiárias Esta região apresenta as menores propriedades registradas no estudo, a maioria com menos de 20 hectares, porém, mesmo as explorações com mais de 100 hectares

sofrem com os obstáculos edafo-climáticos inerentes à região semi-árida, assim o tamanho da propriedade pouco se relaciona com as potencialidades naturais que permitem a prática das atividades agrícolas. Na Paraíba, a maioria dos produtores combina as várias formas de arrendamento e parcerias, sendo mais intensa entre as menores explorações para os quais representa uma estratégia preciosa diante da falta de terras. O acordo muitas vezes é feito de forma oral, e o pagamento predeterminado como uma porcentagem da produção ou em valores monetários, podendo terminar antes do combinado segundo a vontade do proprietário. As formas mais usuais de acesso à terra são pouco observadas, apenas 28% adquire através de herança e 23% compram terras. A divisão de terras é pouco praticada e a reprodução familiar das menores explorações depende de estratégias como cooperação mútua ou pluriatividade, garantindo a sobrevivência já que a renda muitas vezes situa-se no limite da subsistência. Produção familiar e estratégias produtivas Combinavam-se criação de gado semi-extensiva e policultura de subsistência, sendo as técnicas empregadas tradicionais e rudimentares, nenhum dos entrevistados possuía trator. A maior parte do gado era criado em grandes explorações, sendo a relação animal/superfície em média um animal para 5 hectares de pastagem. A diversificação das culturas foi estimulada pela infestação de bicudo nos campos de algodão em 1983, única cultura comercialmente importante que praticamente desapareceu. As formas de ligação com a terra variam entre, proprietários com superfícies de todas as categorias e os produtores não-proprietários, os exploradores que combinam formas de exploração, os que representam o sistema tradicional e os que praticam a irrigação. A modernização para os pequenos produtores ocorre nas propriedades que utilizam sistemas de irrigação. Porém, são áreas reduzidas na propriedade, mas que possibilitaram uma agricultura intensiva durante a época de estiagem, com elevado uso de insumos químicos e de equipamentos mecânicos. Assim, ela é associada às culturas de subsistência tradicionais realizadas durante a época das chuvas. A maior parte da produção é destinada ao autoconsumo ou a alimentação animal, sendo o excedente vendido quando não pode ser conservado, constituindo uma estratégia fundamental para

assegurar as necessidades alimentares da família. Assim, os rendimentos declarados são inferiores a um salário mínimo. O tempo de trabalho é muito grande, envolvendo toda a mão de obra disponível, já que não possuem maquinário e dependem do trabalho manual. Então, é a composição demográfica da família (número de membros e idade) que dita o ritmo de trabalho. O trabalho das mulheres é presente e significativo sendo destinado aos cuidados com a horta e à granja, todos os trabalhos domésticos e a educação dos filhos. Os homens realizam as atividades relacionadas aos animais e às vendas. O emprego assalariado varia com o sistema de produção e com a quantidade de mão de obra familiar disponível, tratando-se muitas vezes de parentes que não moram em casa que muitas vezes recebem como remuneração uma participação na colheita. A remuneração é baixa já que os produtores dispõem de poucos recursos. O caráter não capitalista desses empregos é nítido pela ausência de hierarquização na relação patrão e empregado, os indivíduos se ajudam como forma de resistir em um ambiente precário. Estratégias Familiares Nesta região, as famílias são especialmente numerosas, 43% das famílias apresentam seis filhos, o que gera problemas na permanência dos herdeiros na atividade agrícola, visto que há muitos entraves para o acesso a terras, o que inviabiliza a expansão do patrimônio familiar, como a insuficiência de rendimentos e uma regulamentação burocrática e desfavorável. Essas dificuldades de regulação fundiária, somadas as precariedades em relação à prática da agricultura, faz com que muitos busquem alternativas de empregos fora do setor agrícola e em outras regiões. Muitos pais desejam ver seus filhos em outra atividade melhor remunerada. Entretanto isso na esmagadora maioria dos casos é irreal. De fato, os jovens acabam em subempregos ou atividades mal remuneradas, devido à baixa escolaridade, apenas 67% dos filhos e 65% das filhas frequentaram a escola por pelo menos 4 anos e pouquíssimos ultrapassaram oito anos de estudo. Logo é normal, uma relação de colaboração financeira entre os pais e os filhos que trabalham em outras localidades e atividades, e vice-versa. A pluriatividade é vista como complementação da receita, o trabalho externo de cada membro familiar visa na maioria dos casos à reprodução de todo grupo familiar. Foram observadas situações onde se exerce atividade externa remunerada ou se recebe

aposentadoria, porém, em geral os rendimentos não passam de 2 salários mínimos o que não permite o desenvolvimento técnico da exploração. O produtor e a sociedade brasileira Em lugarejos no Cariri, onde a vizinhança e composta por membros da família, o rural é reconhecido por seus vínculos comunitários, mas é desvalorizado no que diz respeito às condições de vida. Já a cidade é reconhecida por certas vantagens (o acesso ao atendimento à saúde, a escola e as compras). Esses lugarejos geralmente se encontram dentro das grandes propriedades e a presença de pessoas vinculadas a partidos políticos, respondendo aos interesses do latifúndio, é constante e está diretamente vinculada aos interesses eleitoreiros que em contra partida, distribuem favores do Estado. O clientelismo impõe-se como relação predominante entre os agricultores e o Estado. A maioria dos agricultores considera que a política agrícola é desfavorável, reconhecendo que privilegia os grandes produtores em detrimento dos pequenos. Quanto a sua identificação um pouco menos de um terço dos agricultores escolheu o termo trabalhador rural, pois consideram que a propriedade é fruto do trabalho em família e também a situação dos que combinam sua condição de produtores à de trabalhadores assalariados temporários ou que trabalhem em terras de outros. A identidade para esses agricultores é fundamental, dado o esforço que desempenham para concretizar o objetivo de se tornarem agricultores, tanto que acreditam que devem contar, antes de tudo, com eles mesmos, pois tem total consciência do abandono pelo poder público. Leme: São Paulo O estudo em Leme, município próximo à cidade de Campinas, foi realizado no ano 1989 com 50 produtores de algodão, prioritariamente colonos de origem alemã e italiana que trabalharam nas grandes fazendas de café. A partir dos anos 1930, esses agricultores puderam formar explorações mais estáveis e mais seguras, através do acesso à propriedade da terra e de atividades economicamente rentáveis. Esta produção agrícola é altamente dependente de insumos industriais e da comercialização junto a uma usina de beneficiamento. Convém realçar que esta modernização foi conduzida pelas instituições públicas, através de serviços de pesquisa agronômica, de assistência

técnica e de crédito agrícola. Estas características permitem situar esta agricultura muito próxima no modelo ideal de exploração familiar, em razão de seu alto grau de inserção no mercado, tal como proposto por Lamarche. Relação com a terra e estruturas fundiárias Na maioria dos casos, a propriedade foi obtida pelo próprio chefe da família através da compra de terceiros alheios à família, ou foi herdada a poucas gerações. As propriedades do município foram as maiores registradas na pesquisa e apresentam entre 20 e 50 hectares e a ampliação fundiária foi feita com compras sucessivas de pequenos terrenos. No entanto, na época, a expansão era inviável, pois a especulação imobiliária devido ao cultivo da cana tornou as terras inacessíveis. Produção familiar e estratégias produtivas A maioria dos agricultores em Leme eram semiespecializados, sendo a produção de algodão a principal atividade com um ou dois produtos complementares. Foi após a infestação do Bicudo, que as políticas agrícolas passam a fomentar uma diversificação das culturas, como as lavouras de milho, arroz, trigo, cenoura e cana-de-açúcar. Em todos os casos a produção animal foi insignificante para a comercialização, entretanto, os produtores cultivavam itens importantes para sua subsistência como, arroz, carne de porco, frango, ovos, leite, frutas, cenouras, legumes secos e frescos, chegando a produzir 60 a 80 % das suas necessidades alimentares para alguns produtos. A produção é fortemente dependente de insumos, como adubos e sementes selecionadas. Ela é parcialmente mecanizada, visto que a colheita era feita manualmente. Quanto à comercialização, todos os produtores comercializavam seus produtos diretamente com a usina de transformação. Graças à mecanização, quase todos os trabalhos podiam ser realizados pelos membros da família e eram complementados principalmente durante a colheita com um contingente significativo de empregados temporários. Entre a família, o trabalho era dividido estritamente: os homens faziam as tarefas mecanizadas e as mulheres participavam apenas na colheita e eram responsáveis pelas tarefas da casa.

Dentre os três terrenos de estudo, Leme foi onde os agricultores obtiveram os melhores resultados financeiros com a exploração agrária e onde o trabalho externo a propriedade é insignificante para a composição da renda familiar. Estratégias Familiares A transmissão da terra em Leme privilegia somente aos filhos homens que assumem a direção da exploração. O restante do patrimônio foi dividido pelas mulheres que se envolviam pouco no trabalho da terra. Em Leme, as famílias tinham um tamanho reduzido, se comparado aos das demais regiões. A profissão agricultor era predominante entre os filhos, já as filhas mulheres, em sua maioria, agrícola identificavam-se como dona de casa ou ocupavam cargos públicos. Além disso, os filhos homens recebiam, muitas vezes, uma educação superior à recebida pelas filhas. As relações familiares na região permaneciam bem estreitas mesmo após os filhos saírem de casa, sendo cotidianas ou semanais. A maioria dos familiares morava na zona urbana de Leme que representava um lugar privilegiado socialmente do ponto de referência dos negócios. O produtor e a sociedade brasileira Os produtores tinham, antes das mudanças introduzidas nas políticas agrícolas durante os anos 80, uma opinião favorável ao Estado, acreditando que eram capazes de influenciar na politica. Porém, depois de mudanças nas quais a maior parte dos produtores passou para a categoria de médios produtores nos registros bancários, perderam assim uma parcela importante de subsídios que recebiam, tendo que se contentar com recursos próprios para produzir e se modernizar. Como não eram organizados, não conseguiram mais contar com a ajuda do Estado, tornando-se insatisfeitos com sua ação. A identidade do agricultor familiar em Leme era definida por eles mesmos como produtor rural. Esta identidade surgiu pela oposição à de assalariado e à de grande proprietário. Os autores destacam que, na localidade estudada no estado de São Paulo, a dinâmica da família ocorre separadamente da dinâmica de produção, sendo parte

importante do trabalho realizado pela mão de obra assalariada. A mulher se mostra pouco presente nas atividades da exploração. Portanto o caráter familiar é caracterizado pela atuação dos filhos nas fases mecanizadas e controle dos assalariados empregados nas fases manuais do processo de produção. Ijuí: Rio Grande do Sul Em junho de 1988, foram entrevistados 47 produtores familiares da comunidade de Ijuí, Rio Grande do Sul. Esta região foi originalmente ocupada por imigrantes alemães, italianos e poloneses. Segundo o autor e seus colaboradores, trata-se da mais camponesa das três regiões. Tais agricultores, ao contrário de Leme, passaram por modernização, mas são menos dependentes da mão de obra externa, em virtude do manejo da soja, ser principalmente mecanizado. Entretanto, estes enfrentam sérios bloqueios fundiários devido à baixa possibilidade de expansão da superfície explorada. Esse modelo de agricultura se aproxima bastante daquele camponês. A vida é ainda muito baseada sobre as tradições familiares: os filhos permanecem para ajudar os pais nas unidades produtivas, até herdarem este patrimônio. Além disso, a produção é em boa parte destinada ao autoconsumo, o que não impede uma modernização, pois as técnicas mecanizadas são muito presentes devido ao tipo de culturas cultivadas: principalmente milho e soja. Enfim, são relativamente independentes da mão de obra externa. Relação com a terra e estruturas fundiárias Assim como em Leme, em Ijuí a propriedade média, estudada corresponde a uma área entre 20 e 50 ha, tendo os entrevistados, recebido a propriedade por herança em 70% dos casos. Contudo, nesta região a soja é a principal cultura explorada e para tanto, faz-se necessário uma área mínima do terreno de 40 ha para que a exploração deste grão seja técnica e economicamente viável. No momento da pesquisa, 62% dos entrevistados tinham menos de 40 ha. Esta situação leva os entrevistados a estabelecerem associações familiares (43%), arrendamento ou contratos de parceria (30%). Ainda assim, a grande maioria dos produtores, 57%, almeja possuir uma superfície correspondente a pelo menos o dobro da atual. Produção familiar e estratégias produtivas

Em Ijuí, assim como no Cariri, a produção é diversificada, mas predominam os cultivos de milho e soja. Entretanto, as famílias agrícolas conservam parte substancial da produção para o autoconsumo, além de outras produções comercializadas menos significativas como arroz, frutas, aveia, entre outras, além dos produtos de origem animal como leite, couro e lã. Como conclusão, entre os agricultores desta região não havia nenhum que fosse especializado em um único produto; 14 semi-especializados; 33 diversificados. Desta forma, a produção destinada ao autoconsumo é a mais elevada, pois estes agricultores produzem 90% daquilo que consomem. A forma de produção destes alimentos é dependente basicamente de mão-deobra familiar para a maioria dos casos. Diferente dos outros núcleos de estudo, no sul as mulheres participam mais dos trabalhos na exploração com as funções de horta, trato dos animais, preparação do solo, colheita, contribuindo inclusive na tomada de decisões. Estratégias Familiares A estrutura familiar em Ijuí corresponde a famílias cujo número de membros em 60% dos casos varia de 3 a 5 pessoas, 1/3 delas apresentando mais de seis membros. Segundo os entrevistados, este tamanho familiar está muito próximo do ideal. Nesta região, a agricultura ocupa a maior parte dos filhos (54%) e filhas (51% se dizem agricultoras, diferente das outras áreas de pesquisa), sendo muito compatível com o almejado pelos pais: manter os filhos na agricultura como agricultores ou agrônomos (o que também é desejável e aceito para as moças). Entretanto, o nível de escolaridade é baixo, estendendo-se em geral de 4 a 8 anos de estudo para 47% dos homens e 51% das mulheres. Deste modo, a presença dos filhos junto dos pais é constante, tendo em vista que mais da metade dos agricultores entrevistados mantém mais da metade dos seus filhos adultos no lar familiar. Quando estes jovens partem, não há necessidade de ajuda ao lar paterno, embora 36% dos pais ajudem na manutenção dos filhos ausentes. O produtor e a sociedade brasileira Em Ijuí, segundo o autor e sua equipe, a vida local parece mais dinâmica e mais autônoma em relação à cidade. As famílias vizinhas reúnem-se em torno de um lugar onde se concentram a igreja, a escola, uma área de lazer e uma cooperativa. Nesta região, os produtores locais reconhecem certas vantagens da cidade, como saúde, escola e compras, mas valorizam o campo pelas suas condições de moradia, as relações com as

pessoas e até mesmo o lazer. Quando se olha esta região de uma maneira mais ampla, os agricultores veem como os grupos dominantes as indústrias ou as cooperativas e depois, os agricultores. Quanto ao Estado, a crítica dos agricultores é forte. A razão para esta visão é a de que os produtores familiares desta região se modernizaram, introduzindo novas técnicas e culturas em seus sistemas de produção. Todavia, a fragilidade do sistema acentuou-se. Segundo os autores, este mal-estar deve-se a um Estado pouco presente que não lhes deu sustentação suficiente em seus esforços por transformações. Eles acreditam que poderiam influenciar a politica agrícola (75%), contudo não sentem confiança para contar com a ajuda do Estado (76%), exercendo assim, pouca influencia política. Diante da sociedade, estes entrevistados se identificam como produtor rural (2/3) e trabalhador rural (1/3).