A Alemanha e as causas da Primeira Guerra Mundial: Foi ela a única responsável?

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Transcrição:

History William Fujii A Alemanha e as causas da Primeira Guerra Mundial: Foi ela a única responsável? Essay

A Alemanha e as causas da Primeira Guerra Mundial: Foi ela a única responsável? Até a conclusão do processo de Unificação Alemã em 1871, os diversos Estados alemães espalhados pela Europa Central ocupavam uma posição relativamente marginal nos assuntos políticos europeus. Com a notável exceção da Prússia, que desempenhava um papel significante no continente já em fins do século 18, os Estados alemães permaneceram nas margens do jogo político europeu até a segunda metade do século 19. A Prússia conquistara o status de grande potência após derrotar o Império Habsburgo e, em 1815, apresentava-se no Congresso de Viena como um dos Quatro Grandes, ao lado da Áustria, Grã-Bretanha e Rússia A França retornaria à elite europeia alguns anos mais tarde. Na mesma época, o nacionalismo alemão começava a ganhar força, dando origem a diversos movimentos pela Unificação alemã. Contudo, tal unificação se tornaria uma possibilidade real apenas após a Guerra Austro-Prussiana de 1866, quando a derrotada Áustria foi permanentemente excluída dos assuntos alemães e deixou o caminho livre para a Prússia levar adiante o processo de unificação sob sua liderança. Em 1870, tem início o conflito entre a Prússia e o Segundo Império Francês de Napoleão III, do qual o primeiro sai vitorioso no ano seguinte, completando, assim, a Unificação Alemã. Desse modo, nasce o Império Alemão (II Reich), já como potência hegemônica no continente, enquanto a Grã-Bretanha mantém o domínio dos mares e condição de maior potência imperial. Apesar de a Grã-Bretanha ter mantido sua posição na arquitetura de poder europeia, os britânicos viam a ascensão alemã com bastante preocupação, uma vez que ela ameaçava derrubar o equilíbrio de poder estabelecido em

1815. Desde o Congresso de Viena a peça chave da estratégia britânica na Europa havia sido a prevenção do surgimento de uma potência dominante no continente 1, e a ascensão da Alemanha como claro hegemon continental colocava em xeque o sistema defendido por Londres. A quebra do equilíbrio de poder, por seu turno, deu origem a um período de desconfiança generalizada que terminou por levar a uma corrida armamentista entre as grandes potências europeias. Assim, as últimas décadas do século 19 na Europa foram marcadas por um clima de desconfiança e intensa militarização, embora a hábil diplomacia de Bismarck lograsse evitar que o pior acontecesse. A situação mundial no início do século 20 tinha como principal traço o avanço do imperialismo. Os Estados Unidos expandiam pelo Caribe e Pacífico, controlando Cuba e as Filipinas, respectivamente; o Japão anexara Taiwan (Formosa) em 1895 e cada vez mais aumentava sua presença na península coreana; a Ásia e a África encontravam-se em vias de dominação pelas potências europeias. No caso da África, é notável o fato de que apenas a Etiópia e a Libéria continuavam independentes no início do século 2. Até certo ponto, o crescimento da rivalidade anglo-germânica a partir da década de 1880 deveu-se ao aumento das pretensões hegemônicas da Alemanha. Se os britânicos já tinham motivos para se preocupar com a unificação dos Estados alemães, uma Alemanha unificada com ambições expansionistas agravava a questão ainda mais, sobretudo porque, no campo econômico, ela já começava a superar a grande potência marítima 3. Mas se uma guerra generalizada parecia inevitável após a Unificação Alemã, ela fora evitada graças em grande parte ao eficaz estadista prussiano Otto Von Bismarck. O chanceler habilidosamente perseguiu uma política exterior que obteve êxito em seu objetivo de evitar uma guerra europeia: fundou a Liga dos Três Imperadores juntamente com a Áustria e a Rússia, já em 1872; Assinou o Tratado de Resseguro com a Rússia, em 1887; formou uma aliança defensiva com o Império Austríaco em 1889, à qual aderiu a Itália em 1892. Tais medidas foram tomadas ao mesmo tempo em que se evitou alienar a Grã-Bretanha ao defender continuamente a manutenção do status quo, o que, na prática, significava que a Alemanha não desafiaria a posição britânica na Europa e no 1 Harold Nicholson, The Congress of Vienna: a study in Allied unity: 1812 1822 (London: Methuen, 1961), pp. 57 59 2 Barbara Bush, Imperialism, race and resistance: Africa and Britain, 1919 1945 (London: Routledge, 1999), pp. 257 3 Paul Kennedy, The rise and fall of the great powers: economic change and military conflict from 1500 to 2000 (London: Fontana, 1989), pp. 258 59

mundo. Simultaneamente, Bismarck se opôs a qualquer envolvimento alemão nos Bálcãs, onde o crescente nacionalismo eslavo, sobrepostos interesses das grandes potências e desintegração do Império Otomano faziam da região o barril de pólvora da Europa. Deste modo, Bismarck logrou assegurar a paz entre a Alemanha e todas as potências europeias ao mesmo tempo em que isolou a França, principal inimigo em potencial da Alemanha, diminuindo, assim, a possibilidade de um conflito, visto que as chances de os franceses agirem sozinhos eram remotas. Todavia, a demissão de Bismarck em 1890 tornou incerto o futuro das relações europeias, a começar pela recusa do novo governo em renovar o Tratado de Resseguro com a Rússia, cuja oportunidade não foi ignorada pela França, que formou uma aliança militar com aquela já em 1893. Mas seria realmente correto atribuir unicamente à Alemanha a responsabilidade pelo início da Primeira Guerra Mundial? A princípio, essa hipótese parece razoável, afinal, os sucessores de Bismarck mostraram-se altamente incompetentes e o próprio Kaiser buscou uma política externa bastante questionável após a demissão do chanceler. Parece evidente que a política externa alemã pós-1890 contribuiu consideravelmente para que a Grande Guerra estourasse em 1914, ainda mais quando se leva em conta que Berlim tomou uma posição cada vez mais intransigente e agressiva em relação a outras potências como França, Grã-Bretanha e Rússia, ao mesmo tempo em que passou a se envolver ativamente na Questão Balcânica 4. Entretanto, considerando que a situação geopolítica europeia nos primeiros anos do século 20 era demasiadamente complexa e que havia inúmeros interesses em disputa, parece também um tanto quanto simplista atribuir toda a culpa à Alemanha e à sua política externa. Existe uma série de fatores que precisa ser levada em conta ao se analisar a geopolítica da Europa durante os anos que antecederam a guerra em 1914. Uma vez potência dominante no sudeste europeu e no Mediterrâneo oriental, o Império Otomano via-se em franco declínio já na segunda metade do século 19, o que criava um vazio de poder que as potências europeias desejavam preencher. Nesse contexto, Áustria e Rússia eram as partes mais interessadas, mas França, Grã-Bretanha e Itália também possuíam interesses substanciais. Como mencionado acima, durante a Era Bismarck a Alemanha mantivera-se fora do jogo político nos Bálcãs, já que o chanceler reconhecia o perigo e a futilidade de um possível envolvimento alemão na problemática 4 Erich Hobsbawm, The age of empire: 1875 1914 (London: Weidenfeld and Nicholson, 1987)pp.318 20