Representações Neonazistas na Internet: Violação dos direitos humanos através do espaço virtual



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1 VIII Encontro da ANDHEP - Políticas Públicas para a Segurança Pública e Direitos Humanos 28 a 30 de abril de 2014, Faculdade de Direito, USP, São Paulo, SP Grupo de Trabalho: Mídia, Segurança Pública e Direitos Humanos Representações Neonazistas na Internet: Violação dos direitos humanos através do espaço virtual Amanda Cardoso Barbosa - UNIMONTES 1 Roberta Cardoso Silva - UNIMONTES 2 1 Mestranda em Desenvolvimento Social pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior CAPES. Graduada em Serviço Social pela UNIMONTES. 2 Mestranda em Desenvolvimento Social - Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Técnica em Assuntos Educacionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) Campus Montes Claros. Graduada em Pedagogia pela UNIMONTES. Especialista em Proeja pelo IFNMG.

2 Representações Neonazistas na Internet: Violação dos direitos humanos através do espaço virtual RESUMO O Nazismo, nascido após a Primeira Guerra Mundial, visava, dentre outros objetivos, à busca pela hegemonia e purificação da raça ariana alemã através do extermínio de milhares de pessoas consideradas inimigas e impuras para a nação. Estas eram representadas, em geral, com características negativas e continuamente associadas a algum mal iminente. Tais representações foram fundamentais na propagação do ideal nazista, no qual foi disseminado em diversos meios, como rádios, jornais e cinemas. Na atual conjuntura, muitos discursos são reproduzidos, no entanto, muitas vezes apresentando-se com outras roupagens, como por exemplo, o neonazismo. Este movimento surgiu após a Segunda Guerra Mundial atualizando muitas ideias do movimento nazista. Apesar de não serem os únicos responsáveis pelos diversos discursos racistas presentes atualmente em nossa sociedade, em geral, os grupos neonazistas potencializam a disseminação do racismo e da violência. Nesse sentido, a proposta do presente artigo é discutir a violação dos direitos humanos realizada pelos supracitados grupos na internet. Utilizaremos o método comparativo entre os dois movimentos como forma de demonstrar as relações de violência e ódio difundidas por ambos. Através de uma visão holística, usaremos, além da pesquisa bibliográfica, recursos imagéticos retirados de estudos secundários realizados com base em jornais com conteúdos racistas e violentos. Palavras-chave: Nazismo, Neonazismo, Representações e Direitos Humanos. 1. INTRODUÇÃO O Nazismo, nascido após a Primeira Guerra Mundial, período em que a Alemanha entrou em crise de produção e de comércio devido ao fracasso na guerra, visava, dentre outros objetivos, à busca pela hegemonia e purificação da raça ariana alemã através do extermínio de milhares de pessoas consideradas inimigas e impuras para a nação, como por exemplo, os judeus, comunistas, negros, etc. Retratados sempre como seres inferiores, eram representados, em geral, com características negativas e continuamente associados a algum mal iminente. Tais representações foram significativamente materializadas e divulgadas através das propagandas. Essa teve papel expressivo na constituição do Estado Totalitário Nazista e para além das fronteiras alemãs, chegando a ganhar espaço em territórios estrangeiros. No intuito de ganhar simpatizantes para o partido, foi disseminada em diversos meios, como rádios, jornais, noticiários, cinemas, livros, cartazes e charges.

3 Utilizada como instrumento de propagação ideológica, de ascensão e manutenção do poder também incitava paixões e ódios públicos. Com modo de difundir sua ideologia, seus valores e significações, o movimento totalitário apropriou-se de um conjunto de redes simbólicas, em geral, representadas pelo imaginário. Como afirma Castoriadis (1986), embora não de forma totalizante, é no campo simbólico que a relação entre instituições e imaginário se estabelece. Segundo o autor, cada instituição constitui sua rede simbólica, uma vez que, embora não se reduzam ao simbólico, é só nele que elas podem existir. Assim, à medida que os nazistas criaram um conjunto de imagens, discursos e idéias acerca deles mesmos e acerca de outros grupos humanos, como por exemplo, dos judeus, construíram dentro do seu movimento todo um campo imaginário. Este, não entendido como mera somatórias de imaginações, mas sim como um conjunto de idéias moldadas por um grupo social específico. O nazismo teve fim em 1945 quando as tropas alemãs foram derrotadas na Segunda Guerra Mundial e quando o líder da nação Adolf Hitler cometeu suicídio. No entanto, logo após a guerra surge um movimento que evocava de forma saudosista as idéias do nacional-socialismo e disseminava discursos de ódio em vários lugares do mundo. Embora não tão organizado, abrangente e coeso como o movimento anterior, o neonazismo ganhou grande número de simpatizantes a partir da década de 1980 e tem sido alvo de vários estudos que buscam compreendê-lo. Os neonazistas, grupos que em sua maior parte são defensores de uma supremacia branca, atualizam em muitas de suas práticas vários ideais dos modelos totalitários. Nesse sentido, e partindo das premissas aqui expostas o presente texto tem por objetivo comparar as representações nazistas com as representações neonazistas. Dessa forma, buscaremos identificar diferenças e semelhanças nos dois movimentos. Como direcionamento da análise comparativa recorreremos à história para perceber como as relações mudaram, uma vez que partimos do pressuposto que a comparação só é possível dentro da história, não focando a análise a partir de um olhar focalizado no passado e no futuro, mas sim no contexto dos acontecimentos, pois, apesar de existirem pontos comuns de ligação não dá para analisar tudo num mesmo contexto, em apenas uma dimensão. Ao falarmos em representações estamos propondo identificar mais propriamente se é possível perceber em ambos movimentos uma representação política na figura de um líder e para além do objetivo político, identificar também como os indivíduos foram e são representados pelos dois movimentos. O porquê de tal comparação é justificado no interesse em estabelecer características comuns entre os dois movimentos, reatualizações ou revisões das idéias nazistas, mas também distinções, identificar singularidades e mudanças entre ambos. Além disso, a

4 comparação torna-se pertinente no sentido de buscar compreender como várias situações podem ser reproduzidas e remodeladas com o passar do tempo e perceber que mesmo sobre outra roupagem ou nomenclatura muitas questões ora tidas como finalizadas ou inexistentes são, na verdade, recorrentes. Sartori (1991) na explicação do método comparativo afirma que como as conclusões nas ciências sociais são probabilísticas e não determinísticas, uma dada causa, não corresponde necessariamente ao dado efeito, sendo assim as diferenças encontradas ao se comparar são parte do resultado da pesquisa. Nesse sentido, algumas questões nortearão de forma breve nosso trabalho, como por exemplo, Em qual conjuntura histórica tais movimentos surgiram e se expandiram? Quem esses movimentos denominam de inimigos? ; Como eles os retratam? ; Qual o discurso disseminado pelos mesmos? ; Como suas idéias são disseminadas? ; O que mudou?. Como forma de comparar, buscamos fazer um recorte bibliográfico com os autores mais conceituados que se debruçaram sobre o assunto nos últimos anos, dentre eles, Adriana Dias, Ana Paula Nazaré de Freitas e Liebel. Além disso, lançamos luz de alguns conteúdos racistas disseminados em propagandas e mesmo na internet a fim de demonstrar de forma clara e objetiva as diferenças e semelhanças entre os movimentos. Em termos de estrutura, o texto está organizado em quatro momentos. O primeiro refere-se a breves considerações sobre o objeto de estudo, a fim de propiciar um maior entendimento da proposta aqui apresentada. O segundo momento apresenta a discussão entre representações neonazistas e violação dos direitos humanos no espaço virtual. O terceiro, compreende as representações feitas pelos dois movimentos, para tal, além de um aparato teórico foram utilizados também recursos imagéticos que ilustram vários dos discursos adotados. Por fim, apresentamos as conclusões acerca do estudo. 2. COMPREENDENDO O OBJETO DE ESTUDO Como disse Bourdieu (2005, p.40), compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra qual cada um se fez, nesse sentido, como dito anteriormente, a princípio nos atentaremos, de forma breve, para a história dos fatos, para o contexto dos movimentos e também para uma das críticas da qual o neonazismo é alvo nos dias atuais. Tais premissas contribuirão para uma melhor análise, uma vez que se tem em mente que é difícil discutir tudo numa mesma dimensão, já que aconteceram em contextos distintos. O Nazismo, cujo termo é abreviação de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, surgiu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, período em que o país se encontrava em forte crise econômica. De acordo com Demercino Júnior

5 (2013), nesse momento, com objetivo de sair da guerra e preservar o que restou do exército nacional, o país assinou o Tratado de Versalhes. Esse implicava além de que a Alemanha se responsabilizasse pela guerra, uma série de imposições, tais como, proibição da fabricação de armas e aviões, devolução de territórios alcançados, pagamento de indenização aos países vitoriosos e redução do exército alemão. Tais imposições suscitaram no país um sentimento de revolta, revanchismo. Esse período, também chamado de entreguerras foi marcado por diversos acontecimentos. Na Rússia houve a derrubada do governo do Czar Nicolau II e a instauração do comunismo sobre o comando do socialista Lênin. Na Itália surgia o fascismo, na Espanha o franquismo e em Portugal, o salazarismo. Em 1923, o líder do partido nazista, Adolf Hitler tentou um golpe de Estado, porém não obteve êxito e foi preso. Na prisão escreveu o livro Mein Kampf, em português, Minha Luta, com forte cunho racista, que defendia a hegemonia da raça ariana. Preso por apenas oito meses, Hitler buscava cada vez mais simpatizantes para o partido. Através de estratégias como a propaganda, o partido cresceu de tamanha forma que o presidente Hinderburg ofereceu ao líder do partido o cargo de chanceler. Com a morte de Hindenburg em 1933, Hitler assume a presidência e cria o Terceiro Império, também chamado de Terceiro Reich. Ainda de acordo com o autor, sua primeira medida como ditador foi a execução de milhares de judeus, comunistas, homossexuais, negros e outros nos campos de concentração. Esse episódio ficou conhecido como Holocausto. O fim do nazismo aconteceu em meados da década de 1940, nesse período a Segunda Guerra Mundial estava em sua fase final, as tropas alemãs invadiram a União Soviética, porém não contaram com o rigoroso inverno soviético e foram surpreendidas e cercadas pelas tropas russas, enfrentando fome, sede e um frio congelante que contribuiu para a sua derrotada. Nessa mesma conjuntura, Adolf Hitler se suicida em seu esconderijo militar com um tiro na cabeça. O neonazismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial, porém teve mais visibilidade a partir da década de 1980 e seu aparecimento não se limitou aos vários países da Europa, mas se expandiu também para as Américas. O motivo do seu surgimento corresponde a vários casos que se apresentam de forma isolada. Seu conceito e caracterização possuem interpretações distintas, o que gera certa dificuldade em apresentar um consenso quanto ao termo. No presente estudo ao tentarmos uma construção conceitual do fenômeno, pensaremos tal movimento como uma evocação do nacional-socialismo, uma vez que muitas questões são reatualizadas, embora não em seu formato original, imutável, mas sim uma ressignificação que apesar de apresentar características específicas, reproduziu muitos dos ideais nazistas. Como afirma Dias (2007), o neonazismo pode ser entendido como a evocação do nacional-socialismo como ideologia para justificar atos contra os inimigos, a

6 mitificação de antigos líderes do mesmo como heróis da raça e a releitura de símbolos para balizar um discurso de ódio com fins políticos de hegemonia. No que diz respeito aos grupos que compõem os denominados neonazistas não se pode fazer generalizações, pois o movimento é heterogêneo, não possuem muita coesão e apresentam interpretações distintas. Jesus (2003) afirma que ao analisar os grupos, movimentos e partidos neonazistas nota-se que diferem uns dos outros, sendo uns mais diretamente ligados às premissas nazistas, outros menos, entretanto, todos, sem exceção, carregam em seu núcleo, de forma nítida ou travestida, uma característica que os liga, política e socialmente, às ideologias e às iniciativas da intolerância nazista. O movimento é alvo de diversas críticas, dentre elas, uma que se opõe a sustentada nesse estudo afirma que a diferenciação entre nazismo e neonazismo está no fato de que este último não defende a discriminação racial outrora defendida pelos primeiros, que separavam os indivíduos em superiores e inferiores, mas se baseiam numa diferenciação cultural, na afirmação que há uma incompatibilidade entre grupos étnicos distintos e que as culturas devem se manter separadas, preservando sua identidade cultural e nacional. Esse argumento, no entanto, não explica o porquê dos repetidos assassinatos de negros e homossexuais exercidos pelos neonazistas. Tais assassinatos e atos de violência revelam uma expressiva intolerância quanto ao outro ser e expressa a existência da dicotomia superioridade/inferioridade racial. Sendo assim, a questão cultural é um fator importante na caracterização do neonazismo, porém, não o define. De acordo com essas premissas, Jesus (2003, p.68), afirma que não se pode dizer que as iniciativas do neonazismo diferem demasiadamente das do nazismo original e que a questão da superioridade racial não existe no seio destes grupos. Eles conservam a segregação cultural, mas também, ao contrário do que alguns estudiosos apontam, cultivam a crença na superioridade racial e aos símbolos e agentes do nazismo alemão. Ainda de acordo com o autor, foi através de uma estratégia ideológica que a questão cultural ganhou maior notoriedade nos movimentos neonazistas, já que no final do século XX houve certa necessidade de adaptação à nova realidade econômica, política e cultural. O supracitado movimento ganhou grande destaque na imprensa devido à violência que esses grupos expressam através de ataques vinculados em sua grande maioria a crimes de ódio raciais e homofóbicos. Assim como os nazistas, estes pautam-se numa defesa intransigente da supremacia branca. Com o discurso de que há uma iminente exterminação de tal raça, fazem uma tessitura acerca do Mal.

7 De acordo com o breve exposto, pode-se afirmar que o surgimento do movimento neonazista está ligado a uma inspiração e leitura do passado e concomitantemente a propostas futuras que são capazes de reunir indivíduos em torno de idéias comuns. Ao propor uma comparação entre as representações dos movimentos, percebemos que a aplicação de tal método não se restringe as representações, mas nos leva de forma intrínseca a estarmos sempre comparando os dois fenômenos. 3. REPRESENTAÇÕES NEONAZISTAS E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O ambiente virtual é um espaço que se expandiu nos últimos anos, principalmente a partir dos anos 1990, entretanto, este tem sido utilizado por muitos indivíduos ou grupos como meio de incitação e incentivo à violência. Atualmente a internet é um dos principais meios de comunicação dos neonazistas e isso se dá, para além do avanço tecnológico do qual presenciamos hoje, mas está relacionado também com a possibilidade de manter o anonimato e a invisibilidade, o que contribui para uma significativa sensação de impunidade. As representações sofrem impactos significantes do contexto histórico, uma vez que não é permitida circulação de incitações de cunho racista seja por qualquer meio de comunicação. No Brasil, por exemplo, onde o racismo é tido como um crime imprescritível e inafiançável, vários sites neonazistas já foram retirados de circulação. Embora haja fiscalização quanto à divulgação de tais conteúdos, o fato da internet garantir o anonimato faz com que se torne mais difícil identificar e punir os responsáveis pela criação e divulgação dos conteúdos. Ao contrário do nazismo que possuiu como meios de propagação dos seus valores, rádio, jornais, revistas, discursos em comícios e mesmo livros didáticos, o neonazismo tem como principal meio de comunicação, interação e disseminação das suas idéias, a internet. Nesse espaço, são encontrados em muitos sites o cartaz com a frase Proibidos em todos os lugares. Livres na Internet. É nesse meio que o discurso de ódio é reproduzido e legitimado, apesar dos sites serem constantemente retirados do ar por ações judiciais, novos são criados e a internet representa para eles um espaço livre de interação. É claro que não se pode responsabilizar unicamente os neonazistas pelos diversos discursos racistas presentes em nossa sociedade, mas é válido afirmar que tais posturas contribuem para potencializar a disseminação do racismo. Em geral, os sites neonazistas possuem em seus conteúdos discursos discriminatórios e racistas, dos quais expressam intolerância e incitam ódio a vários indivíduos. A internet facilitou a comunicação de milhares de pessoas de várias partes do

8 mundo, com posições e ideologias diferentes, no entanto, contribuiu também para disseminação de ideias que vão de encontro aos direitos humanos. No caso dos neonazistas, tal violação se dá ao princípio da igualdade e da não discriminação. Estes utilizam o alcance mundial da internet para mobilizar os saudosistas do regime nazista e também para disseminar suas ideias, nas quais fazem apologia ao ódio principalmente contra os judeus, os negros e os homoafetivos. Para os neonazistas, os referidos indivíduos são dignos de desprezo, pois são os responsáveis pela contaminação da raça ariana. Diversos instrumentos são usados como o objetivo de menosprezar os supracitados indivíduos, tais como, imagens, charges e vídeos, todos com afirmações pejorativas e enaltecedoras das mensagens proferidas por Hitler. A violação aos direitos humanos está para além da discriminação, mas relaciona-se à apologia ao racismo, à violência, ao ódio e a superioridade de um ser em detrimento de outros, de uma identidade em detrimentos de outras. Dessa forma, dispositivos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, são violados, como por exemplo, os I e II, nos quais afirmam que todas as pessoas são livres e iguais, e que nenhuma delas poderá sofrer discriminação ou distinção de qualquer espécie, seja de cor, raça, origem nacional, sexo, entre outras. Todas essas violações são apreendidas pelos saudosistas de forma natural, como se estivessem fazendo um favor à humanidade ao eliminarem o que eles denominam de inimigos nacionais. O repúdio a diversidade é bastante expressiva. Para os neonazistas, a superioridade ariana é tida como verdade absoluta, sendo que, ao afirmarem que os possuidores de sangue europeu são superiores a qualquer outro ser, menosprezam à mistura racial. No site neonazista Nuevorden, do qual mostraremos alguns dos seus conteúdos no próximo tópico de discussão, encontramos trechos nos quais identificamos posições radicais quanto à miscigenação cultural, sendo esta considerada um elemento nocivo à sociedade. Para eles, quanto mais um país for miscigenado, mais ele precisa de consciência racial. Embora nem todos neonazistas façam apologia à violência física e ao extermínio, em geral, os seus posicionamentos baseiam-se em atos discriminatórios, segregadores, de intolerância e preconceito. A liberdade de expressão é assegurada pelos dispositivos legais, no entanto, precisamos enfatizar que maioria das incitações neonazistas pode ser considerada crime, uma vez que, como veremos no próximo tópico, além de ir contra os direitos humanos, muitas dessas incitações fazem apologia à violência. Vejamos abaixo alguns conteúdos que encontramos no site neonazista Nuevorden. Inicialmente, mostraremos algumas representações nazistas e somente depois com o objetivo de estabelecer uma comparação, lançaremos mão das representações neonazistas.

9 4. DAS REPRESENTAÇÕES NAZISTAS AS NEONAZISTAS Como dito anteriormente, o que chamamos de representação no referido texto diz respeito propriamente às representações políticas apresentadas pelos dois movimentos a fim de saber se havia algum líder político e também às representações que os membros tanto do nazismo como do neonazismo faziam e fazem acerca de si mesmo e dos denominados por eles de inimigos. A aplicação do método comparativo foi utilizado no intuito de estabelecer diferenças e semelhanças entre tais representações, uma vez que de acordo com Franco (2000, p. 200), a comparação é um processo de perceber diferenças e as semelhanças e de assumir valores nesta relação de reconhecimento de si próprio e do outro. No caso do Nazismo, a representação política era sim firmada na figura de um líder, Adolf Hitler, que de acordo com alguns historiadores era um indivíduo muito carismático e que contribuiu de forma significativa para a adesão das massas às ideias racistas da época. Nascido em 1889 em Braunau, uma cidade da Áustria, fez parte do Exército Alemão no período da Primeira Guerra Mundial e segundo Sousa (2013), em 1919, filiou-se ao Partido Trabalhista Alemão que visava soluções extremas para os problemas de ordem econômica enfrentados pela Alemanha. Ainda de acordo com o autor, utilizando seus grandes dotes oratórios, Hitler começou a angariar a adesão de novos partidários e propôs a mudança do partido para o nome de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. A renovação do nome acompanhou a criação de uma nova simbologia ao partido (uma bandeira vermelha com uma cruz gamada) e a incorporação de milícias comprometidas a defender o ideal do partido. As chamadas Seções de Assalto (SA) eram incumbidas de perturbar as reuniões de grupos marxistas, estrangeiros e comunistas (SOUSA, 2013, online). De acordo com Souza (2013), dois anos após filiar-se ao partido, Hitler tornou-se o chefe supremo do mesmo, tal partido era contra o regime político pluripartidário, sendo que a diferença ideológica dos partidos somente serviu para a desunião de uma nação que deveria estar engajada em ideais maiores. Dessa forma, as liberdades democráticas eram vetadas em favor de um único partido liderado por uma única autoridade (no caso, Hitler), que estaria comprometido com a constituição de uma nação soberana. Entre outras coisas, Hitler defendia a construção de um espaço vital necessário para a nação ariana cumprir seu destino (SOUZA, 2013, online).

10 Nessa conjuntura de propagação e disseminação de tais idéias, a propaganda opera como um meio de convencimento e persuasão que de acordo com Freitas (2011), pregava o fim do sofrimento da nação alemã, em geral segundo seus idealizadores, causado pelos denominados traidores nacionais, os judeus e comunistas. A partir de então, baseados numa superioridade pseudo-científica, pregavam o domínio racial através de idéias totalmente ofensivas e discriminatórias. Ainda segundo a autora, tais propagandas foram usadas na tentativa de criação e disseminação de identidades, associando sempre os judeus e comunistas como seres diabólicos e os alemães nazistas como seres ideais e de ordem. Além disso, traziam em seu conteúdo grande teor cultural, visavam à criação de imagens que conformariam uma nova nação e um novo homem, pregavam a superioridade ariana, além de conterem insinuações indiretas e ameaças veladas, àqueles que não aderissem ao novo modo de pensar, agir e viver. A propaganda foi utilizada também no campo simbólico, o que incitou paixões e ódios públicos. Os nazistas caracterizavam seus inimigos, principalmente os judeus, de forma negativa, geralmente eram representados, como seres demoníacos, gananciosos, aproveitadores e muito distantes do ideal de beleza pregado pelos arianos. Na figura 1, logo abaixo, denominada de Quatro faces judias veremos como os judeus eram representados com contornos de anormalidade, a caracterização era propositalmente exagerada, irreal. As imagens iniciais são retiradas de um estudo feito por Liebel (2006), em que o autor utilizou como fonte o jornal Der Sturmer, um semanário da época que pautava o seu conteúdo da disseminação de ideias anti-semitas e que contribuiu de forma decisiva na disseminação de tais ideias. Embora apresentasse uma linha humorística, acusava e difamava de forma direta os denominados inimigos e denunciava uma suposta conspiração judaica. Figura 1 Quatro faces judias Fonte: Liebel (2006) apud FIPS. Der Stürmer. Nuremberg. 1934. In: BYTWERK, Randall L. Julius Streicher. Nazi Editor of the notorious anti-semitic newspaper Der Stürmer. New York. Cooper Square, 2001. p. 86.

11 Percebemos, logo acima, o exagero na composição dos traços dos judeus, orelhas e nariz bem destacados o que dá a imagem uma tessitura grotesca. Outro ponto relevante na figura e que estava presente em muitas das caracterizações dos judeus era a forma do corpo, geralmente largo (gordo), fazendo referência, por seus idealizadores, ao abastecimento e boa vida nas quais os judeus viviam por se aproveitarem dos alemães. As figuras a seguir, ilustram a dicotomia existente nas representações que eram feitas entre os arianos e os judeus. O povo alemão era representado de forma exatamente contrária as destinadas aos inimigos. Geralmente, apresentavam-se como seres radiantes, honestos e justos. As figuras 2 e 3 abaixo retratam dois momentos distintos, vejamos. Figura 2 3 Figura 3 4 Na figura 2, com o título Sieg, cuja tradução significa Vitória, expressa primeiramente um cenário marcado pelo medo, sombrio e que supostamente se passa antes da ascensão dos nazistas. Nela o ariano, deitado na cama é alvo de grande tormento. Aqui os fantasmas que os rodeiam representam além dos judeus, os comunistas e a morte. A caracterização judaica também aparece na lua e na forma como é retratada, percebe-se que 3 Fonte: Liebel (2006) apud FIPS. Der Stürmer. Nuremberg. 1934. In: BYTWERK, Randall L. Julius Streicher. Nazi Editor of the notorious anti-semitic newspaper Der Stürmer. New York. Cooper Square, 2001. p. 86 4 Fonte: Liebel (2006) apud FIPS. Der Sturmer. Nuremberg. 1936.

12 há um ar mais sombrio ainda para a imagem, como se o indivíduo estivesse sendo vigiado. Na mesma figura há a retratação do ariano depois da ascensão nazista. Agora já não há mais noite, nem sombras, nem lua, mas sim dia e sol. Esse último possui no seu interior o símbolo do movimento nazista, uma cruz gamada, também chamada de suástica. Segundo Liebel (2006, p.77), na referida figura a mensagem mais importante talvez seja a de que agora o cidadão não está mais sozinho; uma multidão se junta a ele para celebrar a ascensão nazista, tremulando bandeiras e saudando seu símbolo. Na figura 3, também é retratado dois momentos. A tradução da legenda logo abaixo da imagem diz: O senhor permite bondosamente... então eu aproveito. O primeiro momento retrata um judeu pedindo permissão de um ariano para se sentar. Vale notar novamente a forma grosseira como aquele é representado. O ariano, assim permite e logo no segundo momento nota-se que o judeu se apropria de maior parte do banco. Na im agem, a cara de espanto do ariano é explícita e denuncia a intenção do autor de representar o outro ser como um aproveitador. Muitas eram as representações que os nazistas faziam, não somente dos judeus, mas também dos homossexuais, deficientes físicos e negros. Esses últimos em muitas imagens encontravam-se servindo aos arianos, muitas vezes em situação semelhante aos animais, puxando carrocerias e fazendo trabalhos subumanos. Tais representações não se limitavam a jornais e rádios, mas eram utilizados através de diversos meios e instituições. Como forma de explicitar essa afirmação, mostraremos abaixo, mais um meio que foi utilizado pelos nazistas para a propagação da ideologia adotada. A figura seguinte é retirada do livro Cogumelo Venenoso de Ernst Hiemer, em alemão Der Giftpilz, adotado na época para ensino de crianças em idade escolar e como forma de propaganda anti-semita. Atualmente é usado para fins de estudo e possui tradução em algumas línguas, como o português. No referido livro, são apresentadas imagens e contos que possuem o objetivo de ensinar as crianças como identificar um judeu e quão perigoso ele pode ser para a sociedade alemã. Nele, os judeus são representados como ladrões, interesseiros, servos do dinheiro, criminosos, demônios ou descendentes dos demônios como algumas passagens relatam, vejamos na figura a seguir.

13 Figura 4 Fonte: HIEMER, Ernst. Der Giftpilz. Nuremberg. Sturmer-Derlag.1938. p 37. Como dito anteriormente, a imagem acima é retirada do livro Cogumelo Venenoso, esse é assim intitulado porque de acordo com Hiemer (1938, p.6), os judeus se assemelham a um cogumelo, pois da mesma forma que é difícil distinguir os cogumelos venenosos dos bons, é difícil reconhecer os judeus como ladrões e criminosos. Alguns trechos do livro, com exemplo, a juventude deve lutar junto de nós para subjulgar o demônio judeu (p.11), ele é um demônio temporal (p.19), Seu rosto era como o rosto do demônio e como o demônio, ele contamina (p.28), nos remetem a associação demoníaca a que os judeus eram expostos. Em outros momentos estava contido nos trechos dessa obra que os judeus eram enganadores, indivíduos nos quais não se deve acreditar, são eles: é proibido para o judeu enganar o seu irmão. Para enganar um gentio é permitido (p.16), Os gentios dizem: Seja leal e justo. A melhor defesa é a honra. E o que nós, judeus, fazemos? Nós podemos mentir e enganar os gentios (p. 16). Nas referidas frases, a palavra gentio é designada para denominar os indivíduos que não são judeus. No caso das representações neonazistas percebemos muito mais semelhanças do que diferenças, uma vez que, muitos símbolos e discursos nazistas foram re-interpretados, reatualizados. Nota-se através da análise de tais representações a permanência do racismo, do etnocentrismo, a intolerância à diferença, nacionalismo xenófobo a incitação e realização de atos de violência; a utilização da propaganda para divulgar suas idéias e o ataque às instituições democráticas. Os judeus não saíram de cena, apenas deram em alguns países lugares a outros indivíduos, como por exemplo, no Brasil, onde os alvos são geralmente os nordestinos, os negros e os homossexuais. Segundo Dias (s/d) até o ano de 2007 havia no

14 Brasil pelo menos cento e cinqüenta mil indivíduos inseridos em grupos neonazistas, sendo que 30% desse total se encontrava no Estado de Santa Catarina. Embora haja exceções, a idéia de que os inimigos são seres subumanos e que devem ser exterminados é uma característica comum na maioria das representações neonazistas de todos os lugares onde esse movimento se encontra. O universo simbólico e os discursos de bestialização e demonização dos seus inimigos permanecem. Nesse cenário e através de um discurso revisionista, os judeus são vistos como manipuladores de toda uma história e os nazistas como heróis erroneamente denominados como assassinos através de uma manobra judaica. Os negros por sua vez, ainda são vistos como seres geneticamente inferiores, em geral, representados como animais e associados a indecência, violência e indignidade. As imagens a seguir são coletadas do site Nuevorden, considerado o maior e mais acessado portal neonazista em língua espanhola. Esse possui artigos disponíveis do antigo site neonazista brasileiro Valhalla88 que foi censurado em 2007 devido ao seu grande teor racista e discriminatório. Segundo Dias (2007), esse tinha sua sede em Santa Catarina e alcançava a marca de 200.000 visitas diárias antes de ser retirado do ar. Figura 5 Fonte: Nuevorden 5. A imagem acima mostra como a representação acerca do judeu é reatualizada, nela o ele é representado como um criminoso, semelhantemente ao modo como os nazistas os associavam. Em outras imagens, os judeus aparecem com as mesmas características 5 Disponível em: http://www.nuevorden.net/portugues/prop1.html

15 físicas de tempos passados, com traços grosseiros e exagerados, marcados pela fealdade e longe do padrão de beleza pregado na época. Vejamos agora nas imagens 6, 7 e 8 a exaltação da supremacia branca e concomitantemente a predominância do racismo. Figura 6 Figura 7 Figura 8 Fonte: Nuevorden 6. Essa última imagem retratada acima foi uma das que mais nos chamaram atenção. Nela podemos notar certo incentivo a interdição de um casamento entre uma pessoa negra 6 Disponível em: http://www.nuevorden.net/portugues/prop1.html

16 e uma branca e uma suposta reação violenta em casos de mistura racial em que o homicídio é tido de forma natural. Essa imagem nos lembrou do pensamento de Foucault (1996), quando ele discorre sobre o Racismo de Estado, uma forma extremada de pensar e defender a raça que, com grande teor radical prega que se for necessário para manter distante os denominados inimigos de raça pode-se utilizar de formas de extermínio. Diante da exposição podemos afirmar que as representações feitas pelos neonazistas expressam uma articulação simbólica de mitos e idéias passadas que são utilizadas para interpretar o mundo contemporâneo ou ainda de acordo com as palavras de Dias (2007, p. 26), constroem e atualizam mitos, inscrevendo na palavra raça uma relação simbólica, polissêmica, complexificada, enraizada numa ideologia saturada de anacronismo, contradições, ódio e insegurança, ideologia esta que os pretende heróis. Nesse sentido, há uma forte incitação contra a vida, os direitos humanos e a favor do racismo e do assassinato. Quanto às diferenças, essas não estão propriamente na representação dos denominados inimigos, mas sim no que se refere à representação política e na organização. Os neonazistas não possuem uma representação política na figura única de um líder carismático que assuma as funções de Governo, como no caso do nazismo com Hitler e a sua organização, localização e perfil variam de acordo com a nação ou mesmo região. 5. CONCLUSÃO É um pouco inquietante ao tratarmos do assunto aqui proposto, observar que há por parte de alguns grupos o investimento numa tentativa de restringir certos indivíduos do valor da vida humana. É claro que a pesquisa requer um estudo mais profundo, com um olhar mais abrangente e um período de tempo que propicie um debruçamento maior, mas o pouco que conseguimos abordar aqui já nos inquietou bastante a ponto de reconhecermos a necessidade de compreender tais movimentos que envolvem questões tão amplas e transversais. Os nazistas não construíram idéias e discursos somente de si próprio, mas também acerca de outros indivíduos. As representações imagéticas neonazistas se assemelham bastante com as nazistas, nela muitas ideias e práticas do nacional-socialismo foram retomadas. Baseados numa proposta revisionista negam a existência de vários acontecimentos da época em que Hitler se encontrava no poder e colocam o referido líder como um herói, ainda de acordo com os revisionistas, os judeus manipularam uma história e

17 fizeram com que, em geral, o mundo associasse erroneamente os nazistas a assassinos. A palavra raça ganha aqui uma relação simbólica, utilizada como uma estratégia para atualizar idéias. Como semelhanças tanto entre as representações quanto aos movimentos, notamos a presença da intolerância à diferença, percebida através das insinuações à violência física e moral; nacionalismo exagerado; incitação à superioridade racial pautada na defesa da supremacia branca, no discurso de ódio e no racismo; acusação e difamação de indivíduos; associação desses a seres demoníacos; retratação com traços de anormalidades, traços grosseiros, desproporcionais, levando a uma caracterização irreal e a utilização de propagandas como forma de divulgar suas idéias. Os indivíduos que antes eram tidos como inimigos na época do nazismo ainda permanecem como inimigos dos neonazistas, porém, acompanhados de novos integrantes, que variam de localidade para localidade e que são alvos de ofensas e discriminação, um exemplo disso, são os nordestinos brasileiros. No que diz respeito às diferenças, percebemos que essas se dão no campo que tangue as divulgações das ideias, haja vista que, no neonazismo tais divulgações encontram-se muito mais limitadas e focalizadas e ao contrário do movimento anterior, o conteúdo racista não é divulgado nos diversos meios de comunicação e socialização, como por exemplo, rádios e instituições escolares. Percebemos também que a diferenciação não está propriamente no que diz respeitos às formas como os indivíduos eram retratados imageticamente e discursivamente, mas sim no âmbito da representação política, e nos próprios movimentos em si, no que se compreende à organização e coesão do movimento e à conjuntura história distinta. Por fim, é importante ressaltar que ao aplicarmos a análise focada no método comparativo, notamos que esse serviu de suporte no estabelecimento das relações aqui apresentadas, em geral, consideradas dentro de um tempo e de um espaço. Também nos auxiliou na articulação de diferentes pontos de vista que, ao encadear fenômenos isolados e difusos nos propiciou a formação de um quadro de pensamento. 6. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Esboço de auto-análise. São Paulo. Companhia das Letras. 2005. CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1986. Demercino Junior. Neonazismo. Disponível em http://www.brasilescola.com/historiag/nazismo.htm último acesso 05 de janeiro de 2014.

18 DIAS, Adriana Abreu Magalhães. Os anacronautas do teutonismo virtual: Uma etnografia do neonazismo na Internet. Dissertação de Mestrado Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2007. DIAS, Adriana Abreu Magalhães. Entre inimigos: a construção do Mal nos grupos neonazistas. Disponível em http://www.abant.org.br/conteudo/anais/cd_virtual_26_rba/grupos_de_trabalho/trabalhos /GT%2029/adriana%20dias.pdf último acesso 24 de dezembro de 2013. FOUCAULT, M. Genealogia del racismo. La Plata. Altamira. 1996. FRANCO, Maria Ciavatta. Quando nós somos o outro: questões teórico-metodológicas sobre os estudos comparados. Educação & Sociedade. Ano XXI. nº 72, ago/2000. FREITAS, Ana Paula Nazaré de. IMAGENS DO NAZISMO: Ensaio sobre uma política cultural totalitária. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação UFC. Vol 2. Dezembro de 2011. HIEMER, Ernst. Der Giftpilz. Nuremberg. Sturmer Derlag.1938 JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. Neonazismo: Nova Roupagem Para um Velho Problema. In: Akrópolis Revista de Ciências Humanas da UNIPAR. Umuarama. V11. N 2. Abr/Jun. 2003. LIEBEL. Vinícius. Humor, propaganda e persuasão: As charges e o seu lugar na propaganda nazista. Dissertação de Mestrado - Pós-Graduação em História pela Universidade Federal do Paraná. Curitriba. 2006. Disponível em http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/5779/humor%20propanda%20e%2 0Persuas%C3%A3o.pdf?sequence=1 último acesso 03 de janeiro de 2014. SARTORI, Giovanni. Comparação e o método comparativo. In: A comparação nas ciências sociais. Madri: Alianza. 1991. SOUSA, Rainer. Hitler. Disponível em http://www.brasilescola.com/historiag/hitler.htm acessado 05 de janeiro de 2014.