AVALIAÇÃO E VALIDAÇÃO DA SUSCEPTIBILIDADE À OCORRÊNCIA DE DESLIZAMENTOS EM DIFERENTES CONTEXTOS GEOMORFOLÓGICOS EM PORTUGAL CONTINENTAL

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Transcrição:

AVALIAÇÃO E VALIDAÇÃO DA SUSCEPTIBILIDADE À OCORRÊNCIA DE DESLIZAMENTOS EM DIFERENTES CONTEXTOS GEOMORFOLÓGICOS EM PORTUGAL CONTINENTAL Aldina PIEDADE 1, José Luis ZÊZERE 1, Raquel MELO 1, Cristina HENRIQUES 1, Pedro Sevinate PINTO 1, Susana PEREIRA 1 1 RISKam, Centro de Estudos Geográficos; Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa Email: aldinapiedade@campus.ul.pt PALAVRAS-CHAVE Deslizamentos, susceptibilidade, factores de predisposição, análise sensitiva. RESUMO Este estudo tem como principal objectivo elaborar e comparar três modelos de susceptibilidade à ocorrência de deslizamentos, desenvolvidos à escala regional e em diferentes contextos geológicos e geomorfológicos. Neste sentido, foram seleccionadas três áreas amostra exemplificativas da diversidade morfoestrutural de Portugal Continental, e que correspondem aos municípios de Torre de Moncorvo (inserido no Maciço Antigo), Caldas da Rainha (inserido na Orla Sedimentar) e Santarém (inserido na Bacia Cenozóica do Tejo e Sado e, parcialmente, na Orla Sedimentar). Verificou-se que os factores de predisposição dos deslizamentos rotacionais e translacionais apresentam importância distinta nas três áreas amostra. No entanto, o declive e a geologia estão sempre no top 3 das variáveis com maior grau de peso, confirmando o seu papel decisivo na instabilidade de vertentes, independentemente do contexto geológico e geomorfológico. KEYWORDS Landslides, Susceptibility, Predisposing factors, Sensitivity analysis. ABSTRACT The aim of this study is to construct and compare three landslide susceptibility models at the regional scale developed in different geological and geomorphological contexts, which examplify the Portuguese morphostructural diversity. Therefore, three test sites representing such diversity were selected, each one corresponding to a Portuguese municipality: Torre de Moncorvo, Caldas da Rainha and Santarém. The approach used in this study allows understanding which predisposing factors suits best the landslide (rotational and translational slides) susceptibility models according to the particular geological and geomorphological conditions of each test site. Slope and geology are in the top 3 variables in the 3 test sites confirming the decisive role of these variables in the slope instability system, independently of the geologic and geomorphologic context.

1. INTRODUÇÃO O território de Portugal Continental é formado por três unidades morfoestruturais com diferentes características geológicas e geomorfológicas: o Maciço Antigo, duas bacias sedimentares inactivas (Orlas Mesocenozóicas), e uma bacia sedimentar activa (Bacia Cenozóica do Tejo e Sado). Estas unidades morfoestruturais são frequentemente afectadas por movimentos de vertente, na sua maioria desencadeados pela precipitação. Este estudo tem como principal objectivo elaborar e comparar três modelos de susceptibilidade à ocorrência de deslizamentos, desenvolvidos à escala regional e em diferentes contextos geológicos e geomorfológicos. Foram seleccionadas três áreas amostra exemplificativas da diversidade morfoestrutural de Portugal Continental, e que correspondem aos municípios de Torre de Moncorvo (inserido no Maciço Antigo), Caldas da Rainha (inserido na Orla Mesocenozóica ocidental) e Santarém (inserido dominantemente na Bacia Cenozóica do Tejo e Sado e, parcialmente, na Orla Mesocenozóica). Para cada área amostra foram desenvolvidos modelos de susceptibilidade à ocorrência de deslizamentos rotacionais e translacionais, à escala 1:10 000. De forma a estabelecer uma comparação entre os modelos, considerou-se o mesmo conjunto de factores de predisposição para cada área amostra, assim como o mesmo método estatístico bivariado (Likelihood Ratio). Para o cálculo e integração dos dados foi utilizado um pixel de 10 metros. Esta abordagem permite avaliar a capacidade preditiva do mesmo conjunto de factores de predisposição para as diferentes áreas amostra, assim como estabelecer uma hierarquia relativamente ao seu grau de importância através de uma análise sensitiva. 2. ÁREAS DE ESTUDO O município de Torre de Moncorvo localiza-se na unidade morfoestrutural do Maciço Antigo (Fig.1), com altitudes compreendidas entre 103 e 912 metros. Distinguem-se três unidades geomorfológicas: os planaltos erosivos, as montanhas associadas à erosão diferencial e os vales do rio Douro e Sabor. Os planaltos têm altitudes que variam entre os 650 e 750 metros, sendo interrompidos pelo profundo encaixe dos rios Douro e Sabor. Destacam-se relevos residuais, geralmente associados a afloramentos de quartzito, como é o caso da Serra do Reboredo. O traçado dos vales segue a orientação das principais falhas regionais (por exemplo, a falha da Vilariça). A litologia é dominada por metassedimentos de idade Pré- Câmbrica pertencentes ao grupo do Douro (xistos metamórficos), metassedimentos ordovícicos (xistos e quartzitos) e granitos hercínicos. O município de Santarém localiza-se dominantemente na Bacia Cenozóica do Tejo e Sado (Fig.1), com altitudes compreendidas Figura 1. Localização das áreas de Estudo e Unidades Morfoestruturais de Portugal Continental entre 2 e 524 metros. Individualizam-se três unidades geomorfológicas: a Norte, o Maciço Calcário

Estremenho (que integra o Orla Mesocenozóica), onde se encontram as áreas mais elevadas; a Sul, a planície aluvial do rio Tejo, correspondente a áreas planas de baixa altitude modeladas pela acumulação de sedimentos quaternários; e o relevo sub-estrutural, modelado pela erosão fluvial, na transição entre as duas unidades anteriormente referidas (Lopes, 2008). Nesta área dominam as rochas sedimentares, nomeadamente os calcários, arenitos, argilas e aluviões. O município de Caldas da Rainha localiza-se na Orla Mesocenozóica Ocidental (Fig. 1), com altitudes compreendidas 0 e 260 metros. Identificam-se quatro unidades geomorfológicas: a depressão diapírica, a plataforma litoral, a serra litoral e a Lagoa de Óbidos (Zêzere, 2005). A depressão diapírica, que constitui uma unidade essencialmente plana com uma altitude média de 28 metros, é delimitada lateralmente por escarpas de falha activas, que lhe conferem declives abruptos. A plataforma litoral quaternária, localizada a Este da depressão diapírica, consiste num aplanamento costeiro disposto em forma de rampa e suavemente inclinado em direcção ao mar. A serra litoral, onde as altitudes atingem os 162 metros, é uma unidade de origem tectónica localizada na margem ocidental da área de estudo. A litologia é marcada pela presença de aluviões, dunas de areia, arenitos, argilas, calcários, dolomitos, margas, margas com sal e gesso e doleritos. 3. MOVIMENTOS DE VERTENTE E FACTORES DE PREDISPOSIÇÃO A base de dados de movimentos de vertente utilizada consiste num inventário histórico geomorfológico obtido através da interpretação de ortofotomapas digitais e, posteriormente, validado com recurso a levantamentos de campo efectuados nas três áreas amostra. O inventário de deslizamentos (rotacionais e translacionais), para cada área de estudo, constituiu a variável dependente a integrar nos modelos de susceptibilidade. O quadro 1 sintetiza as principais características dos inventários de movimentos de vertente nas 3 áreas estudadas. Foram identificados 341, 420 e 195 deslizamentos, respectivamente em Torre de Moncorvo, Santarém e Caldas da Rainha, a que correspondem densidades compreendidas entre 0,64 e 0,78 movimentos por km 2. A proporção de área instabilizada varia entre 0,41 e 0,02%, sendo máxima em Caldas da Rainha e mínima em Torre de Moncorvo. Os factores de predisposição à instabilidade geomorfológica, que determinam a variação espacial da susceptibilidade, constituem as variáveis independentes a integrar nos modelos, e foram seleccionados com base em estudos já realizados nestas áreas (Henriques, 2009; Lopes, 2008). Neste sentido, foram considerados os seguintes factores de predisposição: declive, exposição das vertentes, curvatura das vertentes, wetness index, litologia, tipo de solo e uso do solo. Quadro 1. Inventário de deslizamentos para cada área amostra N.º de movimentos de vertente Área instabilizada (m 2 ) Densidade de deslizamentos (n/km 2 ) Área total instabilizada (%) Torre de Moncorvo 341 112000 0,64 0,02 Santarém 420 526000 0,75 0,09 Caldas da Rainha 195 1034100 0,78 0,41 4. METODOLOGIA A figura 2 representa o esquema metodológico utilizado no presente trabalho. Para a avaliação da susceptibilidade utilizou-se o método estatístico bivariado Likelihood Ratio (Lee et al., 2007). Este

método tem uma base bayesiana, quantificando a relação entre a distribuição dos movimentos de vertente e cada classe de cada factor de predisposição considerado. Para o cálculo do Likelihood Ratio é considerada a área de ocorrência e não ocorrência dos movimentos de vertente para cada classe de cada variável (factor de predisposição). O Likelihood Ratio é calculado dividindo o ratio de ocorrência dos movimentos de vertente pelo ratio da área da classe (Lee et al., 2007; Piedade et al. 2010a): Six LRx Ni x / / S N Onde: Si x é o número de pixels deslizados na classe x; S é o número total de pixels com deslizamentos; Ni x = é o número de pixels na classe x; e N é o número total de pixels da área de estudo. ÁREAS TESTE: 1. Torre de Moncorvo 2. Santarém 3. Caldas da Rainha O Índice de Susceptibilidade (IS) é obtido para cada unidade de terreno (e.g., pixel) pelo somatório dos Likelihood Ratio das classes de cada variável presente na unidade de terreno. A susceptibilidade a movimentos de vertente é tanto mais elevada quanto maior o valor de IS. Os valores mais baixos de IS (zero ou próximo de zero) significam uma baixa susceptibilidade à ocorrência de movimentos de vertente. A validação dos modelos é feita com recurso ao cruzamento dos mapas de susceptibilidade com a distribuição dos deslizamentos. Cada inventário de deslizamentos é dividido aleatoriamente em dois grupos de dimensão equivalente, sendo um conjunto utilizado para gerar o modelo de susceptibilidade e o outro para a sua validação. As curvas de sucesso e de predição dos modelos de susceptibilidade são comparadas com recurso ao cálculo das respectivas Áreas Inventário de deslizamentos Deslizamentos (Grupo de treino) Likelihood Ratio Ponderação dos factores de predisposição Integração de dados Mapa de susceptibilidade a deslizamentos Factores de predisposição Deslizamentos (Grupo de validação) Abaixo da Curva (AAC). Validação: Curva de sucesso Curva de predição Figura 2. Esquema metodológico 5. MAPAS DE SUSCEPTIBILIDADE E VALIDAÇÃO DOS MODELOS As figuras 3, 4 e 5 representam os mapas de susceptibilidade obtidos para as áreas de estudo, respectivamente, Torre de Moncorvo, Santarém e Caldas da Rainha. Estes mapas foram classificados em cinco classes de susceptibilidade, definidas a partir dos valores do IS, obtidos pelo somatório dos scores de Likelihood Ratio, o que permite a sua comparação. As duas classes de susceptibilidade mais alta (IS >10.5) têm uma expressão espacial distinta nas 3 áreas, abrangendo 2,8%, 10% e 1% da superfície total, respectivamente em Torre de Moncorvo, Santarém e Caldas da Rainha. A figura 6 representa os resultados da validação dos modelos de susceptibilidade. Como seria de esperar, as curvas de sucesso apresentam melhores resultados em todas as áreas de estudo, por comparação com as curvas de predição. O modelo de Caldas da Rainha revela-se o mais eficaz no que respeita à taxa de sucesso, enquanto o de Santarém é o que apresenta a melhor taxa de

Movimentos preditos predição. O modelo de susceptibilidade de Torre de Moncorvo é o que regista piores resultados, em sucesso e predição. Figura 3. Mapa de susceptibilidade de Torre de Moncorvo Figura 4. Mapa de susceptibilidade de Santarém Figura 5. Mapa de susceptibilidade de Caldas da Rainha 1 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 A Torre de Moncorvo [AAC = 0,773] Santarém [AAC = 0,850] Caldas da Rainha [AAC = 0,893] 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 Movimentos preditos 1 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 B Torre de Moncorvo [AAC = 0,686] Santarém [AAC = 0,760] Caldas da Rainha [AAC = 0,737] 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 Área de estudo (ordem decrescente) Área de estudo (ordem decrescente) Figura 6. Curvas de sucesso (A) e curvas de predição (B) dos modelos de susceptibilidade das três áreas amostra O quadro 3 sistematiza a hierarquia dos factores de predisposição nas três áreas estudadas, obtida através de uma análise sensitiva, realizada de acordo com os procedimentos descritos em Piedade et al (2010b). Os factores de predisposição declive e geologia destacam-se como os mais

importantes nas áreas de Torre de Moncorvo e Santarém, enquanto em Caldas da Rainha em primeiro lugar surge o tipo de solo, logo seguido pelos dois factores antes referidos. Quadro 3. Hierarquia dos factores de predisposição a deslizamentos nas áreas de estudo Tema Torre de Moncorvo Santarém Caldas da Rainha Declive 1 2 2 Exposição das vertentes 4 5 5 Curvatura das vertentes 5 7 6 Wetness Index 6 6 7 Geologia 2 1 3 Tipo de solo 7 3 1 Uso do solo 3 4 4 6. CONCLUSÕES No presente estudo foram elaborados, com base na mesma metodologia, três mapas de susceptibilidade à ocorrência de deslizamentos para três áreas amostra distintas, que exemplificam diferentes características geológicas e geomorfológicas do território português. Os mapas de susceptibilidade foram classificados segundo o mesmo critério, de forma a permitir a sua comparação. Observa-se, assim, que os modelos de susceptibilidade apresentam uma melhor performance em terrenos sedimentares (Caldas da Rainha e Santarém), ao contrário do que acontece no Maciço Antigo. Esta afirmação é válida tanto para as taxas de sucesso como para as taxas de predição. Também os factores de predisposição apresentam um grau de importância distinto, quando consideradas as três áreas amostra. Apesar destas diferenças, o declive e a geologia estão no top 3 das variáveis com maior grau de importância, confirmando assim o seu papel decisivo na instabilidade de vertentes, independentemente do contexto geológico e geomorfológico. BIBLIOGRAFIA Henriques C (2009) Dinâmica de Vertentes no contexto da Reserva Ecológica Nacional: o caso de estudo do concelho de Caldas da Rainha. Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, Lisboa. Lee E M, Jones D K (2004) Landslide Risk Assessment. Thomas Telford, London. Lee S, Ryu J H, Kim L S (2007) Landslide susceptibility analysis and its verification using likelihood ratio, logistic regression, and artificial neural network models: case study of Youngin, Korea. Landslides 4: 427-338. Lopes P (2008) Avaliação regional da susceptibilidade a deslizamentos no concelho de Santarém. Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa, Lisboa. Piedade, A, Zêzere, J L, Garcia, R A C, Oliveira, S C (2010a) Avaliação e validação de modelos de susceptibilidade a deslizamentos em áreas homogéneas na região a Norte de Lisboa. 16º Congresso da APDR - Regiões de Charneira, Canais de Fronteira e Nós, Universidade da Madeira, Funchal. ISBN 978-989-96353-1-9, p. 1318-1333. Piedade, A, Zêzere, J L, Garcia, R A C, Oliveira, S C (2010b) Análise sensitiva dos factores de predisposição à instabilidade geomorfológica na área a norte de Lisboa. Bateira, C.; Soares, L.; Gomes, A.; Chaminé, H. I.(Eds.) Volume de Actas/Proceedings do V Congresso Nacional de Geomorfologia. Porto. ISBN 978-989-96462-2-3, p. 59 63. Zêzere J L (2005) A geomorfologia da região das Caldas da Rainha. In COSTA C M M et al. (ed.) Caldas da Rainha: património das águas. A legacy of waters. Câmara Municipal das Caldas da Rainha: 57-65.