Cárie Dentária e Higiene Bucal em Crianças com Paralisia Cerebral Tetraparesia Espástica com Alimentação por Vias Oral e Gastrostomia

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ISSN - 1519-0501 DOI: 10.4034/1519.0501.2009.0091.0008 Cárie Dentária e Higiene Bucal em Crianças com Paralisia Cerebral Tetraparesia Espástica com Alimentação por Vias Oral e Gastrostomia Dental Caries and Oral Hygiene in Children with Spastic Tetraparetic Cerebral Palsy Receiving Either Oral Feeding or Nutrition via Gastrostomy Tube Elisangela Fernandez PREVITALI I, Maria Teresa Botti Rodrigues dos SANTOS II I Cirurgiã-Dentista, São Paulo/SP, Brasil. II Professoa do Curso de Graduação e Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), São Paulo/SP, Brasil. RESUMO Objetivo: Avaliar as condições bucais quanto à experiência de cárie dentária e índice de higiene bucal em crianças com paralisia cerebral tetraparesia espástica (PCTE), com alimentação por vias oral e gastrostomia. Método: Foram avaliadas 36 crianças na faixa etária de 2 a 7 anos (5,2 ±1,8), que procuraram tratamento odontológico no Lar Escola São Francisco Centro de Reabilitação UNIFESP/EPM, e que apresentavam valores de motricidade oral 19 (severamente comprometidos), segundo a Orofacial Motor Function Assessment Scale. As crianças foram reunidas em dois grupos, segundo a via de alimentação oral (G1; n=20) e sonda gástrica (G2; n=16). Ambos os grupos foram avaliados quanto à experiência de cárie dentária e o Índice de Higiene Oral Simplificado (IHOS). Os resultados foram analisados estatisticamente, utilizando-se teste t Student, Quiquadrado e de Mann-Whitney, com nível de significância fixado em p<0,05. Resultados: Observou-se uma diferença estatisticamente significante (p=0,0415) entre os dois grupos quanto à experiência de cárie dentária, apresentando o G1 maiores valores. Quanto ao IHOS, observaram-se valores significantemente maiores (p=0,0401) para o G2. Conclusão: As crianças com PCTE e comprometimento motor oral severo, que se alimentam por via oral, apresentam maior risco da doença cárie dentária que os gastrostomizados de doença periodontal, embora ambos requeiram medidas preventivas para a manutenção da saúde bucal, bem como o tratamento odontológico individualizado, sempre respeitando as condições sistêmicas e odontológicas do paciente. ABSTRACT Objective: To evaluate the oral conditions as regards caries experience and oral hygiene conditions in children with spastic tetraparetic cerebral palsy (STCP) receiving either oral feeding or nutrition via gastrostomy tube. Method: 36 children with oral-motor function aged 2 to 7 years (mean age = 5.2 ± 1.8), who were under dental treatment at the UNIFESP/EPM s Lar Escola São Francisco Rehabilitation Center, São Paulo, SP, Brazil and presented oral-motor function values 19 (severely compromised, according to the Orofacial Motor Function Assessment Scale) were enrolled in the study. The children were assigned to 2 groups, according to the feeding route: oral feeding (G1; n=20) and nutrition via gastrostomy tube (G2; n=16). Both groups were assessed as regards caries experience and the Simplified Oral Hygiene Index (SOHI). The results were analyzed statistically by the Student s t, Chi-square and Mann-Whitney tests, with significance level set at p<0.05. Results: Regarding caries experience, G1 presented significantly larger values (p=0.0415) than G2. With respect to the SOHI, G2 presented significantly larger values than G1 (p=0.0401). Conclusion: Children with STCP who have severely compromised oral-motor function and receive oral feeding present a higher risk of having dental caries than do children with nutrition via gastrostomy tube of having periodontal disease. However, both groups require preventive measures to maintain a good oral health statutes as well as an individual-based dental treatment, always respecting the patient s systemic and dental conditions. DESCRITORES Paralisia Cerebral; Cárie Dentária; Higiene Bucal; Transtornos de Deglutição; Gastrostomia. DESCRIPTORS Cerebral Palsy; Dental Caries; Oral Hygiene; Deglutition Disorders; Gastrostomy. Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 9(1):43-47, jan./abr. 2009 43

INTRODUÇÃO A paralisia cerebral (PC) ou encefalopatia crônica não progressiva da infância é caracterizada por alterações do tônus e da postura devido a um evento lesivo no sistema nervoso central em desenvolvimento 1. A incidência aceita é de 1,2 a 2,3 por 1000 crianças em idade escolar, nos Estados Unidos. Estima-se que em países em desenvolvimento, como no Brasil, a incidência deva ser maior, pois estamos mais sujeitos às condições que favorecem a ocorrência de problemas crônicos como a PC 2. Associada ao prejuízo motor, podem existir comprometimentos cognitivo, comportamental, sensorial, ortopédico, gastrointestinal, convulsões/epilepsias, e infecções respiratórias crônicas, como sendo a mais freqüente causa de mortalidade 2,3. Quando há inabilidade da coordenação entre respiração e deglutição, representada por disfagias neurogênicas, o individuo com PC pode apresentar déficits nutricionais e imunológicos, e assim haver indicação médica da gastrostomia. Nessas condições, a sonda gástrica passa a ser uma via coadjuvante ou exclusiva de alimentação para os indivíduos 4,5. Entre as condições bucais mais comumente encontradas destaca-se a hiperplasia gengival medicamentosa, devido principalmente ao uso de anticonvulsivantes e agravada com a presença de placa bacteriana 6, a baba excessiva ocasionada por falta de vedamento labial e dificuldade na deglutição salivar 7, doença cárie dentária devido à ingesta de alimentos pastosos ricos em carboidratros, a retenção prolongada de resíduos alimentares na cavidade bucal, a higienização insatisfatória e a inabilidade da língua 8-12 ; sendo a doença periodontal intensificada na presença de agravantes como a placa bacteriana, higiene bucal precária, vômito, ineficiência de força mastigatória, maloclusão, respiração bucal, estresse, deficiências fagocitárias e nutricionais 11-15. As crianças foram avaliadas utilizando-se espelhos bucais planos, abridores de boca, abaixadores de língua e sondas periodontais, por um único examinador calibrado (Kappa=0,89) e um anotador. A criança era posicionada no colo do cuidador, com a ajuda do profissional e auxiliar para estabilização. Os códigos e critérios de diagnóstico dos índices empregados obedeceram às normas do manual de levantamento epidemiológico de saúde bucal, editado pela Organização Mundial de Saúde para experiência de cárie dentária 17, e o Índice de Higiene Oral Simplificado (IHO- S) 18. Os dados foram analisados estatisticamente, utilizando-se o teste t Student, Qui-quadrado e de Mann- Whitney, com nível de significância de p<0,05. Figura 1. Espasticidade em musculatura mastigatória de PCTE. METODOLOGIA O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina aprovou esse estudo (Protocolo n o 0425/03). Foram avaliadas 36 crianças não institucionalizadas que procuraram o tratamento odontológico no Lar Escola São Francisco Centro de Reabilitação UNIFESP/EPM, com diagnóstico médico de paralisia cerebral (PC) e padrão clínico de tetraparesia e tônus espástico (PCTE), estando na faixa etária de 2 a 7 anos. O critério de inclusão era apresentar valores de motricidade oral 19 (severamente comprometidos), segundo a Orofacial Motor Function Assessment Scale 16, sendo reunidas em dois grupos: via de alimentação oral G1 (Figura 1) e sonda gástrica G2 (Figura 2). Figura 2. Criança com PCTE com gastrostomia. 44 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 9(1):43-47, jan./abr. 2009

RESULTADOS Os dados referentes à distribuição das crianças dos grupos G1 e G2, segundo a idade e o gênero, encontram-se na Tabela 1. Foi observado que os grupos eram homogêneos com relação à idade (p=0,1004) e ao gênero (p=0,857). Tabela 1. Distribuição das crianças alimentadas por via oral (G1) e por gastrostomia (G2) segundo a idade e o gênero. Variável Idade (em anos) Gênero Média±dp Feminino Masculino (1) Teste T de Student; (2) Qui-quadrado. Grupos G1 6,1±1,4 12 (60,0%) 8 (40,0%) G2 5,2±1,8 9 (56,25%) 7 (43,75%) Significância 0,1004 (1) 0,857 (2) Os valores de experiência de cárie dentária CPOD e IHO-S para os grupos G1 e G2 encontram-se na Tabela 2. Foi observada uma diferença estatisticamente significantemente (p=0,0415) em relação à experiência de cárie dentária, apresentando o G1 valores maiores que o G2 (Figura 3). Em relação ao Índice de Higiene Oral Simplificado, observamos que os grupos também diferiram significantemente (p=0,0401), apresentando o grupo G2 valores significantemente maiores (Figura 4). Tabela 2. Distribuição das crianças alimentadas por via oral (G1) e por gastrostomia (G2) segundo os índices CPOD e IHO-S. Variável CPOD IHO-S Grupos G1 G2 G3 G4 N 20 16 20 16 Média 4,5 2,9 2,7 3,6 (*) Teste não-paramétrico de Mann-Whitney. ±DP 2,7 1,5 1,3 1,2 p 0,0414* 0,0401* Figura 3. Cárie dentária em indivíduo PCTE com alimentação pastosa via oral. Figura 4. Prejuízo de higiene oral em criança PCTE com alimentação via sonda gástrica. DISCUSSÃO No presente estudo foram avaliadas 36 crianças com PC tetraparesia espástica. A espasticidade está presente em 60 a 70% dos pacientes com paralisia cerebral e, para os casos sem tratamento reabilitacional, podemse observar contraturas irredutíveis em todas as articulações. A hipertonia, resultado da espasticidade, interfere na musculatura mastigatória como observado nos grupos G1 e G2 deste estudo, e os cuidadores relatam elevada dificuldade para alimentação e/ou higiene bucal 19,20. As funções motoras orais interferem na habilidade ou sucesso da deglutição, bem como na oferta ou não de alimento em via oral 19,21,22, sendo estabelecido como critério de inclusão nesse estudo indivíduos que apresentassem valores inferiores a 19 na avaliação da motricidade oral, segundo a Orofacial Motor Function Assesment Scale 16. Os grupos, portanto, eram homogêneos quanto à severidade do comprometimento motor orofacial. Os maiores índice de placa bacteriana foram encontrados em crianças com PC, quando comparadas as crianças normais, e quanto menor a idade da criança piores as condições de higiene bucal 23. Neste estudo não se pode estabelecer essa relação, uma vez que os grupos avaliados foram compostos por crianças na faixa etária de 2 a 7 anos de idade. A condição da PC por si só não predispõe às doenças cárie e periodontal, contudo os aspectos sócioeconômicos e culturais interferem nestas doenças, como a negligência no controle da ingesta com alimentos cariogênicos e a inadequada higienização bucal 12. No grupo G1 encontrou-se maiores valores para a experiência de cárie dentária, e observou-se nesse grupo a presença de fatores facilitadores para esta condição, tal como a ingesta de alimentos de consistência pastosa, dificuldades na higiene bucal e inabilidade motora dos músculos orofaciais, dificultando a remoção mecânica dos resíduos alimentares presentes na cavidade bucal desses Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 9(1):43-47, jan./abr. 2009 45

indivíduos, também descritos na literatura 8-10. Os menores valores do índice CPOD para o grupo G2 residem em nenhuma/menor oferta intra-oral e, portanto, menos resíduo alimentar para o desenvolvimento da cárie dentária. No grupo G2, o pobre controle motor oral resultou em disfagias neurogênicas e infecções respiratórias crônicas, com anemia e/ou subnutrição, levando assim à indicação médica da gastrostomia, como via alimentar coadjuvante ou exclusiva para a adequada nutrição dos pacientes 4,5. Na presença desta condição, a eliminação parcial ou total das forças mecânicas intrabucais, que ocorrem durante a mastigação, permitirá a deposição da placa bacteriana patogênica, resultando em inflamação gengival e depósito do cálculo dentário. Assim, correlacionase que o ineficiente motor oral representado por crianças severamente comprometidas, exerce uma influência negativa nas condições bucais, em particular nos índices de higiene bucal encontrados nos indivíduos gastrostomizados e que têm as características mecânicas descritas acima 22. Resultados semelhantes à deste estudo, como a presença de induto e cálculo dentário em gastrostomizados, e baixa atividade de lesões cariosas quando comparadas às crianças com vias alimentar oral, foram descritos em PCs americanos 24. Nesse sentido, vários estudos apontam a existência de correlação entre o índice de higiene bucal na alimentação via gastrostomia e as propriedades salivares acidogências e a microbiota oral 9,25,26. Portanto, fazem-se necessários estudos relativos às propriedades salivares destes indivíduos com PCTE e severo comprometimento motor oral, entretanto, como para a coleta salivar é mandatário a colaboração destes indivíduos, pois é sabido que situações estressantes alteram o fluxo e as propriedades da saliva, este é um desafio a ser vencido. CONCLUSÃO As crianças com PCTE e comprometimento motor oral severo que se alimentam por via oral apresentam maior risco da doença cárie dentária que os gastrostomizados de doença periodontal, embora ambos requeiram medidas preventivas para a manutenção da saúde bucal, bem como um tratamento odontológico individualizado, sempre respeitando-se as condições sistêmicas e odontológicas do paciente. AGRADECIMENTOS À Profa. Eliana Pantoja pela revisão do texto, e às crianças do Lar escola São Francisco por participarem desse estudo. REFERÊNCIAS 1. Ceriati E, De Peppo F, Ciprandi G, Marchetti P, Silveri M, Rivosecchi M. 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