Capítulo 2 Fluxos migratórios no Brasil: evolução recente e desafios

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Transcrição:

UNHCR Helene Caux Capítulo 2 Fluxos migratórios no Brasil: evolução recente e desafios 33

Introdução No Brasil, a gestão fragmentada da migração entre diversos órgãos, produz dados quantitativos sobre migração também fragmentados, tornando difícil sua apreensão conjunta e gerando dúvidas sobre sua confiabilidade. Determinar a quantidade de imigrantes no Brasil com precisão não é uma tarefa simples. Em meados de novembro de 2015, havia 1.917.713 pessoas cadastradas no Registro de Estrangeiros, o que corresponde a pouco menos de 1% da população brasileira 1. Na mesma semana da obtenção do dado, porém, na apresentação da pesquisa Migrantes, Apátridas e Refugiados, realizada pelo Projeto Pensando o Direito do Ministério da Justiça, Alexandre Patury, da Divisão de Cadastro e Registro de Estrangeiros (SINCRE) da Polícia Federal, ressaltou que muitos desses registros são inativos, pois consideram estrangeiros que já faleceram ou que não se localizam no país. Assim, o número de imigrantes no Brasil estaria próximo de um milhão de pessoas, ou seja, cerca de 0,5% da população brasileira. Nenhum dos números, entretanto, considera a quantidade de imigrantes não registrados, de difícil estimativa. É importante ressaltar os obstáculo para coletar e analisar os dados sobre migração. Mensurar a migração, fenômeno móvel e de difícil apreensão, que muitas vezes ocorre fora do controle estatal, é um desafio. Apesar disso, o acesso a esse tipo de dado é essencial para a elaboração de políticas para migrantes, permitindo compreender melhor o perfil dessas pessoas e suas demandas. No Brasil, a gestão fragmentada da migração entre diversos órgãos, produz dados quantitativos sobre migração também fragmentados, tornando difícil sua apreensão conjunta e gerando dúvidas sobre sua confiabilidade. Dentre as fontes oficiais de dados, encontram-se as autorizações de trabalho concedidas pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e pela Coordenação Geral de Imigração (CGIg); os dados do Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de Estrangeiros (SINCRE); e o histórico de decisões do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Esta pesquisa considerou os registros administrativos do governo brasileiro com o intuito de destacar o potencial desse tipo de dado como subsídio para políticas públicas, sendo o SINCRE a principal fonte dos dados utilizados na pesquisa, pois corresponde a uma base de registros administrativos utilizados pelo Departamento de Polícia Federal (DPF). Nestes registros, estão todos os estrangeiros com vistos de entrada regular no país, exceto os que possuem vistos temporários de turismo. O cadastro é uma etapa obrigatória para a obtenção do RNE (Registro Nacional de Estrangeiros). Apesar de todas essas bases estarem à disposição do governo, as tentativas de usá-las para os estudos migratórios e para a formulação de políticas de imigração ainda são esparsas 2. Pesquisadores do Adus levantaram os referidos dados e os sistematizaram de forma integrada e cruzada, traçando um panorama dos fluxos recentes de migração no país. Notadamente, é preciso aprofundar o entendimento sobre o fenômeno migratório para uma melhor atuação da sociedade civil e do poder público, por exemplo conhecendo a origem dos imigrantes do país e como eles são tratados pelos sistemas jurídico e administrativo brasileiros. Combinados a outros esforços de investigação, essas informações contribuem para reconhecer falhas na política migratória brasileira e sua legislação e apontar caminhos para avanços. Os dados utilizados nesta pesquisa foram obtidos juntos a diferentes organismos, com fundamento na Lei de Acesso à Informação (LAI). As informações do SINCRE foram cedidas pela Polícia Federal 3 e correspondem aos imigrantes registrados entre janeiro de 2010 e junho de 2015. A partir destes dados, foi possível acessar informações referentes a 49.594 migrantes, número reduzido a 49.479 após o ajuste da base de dados 4. Para facilitar a apreensão dos dados do SINCRE, os mesmos foram classificados seguindo o critério regional. Assim, há sete categorias para a origem dos estrangeiros: África (excluindo o Egito), América Latina e Caribe; América do Norte (excluindo o México), Ásia, Europa, Oceania e Oriente Médio. Ainda que não corresponda ao fluxo total no período 5, as 49.479 observações são uma amostra representativa 6, que permite identificar aspectos relevantes sobre a imigração recente no Brasil. As informações referentes a refúgio foram disponibilizadas pelo CONARE 7, e consideram também o período de janeiro de 2010 a junho de 2015. África: 9,49% América do Norte: 5,21% América Latina e Caribe: 30,08% Ásia: 11,03% Imigrantes registrados, por região de origem (2010-2015) 8 Universo:49.479 imigrantes registrados Europa: 38,05% ERRATA: Este capítulo considerou Filipinas como parte da Oceania. Em geral, considera-se que o país integra o Sudeste Asiático. Oceania: 2,33% Oriente Médio: 3,81% 1 Dados de 13/11/15. Informação da Assessoria de Imprensa da Polícia Federal, obtida por meio de correio eletrônico no dia 13/11/15. 2 Observatório das Migrações Internacionais (2015) c. 4. 3 Polícia Federal. [Informação obtida com fundamento na Lei nº 12.257/2011], 2015. 4 A base de dados foi ajustada de forma a retirar observações com dados incompletos ou incoerentes, como, por exemplo, a ausência do país de origem. 5 Não tivemos acesso aos dados relativos ao total de registros no período estudado (2010 - junho de 2015), apenas a uma amostra referente a 49.594 observações. Dessa forma, não temos o número total referente à população migrante registrada no SINCRE no período. 6 Apesar de não ser possível apresentar um número referente ao fluxo total de imigrantes para o período, é possível estimar, de forma indireta, a dimensão da diferença entre o tamanho da amostra e da população. Em comparação com as 49.594 observações a que se teve acesso, vê-se que o CNig relata ter concedido 47.259 autorizações de trabalho a estrangeiros apenas em 2014 (BRASIL, 2015a). O estudo do OBMigra (2015), por sua vez, revela um número de 833.682 registros para o período 2000-2014, o que significaria uma média de 55.579 pessoas por ano. 7 CONARE. [Informação obtida com fundamento na Lei nº 12.257/2011], 2015. 8 Elaborado a partir de Polícia Federal [Informação obtida com fundamento na Lei nº 12.257/2011], 2015. 34 35

África: 39,39% Oriente Médio: 42,79% África: 50,95% América Latina e Caribe: 17,82% América Latina e Caribe:35,31% Oriente Médio: 13,74% Refugiados reconhecidos, por região de origem (10 principais países) 9 África: 74,42% América Latina e Caribe: 5,67% Ásia: 12,71% Oriente Médio: 7,2% Solicitações de refúgio indeferidas, por região de origem (10 principais países) 11 Subsidiariamente, para este relatório, observaram-se informações disponibilizadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) 12 ; pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) 13, no relatório de 2014; e pela Missão Paz, na seção de seu site sobre atendimentos realizados em 2014. Foram também usados os dados disponíveis no relatório anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) referente a 2015 14, que considera os dados do SINCRE 15. 9 Elaborado a partir de CONARE. [Informação obtida com fundamento na Lei nº 12.257/2011], 2015 10 Elaborado a partir de CONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015 11 Elaborado a partir de CONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015 12 ACNUR, 2014. Foram usados também dados obtidos no UNHCR Statistical Online Population Database. 13 BRASIL, 2015a. 14 Observatório das Migrações Internacionais, 2015. Solicitações de refúgio pendentes de análise, por região de origem (10 principais países) 10 15 Enquanto os dados que obtivemos via LAI correspondem a apenas uma amostra dos dados do SINCRE entre 2010 e 2015, o estudo do OBMigra (2015) leva em conta todos os registros entre 2000 e 2014. 36 37

1 Características gerais 16 1.1 Fluxo de africanos no Brasil A partir da análise dos dados, vê-se que a maior par- manentes na primeira, 65,45% são temporários e provisórios, contra 34,47% permanentes; na Oceania, 71,7% contra 28,21% 21. No Oriente Médio, por outro lado, há uma inversão, com os permanentes (49,97%) representando maior parcela que os temporários e provisórios (45,25%). Em uma análise regional, destaca-se o fluxo específico de haitianos por suas especificidades e para a visualização de alguns dos desafios referentes à nossa legislação e política migratória. Esta pesquisa não traz uma análise específica e aprofundada que o caso do fluxo migratório sírio merece 22. Os dados do SINCRE 23 revelam que, do universo amostral de 49.479 imigrantes no período de janeiro de 2010 a junho de 2015, 4.696 (9,49%) são oriundos de países do continente africano. Trata-se, portanto da quarta região em termos de origem de imigrantes no Brasil no período considerado, atrás da Europa, América Latina e Caribe, e Ásia e à frente da América do Norte, Oriente Médio e Oceania. Entretanto, levando em consideração o recorte específico do refúgio, a importância relativa desse fluxo aumenta. Considerando os 10 principais países de origem de refugiados acolhidos pelo Brasil, 2.750 dos 8.400 refugiados reconhecidos pelo Brasil são de países africanos 24, ou seja, 32,7%. Quando observadas as solicitações pendentes de análise, é confirmada a predominância do continente nesse tipo de fluxo: 5.605 das 12.668 (44,24%) solicitações pendentes de análise são de pessoas oriundas de países africanos 25. A análise das solicitações indeferidas segue essa mesma tendência, com 1.658 das 5.148 (32,2%) solicitações indeferidas tendo sido feita por africanos 26. Vê-se, portanto, que esse fluxo representa uma parcela importante dos refugiados no país, visto que, dado o caráter declaratório do instituto do refúgio, solicitantes e reconhecidos do continente africano somam 8.355 do total dos diversos 21.068 solicitantes e reconhecidos (39,66%). As altas proporções de pessoas do continente entre as solicitações pendentes de análise sugere a existência de um fluxo contínuo para o Brasil ou de uma demora no processamento das solicitações. A alta presença do grupo entre os indeferidos, por sua vez, pode ser vista como um reflexo da alta presença entre os solicitantes e sugerir que o uso da solicitação de refúgio funcionaria como forma provisória de regularização. A constatação da grande proporção de africanos entre os refugiados é importante, pois tem implicações práticas para políticas de acolhida e reintegração. Sendo negra a maior parte da população do continente, torna-se imprescindível levar em consideração a questão racial, dado o histórico brasileiro, para o aperfeiçoamento da integração dos refugiados no país. te dos estrangeiros registrados no SINCRE no período 2010-2015 ainda é oriunda da Europa (38,06%). O fluxo Sul-Sul 17 representa, porém, mais da metade do volume no período (54,4%), seguindo a tendência de aumento desse tipo de migração no mundo 18. É importante ressaltar esse fato uma vez que os imigrantes oriundos de países em desenvolvimento tendem a se inserir na sociedade e no mercado de trabalho de forma diferente daqueles oriundos de países desenvolvidos 19. Além de essa população de países em desenvolvimento apresentar, de modo geral, menores níveis de renda, são frequentemente vistos de forma mais negativa pela população dos países de acolhida. Conhecer a origem dos imigrantes deve auxiliar na compreensão dos desafios por eles encontrados. No que diz respeito à classificação dos migrantes no Brasil, em geral, os dados do Registro apontam para uma maior proporção de autorizações temporárias e provisórias (56,98%) em comparação com a de autorizações de residência permanente (41,98%). Os demais registrados dividem-se entre as categorias Fronteiriço (0,24%) e Outros (0,79%). De modo geral, esta distribuição se mantém semelhante quando são desagregados os dados segundo as regiões 20. São exceções a América do Norte e a Oceania, onde há uma proporção muito maior de temporários e provisórios em relação a residentes per- 16 Para uma análise melhor detalhada e mais embasada sobre as características gerais dos fluxos de imigrantes no país, ver Observatório das Migrações Internacionais, 2015 (em especial, capítulo 4). 17 Migração Sul-Sul diz respeito aos fluxos de migração entre países em desenvolvimento. Opõe-se à ideia de migração Norte-Sul, que diz respeito ao fluxo migratório de países em desenvolvimento em direção a países desenvolvidos. 18 De acordo com a Organização das Nações Unidas (2010), mais de 50% dos emigrantes oriundos de países em desenvolvimento mudam-se para outros países em desenvolvimento. Para uma revisão ampla sobre o tema, ver Campillo-Carrete, Beatriz (2013). 19 Essa ideia é reforçada pela análise das principais formas de regularização usadas pelos nativos de cada região. Como se vê mais adiante, os imigrantes da América do Norte e da Oceania são predominantemente temporários, vindo ao país com vistos de trabalho. 20 Na América Latina e Caribe, há 43,48% permanentes contra 55,13% provisórios; na Europa, 42,45% permanentes contra 57,52% provisórios; na África, 41,63% permanentes contra 54,94% provisórios; e na Ásia, 40,37% permanentes contra 58,84% provisórios. 21 Os demais 0,08% dos oriundos da América do Norte e 0,09% dos oriundos da Oceania são classificados como Outros pelo SINCRE. 22 Os dados do SINCRE obtidos contabilizavam apenas 144 sírios, dos quais 31 eram refugiados, inviabilizando qualquer análise relevante sobre o perfil desse fluxo. Os dados obtidos do ACNUR e do CONARE diziam respeito apenas à quantidade de refugiados e solicitantes de refúgio no periodo. 23 Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 24 CONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 25 Idem. Esse número encontra-se subestimado na medida que o CONARE informou apenas o número de solicitações dos 10 principais países em termos de solicitações pendentes de análise - o que corresponde a 85,2% da base total de solicitações pendentes. Assim, o número de solicitantes de refúgio africanos aqui considerado diz respeito apenas aos oriundos de Senegal, Gana, Nigéria, República Democrática do Congo, Guiné-Bissau e África do Sul. 26 Idem. Novamente, a população de africanos aqui é considerada apenas para os 10 principais países em termos de solicitações indeferidas, referindo-se, portanto, a Angola, Guiné-Bissau, Nigéria, Rep. Democrática do Congo, Somália e Senegal. 38 39

Consideradas as limitações na oferta de dados e conseguinte elaboração e verificação das hipóteses, os dados do SINCRE permitem identificar os principais mecanismos jurídicos por meio dos quais é concedida a regularização migratória. Selecionando os institutos que representam mais de 3% dos casos de amparo legal de migrantes africanos no país, tem-se o seguinte resultado: Principais mecanismos de amparo legal da regularização de africanos no Brasil (2010-2015)27 AMPARO LEGAL DA REGULARIZAÇÃO FREQUÊNCIA 9,58% Art. 13, IV da Lei 6.815/80 Permanência por reunião familiar 9,16% Art. 1 Resolução Normativa 108/14 CNIg Regularização por cônjuge ou filho brasileiro Os dados disponibilizados pela Polícia Federal apresentam 256 categorias de amparo legal possíveis. Dada a grande dispersão e a impossibilidade de avaliar todas as categorias, foi estabelecido um critério para a análise - foram consideradas apenas as categorias de amparo legal que correspondem a mais de 3% do total de observações. Observa-se, portanto, a importância da permanência por reunião familiar como forma de regularização (a soma das Resoluções Normativas 36/99 e 108/14 do CNIg, contabiliza 13,01%). Também relevante é a permanência com base em cônjuge ou filho brasileiro. Esses índices sugerem que uma parte relevante (22,06%, ou seja, mais de um quinto da população) dos imigrantes africanos se estabelece ou teria alguma in- tenção de se estabelecer no país de forma permanente na medida em que deseja reunir novamente sua família do país de origem ou formar novos laços com nacionais brasileiros. A grande proporção dos vistos de estudante que somados os três casos correspondem a 18,46% reflete uma característica dos fluxos de migrantes africanos no Brasil jovens vêm ao país realizar seus estudos, sobretudo no ensino superior. Embora o visto de estudante tenha sido usado também no passado como uma forma de entrada no país para a realização posterior de uma solicitação de refúgio28, as diferenças nos índices sugerem um perfil diferente no fluxo de estudantes, isto é, de caráter predominantemente temporário. Art. 13, IV da Lei 6.815/80 c/c Art. 8 da Resolução Normativa 82/08 CNIg Permanência por reunião familiar UNHCR Helene Caux 9,05% Art. 75 II Lei 6815/80, Parecer 218/85 - CJ/MJ 5,52% 3,85% c/c Art. 4 Resolução Normativa 36/99 CNIg Visto temporário de trabalho Art. 13, V Lei 6815/80 c/c Art. 1 Resolução Normativa 74, de 09/02/2007 Refúgio 3,47% 3,41% Lei 9.474, de 22 de julho de 1997 Art. 13, IV da Lei 6.815/80 c/c Art. 7, Resolução Normativa nº 101/13 CNIg 3,36% 27 28 40 laborada a partir de Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. E Essa estratégia foi frequente entre os refugiados angolanos durante a Guerra Civil. Ver Teles (2013). 41

1.2 Fluxo de latino-americanos e caribenhos no Brasil Os dados do SINCRE apontam os imigrantes oriundos da América Latina e Caribe como o segundo maior grupo de estrangeiros no país, correspondendo a 30,08% do número de registros, ou seja, 14.885 pessoas 29. Observando os principais países de origem dos imigrantes registrados, vemos um fluxo em que predominam os sul-americanos - o principal país de origem é a Argentina (13,57%), seguido de Colômbia (10,53%), Peru (9,69%) e Bolívia (7,42%). Dentre os países que representam mais de 3% dos migrantes da categoria, apenas três não estão localizados na América do Sul: México (6,63%), Cuba (5,15%) e Haiti (3,14%). Ao observar o recorte do refúgio, o fluxo mais relevante é aquele oriundo da Colômbia. Ele representa o terceiro maior grupo de refugiados reconhecidos no país (até julho de 2015, eram 1.093 30 ), sendo a nacionalidade com o maior número de solicitações de refúgio entre 2010 e 2012 31. É interessante notar que, em junho de 2012, a Colômbia adere ao Acordo de Residência do Mercosul 32. Isso provavelmente impactou o número de solicitações de refúgio por colombianos, uma vez que permite aos nacionais do país um processo simplificado de regularização de sua situação migratória. UNHCR Santiago Arcos Principais mecanismos de amparo legal da regularização de latino-americanos e caribenhos 33 AMPARO LEGAL DA REGULARIZAÇÃO Visto temporário cf. acordo de residência do Mercosul Art. 4 Regularização por cônjuge ou filho brasileiro Art. 75 II Lei 6815/80, Parecer 218/85 - CJ/MJ Permanência por reunião familiar Art. 1 Resolução Normativa 108/14 CNIg Residência permanente cf. acordo de residência do Mercosul Art. 5 FREQUÊNCIA 8,20% 7,21% 6,12% 5,27% Art. 13, IV da Lei 6.815/80 c/c Art. 8 da Resolução Normativa 82/08 CNIg Art. 13, IV da Lei 6.815/80 Art. 13, IV da Lei 6.815/80 c/c Art. 7, Resolução Normativa nº 101/13 CNIg Visto temporário de marítimo c/c Art. 4º da Resolução Normativa nº 72/06. 4,72% 3,64% 3,57% 3,43% 29 Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 30 CONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 31 ACNUR, 2014. Em 2010, foram 92 solicitações; em 2011, 221; em 2012, 276. A taxa de elegibilidade dos colombianos foi de 32% (2010), 34% (2011) e 37% (2012) no período. 32 O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados-parte do Mercosul, Bolívia e Chile é hoje vigente para nacionais da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador. O acordo concede aos cidadãos desses países o direito de obter a residência legal no território de outro Estado-parte do tratado. 33 Elaborada a partir de Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. Quando analisamos o amparo legal dos latino-americanos e caribenhos, observamos a relevância do Acordo de Residência do Mercosul (somando as duas categorias que figuram entre as principais, corresponde a 13,47% dos casos). A baixa presença de vistos de trabalho reflete a substituição desse tipo de visto pela facilitação da regularização trazida pelo Acordo de Residência. Chama também a atenção o fato de três das quatro principais formas de amparo corresponderem a vistos permanentes - juntos, a permanência por reunião familiar, por cônjuge ou filho brasileiro e pelo Acordo de Residência do Mercosul, correspondem a 18,60% do total da categoria. 42 43

1.2.1 Fluxo de haitianos no Brasil Em razão das especificidades do caso haitiano, este destaca-se dentro do grupo dos imigrantes latino-americanos e caribenhos. Para além do fato de representar um dos maiores fluxos recentes de imigrantes no país, o caso do Haiti levanta importantes questões relativas à legislação migratória no país, em especial, o visto concedido em caráter humanitário e o refúgio ambiental. O recente fluxo de haitianos para o Brasil inicia-se após o terremoto de 2010, intensificando-se no final de 2011 e início de 2012. De acordo com pesquisa publicada no periódico Conjuntura Austral, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul 34 (UFRGS), cerca de 4.000 haitianos teriam entrado de maneira irregular no país neste período, sobretudo pelas fronteiras do Acre e do Amazonas, mas também por rotas em Roraima, Mato Grosso e Amapá. Entrada e regularização de haitianos no Brasil (2012-2014) 35 2012 2013 2014 TOTAL Número de vistos concedidos pelo Ministério das Relações 1.125 6.075 7.441 14.641 Exteriores (MRE) Número de solicitações de refúgio 3.275 11.763 16.924 31.962 Diante desse fluxo, além dos desafios do processo de acolhida, amplamente reportados pela imprensa, surgiram problemas no processo de regularização dessa população. A princípio, os haitianos solicitavam refúgio com base no Direito Internacional dos Refugiados e na legislação do Brasil. O CONARE, porém, entendeu que o motivo apresentado pelos estrangeiros, deslocamento por desastres naturais, econômicos e sociais, não se enquadravam nas hipóteses de perseguição elencadas pela Convenção de Genebra de 1951 e tampouco encontravam proteção na lei brasileira vigente. A Convenção de Genebra sobre Refugiados, assim como o Estatuto dos Refugiados de 1997, possuem critérios de seleção limitados na definição de refugiado, não reconhecendo explicitamente o conceito de refúgio ambiental. Assim, a legislação brasileira reconhece como refugiadas somente as pessoas que fogem por problemas de raça, religião, nacionalidade, convicção política, pertencentes a um tipo de grupo na sociedade, ou que o fazem devido a grave e generalizada violação de direitos humanos 36. Por não se encaixarem nos critérios de seleção para receber o status de refugiado, os casos dos haitianos são remetidos ao CNIg 37, a fim de obterem uma solução legal para a questão. No período entre janeiro de 2010 e julho de 2015, o CONARE encaminhou 4.524 solicitações de refúgio ao CNIg 38. O CNIg concedeu permanência por razões humanitárias aos haitianos 39, permitindo que eles pudessem trabalhar e estudar no Brasil. O CONARE também outorgou um protocolo que permite aos haitianos obter o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Em janeiro de 2012, o governo brasileiro publicou a resolução nº 97 do CNIg, a qual estabeleceu a regularização dos imigrantes do Haiti que já se encontram em território brasileiro e também a concessão de 1.200 vistos anuais por meio da Embaixada em Porto Príncipe, correspondendo a uma média de 100 vistos por mês. A análise dos dados do OBMigra expostos na tabela 2, entretanto, indica que a entrada de imigrantes haitianos no período foi superior a essa cota, a qual foi posteriormente ampliada. Na prática, a tentativa de regularização desses haitianos se deu por meio de solicitações de refúgio. O emprego desta alternativa - usada não apenas por haitianos, mas também por imigrantes de outras nacionalidades com dificuldades para se regularizar no Brasil - explica em parte o aumento em mais de 7 vezes no número de solicitações de refúgio desde 2011. Segundo dados do ACNUR, o total de novas solicitações saltou de 1.138 em 2011, para 8.302 em outubro de 2014 40. 36 Essa última hipótese não é elencada pela Convenção de 1951, mas é expressa pela legislação brasileira no Estatuto dos Refugiados, no art. 1º, III. Assim, ainda que não reconheça o refúgio ambiental, é importante destacar que o Brasil prevê um conceito ampliado de refugiados em relação à norma internacional. 37 O CNIg é o órgão responsável por formular a política, coordenar e orientar as atividades de imigração. Tem competência para solucionar os casos omissos de admissão de estrangeiros (art. 144, VII da Lei 6.815/80). 38 CONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015 34 MORAES, ANDRADE & MATTOS 2013, p. 100. 35 Elaboração própria a partir das tabelas 7.1 e 7.6 de Observatório das Migrações Internacionais 2015 39 Resolução Normativa CNIg n 27/1998 e Resolução Recomendada CNIg n 08/2006 40 ACNUR, 2014. 44 45

1.3 Fluxo de asiáticos no Brasil Novas solicitações de refúgio no Brasil (2010-out/2014) 41 Número de Solicitações 10000 9000 8302 8000 7000 6000 5882 5000 4000 3000 2008 2000 1138 1000 566 0 2010 2011 2012 2013 2014 (até Outubro) Ano Os dados do SINCRE obtidos via LAI, referentes ao período de 2010 a junho de 2015, mostram que o fluxo migratório de pessoas provenientes de países asiáticos corresponde à 11,03% do número total de registros, ou seja, 5.457 pessoas. Sendo assim, esse é o terceiro maior grupo de migrantes do país, depois dos europeus e latino-americanos. Por meio dos dados do SINCRE, vê-se que a migração asiática recente no Brasil é composta, em sua maioria, por pessoas oriundas da China (20,80%), Japão (13,23%), Índia (12,99%) e Coreia do Sul (11,34%). A maior parte do fluxo (51,8%) corresponde ao Extremo Oriente 45, havendo comunidades já bem estabelecidas de imigrantes desses países no Brasil. À exceção da Índia, há grande dispersão entre os demais países, o que pode dificultar a visibilidade desses fluxos. Até outubro de 2014 o Brasil possuía 7.289 refugiados reconhecidos de 81 nacionalidades distintas 46. No período de 2010 até 2014, o reconhecimento de refugiados oriundos de países asiáticos é pouco expressivo, com duas nacionalidades com maior relevância: os nacionais do Paquistão e de Bangladesh. Refugiados reconhecidos oriundos do Paquistão (2010-out/2014) 47 2010 2011 2013 Posição no ranking de países com maior número de refugiados reconhecidos pelo Brasil 4º 3º 4º Número de refugiados reconhecidos 9 10 32 Taxa de elegibilidade 48 56% 26% 32% A taxa de elegibilidade diz respeito à proporção entre refúgios concedidos e solicitações de refúgio para determinada nacionalidade. Tendo essas questões em vista, em novembro de 2015 o governo brasileiro decidiu regularizar a situação dos 43.781 solicitantes de refúgio haitianos no país, permitindo que os mesmos solicitem a residência permanente processo popularmente conhecido como anistia 42. Essa medida se manteve restrita à população haitiana já no país até o momento do despacho 43, mas já vinha acompanhada do aumento das emissões de vistos humanitários em Porto Príncipe, como mencionado aqui, e do combate às redes de coiotes 44. Diante do contexto que enfrentam e da ausência de mecanismos legais para regularizar sua situação após uma entrada irregular no país, o recurso às solicitações de refúgio surge como uma forma provisória de solucionar essa questão. 41 Elaborado a partir de ACNUR, 2014. 42 BRASIL, 2015b.. 43 A concessão de visto permanente por razões humanitárias é também garantida às pessoas afetadas pelo conflito na Síria. No entanto, o despacho que permitiu o acesso à residência permanente por solicitantes de refúgio haitianos não garante essa possibilidade de regularização àqueles que cheguem ao país após a publicação do despacho. 44 De acordo com o jornal Folha de São Paulo, as entradas terrestres - frequentemente ligadas com as redes de coiotes - foram 1.321 em janeiro de 2015, caindo para 192 em outubro do mesmo ano. O número de vistos emitidos, por sua vez, foi de 889 em janeiro a 2.221 em outubro. Ver Brasil concederá status de residente permanente a 44 mil haitianos, Folha de São Paulo, 2015. 45 Foram considerados como Extremo Oriente os países China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Hong Kong, Japão e Taiwan. 46 ACNUR, 2014. Os dados sobre refúgio na Ásia presentes nessa seção são todos oriundos desse relatório, exceto quando indicado diferentemente. 47 Elaborada a partir de ACNUR, 2014. Os dados para o Paquistão referentes a 2012 e 2013 não são apontados pois o relatório apenas destaca os quatro principais países em termos de refugiados reconhecidos no ano, e o Paquistão não estava entre eles no período. 48 A taxa de elegibilidade diz respeito à proporção entre refúgios concedidos e solicitações de refúgio para determinada nacionalidade. 46 47

1.4 Fluxo de pessoas do Oriente Médio no Brasil No caso do Paquistão, chama a atenção sua presença entre os países com maior número de refugiados reconhecidos pelo Brasil, ocupando a 4ª maior posição em 2010, a 3ª em 2011 e, novamente, a 4ª em 2013. Percebe-se, ainda, que o grande aumento do número de refugiados reconhecidos foi acompanhado de uma queda na taxa de elegibilidade. Isso indica que houve um crescimento do fluxo geral de paquistaneses para o Brasil, os quais, em sua maioria, não foram reconhecidos como refugiados. Solicitações de refúgio de oriundos de Bangladesh (2011-out/2014) 49 2010 2011 2013 Posição no ranking de países com maior número de solicitações de refúgio 3º 2º 1º Solicitações de refúgio 39 111 1.687 Os nacionais de Bangladesh destacam-se pelo número de solicitações de refúgio, chegando a ocupar o posto de maior número de solicitações em 2013. Cumpre destacar aqui, que apesar do número de pedidos de refúgio feitos por nacionais de Bangladesh ser muito grande no período, o CONARE não concedeu um número expressivo de refúgios. Isso porque o órgão não considerou grande parte desses migrantes como vítimas de perseguições, passíveis do status de refugiado no país. A base de dados 50 compilados a partir do levantamento pelos pesquisadores do Adus aponta 1.885 migrantes oriundos do Oriente Médio para o período 2010 - junho de 2015, o que corresponde a 3,81% do total de migrantes. É importante ressaltar que ao avaliar a proporção desses migrantes em relação ao total de estrangeiros no Brasil, deve-se ter em conta a baixa população do Oriente Médio - para fins de comparação, o Líbano, país de origem mais comum desses imigrantes, tem uma população equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro 51. Dentre os países de origem mais expressivos, encontramos o Líbano (19,26%), seguido da Turquia (14,59%), Israel (11,67%) e Irã (11,41%). Merecem destaque também os egípcios (9,92%) e os sírios 52 (7,64%). Quando observamos o recorte do refúgio, vemos que o número de nacionais de países do Oriente Médio aumentou significativamente nos últimos quatro anos, certamente em razão das crises humanitárias sofridas nesses países nos últimos anos 53. No que diz respeito aos pedidos de refúgio, o relatório do ACNUR aponta que entre 2010 e 2012 os países do Oriente Médio não figuravam entre as nacionalidades que mais solicitam refúgio no país. Em 2013, no entanto, Líbano e Síria passaram a ocupar o lugar de nações com mais solicitantes de refúgio no Brasil. Em 2013, cerca de 320 libaneses e 260 sírios solicitaram refúgio. No ano de 2014, o número de solicitação de refúgio por sírios aumentou significativamente, alcançando 1.075 solicitações. Concessões de refúgio a sírios no Brasil (2012-out/2014) 54 Número de Solicitações 1400 1300 1200 1100 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 2012 2013 2014 Ano 37 284 1183 Em 2013, os sírios passaram a ocupar o primeiro lugar entre as nacionalidades de origem de refugiados reconhecidos no Brasil 50 Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 51 A população do Líbano era estimada em 6.184.701 para julho de 2015 (Cia World Factbook, 2015). A população do Rio de Janeiro, também para julho de 2015, em 49 Elaborada a partir de ACNUR, 2014. Os dados para Bangladesh referentes a 2012 e 2013 não são apontados pois o relatório apenas mostra os quatro principais em termos de solicitações no ano e Bangladesh não estava entre eles no período. 6.476.631 (IBGE, 2015). 52 A proporção de sírios está provavelmente subestimada, pois os dados acessados incluíam apenas 144 sírios. Como será descrito a seguir, isso corresponde a um número muito inferior à quantidade de refugiados que entraram no período (mesmo levando em conta que a base não inclui o total de imigrantes no período). 53 ACNUR, 2014. Os dados relativos a refúgio no Oriente Médio dizem respeito a esse relatório, exceto quando indicado o contrário. 54 Elaborado a partir de ACNUR, 2014. 48 49

1.5 F luxo de pessoas da Oceania no Brasil UNHCR R.Friedman 2014 a segunda nação com mais concessões de refúgio no país (358 pessoas). Hoje, além dos sírios, que representam o maior número de refugiados no país (2.07755), o Líbano é o 5º país com mais refugiados no Brasil (389). Embora não sejam fluxos tão recentes, são também relevantes as comunidades de refugiados palestinos (272) e iraquianos (250). UNHCR Deepesh Das Shrestha Como se vê, os pedidos são acompanhados de rápido aumento no número de concessões, em especial após a emissão da Resolução Normativa nº 17/13 CONARE. Já em 2013, os sírios passaram a ocupar o primeiro lugar entre as nacionalidades de origem de refugiados reconhecidos no Brasil, com 100% das solicitações convertidas em concessões. O número de concessões a libaneses também foi expressivo, tornando-os em Os dados obtidos do SINCRE56 colocam a Oceania como a região com o menor número de migrantes no país, apenas 2,33% dos registros enviados (1.152 dos 49.479) entre janeiro de 2010 e junho de 2015. A grande maioria de migrantes de países da Oceania são nacionais das Filipinas, correspondendo a 41,58% dos registros. O segundo maior grupo de migrantes da Oceania são os australianos, correspondendo a 36,81% do fluxo proveniente da Oceania e o terceiro é da Nova Zelândia, com uma porcentagem de 17,53%. Analisando os dados sobre as formas de regularização usadas por pessoas provenientes da Oceania, vemos o predomínio das autorizações de trabalho. A principal forma de amparo legal usada por esse grupo no período (16,32% do total de imigrantes) diz respeito ao visto temporário de trabalho c/c art. 1º da Resolução 55 ONARE. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. Os números de refugiados nesse parágrafo dizem respeito aos refugiados reconhecidos até julho de C 2015, como informados pelo CONARE. 50 56 Normativa nº 74/07. A segunda maior forma de regularização (7,03%) diz respeito ao visto temporário de marítimo, c/c art. 4º da Resolução Normativa nº 72/06. Por fim, a terceira categoria de amparo legal mais comum para os migrantes da Oceania é a permanência com base em filho ou cônjuge brasileiro, prevista no artigo 75, II da Lei 6815/80, correspondendo a 5,82% dos migrantes desse fluxo, seguida pelo visto de reunião familiar (5,21%), o qual é fundamentado no artigo 1º da Resolução Normativa nº 108/14 do CNIg. Esses dados, quando observados em conjunto com a alta razão entre migrantes temporários (71,7%) e permanentes (28,21%) para o grupo, permitem inferir que o fluxo de pessoas da Oceania é predominantemente motivado por trabalho, sendo a intenção de permanecer no país mais rara. Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015 51

1.6 Fluxo de europeus no Brasil 1.7 Fluxo de norte-americanos no Brasil Os europeus somam 38,06% dos registros da Polícia Federal entre 2010 e junho de 2015, tomando a posição de região de maior ingresso, com 18.831 pessoas 57. Entre os países de origem, destacam-se fluxos antigos - Portugal (10,76%), Itália (9,52%) e Espanha (9,37%) - e dos países mais populosos da Europa - Alemanha (8,76%) e França (8,71%). Principais mecanismos de amparo legal da regularização de europeus no Brasil 56 AMPARO LEGAL FREQUÊNCIA Regularização por cônjuge ou filho brasileiro 6,66% Art. 75 II Lei 6815/80, Parecer 218/85 - CJ/MJ Os norte-americanos representam 5,21% dos estrangeiros no país, sendo o 5º maior grupo de migrantes - à frente apenas do Oriente Médio (3,81%) e da Oceania (2,33%). Se considerarmos a dimensão populacional da América do Norte e a maior proximidade geográfica do Brasil, chama a atenção o baixo número de pessoas oriundas da região - apenas 1,4 pontos percentuais a mais do que o Oriente Médio. Como no caso da Oceania, vê-se um grande predomínio dos temporários (65,45%) sobre os permanentes (34,47%). Isso se repete na análise das principais formas de regularização, que, ao contrário do caso europeu, não revelam uma prática de reunião familiar. Visto temporário de trabalho Art. 13, V Lei 6815/80 c/c Art. 1 Resolução Normativa 74, de 09/02/2007 6,21% Principais mecanismos de amparo legal da regularização de norte-americanos no Brasil 59 Permanência por reunião familiar Art. 1 Resolução Normativa 108/14 CNIg Permanência por reunião familiar c/c Art. 4 Resolução Normativa 36/99 CNIg Visto temporário de técnico Art. 13, V da Lei 6.815/80 c/c Art. 4º da Resolução Normativa 61/07 CNIg Visto temporário de técnico Art. 13, V da Lei 6.815/80 c/c Resolução Normativa 100/13 CNig 5,55% 4,9% 4,37% 4,29% AMPARO LEGAL Regularização por cônjuge ou filho brasileiro Art. 75 II Lei 6815/80, Parecer 218/85 - CJ/MJ Visto temporário de técnico Art 13, V da Lei 6.815/80 c/c Resolução Normativa 100/13 CNIg Art 13, I da Lei 6.815/80 c/c Resolução Normativa 40/99 FREQUÊNCIA 4,77% 3,76% 3,64% No que diz respeito ao amparo legal desse grupo, é interessante destacar nas autorizações temporárias de trabalho a presença dos vistos temporários de técnico, que relacionam os europeus a processos de transferência de tecnologia e de inserção no mercado Visto temporário de técnico Art 13, V da Lei 6.815/80 c/c Art. 4º da Resolução Normativa 61/07 CNIg Art. 13, IV da Lei 6.815/80 c/c Art. 8 da Resolução Normativa 82/08 CNIg Visto temporário de trabalho Art. 13, V Lei 6815/80 c/c Art. 1 Resolução Normativa 74, de 09/02/2007 3,61% 3,33% 3,10% de trabalho como mão-de-obra qualificada. A residência permanente por meio de cônjuge ou filho brasileiro e reunião familiar podem sugerir que parte do fluxo decide permanecer no país apenas após a chegada, sem uma intenção prévia. 57 Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015 58 Elaborada a partir de Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 59 Elaborada a partir de Polícia Federal. [Informação obtida via Lei nº 12.257/2011], 2015. 52 53

a distribuição de imigrantes por região e país de origem - especialmente se esses dados forem combinados à distribuição geográfica dos imigrantes no Brasil - permite realizar ações orientadas à redução das dificuldades linguísticas no acesso a serviços públicos, por exemplo, aumentando a eficiência e efetividade da intervenção estatal para garantir os direitos desta população. É possível, também, a partir das informações, identificar previamente problemas que alguns imigrantes devem encontrar e trabalhar para mitigá-los. Um caso em que isso fica evidente é na análise do perfil dos refugiados. O alto índice de africanos, continente com população predominantemente negra, torna imprescindível que a formulação de políticas de integração para refugiados no Brasil leve em conta a questão racial. Ainda que o detalhamento desta pesquisa não apresente dados com base em gênero e idade, informações sobre mulheres, crianças e idosos na população de imigrantes são também aspectos de extrema relevância. Ao passo que segue crescendo o número global de imigrantes, cresce, também, a necessidade de melhor informação e análise dos fluxos migratórios. UNHCR Frederic Noy Apesar da imigração ter se tornado um tema de destaque nos últimos anos, há grande dificuldade em obter dados sobre os fluxos imigratórios. A fragmentação da gestão da imigração contribui para uma situação de não integração de dados, sendo raras as oportunidades, por exemplo, de observar-se os dados sobre refúgio e migração lado a lado. A transparência ativa do Estado é essencial para que se possam reconhecer, com auxílio de outras organizações, como as organizações da sociedade civil, os desafios postos pelas migrações internacionais e enfrentá-los de forma adequada. Nesse sentido, embora deva-se reconhecer os esforços empregados por órgão públicos para a garantia do acesso à informação mediante solicitação com base na legislação aplicável, a sistematização e a disponibilização ativa de dados sobre migração, levando em conta as especificidades e classificações legais, são essenciais para a formulação e avaliação de políticas públicas. As informações levantadas permitem, ainda, traçar algumas linhas sobre o perfil dos imigrantes no país, com implicações relevantes para, por exemplo, o desenho de políticas de acolhida e integração. Conhecer Lista de referências UNHCR Alfredo D Amato 2. Conclusões e recomendações ACNUR. 2014. Refúgio no Brasil: uma análise estatística Janeiro de 2010 a outubro de 2014. e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2015. BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. 2015a. Relatório da Coordenação Geral de Imigração - CGIg 2014. MORAES, Isaias Albertin de; ANDRADE, Carlos Alberto Alencar de; MATTOS, Beatriz Rodriguez Bessa. 2013. A Imigração Haitiana para o Brasil: Causas e Desafios. Conjuntura Austral, v. 4, n. 20. BRASIL. 2015b. Despacho Conjunto Proferido pelo CONARE/MJ, CNIg/MTE e DEEST/MJ. DOU (Diário Oficial da União), 12/11/2015, p. 48, Seção 1. Observatório das Migrações Internacionais. 2015. Relatório Anual 2015: A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. CIA. 2015 CIA World Factbook. Disponível em <www.cia. gov/library/publications/the-world-factbook> Acesso em 18/02/2016. Organização das Nações Unidas, Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais - Divisão de População. 2010. International Migration Report. Campillo-Carrete, Beatriz. 2013. South-South Migration: a review of the literature. ISS Working Paper Series / General Series (Vol. 570, pp. 1 98). International Institute of Social Studies of Erasmus University (ISS). Polícia Federal. Informação adquirida via Lei nº 12.527/2011 [30 jun. 2015]. Mensagem eletrônica n.º 113/2015-SIC/DIREX/DPF - Resposta ao pedido de informação 08850002079201507. CONARE. Informação adquirida via Lei nº 12.527/2011 [25 set. 2015]. Resposta ao pedido de informação nº 08850.002948/2015-95. Brasil concederá status de residente permanente a 44 mil haitianos. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 nov. 2015. Mundo. TELES, Teresa Cristina. 2013. Nzambi ikale ni enhe! Histórias de vida de imigrantes angolanos em São Paulo. Dissertação de mestrado. Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. IBGE. 2015. Estimativas da população residente no Brasil 54 55