O Que é Que os Famosos Têm de Especial?

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Transcrição:

Ana Jorge O Que é Que os Famosos Têm de Especial? a cultura das celebridades e os jovens portugueses

Este livro respeita a ortografia anterior ao novo Acordo Ortográfico de 1990 título: O Que é Que os Famosos Têm de Especial? A Cultura das Celebridades e os Jovens Portugueses autor: Ana Jorge 2014, Ana Jorge 2014, Texto Editores capa: Joana Tordo revisão: José Eduardo Didier paginação: LeYa impressão e acabamentos: Multitipo 1. a edição Junho de 2014 Depósito Legal: 374 804/14 ISBN: 978 972 47 4686 7 Reservados todos os direitos. Texto Editores, Lda. (Uma Editora do Grupo Leya) Rua Cidade de Córdova, 2 2610 038 Alfragide Portugal Tel.: 21 427 22 00/Fax: 21 427 22 01 www.textoeditores.com www.leya.com É proibida a reprodução desta obra por qualquer meio (fotocópia, offset, fotografia, etc.) sem o consentimento escrito da editora, abrangendo esta proibição o texto, os desenhos e o arranjo gráfico. A violação destas regras será passível de procedimento judicial, de acordo com o estipulado no Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos. famosos_1a288.indd 6 4/23/14 6:20 PM

Porque raio é que a Geena Davis saiu na capa da merda da Vanity Fair? Acaba de sair algum filme com ela? Não. Está a fazer alguma coisa nova? Não! Que porra! O mundo a desmoronar se e está se tudo nas tintas. Como é que tais coisas acontecem? Evitando olhar para a Lauren Hynde, encolho os ombros em simpatia. Sabes bem como é: um anúncio de sapatos aqui, uma voz off acolá, uma figuração especial nas Baywatch, um filme independente mauzote e, de repente, BUM! Val Kilmer! Se calhar, tem cancro Lauren encolhe os ombros. Se calhar gastou uma fortuna em compras. Glamorama, Bret Easton Ellis

Índice Introdução... 11 CAPÍTULO 1: As Celebridades e os Media.... 17 História e significado da celebridade... 17 Significado cultural da celebridade... 24 A celebridade e os media... 29 O poder das celebridades.............................. 43 CAPÍTULO 2: Consumo e Cidadania Juvenil e os Media.... 51 Consumo, culturas e estilos de vida juvenis.... 52 Cidadania e participação juvenil... 60 CAPÍTULO 3: Audiências e Fãs de Celebridades.... 67 Fãs e fanáticos... 67 Os estudos sobre os fãs... 69 Todos somos fãs, mas não somos apenas fãs... 71 Em torno do conceito de fã... 74 Jovens e celebridades: de fãs a audiências... 76 CAPÍTULO 4: Apresentação do Estudo: «A Cultura das Celebridades e os Jovens: Do Consumo à Participação».... 81 Metodologia e implementação... 83 CAPÍTULO 5: As Famílias e a Celebridade.... 93 Ambientes culturais e mediáticos no lar... 98 O conceiro de celebridade entre os jovens: autenticidade, mobilidade e individualismo... 119 CAPÍTULO 6: Celebridades, Individualidades e Culturas Juvenis.. 143 Uma coisa de raparigas?... 145 Celebridades e pares... 157

CAPÍTULO 7: Perfis dos Jovens como Audiências da Cultura das Celebridades....................................... 173 Com o olhar nas estrelas.... 175 Crescer a entrar ou a sair da celebridade... 185 «São famosos e mais nada»... 190 CAPÍTULO 8: As Celebridades, os Media e o Consumo nos Quotidianos dos Jovens... 195 Os lugares do consumo.... 195 As celebridades e os media... 199 As celebridades e os produtos... 209 Consumir celebridades... 217 CAPÍTULO 9: Celebridades, Cidadania e Participação... 229 Direitos de autor e literacia... 230 Privacidade e legitimidade dos media.... 238 Do individualismo ao cosmopolitismo: na semiperiferia... 244 As celebridades e a juventude: filhos de celebridades e visibilidade para problemas sociais da juventude... 250 Celebridades e participação pública e política.... 255 CAPÍTULO 10: Jovens e Celebridades: Conclusões Finais.... 265 Referências Bibliográficas.... 273

Introdução Tornou se um lugar comum citar Andy Warhol e a sua profecia de que no futuro, todos terão os seus 15 minutos de fama. O futuro dos anos 1960, contemporâneo da expansão da televisão nos Estados Unidos da América (EUA), é o nosso presente. Mas actualmente essa profecia corre o risco de se tornar ultrapassada por uma fama ainda mais fugaz e transitória, trazida pela voragem de uma televisão fragmentada e pelos media digitais. Por outro lado, tornou se também um cliché considerar que os jovens querem ser famosos quando crescerem, mesmo que não saibam em quê. Como diz Zygmunt Bauman: Nesse sonhos [dos jovens], «ser famoso» representa nada mais (mas também nada menos!) do que desfilar em capas de milhares de revistas e milhões de ecrãs, ser visto, repararem em si, falarem dele e, portanto, presumivelmente, ser desejado por muitos (2007: 13). Será assim ou os media reproduzem ideias que lhes são convenientes? O que significa esta tentativa de alcançar a celebridade por parte de alguns jovens? E como se relaciona a maioria dos jovens com esta cultura? Não só a relação entre celebridades e jovens é complexa como são ambos, por natureza, objectos dinâmicos, fluidos e mutantes. Cada celebridade tem sempre algo de único (quer seja admirável ou condenável pelas audiências), mas também algo de comum e semelhante a tantas outras. Os jovens, por seu lado, não são um grupo homogéneo, mas marcado por muitas diferenças e evoluções. O desafio era, por conseguinte, investigar este fenómeno num tempo específico, mas oferecer uma reflexão abrangente. 11

Iniciámos esta investigação sobre as celebridades e os jovens em 2008 e, nessa altura, era Amy Winehouse e a decadência do consumo de drogas e álcool que chamavam a atenção constante dos media. Em inícios de 2009, a morte anunciada, devido a um cancro, de uma antiga estrela do reality show Big Brother inglês, tornada celebridade de corpo inteiro, Jade Goody, tornou se uma novela nas revistas, com os tablóides britânicos a ditarem o passo. Em 2010, Cristiano Ronaldo aqueceu o Verão informativo, tradicionalmente mais parco em acontecimentos políticos, com a notícia da paternidade de uma criança cuja mãe permanecia (permanece) incógnita. No início de 2011, a morte do colunista Carlos Castro em Nova Iorque, alegadamente assassinado pelo seu companheiro, um jovem modelo, motivou meses de cobertura jornalística em todos os media noticiosos e nos media de celebridades; o casamento real do príncipe William de Inglaterra tornou se um fenómeno global; o cantor, actor e modelo Angélico morreu num acidente de viação; a actriz Sónia Brazão ficou gravemente ferida numa explosão em sua casa e foi investigada por suspeitas de tentativa de suicídio. Ao mesmo tempo, outras celebridades surgiam e desapareciam mais ou menos rapidamente: Susan Boyle, uma solteirona inglesa de meia idade tornada cantora de sucesso num concurso de talentos, deu horas e páginas de cobertura sobre uma figura com uma imagem improvável, porque pouco jovem e pouco bela, para o mundo do espectáculo; outros vídeos na Internet, sobretudo através das redes sociais, tornaram famosos Hélio Imaginário, um rapaz que se aventurou num skate e deixou uma queda aparatosa registada em vídeo, tendo, algum tempo mais tarde, aceitado entrar na Casa dos Segredos; e Rebecca Black, uma jovem que queria ser famosa e a quem o pai pagou um videoclip para a canção «Friday», cuja popularidade estaria associada à sua ridicularização. Em Portugal, principalmente o caso do homicídio do colunista social pelo namorado reacendeu o discurso de que os jovens querem ser famosos a qualquer custo (Público, 23/01/2011). O desenvolvimento desta indústria no nosso país é espelhado também na cultura popular, por exemplo, no filme A Bela e o Paparazzo (Vasconcelos 2010). 12

Quando partimos para o terreno para entrevistar jovens entre os 12 e os 17 anos, em 2009, estávamos perante uma geração que nasceu depois do aparecimento das televisões privadas, SIC e TVI, em 1992 (SIC, 26/09/2010). As mudanças por que o país passava, não só nos media mas também a nível económico e social, reflectir se iam nestes jovens. Navegando nas redes sociais, é muito fácil encontrar perfis de jovens que usam imagens ou nomes adaptados de celebridades: desde pré adolescentes com avatares ou fotos de perfil de Miley Cyrus a nomes como Catherine Cullen, provavelmente uma fã da saga Crepúsculo. As celebridades espelham a sua admiração e o seu desejo de se fundirem com essas personagens ou personalidades públicas, ou servirão apenas como rosto fictício e capa de autoprotecção face aos supostos perigos da Internet? Ao longo dos anos, surgiram alguns concursos de talentos em versões infantis (Mini Chuva de Estrelas, Uma Canção para Ti), mostrando simultaneamente o fascínio das audiências pelas figuras dos mais pequenos e a vontade destes em aparecer em lugares de projecção em que vêem habitualmente os adultos. Por outro lado, com a consolidação da reality television, incluindo concursos de talentos, no nosso país (sobretudo depois do ano 2000, com o aparecimento do Big Brother, na TVI) ou com as produções de ficção nacional, muitos jovens mostram vontade, estando, por vezes, dispostos a ir até qualquer ponto, de participar nesses ambientes, de forma a conseguirem alcançar a fama. Os castings para a série Morangos com Açúcar atraem anualmente muitos jovens que tentam representar na série, e isso pode até servir de chamariz para esquemas de grooming na Internet (Correio da Manhã, 9/2/2012). Os estudos das celebridades e os dos fãs são campos académicos recentes e, por isso, com pouca expansão em Portugal. Por conseguinte, ao desafio de dar uma dimensão local a este campo eminentemente anglo saxónico acrescentava se o de contribuir para «o trabalho sobre a recepção da celebridade, especialmente a um nível empírico, [que] é particularmente escasso» (Holmes e Redmond 2010: 6). Por outro lado, nem todos se declaram fãs de 13

celebridades, pelo que era nosso objectivo procurar as audiências menos óbvias das celebridades (Duits e Vis 2009: 42). Indissociáveis que são as celebridades, os media e as suas audiências, a análise tenta recorrer a uma perspectiva holística, que dê conta da economia política por detrás destas indústrias, dos discursos que produzem e de como as audiências, particularmente juvenis, delas fazem sentido. Como diz o autor britânico Nick Couldry, «ainda que [ ] seja incerto o quão importante o discurso da celebridade é nas articulações das identidades de um indíviduo, a ideia de que as acções da celebridade exigem atenção especial é reproduzida continuamente» (2006: 46), o que faz intuir o mito sobre o poder dos media nas sociedades contemporâneas. Que questões coloca esta celebridade difusa sobre a cultura contemporânea, sobre o lugar dos media nessa cultura, e sobre o lugar que os media constroem para as audiências, particularmente as juvenis? O nosso estudo partiu da realidade objectiva, material, iniludível de desigualdade e diversidade social entre os jovens, tentando captar as suas diferentes implicações em termos da esfera privada e da esfera pública. Ao mesmo tempo que se reflectiu sobre a própria interligação entre essas esferas, procurou se compreender o papel das famílias e dos pares, sobretudo, na definição da relação com as celebridades e, por extensão, com os media e as suas implicações em termos de identidades dos jovens. Não é coincidência que «os portadores principais da mitologia das estrelas, as mulheres e os jovens, [sejam] por sua vez os elementos bárbaros menos integrados culturalmente na nossa sociedade», dizia Edgar Morin nos anos 1970 (1972: 9). Ao atentar nos consumos, representações e discursos em torno das celebridades que os jovens mantêm, como podemos deslindar as ideologias que aqui se agitam? Que identidades juvenis são construídas e projectadas por este objecto cultural de consumo aparentemente passageiro e de que formas lidam os jovens com ele? Os estudos dos media têm que estudar o que as pessoas realmente vêem, e não apenas o que se supõe que deveriam ver, de acordo com perspectivas normativas ou ideológicas (Curran 14

2010). Isto não quer dizer que devam simplesmente constatar o que se passa entre os media e as pessoas, mas nortear se por uma tentativa de avaliar o equilíbrio de poder e, eventualmente, contribuir para o repor, mais ainda quando se trata de audiências juvenis, um grupo que, como veremos no próximo capítulo, tem pouco poder na sociedade. Se Jenkins sublinha que «os cidadãos podem ser mais poderosos no seio de uma cultura de convergência, mas apenas se conseguirem usar e reconhecer esse poder enquanto consumidores e cidadãos, como participantes da nossa cultura» (2006b: 260), concluiremos este trabalho com recomendações que apontam caminhos para a participação dos jovens na cultura e sociedade. Para oferecer uma perspectiva da celebridade como mercadoria cultural, do ponto de vista da recepção dos jovens portugueses, começamos neste livro por dar conta da raiz cultural da celebridade e da sua relação com a cultura juvenil, remetendo para as implicações em termos de consumo e de participação pública, nos capítulos 1, 2 e 3. Apresentamos, em seguida, a contextualização do estudo empreendido, nomeadamente a nível de investigação de doutoramento, especificando as questões, as opções e os procedimentos adoptados. Os capítulos seguintes apresentam os resultados do nosso estudo, em função dos factores que considerámos mais marcantes. No capítulo 5, exploramos a influência das famílias no consumo dos media e, particularmente, dos media de celebridades, bem como nas visões sobre o valor social dos famosos, que são relacionados com a percepção da fama como projecto, válido ou não, de vida individual dos jovens. O capítulo 6 foca as particularidades individuais dos jovens, especialmente em torno do género e da idade, bem como as relações com as culturas de pares juvenis. Chegamos, então, no capítulo 7, a uma classificação dos jovens segundo uma tipologia de perfis de audiência da cultura das celebridades, que mostra a relação entre os diferentes grupos. Nos capítulos 8 e 9 analisamos as diferentes dimensões implicadas na cultura das celebridades relativamente à esfera do 15

consumo e à da cidadania, respectivamente. As conclusões, no capítulo 10, oferecem uma visão geral, uma reflexão sobre o trabalho e algumas implicações para as políticas e para a pesquisa. Com este relato, a partir de entrevistas com 48 participantes de diferentes contextos, esperamos dar conta da relação dos jovens com a cultura das celebridades no contexto das suas práticas quotidianas, da sua inserção na família, na escola e em outros círculos sociais e culturais, resgatando os contactos mais ou menos fugazes, intensos ou despercebidos que se dão com este importante símbolo da cultura comercial dos media. A sua banalidade não impede nem compromete mas, pelo contrário, é essencial para o seu poder cultural de influenciar a formação de identidades. Esperamos, assim, dar resposta a uma pergunta de uma criança de sete anos: «O que é que os famosos têm de especial?» A investigação começa, ou acaba, sempre com perguntas que nos levem a ver o mundo com novos olhos. 16

CAPÍTULO 1 as CELEBRIDADES E OS MEDIA História e significado da celebridade A cultura das celebridades é um fenómeno que tem muita força na contemporaneidade, mas sempre houve uma tendência para distinguir alguns membros da sociedade. Essa distinção variava de acordo com o valor do indivíduo em cada época histórica, pelo que as figuras mais proeminentes de cada época nos revelam também um pouco dos valores da sociedade em que se inseriam (Garland 2006). Além disso, era possibilitada também pelas condições materiais de difusão. As tecnologias são fundamentais na expansão da fama: «à medida que cada novo meio da fama aparece, a imagem humana que transporta é intensificada e o número de indivíduos celebrados expande se» (Braudy 1997: 4). Por isso, embora os media tenham acelerado a difusão da celebridade, ter uma perspectiva desta como estando na continuidade de outras formas de fama ajuda a desdramatizar algumas avaliações mais extremadas sobre o seu valor cultural e social. Theodor W. Adorno e Max Horkheimer denunciavam, já na década de 1920, a «idolatria metódica da individualidade» (2007: 37) promovida pelo cinema. As figuras das indústrias culturais, instrumentos do entretenimento que visava o lucro, condicionavam a imaginação e expectativas de vida, de beleza e de sucesso das audiências. Além disso, esta idolatria fazia com que as audiências se satisfizessem com as suas vidas, vivendo nos ecrãs as vidas individualizadas, e o cinema mostrava estar sempre à procura de talento, iludindo o público sobre a possibilidade ínfima de vir a ser conhecido (ibidem: 39). Esta corrente de críticos considera que «não há celebridade antes do início do século xx» (Schickel 2000: 23), e que são os 17

media e as indústrias culturais que as criaram. Estes seriam os responsáveis por destruir um tempo áureo em que a fama correspondia a um certo heroísmo, a feitos assinaláveis, de extraordinárias grandeza e nobreza. Daniel Boorstin, em 1961, diria que as pessoas célebres, «conhecidas por serem conhecidas» (2006: 79), eram pseudo acontecimentos humanos, criados para os media. As celebridades seriam «entretenimento humano» (Gabler 1999: 157), pensado e concretizado da mesma forma que um produto cultural de massas. Outra corrente, mais optimista ou democratizante, celebra o papel da cultura popular. Autores como Hartley, Fiske, Cashmore ou Lumby acreditam que ela traz uma maior abertura do discurso público a actores, temas e modos. Hartley destaca «os aspectos variáveis da esfera pública, em que importantes discursos civis estão a ser desafiados, discutidos e debatidos através dos corpos das celebridades» (2004: 40). Lumby (1999) sublinha especialmente o que a cultura popular significou em termos dos ganhos das mulheres no espaço de visibilidade pública. Uma perspectiva mais neutra sublinha o papel de mediação que sempre esteve inerente aos processos de fama: «a fama e os feitos que ela representa estiveram sempre dependentes da gestão dos media» (Evans e Hesmondhalgh 2005: 20). Aliás, não haveria memória histórica desses factos se não fosse pela sua expressão pública, necessariamente manipulada (Braudy 1997). A celebridade corresponde a uma forma concentrada de visibilidade que foi acelerada com os media, mas não é vista de modo pejorativo. Estes mostram que «em finais do século xviii se tornou possível ser famoso simplesmente por se ser si próprio» (Mole 2008: 347) e mesmo que «outras sociedades no passado disseminaram imagens de pessoas especiais para admiração, emulação e medo fossem padres, generais, deuses, reis, santos ou líderes políticos quando era bastante evidente que os seus feitos não eram sempre merecedores de tal ou altruístas» (Evans e Hesmondhalgh 2005: 20). 18

Pré história da celebridade Considera se que a primeira figura na história da fama foi Alexandre III da Macedónia, auto rebaptizado o Grande. Esforçando se por superar os seus antecessores e por se mostrar como alguém que se fez a si próprio e não herdou o estatuto, apostou fortemente no controlo da sua representação, tendo contratado historiador, pintor, escultor e outros artistas para o glorificarem (Braudy 1997). Já na cultura grega, a Pheme era uma divindade alegórica, com «cem olhos sempre abertos e cem bocas incansáveis, [ ] divulgando com a mesma segurança o que sabe e o que ignora, o bem e o mal, a verdade e a mentira» (Humbert 1980: 112), numa amálgama da boa fama com o rumor e o escândalo. Por seu turno, Ossa era uma divindade neutra da fama e da infâmia, do rumor e da difamação, que tanto podia vir através de vozes e sons, como através dos olhos. Em Roma, a acepção de fama celebrava o Estado, e não o indivíduo. Era o colectivo a ser alvo de honras e glórias e cada indivíduo procurava afirmar se como (o melhor) representante dos valores da sua classe (Braudy 1997: 66). No entanto, facilmente a procura de reputação pessoal pelos cidadãos e líderes políticos ultrapassava o estrito serviço público, tal como acontecia entre os artistas, que tentavam ocupar um lugar na galeria da fama. A Fama romana era um conceito literário, mais do que uma divindade, do rumor, equivalente a reputação, opinião, notícia. Os Romanos tinham consciência da ambiguidade da fama e enfatizavam a capacidade de um rumor para destruir uma reputação (ibidem: 31). Já nestes momentos da pré história da fama se notam a performatividade e a auto reflexividade que ainda hoje lhe estão associadas. A procura de reconhecimento fazia se perante uma audiência presente, juiz impiedoso das acções dos cidadãos. Nesses ambientes, o número de aspirantes à fama era crescente, tal como era a dificuldade do indivíduo para se distinguir. Isto só era possível num ambiente de relativa mobilidade social: embora 19

os nomes das grandes famílias tivessem um peso fundamental, podia se negociar o estatuto social, sobretudo pela via militar, mas também económica ou judicial. Nestas culturas que valorizavam a performance em público, são os homens que obtêm fama, enquanto as mulheres e as crianças ficam remetidas ao domínio doméstico, privado e íntimo. Contudo, durante a Idade Média, o homem público dá lugar à figura do eremita e são valorizados o recolhimento e o isolamento. Isso ficou a dever se à vigência da ideologia cristã, que defendia um reconhecimento póstumo, em vez de imediato. Servir a Deus é valorizado sobre a «ignominiosa glória» individual, diz Santo Agostinho (ibidem: 194). Daí que poucas figuras emergissem, excepção feita a Carlos Magno ou Francisco de Assis, embora as suas figuras tivessem sido resgatadas pelo Renascimento. O valor do indivíduo, central à cultura das celebridades, começava a alterar se. A Divina Comédia de Dante simboliza a superação da ideologia medieval e renascentista, ao retratar a «preocupação constante em adjudicar quem merece ser recordado, por que razão e de que forma» (ibidem: 232) para além da vida. No Renascimento, passa a haver uma «busca obsessiva por fama individual» (ibidem: 250), que também é retratada e vivida por Petrarca (Scher 1994). Contudo, tendo alcançado fama internacional durante a vida, Petrarca ressentiu se dela, porque «lhe trazia fãs indesejados e imitadores [...] quando viajava pelas cidades» (Braudy 1997: 257), fazendo adivinhar a relação tensa com os fãs ou admiradores. A estas mudanças culturais sobre o valor do indivíduo juntam se novas tecnologias materiais, nomeadamente a imprensa. «O aparecimento da imprensa permitiu a face negociável, anteriormente posse exclusiva dos ricos, para se tornar num meio de troca cultural mais geral» (ibidem: 266), de tal forma que, no século xviii, existia já «o início de uma cultura da fama europeia internacional, em que uma enorme variedade de novos grupos sociais, económicos e políticos usavam os poderes dos media em expansão para se posicionarem [...] no vazio de 20

autoridade cultural, desafiando as monarquias e aristocracias» (ibidem: 371). Com a difusão do livro, destruía se a divisão entre a (boa) fama das elites, através das palavras e imagens, e a (má) fama das multidões, através das vozes e rumores, que a Fama romana continha. Ao longo dos séculos xv e xvi, mais e mais indivíduos usaram géneros como a genealogia, a biografia ou o retrato na tentativa de estabelecerem a sua figura pública, contribuindo para reforçar a importância da imagem sobre a palavra. Esta supremacia visual, que conhece o seu expoente máximo no rosto 1 e está associada à valorização do individualismo, é determinante para a consolidação da cultura moderna da fama. Assim, o indivíduo famoso é aquele cuja face é reconhecida por mais pessoas do que as que ele próprio reconhece (Gilbert in Rutherford 2003: 87). Símbolo disso era a medalha de retrato, «um dos meios mais originais e completos de realizar o desejo de fama e imortalidade da Renascença» (Scher 1994: 13), já que chegava a audiências distantes, que a podiam apreciar em pormenor. Também a noção da audiência se torna preponderante: as representações e encenações de poder, simbolizadas por Luís XIV, externalizavam a figura da audiência. Assim, os pseudo acontecimentos não foram exclusivos do século xx, mas poder se iam aplicar a Luís XIV (Burke in Evans e Hesmondhalgh 2005: 20 21). Nessa explosão de representações, a audiência não era passiva, mas determinante para decidir da fama dos pretendentes, como hoje acontece com os fãs. Por outro lado, também os artistas, como intermediários da fama, ganhavam crescente importância cultural e social, «ao mesmo tempo que questionavam o seu papel numa sociedade em que a fama e a celebridade, alimentadas pela difusão da impressão, se tornavam cada vez mais comuns» (Braudy 1997: 286; Postle 2005). Também isso se encontra n Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões: «E aqueles que por obras valerosas/ Se vão da 1 É interessante, a este respeito, que o título da mais importante revista social nacional seja Caras (Edimpresa), criada em 1995, a partir de um formato comprado na Argentina; a revista também é publicada no Brasil (Moraes e Rocha in Torres e Zúquete, 2011). 21

lei da Morte libertando./ Cantando espalharei por toda a parte,/ Se a tanto me ajudar o engenho e arte.» (Canto I, 2). Os artistas negoceiam a ambição de fama como distinta de narcisismo ou procura de vantagens materiais e fazem eco da moralidade da fama: esta seria legítima se não fosse interessada, num esforço reflexivo ou mesmo calculista. Os Românticos, especialmente Rousseau, alimentavam essa esperança de um reconhecimento pela sua natureza excepcional e única, mas estando fisicamente ausentes do público, o que dá a ver a tensão permanente entre a fama imediata e a póstuma (Postle 2005: 17). A celebridade moderna A celebridade moderna floresceu, por um lado, com «a industrialização da imprensa de final do século xviii e início do século xix» (Mole 2008: 343) e, por outro, com novos valores decorrentes dos processos de independência dos EUA e da Revolução Francesa, que abriram «um forte mercado livre da fama» (Braudy 1997: 393). A fama, mais perene, e a celebridade, mais imediata e efusiva, passam a coexistir (Postle 2005: 62). «A fama, embora de modo desigual, tornou se lentamente associada à mobilidade social e não à posição social atribuída ou herdada» (Evans e Hesmondhalgh 2005: 23) e tinha uma forte manifestação no contexto das grandes cidades. «Numa grande cidade a busca da fama torna se um fim em si mesmo» (Sennett 2006: 30). A celebridade parece, assim, desligada do mérito e acaba por ser vista como inferior à fama, pelo que alguns artistas se retiram da vida pública e reclamam para si o reconhecimento pela criatividade cultural. A celebridade já não era «algo que se tinha, mas algo que se era» (Mole 2008: 346), mudança que ficou vertida no Oxford English Dictionary de 1849. «Em meados do século xix, uma série de mudanças dramáticas nos media de publicidade e comunicação estabeleceu a celebridade como um fenómeno de massa» (Gamson 1994: 19). Por um lado, os avanços tecnológicos (telégrafo, impressora 22

rotativa, fotografia), aliados à profissionalização dos repórteres, ajudaram a recentrar o jornalismo em torno da actualidade, em vez do interesse político partidário. Beneficiando também das crescentes alfabetização e concentração urbana, a imprensa procurava captar audiências com estórias de interesse humano. A audiência torna se mais vasta e «começava a esperar alguma participação na criação da grandeza dos seus ídolos como um espelho da sua própria» (Braudy 1997: 407). A fotografia foi um meio especialmente potente para tornar possível a disseminação uniformizada da imagem (Baldwyn e Keller 1999). O fascínio da imprensa sensacionalista pelos criminosos tornava os figuras na galeria dos célebres, conferindo lhes «notoriedade, se não fama» (ibidem: 26), como acontece com a figura de Jack, o Estripador, de finais do século xix. Um vestígio desse fascínio é a colecção de Madame Tussaud, em Londres, que começou por incluir não só figuras de cera de poetas e cientistas, mas também de criminosos. Por outro lado, com o enfoque na imagem, também a separação entre público e privado ruiu e a celebridade «nasceu no momento em que a vida privada se tornou um bem público comerciável» (Postle 2005: 64). O século xix «introduz na história da fama uma variedade de confusões complexas sobre a linha entre a vida pública e privada» (Braudy 1997: 415). Cada vez mais ávida por factos da vida privada, a audiência retira aos célebres o controlo sobre a sua fama: exemplo disso foi Lord Byron, que escreveu ele próprio sobre a fama e teve fama literária, mas se sentiu ultrajado quando a sua vida privada foi publicitada pelos jornais europeus (ibidem). No entanto, foi também a sua divulgação fora da academia que permitiu alargar o seu público, como aconteceria a autores do século xx, como Hemingway ou Rushdie. Em suma, a celebridade emerge na sequência de «três grandes processos históricos inter-relacionados: a democratização da sociedade; [...] o declínio da religião organizada; [...] a comodificação da vida quotidiana» (Rojek 2001: 13). Numa sociedade massificada e atomizada, as celebridades permitiriam que os indivíduos falassem sobre os outros sem risco social e 23

ofereceriam pontos de referência comuns (Hinerman 2001: 203). As celebridades podem também ser vistas como resultado da individualização que marca as sociedades contemporâneas, sobretudo a partir da segunda metade do século xx, em que «a identidade humana [passa] de um dado a uma tarefa» (Beck e Beck Gern sheim 2003: 15), incluindo através do consumo (Bauman 2007; Giddens 1994). Significado cultural da celebridade Neste processo histórico, a celebridade ficou associada a um conjunto rico de significados culturais. Na Grécia ou Roma antigas, não existia correspondente directo para celebridade, sendo termos próximos reputação, distinção, carisma (Garland 2006: 5). Ora, em Weber, o conceito de carisma constitui uma forma de legitimação da autoridade que se opõe à autoridade burocrática, estabelecida numa base racional. «O termo carisma aplicar se á a uma certa qualidade de uma personalidade individual, por virtude da qual é separada dos homens comuns e tratada como dotada de poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre humanas, ou pelo menos especificamente excepcionais» (2006: 61), de que pedem provas constantes (ibidem: 63). O termo celebridade tem outros próximos: estrela, vedeta, VIP (Very Important People 2 ), personalidade, figura pública, mas também os famosos, os notáveis, jet set 3, traduzindo a ideia de eleitos num mundo autónomo e especial. O termo ídolo 4 é por 2 Uma das revistas «cor de rosa» publicadas em Portugal segue precisamente esse título: a revista VIP é publicada em Portugal desde 1997. 3 Grupo que viaja de avião a jacto. Expressão que deu título ao programa de celebridades da televisão pública RTP, Jet 7, que começou a ser emitido em 1997, apresentado nas suas várias temporadas por Cristina Caras Lindas, Adelaide de Sousa, Margarida Mercês de Mello e Sofia Sá da Bandeira. 4 Esta associação está contida no título do concurso Ídolos, um programa de talentos com várias edições em Portugal, incluindo, em 2010, pela SIC, a partir do formato britânico Pop Idol, com grande popularidade na adaptação americana, American Idol. 24

vezes referido como semelhante, mas subentende a ideia de um reconhecimento e uma relação de admiração por parte de um público ou fãs. O mais comum, estrela, vem sobretudo da construção das figuras do cinema pela indústria, incluindo «a organização sistemática da vida privada pública», que as mostra ao mesmo tempo como simples e magníficas (Dyer 2005: 55). Assim, «a celebridade não é meramente um produto ou estatuto, mas um sistema intricado através do qual é produzido significado e são constituídas relações sociais» (Bell 2010: 5). Por outro lado, referindo se aos indivíduos, o conceito de celebridade envolve uma imbricação da vida pública e privada. É sempre multimédia e intertextual (Dyer 2005), quer dizer, não só abarca figuras de diferentes áreas (desporto, política, cultura, etc.), como circula em vários media e níveis de visibilidade Como referimos, a ideia de mérito e de ascensão social está subjacente à de celebridade, pelo que se identifica com o neoliberalismo (Littler in Rutherford 2003). Rojek tem uma taxonomia para os tipos de celebridade consoante a sua elevação ao estatuto: herdado quando é passado por linhagem, seja de nobreza ou outro tipo; conquistado, quando resulta de feitos artísticos ou desportivos, ou de capacidades raras; e atribuído, quando «é grandemente o resultado da representação concentrada de um indivíduo como notável ou excepcional por intermediários culturais» (2001: 17 18). Este último tipo expandiu se graças aos media de massas, mas não esgota a concepção de celebridade. Para estes, Rojek reserva o termo celetoid, «uma forma de celebridade comprimida, concentrada, atribuída» (ibidem: 20): a sua visibilidade é passageira e resulta de construções dos media, desde os reality shows a fenómenos episódicos, que parecem justificar se a si próprios economicamente (Turner 2006). Por isso, a ideia de talento também lhe está associada, particularmente em relação à celebridade conquistada e às indústrias culturais 5. As celebridades parecem ter um talento excepcional e inato, mas também têm de se esforçar, e trabalhar, bem como 5 Algumas agências de celebridades e modelos chamam se de talentos. 25

mostrar se próximas das audiências, e ser capazes de parecer comuns (Tolson 1991). Schickel denuncia isso como um mito apenas para aproximar a audiência da estrela (2000: 77). Assim, por um lado apenas alguns com talento terão capacidade de aceder à celebridade, mas essa passagem é aleatória e até arbitrária (Turner et al. 2000: 105), o que coloca o elemento de sorte nos discursos das celebridades. Isto significa também, por outro lado, que «a legitimidade da celebridade é sempre radicalmente provisória» (ibidem: 13): o estatuto de celebridade é precário e não adquirido definitivamente. É precisamente aí que se pode localizar o poder fundamental dos media neste sistema, já que a reiteração da visibilidade da celebridade é vital para a sua existência enquanto tal. Assim, compreende se que as realezas, que se poderiam identificar como um tipo herdado de celebridade, tenham vindo a integrar esta cultura, pois também dependem da visibilidade mediática para a manutenção do seu poder simbólico (Schickel 2000: 26). Há uma constante pressão sobre as celebridades, a um tempo necessária e perigosa à sua constituição: faz também parte do imaginário do universo das celebridades a ideia da ascensão e da queda, quando a figura famosa parece perder a sua capacidade de estar em público ou deixa de conseguir estabelecer contacto com a audiência que lhe reconhece(u) valor. Esta pressão é ainda maior sobre os desportistas, que continuamente têm de demonstrar, dentro e fora de campo, o seu talento e coerência (Smart 2005; Whannel 2002). De facto, há um certo fascínio pela decadência e pela vida transgressora, que não é possível ao comum dos mortais e que, por isso, lhe oferece satisfação enquanto audiência (Cashmore 2006), como já acontecia no século xix com os criminosos. No entanto, algumas figuras conseguem um comeback, reabilitam se e voltam à ribalta, como aconteceu com Drew Barrymore, estrela enquanto criança no filme ET de Steven Spielberg em 1982, que teve uma infância e adolescência marcadas por drogas, mas conseguiu reafirmar se como actriz em Hollywood. 26

Também por esta instabilidade, uma noção fundamental é a de autenticidade, que relaciona a celebridade com um certo valor de verdade iniludível, uma narrativa pessoal forte que possa «resistir ao teste da examinação repetida» (ibidem: 105). A ideia de ser eu próprio é comum nos discursos das celebridades e também entre concorrentes de reality shows e contrasta com a ideia de uma representação e encenação constantes, mas exibe o «paradoxo» de «a projecção de uma imagem pública poder simultaneamente contribuir para uma forma de ser autêntico» (Tolson 2001: 444). Por isso, são valorizadas as celebridades que tenham uma performance pública que não é percebida como representação nem que pareça interessada na vantagem do lucro. Por outro lado, as celebridades são levadas a uma narrativização das suas biografias (Whannel 2002), ou seja, a construírem uma história para a «vida pré fama» (Littler in Rutherford 2003: 23), por vezes exagerando as dificuldades que tiveram que ultrapassar para acederam à fama 6. Quanto mais complexa é a biografia da celebridade, mais pontos de identificação abre para diferentes audiências. Por vezes, exageram o sofrimento em que vivem, num projecto melodramático (Gledhill 1991), mostrando que o dinheiro não lhes traz felicidade e estabelecendo ligações com o sofrimento dos fãs (Dyer 2005). Assim, a autenticidade é também ela encenada. Madonna será possivelmente o exemplo contemporâneo mais consistente de uma «artista de performance conceptual» (Gabler 1999: 167), que faz da reflexividade uma peça central da sua narrativa de fama. As celebridades e os media convidam as audiências a partilhar a sua esfera de intimidade «como uma aproximação sem mediação das suas existências efectivamente vividas» (Holmes e Redmond 2006: 35). Esta intimidade pública está relacionada com outros discursos mediáticos, na sequência da televisão da 6 O programa de celebridades da SIC, Fama Show, tem uma rubrica sobre «A vida antes da fama», em que leva as celebridades convidadas a visitar locais do seu passado antes de se terem tornado conhecidas publicamente, normalmente antes de entrarem para a televisão. 27

intimidade dos anos 1990, que valorizava as relações privadas e íntimas, convidando a uma terapia para o participante e para a audiência (Mehl 1996); e da reality TV de finais da mesma década e início do século xx, com enfoque na autotransformação e no autoconhecimento (Hill 2005) 7. Frequentemente, as celebridades fazem confissões «para autenticar, validar, humanizar, ressuscitar, estender e enriquecer as suas identidades de estrela e celebridade» (Redmond 2008: 110). Por isso, parte desse discurso é pseudoconfessional (King 2008), muitas vezes em talk shows ou entrevistas pré acordados e ensaiados entre agentes e media, como aconteceu com a confissão de homossexualidade de Ricky Martin, no programa Oprah em 2010. Aliás, por vezes, o sofrimento é causado pela própria fama: por exemplo, Michael Jackson, famoso desde criança e que demonstrava uma história de infelicidade precisamente por causa dessa fama 8. A fama parece, como no caso de Drew Barrymore, anular a infância, ao mesmo tempo que há um fascínio pelas crianças célebres. Outros exemplos de uma vida infeliz dentro da fama são os de Elvis Presley, Marilyn Monroe ou a princesa Diana (Gabler 1999: 175), que se tornaram figuras idolatradas durante a sua vida e depois da ou precisamente também devido à sua morte. O ambiente de sofrimento e excessos do mundo do espectáculo é mesmo retratado em alguns filmes, como La Dolce Vita (Fellini 1960), Postcards from the Edge (Nichols 1990), sobre o mundo de drogas de Hollywood ou La Môme (Dahan 2007) e Control (Corbijn 2007), sobre a vida e doença da cantora francesa Edith Piaf e Ian Curtis, vocalista dos Joy Division, respectivamente. 7 Em Portugal, a reality TV com celebridades começou com programas no registo docu soap (mistura de documentário e telenovela) (Thussu 2007; Hill 2005), com artistas populares: Na Casa do Toy (2002), na SIC, e teve também a sua expressão em versões de celebridades de reality shows na TVI: Big Brother dos Famosos (I e II, 2002 e 2003), Quinta das Celebridades (I e II, 2004 e 2005) e 1.ª Companhia (I e II, 2005 e 2007). 8 O caso de Michael Jackson foi explorado nas entrevistas de grupo com os jovens, como explicaremos no capítulo 4, relativo à metodologia. 28

As celebridades parecem, assim, comuns e extraordinárias, pertencentes a um mundo especial. A atestar este imaginário está a surpresa de os ver casualmente, na rua ou em locais públicos sem que se tenha ido a um evento em que a sua presença estava prevista (como um concerto ou sessão de autógrafos). Ferris (2004) debruça se sobre este fenómeno dos avistamentos de celebridades (celebrity sightings), que confirmam uma «ordem moral» em que a celebridade é revalidada como extraordinária e aquele que vê, anónimo, como pertencendo ao domínio do comum. Couldry denuncia mesmo a valorização da celebridade e de outras figuras dos media como o sinal de um mito do centro mediado, em que aqueles que fazem parte dos media parecem possuir maior poder por estarem nos media, como se estivessem no centro da sociedade (2000). A celebridade e os media Se a cultura das celebridades se começa a desenhar no final do século xviii, com um interesse crescente pela vida privada e a expandir-se com as tecnologias do século xix, no século xx os media ampliaram na a proporções antes inéditas. «É a difusão da celebridade através dos media de massas modernos que [contribui para a] exorbitância da visibilidade cultural contemporânea da celebridade» (Turner 2004: 4). De igual modo, as mudanças tecnológicas permitiram o desenvolvimento desta cultura: o grande plano (close up), introduzido por Griffith e o som (Schickel 2000; DeCordova 2006), mas também «discos, filmes, fotografia, vídeos, impressão avançada e tecnologias de satélite» (Lumby 1999: 100 101). Contudo, também o ambiente cultural mais vasto interagiu com estas mudanças tecnológicas, particularmente no que se refere às fronteiras entre a vida pública e privada, diz Lumby. Os media vieram a ocupar um lugar fundamental na construção, no controlo da reiteração e renovação da celebridade de outras esferas: «a exposição nos media é o oxigénio que sustenta 29

a celebridade contemporânea» (Drake e Miah 2010: 55). Por isso, «as celebridades são indivíduos que são notáveis pela sua identidade nos media. Em termos gerais, podem ser oriundos de qualquer área música, desportistas, modelos, criminosos, personalidades do cinema, televisão e rádio» (Hartley 2004: 39). Daí que a celebridade seja já, como referimos, inerentemente intertextual. Nesse processo de celebrificação, os media trazem figuras de outros campos, gerando novas tensões ao enviesar os critérios de reconhecimento de cada um deles (Couldry 2003), o que é particularmente discutido no caso da política. As celebridades dos media Além de serem intermediários na cultura das celebridades, os media afirmaram se como fornecedores de figuras célebres, com diferentes processos e características associados às figuras do cinema, da televisão ou dos novos media. Foi o cinema, particularmente a indústria de Hollywood, que desenvolveu o estrelato, embora já no século xix as figuras do vaudeville e do teatro fossem objecto de atenção da imprensa. Em Hollywood, na década de 1910, o star system humanizava o cinema, distinguia o do teatro ou da fotografia (DeCordova 2006); este sistema tinha sobretudo uma motivação económica, mas oferecia também ao público figuras que funcionavam como corpos e rostos para resolverem as contradições de discursos e valores vigentes. A persona das estrelas de cinema mistura elementos de extraordinário e comum, relaciona as personagens e as personalidades fora do ecrã (Dyer 2005). Até aos dias de hoje, o sistema de estrelato de Hollywood usa mais a vida privada dos actores do que faz o cinema europeu, por exemplo, para os aproximar das audiências e manter a sua visibilidade nos media. Por sua vez, as personalidades televisivas são tidas não só como mais naturais como também mais próximas da audiência, o que 30

se deve às características técnicas da televisão (Langer 1998; 2006): o facto de ser vista na intimidade do lar e rotineiramente, confere à televisão uma dimensão familiar, que é acentuada com o código de os apresentadores olharem directamente para a câmara, logo, para os espectadores, e pela permanência destas figuras ao longo de muito tempo nos ecrãs. As figuras da televisão ganham uma familiaridade junto das audiências que lhes permite tornarem se autoridades relativamente à vida quotidiana e ao consumo. Exemplo disso é a apresentadora norte americana Oprah Winfrey (Marshall 1997), mas as celebridades televisivas tanto podem provir da informação como do entretenimento, embora nas primeiras haja menos exposição da vida privada. Numa era de televisão global, as figuras deste meio mantêm uma proximidade encenada com a audiência distante, como acontece com o chef Jamie Oliver, que simula um ambiente doméstico, incluindo mesmo os seus filhos (Bennett 2011). Contudo, esta familiaridade com a audiência disfarça a desigualdade entre a personalidade e os espectadores (Langer 2006: 191) e pode promover nas audiências uma ética de esforço individual, uma autovigilância sobre o sujeito e o seu dia a dia (Bennett 2011). A televisão tem contribuído para a expansão da cultura das celebridades, não só com as figuras próprias dos seus géneros, mas criando propositadamente algumas, com o objectivo de criar novos famosos. Exemplo disso são as telebrities, celebridades televisivas saídas da televisão e cuja performance pública depende da sua sexualização (Hartley 1999), como apresentadoras de programas, e os celetoids (Rojek 2001), que derivam da reality television. Estas celebridades, mais do que qualquer outras, «representam o vulgar» (Hartley 2004: 40) e inscrevem se, portanto, no tipo atribuído. Normalmente atraindo participantes de origem social modesta (Benhamou 2002: 116), a visibilidade destes celetoids acaba por motivar discursos de classe (Turner 2010; McRobbie 2009) e generalizações sobre a cultura das celebridades 9. 9 Em 2011, a RTP emitiu O Último a Sair, uma paródia de um celebrity reality show, que destacava os elementos de performance, artificialismo e calculismo dos comportamentos dos participantes. 31

A evolução dos media tem misturado o estatuto de figuras de cinema e televisão: com o desenvolvimento da televisão de qualidade e produções de grande dimensão global, canais como a americana HBO projectam figuras que fazem carreira quase exclusivamente no interior da televisão, mas de uma forma que se associa classicamente ao estrelato do cinema, como aconteceu com James Gandolfini, protagonista da série Sopranos, ou Sarah Jessica Parker, de O Sexo e a Cidade (Jermyn in Holmes e Redmond 2006). Também em Portugal é difícil marcar diferenças entre estrelas de cinema e personalidades de televisão, dada a dimensão do mercado, o que faz com que sejam basicamente as mesmas figuras. Com este enfoque na imagem, a rádio não foi um meio propício para a cultura das celebridades, mas também aí, com a entrada do digital ou com a ligação das rádios a grupos de media com estações de televisão, tem havido a promoção de figuras da rádio fora do meio. Em Portugal, exemplos disso são os de Nuno Markl e Fernando Alvim, admirados por jovens e adultos. A imprensa surge também como fonte de figuras reputadas, incluindo entre os jornalistas (Allan 2004; Turner 2010), como acontece com Manuela Moura Guedes ou outros pivots, como Rodrigo Guedes de Carvalho ou Júlio Magalhães. No entanto, é sobretudo como meio secundário de visibilidade que a sua importância neste sistema é maior. Os tablóides ocupam aí um lugar central (Lull e Hinerman 1997), ao revelarem o que as celebridades querem esconder do público (ainda que isso também possa ser manipulado), que depois também circula noutros media. Em Portugal não existem jornais tablóides (Hallin e Mancini 2004) e foi extinto o jornal com pendor mais popular, 24Horas. A Internet veio trazer novas possibilidades para a ascensão de celebridades, normalmente mais fugazes, através de blogues, redes sociais ou vídeos. Esta ideia de do it yourself [DIY] celebrity (Evans e Hesmondhalgh 2005) tem atraído os jovens para a ideia de que podem ser famosos por si próprios, sendo Justin Bieber uma figura que está associada a esta espontaneidade e menor mediação, quando, em 2009, conseguiu editar um álbum depois 32

de os seus vídeos terem sido vistos no YouTube por milhões de pessoas em todo o mundo. As portuguesas Ana Free e Mia Rose têm também logrado lançar a sua carreira musical da Internet para os circuitos dos media convencionais 10. Outras figuras, incluindo adolescentes, tornam se celebridades por um dia (ou pouco mais), com momentos caricatos ou cómicos, dimensões também essenciais à cultura juvenil: foi o caso de Katyzinha6, uma adolescente do Porto, que em 2010 fez uma série de vídeos nas férias da Páscoa que circularam nas redes sociais, marcados por alguma boçalidade, e que foram parodiados por Herman José no seu programa na RTP. Estas formas de DIY celebrity, bem como a explosão dos reality shows, têm sido mostradas como novas possibilidades de qualquer indivíduo e, sobretudo, os jovens, se tornarem famosos. Se nos formatos televisivos há um (grande) controlo por parte da indústria, os media digitais são celebrados precisamente por oferecerem a possibilidade de uma fama feita pelos próprios, à sua medida. Isto contribui para uma retórica de que é fácil ser famoso e, embora raramente se consiga estabelecer uma visibilidade consistente depois da exposição eruptiva, acaba por se colonizar as expectativas de alguns jovens em torno da fama. Os media de celebridades De que forma circulam as celebridades nos media? John Fiske (cit. por Evans e Hesmondhalgh 2005) apresenta uma tipologia que se mostra útil. Num nível primário, os produtos de actuação principal da celebridade constituem o motivo da atenção que 10 Mia Rose tornou se presença em apresentações de moda, fez música para marcas de roupa e participou como jurada no programa de talentos da RTP, A Voz de Portugal, constituindo uma celebridade emergente, incluindo referências às suas relações amorosas. Publicou o livro 15 Passos para Ser uma Estrela de Música, em Novembro de 2011, num evento sobretudo para os media, com poucos fãs. A artista atrasou o lançamento propriamente dito com as entrevistas para o programa de celebridades da RTP, Só Visto. No final, cantou, deu alguns autógrafos e tirou fotografias com outras celebridades presentes para a imprensa. 33