ÉTICA - a. lei moral. (Crítica da razão prática: Kritik der praktischen Vernunft, KpV: de A 1-59)

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Transcrição:

ÉTICA - a. lei moral (Crítica da razão prática: Kritik der praktischen Vernunft, KpV: de A 1-59) A vontade > A vontade é uma faculdade de apetição, do querer que produz objetos, daí, portanto, o seu caráter prático, fazedor. Esta produção de objetos ocorre de acordo com representações empíricas ou puras a priori. A tarefa da Crítica da razão prática (Kritik der praktischen Vernunft, KpV) consiste em deter a razão empiricamente condicionada da arrogância de querer exclusivamente apresentar o fundamento de determinação da vontade (KpV, A 30s). Ora, demover a razão empiricamente condicionada de se apresentar como único e exclusivo fundamento de determinação da vontade significa dizer que o conceito de liberdade convém à vontade, isto é, a vontade pode produzir objetos a partir de uma representação pura a priori. Feito isto, a razão pura pode se apresentar como incondicionalmente prática, já que a vontade determinada pela razão pura pode causar ações que têm lugar no mundo empírico, mas a causa destas ações é pura a priori. Leis práticas e máximas > The analytic is the rule of truth in practical philosophy, and its most important tasks are the differentiation between the (empirical) doctrine of happiness and the (pure) doctrine of morality and the systematic exposition of the a priori principles and concepts of the latter (Beck, 66). Uma proposição prática diz respeito à ação, mediante a qual um objeto torna-se possível. Neste sentido, um conselho é um proposição prática, também prescrição médica, uma receita de bolo, uma instrução técnica (Beck, 76). Ela tematiza, portanto, a representação, como Kant diz na introdução da KpV, que determina a vontade. Kant fala, no entanto, de uma proposição fundamental prática (praktischer Grundsatz) que diz respeito a uma determinação universal da vontade. Uma proposição fundamental prática refere-se a uma orientação universal, a partir da qual um indivíduo dirige suas ações. Não se trata, pois, de uma orientação das ações a partir de elementos permanentemente variáveis, mas que tenham uma certa estabilidade, embora possam ser alterados. Em razão disto, uma proposição fundamental prática é aquela que contém uma determinação universal da vontade, a saber, ela estabelece para a vontade um modo estável, consistente, constante (embora não imutável) e seguro de agir. Esta determinação da vontade, por sua vez, possui em si mesma muitas regras práticas, i. e., o modo de realizar o fim proposto (Reflexion 5237, citado in: Rohden, nota 32, p. 32 (ed. 2002); KpV A 36). Segundo Beck (81), as regras práticas têm sua origem na interpretação kantiana do silogismo. Elas são a premissa menor ou o elemento intermediário do silogismo. Vejamos o exemplo:

a) Não tolerar impunemente nenhum insulto > proposição fundamental prática (praktischer Grundsatz); b) Matar este indivíduo é ter o insulto punido > regra prática (praktische Regel; podem existir várias regras para atender à proposição fundamental prática); c) Portanto, eu irei matar este indivíduo > decisão. Assim temos o seguinte esquema que distingue máxima, imperativos hipotético e categórico: a. subjetiva (máxima) proposição fundamental prática b. 1 hipotético (prescrição prática) b. objetiva (imperativo) b. 2 categórico (lei prática) Kant distingue entre imperativos, os quais valem objetivamente e necessariamente, e as máximas, cuja validade é meramente subjetiva. Ele ainda faz uma outra distinção no campo dos imperativos: entre imperativos hipotético e categórico. Os imperativos hipotéticos [Na GMS (37ss), Kant subdivide os imperativos hipotéticos em imperativos técnicos (como no caso do médico) e imperativos pragmáticos (como no caso da felicidade)] determinam a vontade tendo em vista a consecução de um efeito desejado (begehrte Wirkung), portanto, a necessidade vinculada a estes imperativos é subjetivamente condicionada (subjektiv bedingt) e distinta, presumivelmente, em cada indivíduo (38), ao passo que os imperativos categóricos determinam a vontade pura e simplesmente como vontade (... den Willen schlechthin als Willen... ), sem levar em conta a capacidade ou incapacidade da vontade para realizar o que é exigido pela razão. Os primeiros são prescrições práticas (praktische Vorschriften), enquanto os segundos são leis práticas (praktische Gesetze). Princípios práticos materiais > Estes princípios são empíricos e não constituem leis morais, já que trata-se de um objeto que é o fundamento de determinação da vontade, objeto cujo realidade é desejada. Portanto, a vontade é determinada tendo em vista um efeito desejado e, neste caso, os princípios práticos materiais são relativos aos imperativos hipotéticos ou máximas. Kant ainda faz algumas observações importantes. Em primeiro lugar, se o desejo pelo objeto antecede a regra prática e, além disto, tal desejo é a condição que faz dela um princípio prático, então este princípio, a saber, aquilo que orienta e determina a vontade, é empírico. Em outras palavras, o prazer, que é a relação da representação do objeto com o sujeito, de tal forma que esta representação o motiva a realizar determinada ação, é o fundamento de determinação da vontade. Em segundo lugar, este princípio se baseia em uma condição subjetiva de receptividade de

prazer ou desprazer. Ora, se esta condição é subjetiva, então não é válida igualmente para todos. Portanto, não pode um princípio prático baseado no prazer ser uma lei prática. Máximas e imperativos hipotéticos são marcados pelos princípios práticos materiais. As máximas têm uma validade subjetiva e isto implica que elas se apóiam em uma condição meramente subjetiva de receptividade de prazer ou desprazer. Os imperativos hipotéticos, apesar de sua validade objetiva, estão conectados, no entanto, a efeitos desejados e são, portanto, subjetivamente condicionados. b. Moralidade e Felicidade Princípio prático material e o princípio do amor de si ou da felicidade própria > O prazer proveniente da representação da existência de uma coisa, enquanto este prazer é prático, a saber, o fundamento de determinação da vontade, conduz à busca da felicidade (Glückseligkeit): a consciência de um ser racional da agradabilidade da vida que acompanha ininterruptamente sua inteira existência (KpV, A 40). E o princípio que faz com que a felicidade seja elevada ao fundamento supremo de determinação do arbítrio é o princípio do amor de si (Selbstliebe). Faculdades superior e inferior de apetição > Kant articula os princípios práticos materiais com a faculdade inferior de apetição, ao passo que os princípios práticos formais (imperativo categórico ou lei prática, oriundos da razão pura em seu uso prático) são interligados com a faculdade superior de apetição. É evidente a hierarquia defendida por Kant, bem como a ligação com antropologia e antroponomia. Parece-me, também, que as duas faculdades são a expressão prática da distinção entre fenômeno e noumenon. (1) Com esta diferença, Kant parece distinguir uma faculdade irracional de apetição, a qual o homem partilha com os animais. Ela é constituída por nossas inclinações (Neigungen), pulsões ((An)Trieben) e sentimentos (Gefühle); nos animais: instintos e seus apetites. Neste contexto, as inclinações, afetos, paixões e sentimentos são tomados neles mesmos, sem relação com a razão e sem tomá-los como fundamento de determinação da vontade. (2) A faculdade superior de apetição é racional. Ela manifesta sua atividade por ocasião da determinação da vontade pela razão pura, sem estar a serviço das inclinações (im Dienste der Neigungen) (45). Este é o caso do imperativo categórico, princípio formal de determinação da vontade. (3) Além desta divisão estrita, há também a relação entre as duas faculdades, quando a razão se encontra a serviço das inclinações, a saber, quando princípios práticos materiais determinam a vontade: imperativos hipotéticos e máximas. Máxima, lei prática, princípios práticos formal e material > Depois de apresentar as definições de máxima, lei prática, princípio prático material e aludir ao significado do

princípio prático formal, Kant articula estes elementos: A legítima passagem da máxima para a lei prática tem como mediação o princípio prático formal. Aqui vale a pena discutir o significado do aspecto formal deste princípio, já que ele é facilmente identificável com um formalismo, privado de qualquer conteúdo e, portanto, capaz de acolher qualquer matéria, seja moral ou imoral. A forma pensada neste contexto do princípio prático é capacidade da máxima em tornar-se um princípio de legislação universal. Penso em um silogismo prático que tenha uma estrutura semelhante àquele do parágrafo 1 da KpV: Máxima ou proposição fundamental prática: honrar a promessa feita; Regra ou condição: devolver o livro tomado de empréstimo é honrar a promessa feita; Decisão: irei devolver o livro. A condição válida para a minha vontade pode ser válida também para a vontade de todos, pois se todos os entes racionais estivessem na minha condição ter um livro tomado de empréstimo agiriam de acordo com a máxima que também governou a minha ação. Um outro exemplo dado por Kant no qual a máxima não pode ser universalizada, já que a condição não seria válida para a vontade de todos os seres racionais: Máxima ou proposição fundamental prática: aumentar meu patrimônio através de todos os meios seguros; Regra ou condição: apropiar-me-ei do depósito em meu poder, cujo proprietário faleceu e não deixou nenhuma informação sobre este depósito; Decisão: portanto, eu me aproprio do depósito em meu poder. Todo querer tem uma matéria; se ela, no entanto, constituir-se em fundamento de determinação da vontade, então o que está em jogo é o princípio da felicidade (A 60). Portanto, não se trata de negar o conteúdo da vontade como tal, mas de negá-lo como fundamento para uma legislação universal. Natureza da vontade determinável pela mera forma legisladora das máximas > A vontade determinável pela mera forma legisladora das máximas significa (a) que ela não tem como fundamento de sua determinação a busca do prazer e o evitar do desprazer; (b) que sua determinação, portanto, procede da razão pura a priori no uso prático. A lei de uma vontade livre > A lei de uma vontade livre é a lei moral ou lei prática incondicionada. E desta lei tem início o conhecimento do incondicionalmente prático, porque ela (a) é o que primeiramente se nos apresenta, tão logo damos início à formação de máximas; (b) diz respeito a uma determinação da vontade independente dos móveis sensíveis e (c), portanto, nos conduz ao conceito de liberdade. [A lei moral é a ratio cognoscendi da liberdade, KpV A 5, nota de pé de página]. Além disto, comenta Kant, nos tornamos conscientes da lei moral através da necessidade da lei moral e da exclusão ou

separação (Absonderung) de todas condições empíricas. Necessidade e separação possibilitam, portanto, a consciência da liberdade propiciada pela lei moral. [A liberdade é a ratio essendi da lei moral, KpV A 5, nota de pé de página]. Lei fundamental da razão prática pura > Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer sempre e simultaneamente como princípio de uma legislação universal (KpV, A 54). Este princípio é anunciado levando em conta a forma e a matéria da máxima, já que a passagem da máxima ao princípio de uma legislação universal tem como base a forma, mas a forma de uma matéria. (KpV, A 60). Isto significa que a razão prática pura determina imediatamente a vontade, de tal forma que temos uma vontade pura (KpV, A 55), não determinada por condições empíricas como elemento motivador da vontade, mas determinada pela simples forma da lei. Obviamente, toda vontade é vontade de algo, portanto, tem uma matéria. A vontade pura não está privada de matéria, mas é aquela cujo elemento motivador para que ela produza ações não é a matéria ou o objeto do desejo, mas a capacidade da máxima em tornar-se princípio de uma legislação universal. Lei moral e imperativo categórico > No caso do ser humano, a lei moral é um imperativo, já que ele é determinado também por móveis sensíveis, um imperativo que ordena categoricamente, porque é incondicionado. Obrigação (Verbindlichkeit) é a dependência da vontade em relação ao imperativo categórico; (devw (déo), ligar, atar, juntar, unir; obrigar; daí, deontologia como ciência das obrigações). Dever (Pflicht) é uma ação determinada pela necessitação (Nötigung) feita pela razão pura e sua lei objetiva; o dever é, pois, uma coerção intelectual (intellektueller Zwang) interna ou necessitação moral (moralische Nötigung), enquanto resistência da razão prática pura aos móveis sensíveis que se apresentam como fundamento de determinação da vontade. Para a santidade da vontade, cuja máxima é simultaneamente e sempre uma lei objetiva ou moral, não há obrigação e dever, muitos menos coação intelectual, porque um tal vontade não é afetada por móveis sensíveis. Para a santidade da vontade a lei moral é, portanto, descritiva, ao passo que para a vontade humana o imperativo categórico é prescritivo. Fontes: Obras de Kant: 1. As citações do texto de Kant são feitas a partir do original alemão: Kant. Werke. (Hrsg. Weischedel). Darmstadt: WBG, 1982. Traduções: 2. KANT, I. Crítica da Razão Prática. (trad. Valério Rohden). São Paulo: Martins Fontes, 2002. (2003 Ed. Bilíngüe) > KpV. 3. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1986 > GMS. Comentários: 4. BECK, L. A commentary on Kant s critique of practical reason. London: The University of Chicago Press, 2001.