Porta 001-130-4.0-G4-5as PS 2/21/08 10:16 AM Page 13 Capítulo 1 A PORTA ARRANHADA
Acasa dos recifes apareceu de repente por trás da curva. A torre de pedra recortava-se no azul do céu, rodeada de árvores. Que bonito! exclamou a senhora Covenant mal viu a casa. O marido, que ia a guiar, limitou-se a sorrir. Passou o portão de ferro e arrumou o carro no pátio. A senhora Covenant saiu do carro. O cascalho rangia-lhe debaixo dos saltos. Abriu e fechou os olhos, indecisa entre acreditar ou não no que estava a ver. Era uma casa sobranceira ao mar: ouviam-se as ondas a bater contra as rochas e o ar carregava um forte odor salgado. O edifício estava rodeado do azul do mar e do céu e, mais perto, pelas árvores do jardim. Ao longe, no sopé do recife, aparecia a baía de Kilmore Cove, com algumas casas espalhadas. Enquanto a senhora Covenant permanecia imóvel no pátio, de boca aberta, um homem velho, com a cara marcada de rugas profundas e com uma barba muito bem tratada, foi ter com ela. Tinha os olhos vivos, irrequietos e profundos. Ao apresentar-se, até a assustou. Chamo-me Nestor disse ele. Sou o jardineiro da Vivenda Argo. 14
A PORTA ARRANHADA Então era assim que se chamava a casa, pensou ela: Vivenda Argo. Seguiu o marido e o jardineiro, que coxeava, até um portão virado para o mar. Não nos teríamos enganado? perguntou a senhora Covenant, e tocava nas paredes da Vivenda Argo como se precisasse de ter a certeza de que existiam mesmo. O marido pegou-lhe na mão e sussurrou-lhe: Agora é que vais ver... O interior da Vivenda Argo era ainda mais espectacular do que o exterior: um labirinto de quartos pequenos, arranjados com móveis e objectos que pareciam vindos de cada canto do mundo. Era tudo perfeito, 15
estava tudo no lugar certo. Pela primeira vez na sua vida, a senhora Covenant pensou que não era preciso mudar coisa alguma de lugar, nem um único móvel. Diz-me que é verdade... murmurou ao marido. Ele limitou-se a apertar-lhe a mão. Então, era verdade: tinham mesmo comprado aquela casa! A senhora Covenant deixou-se levar até uma saleta com o tecto e as paredes de pedra, antigos e elegantes. Entrava-se passando por um arco pequeno ou por outra porta, de madeira escura, situada na parede oeste. Esta é uma das divisões mais antigas... comentou o jardineiro, satisfeito. Já era assim há mais de mil anos, quando ainda havia aqui uma torre da Idade Média. O senhor Moore, o antigo proprietário, só tapou os buracos das janelas e, é claro, instalou os fios eléctricos. Enquanto falava, apontava para o lustre suspenso do meio do tecto. O Jason vai ficar entusiasmado... disse o senhor Covenant. A mulher ficou calada. Têm dois filhos, não têm? perguntou o jardineiro. Sim: um rapaz e uma rapariga de onze anos respondeu ela automaticamente. São gémeos. 16
A PORTA ARRANHADA E imagino que sejam inteligentes, alegres, cheios de vida... e que vão ficar felizes por crescerem num sítio como este, longe do resto do mundo e da Internet ultra-rápida... A senhora Covenant arregalou os olhos. Bem, acho que sim... respondeu, um pouco surpreendida. Se calhar até nem parece bem ser eu a dizer isto, mas... sim, são muito independentes... Veio-lhe à ideia a imagem de Jason colado ao ecrã do computador e abanou a cabeça. Acho que, mesmo sem a Internet ultra-rápida, eles vão ficar entusiasmados por viverem numa casa como esta. Óptimo, mesmo perfeito concluiu o jardineiro. Então, se a casa agrada à senhora, acho que podemos considerar o nosso acordo concluído. O senhor Covenant explicou à mulher que fazia parte das vontades do proprietário anterior, o senhor Ulysses Moore, que a casa fosse para uma família jovem com, pelo menos, dois filhos. Ele queria que a casa estivesse sempre cheia de vida... continuou o jardineiro, levando-os para fora da saleta de pedra. Dizia que uma casa sem crianças era uma casa morta. E tinha razão aprovou a senhora Covenant. Antes de sair, voltou a olhar para a porta de madeira que estava na parede oriental. Reparou que, em 17
alguns pontos, a madeira parecia queimada, e que noutros sítios estava estragada com golpes e arranhões profundos. O que é que aconteceu àquela porta? perguntou ela. Nestor parou, olhou para a porta e abanou a cabeça. Ah, desculpem balbuciou ele. Finja que nunca a viu. Já lhe aconteceu de tudo, desde que se perderam as chaves para a abrir. Está a ver aqueles quatro buracos? O senhor Moore pensava que eram fechaduras.tentou abri-las de todas as maneiras e feitios mas... foi inútil. E para onde é que dá esta porta? O jardineiro encolheu os ombros. Quem sabe? Se calhar em tempos dava para o antigo reservatório de água, que hoje nem deve já existir... A senhora Covenant tocou na madeira estragada e arranhada e sentiu uma onda de preocupação. Talvez fosse melhor pôr alguma coisa à frente dela, assim não passaria pela cabeça dos miúdos tentarem abri-la... comentou ela, virada para o marido. Sim, boa ideia... murmurou o jardineiro, coxeando para fora da sala. É a melhor coisa a fazer: nunca deve passar pela cabeça dos vossos filhos tentar abri-la... 18