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12/11/2005 O Forum Social Mundial Policentrico de 2006: o que está em jogo, os desafios Chico Whitaker Os organizadores do Fórum Social Mundial difundiram, no encerramento de sua primeira edição em janeiro de 2001, uma Nota de Informação na qual eles se propunham a realizar Fóruns Sociais Mundiais anualmente, na mesma data que o Fórum Econômico de Davos, e programavam para 2002 um novo Fórum Social em Porto Alegre. Ao mesmo tempo eles estimulavam e apoiavam, nessa Nota, a realização de outros Fóruns, na mesma data e em diferentes lugares do mundo. De fato, estava claro que o sucesso dessa primeira edição do Fórum 2000 pessoas eram esperadas, foram 20.000 as pessoas que vieram participar praticamente exigia outros Fóruns Mundiais como alternativa ao pensamento único do Fórum Econômico Mundial de Davos. Mas também estava claro que era necessário criar esse tipo de espaço de intercambio e de articulação em outros países. Isto faria renascer em toda parte um sentimento de esperança num mundo diferente, como aquele que tinha sido vivido e experimentado pelos brasileiros que haviam participado do Fórum (mais de 80% dos participantes desse 1º Fórum eram brasileiros). Pouco tempo depois, os organizadores do Fórum apresentaram as opções que tinham feito para realizá-lo e que, segundo eles, explicavam o seu sucesso: definir o Fórum como um espaço reservado à sociedade civil, sem participação de governos e de partidos, cujas presenças podem se tornar manipuladoras; e propor a superação das práticas políticas correntes, através da adoção de novas regras para a organização desse espaço: uma abertura real, a aceitação da diversidade como um valor, a horizontalidade nas relações entre os participantes, a não diretividade e conseqüentemente a ausência de porta-vozes, de dirigentes ou de documento final. Reunidas numa Carta de Princípios, estas opções se tornaram a referência fundamental para a organização de Fóruns Sociais. Memória FSM memoriafsm.org 1
Vários fóruns aconteceram depois desse primeiro de 2001 - mundiais, regionais, nacionais e mesmo locais - em diferentes países pelo mundo afora. Mas foram necessários 3 anos para que se organizasse um Fórum de nível mundial fora do Brasil. Foi o Fórum Social Mundial de janeiro de 2004 na Índia. E sua realização demonstrou que era possível respeitar a Carta de Princípios dentro de uma realidade histórica, social e econômica bem diferente da brasileira. Foi então tomada a decisão de, depois de voltar ao Brasil em 2005, realizar em 2006 outro Fórum Mundial em outro continente: a África. As organizações africanas presentes em reunião do Conselho Internacional do Fórum realizada na Índia se dispuseram a enfrentar esse desafio, com o apoio do Conselho, no qual mais de cem organizações internacionais decidem sobre as orientações a serem tomadas, dando forma ao que já se define como o processo do Fórum Social Mundial. Mais tarde, no entanto, as organizações africanas dispostas a organizar o Fórum de 2006 consideraram que era prematuro realizá-lo na África nesse ano. Para elas seria preferível fazê-lo em 2007. Com isso se criou um vazio: o que fazer em 2006? Ora, a idéia de realizar vários Fóruns simultâneos, na mesma data que o Fórum Econômico de Davos, já tinha sido apresentada na Nota de Informação do final do Fórum de 2001. Ela foi então retomada, decidindo-se organizar em 2006 um Fórum Social Mundial Policentrico. Organizar um Fórum é uma decisão que só pode ser tomada pelas organizações do país no qual ele deverá se realizar. Este procedimento era portanto necessário para se decidir onde organizar o Fórum Policentrico. Chegaram propostas de diversos países na reunião do Conselho Internacional de meados de 2005, decidindo-se que ele se realizaria em Caracas na Venezuela, em Bamako no Mali e em Karachi no Paquistão, isto é, um Fórum em cada continente do Terceiro Mundo. Uma proposta de Fórum no Marrocos se transformou, por decisão das organizações marroquinas, em uma Assembléia Constitutiva de um Fórum Social Magrebino, a se realizar no Marrocos imediatamente antes do Fórum de Bamako. Ao mesmo tempo a porta ficou aberta para que outros Fóruns pudessem ser considerados como fazendo parte do Fórum Social Mundial Policêntrico de 2006, mesmo que se realizassem em outras datas, de acordo com a Memória FSM memoriafsm.org 2
escolha de seus organizadores e com o apoio do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial. A simultaneidade entretanto se mostrou uma condição difícil. Surgiram problemas logísticos em Bamako, e aconteceu o arrasador terremoto no Paquistão. Foi preciso então antecipar de alguns dias o Fórum em Bamako e a data exata do Fórum no Paquistão será decidida pelos paquistaneses, provavelmente em fim de novembro de 2006. De todo modo esses três Fóruns deverão constituir uma experiência nova no processo do Fórum Social Mundial, a ser ou não retomada depois do Fórum Social Mundial de 2007 na África, que será realizado em Nairobi, no Kenya. O que está em jogo nesta experiência? Há os que consideram que uma descentralização poderia enfraquecer o impacto do Fórum na luta para a superação do neoliberalismo. Outros dizem que, ao contrário, sua força poderia aparecer justamente pela criação de espaços de intercâmbio e de articulação simultaneamente em três continentes. Há ainda os que pensam que os três Fóruns deveriam se concentrar em alguns temas comuns e se articularem entre eles, como aconteceria se se tratasse de um movimento. E outros ainda consideram que sendo um espaço e não um movimento, a riqueza de um Fórum Policentrico seria a diversidade dos temas em debate. Na realidade o programa de trabalho de cada Fórum decorre das atividades propostas e geridas autonomamente por seus participantes. Como as inscrições permitem que se conheçam antecipadamente as propostas dos participantes, os temas comuns e as convergências aparecem naturalmente - dentro do objetivo geral, comum a todos, de superar o neoliberalismo. E cada um desses temas podem ser aprofundados a partir dos interesses reais dos participantes e não por decisão de uma autoridade acima de todos, coisa que aliás, no processo dos Fóruns, não existe e seria inaceitável. Entretanto o grande desafio é ainda outro: trata-se de aproveitar a oportunidade preciosa - aberta pelo respeito à Carta de Princípios do Fórum Social Mundial - de reforçar a sociedade civil, em cada um dos três países, como um novo ator político independente dos governos, dos partidos e dos chefes políticos. Um Fórum Social abre caminho para Memória FSM memoriafsm.org 3
a construção da unidade entre as organizações que dele participam, pela superação das barreiras que em geral as mantêm divididas, e pela prática do reconhecimento mútuo e da descoberta da força autônoma que possuem, dentro do respeito de sua diversidade. A dinâmica essencial que perpassa o Fórum, enquanto espaço aberto, é a do convite a substituir a disputa pela escuta, com vistas a estabelecer um dialogo que pode levar à descoberta de convergências e ao estabelecimento de novas alianças no interior desta sociedade, permitindo que se lancem novas iniciativas de luta e de transformação tanto no nível local como regional ou mundial. O grande desafio do Fórum Social Mundial Policêntrico de 2006 é, portanto, o efeito que ele terá em cada país onde se realizarem os Fóruns - e no planeta inteiro - de engajamento de um número crescente de organizações de cidadãos na luta pela superação do neoliberalismo e pela construção de uma sociedade justa e solidária. Se o conjunto de Fóruns chegar a este resultado, teremos dado um importante passo em direção ao outro mundo possível. Nota: Ver www.forumsocialmundial.org.br/memoria/2001/encerramento do Fórum de 2001 (Original em francês, publicado na revista Faim et Développement do CCFD, em dezembro de 2005) Memória FSM memoriafsm.org 4