NOÇÕES JURÍDICAS FUNDAMENTAIS 5 DE JULHO DE 2011 DURAÇÃO: 2H15M (+ 15mins de tolerância) EXAME 1.ª FASE N.B.: Todas as respostas deverão ser devidamente fundamentas, com recurso às normas legais pertinentes. TÓPICOS DE CORRECÇÃO I Distinga, de forma sucinta e objectiva, os seguintes conceitos: 1) Interdição e Inabilitação; (1) Consistem em incapacidades para o exercício de direitos. Interdição: regulada nos arts. 138.º e ss. do CC. Características que justificam a interdição: art. 138.º, n.º1. Consequências: art. 139.º Tutela: art. 143.º Tem de ser declarada por sentença judicial. Inabilitação: regulada nos arts. 152.º e ss. do CC. Características que justificam: art. 152.º Está reservada para situações menos graves do que as que justificam a interdição. Suprimento: através de um assistente, o curador (art. 153.º). Consequências: art. 155.º Tem de ser decretada por sentença judicial. 2) Interpretação Declarativa e Interpretação Extensiva; (1) São dois dos resultados interpretativos a que podemos chegar através do uso dos elementos referidos no art. 9.º do CC. Interpretação declarativa: o intérprete limita-se a escolher, de entre os vários sentidos que a letra da norma comporta, aquele que melhor se coaduna com o espírito desta. Interpretação extensiva: aplica-se nos casos em que o legislador disse menos do que aquilo que pretendia foi traído pelas suas palavras, as quais ficaram aquém do sentido que o legislador desejava consagrar. O intérprete vai procurar alargar a letra da lei de modo a que esta possa alcançar o seu espírito. Pode ser realizada através de dois argumentos: por maioria de razão e por igualdade de razão.
3) Direito Privado e Direito Público. Em qual se insere o Direito da Família?; (1). São os dois grades ramos em que o Direito se divide e nos quais se agrupam os demais subramos. A doutrina avança com diversos critérios para a sua distinção: o critério dos interesses; da qualidade dos sujeitos e da posição dos sujeitos. Aquele que parece ser o mais adequado é o último, de acordo com o qual serão de direito público as normas que constituem e organizam o Estado e outros entes públicos, ainda, regulam as relações nas quais estes entes surgem dotados de ius imperii (relações de estrutura vertical, caracterizadas por desigualdade entre as partes intervenientes). Por outro lado, serão de direito privados as normas que regulam as relações em que os sujeitos, independentemente da sua natureza, intervêm em pé de igualdade, dotadas de paridade (relações de horizontalidade). Seguindo este critério, o direito da família, na medida em que os sujeitos, a que se aplica, estão em posição de igualdade, será direito privado. 4) Afinidade e Parentesco. Dê exemplos de cada um destes conceitos. (1). São duas fontes de relações familiares (a par do casamento e da adopção) art. 1576.º do CC Afinidade: regulada no art. 1584.º É uma relação que surge com o casamento e que liga os cônjuges aos parentes do outro (ex.: sogros, cunhados, etc.). Dissolve-se com o divórcio, mas não com a morte art. 1585.º Parentesco: regulada no art. 1578.º Refere-se a relações de consanguinidade (sangue) que unem duas pessoas em consequência de uma descender da outra ou de descenderem de um progenitor comum. Ex.: pais, avôs, primos, etc. II No dia 25 de Março de 2010, António cometeu um crime de homicídio, punível com uma pena de 8 a 16 anos (art. 131.º do Código Penal). Entretanto, é publicada uma lei (Lei n.º 21/2011, de 14 de Setembro) que vem alterar a moldura penal deste crime, o qual passa a ser punido com uma pena de prisão de 6 a 15 anos. a) António vem a ser julgado já depois da entrada em vigor desta segunda lei. Qual das duas leis penais deverá ser aplicada na sua condenação? Fundamente a sua resposta. (1,75)
Questão relacionada com a aplicação da lei no tempo. A resposta pode ser encontrada na CRP, no art. 29.º, n.º 4. No direito penal vigora o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, excepto quando a lei penal nova for mais favorável ao agente (a chamada retroactividade in mitius ). Na data dos factos: crime punível com pena de 8 a 16 anos. Em princípio deveria ser aplicada esta lei. No entanto, a alteração foi no sentido do aligeiramento da moldura penal aplicável, pelo que deverá ser esta lei, a lei nova, a aplicada para resolver o caso de António, o qual apenas poderá ser condenado num pena entre 6 e 15 anos. b) Supondo que a Lei n.º 21/2011, de 14 de Setembro, nada referia quanto à sua entrada em vigor, quando se deu o seu início de vigência? Fundamente a sua resposta. (1,75) Início de vigência das leis: matéria regulada no art. 5.º e na Lei n.º 74/98, art. 2.º Quando a lei nada disser, esta entrará em vigor no 5.º dia após publicação (art. 5.º, n.º 2, do CC e art. 2.º, n.º 2, da Lei 74/98). Portanto, e tendo em consideração que o dia da publicação não entra para efeitos de contagem (art. 279.º, al. b), do CC), esta lei entra em vigor no dia 19 de Setembro. III Analise a seguinte norma: Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. (art. 483.º, n.º 1, do CC). a) Identifique a previsão e a estatuição, referindo, ainda, em que consistem tais elementos ou partes de uma norma jurídica. (1) Previsão e Estatuição são as partes que constituem a estrutura das normas. Previsão ou Hipótese consiste na situação da vida, no facto ou conjunto de factos, cuja verificação desencadeia a aplicação de um determinada consequência. Estatuição ou Injunção consiste na consequência que está associada à verificação dos factos referidos na hipótese da norma. Nesta norma, Previsão será: Aquele que com dolo.. E a Injunção será fica obrigado a indemnizar.
b) Classifique-a como: imperativa (e respectivas divisões) ou permissiva (e respectivas divisões); e ainda como geral, especial ou excepcional. Justifique as suas opções. (2) Esta norma é imperativa (porque se aplica independentemente da vontade dos seus destinatários. Ou seja, independentemente de concordar ou não, o autor da lesão tem de cumprir com o que vem prescrito nesta norma) e preceptiva (pois obriga à prática de uma acção). E é, ainda, geral (pois é o regime regra dos casos de responsabilidade civil. Existem outros regimes, especiais ou excepcionais, como as presunções de culpa e a responsabilidade objectiva, respectivamente). IV Alberto vende a Joaquim, por 10.000,00, um valioso quadro do qual era proprietário. a) Identifique os elementos desta relação jurídica, referindo, ainda, brevemente, em que consistem. (1,5) Definição de Relação Jurídica. Elementos: - Facto Jurídico: (elemento que dá origem à relação jurídica): celebração do contrato de compra e venda do quadro. - Sujeitos Jurídicos: (pessoas entre as quais se estabelece a relação jurídica): Alberto e Joaquim. - Objecto jurídico: (aquilo sobre o que incidem os poderes do sujeito activo). Partindo da perspectiva da obrigação de entregar o quadro, a qual pode ser exigida por Joaquim, o objecto é o quadro. - Garantia: (conjunto de mecanismos que o Estado coloca à disposição do sujeito activo para que este possa assegurar a verificação do seu direito): se qualquer uma das partes se recusar a cumprir com a sua parte, o outro poderá sempre recorrer aos tribunais (entidades que encarnam, assim, para este efeito, a garantia desta relação jurídica). b) O quadro é um bem fungível/infungível? Consumível/não consumível? Justifique. (1,5)
Infungível (art. 207.º do CC). Em princípio será um quadro inédito, não podendo, por isso ser substituído por outro bem da mesma quantidade, qualidade e género. Não consumível (art. 208.º do CC), pois o seu uso normal não implica a sua destruição ou alienação. c) Imagine que, à altura da celebração do contrato, Alberto estava visivelmente embriagado, tendo vendido o quadro por um valor muito inferior ao realmente devido. O que poderá Alberto fazer? (2) Encontrava-se numa situação que constitui um vício da vontade (definição d vício da vontade), previsto no art. 257.º: Incapacidade Acidental (refere-se a situações pontuais, causadas por consumo de estupefacientes, álcool, etc.). Quando alguém realiza um negócio sob o efeito desta incapacidade, o negócio é anulável, desde que esse estado fosse notório ou conhecido do declaratário (art. 257.º, n.º 1, do CC). Portanto, e uma vez que A se encontrava notoriamente embriagado, poderá anular o negócio, tendo para o efeito o prazo de um ano, contado a partir do momento em que tenha ficado livre dos efeitos da incapacidade (art. 287.º, n.º 1, do CC). V Sílvia e Maria celebram um contrato-promessa mediante o qual a primeira promete vender e a segunda promete comprar um apartamento, por 150.000,00. Maria dá logo de sinal a quantia de 15.000,00, e Sílvia entrega-lhe imediatamente as chaves, dando-lhe autorização para ir já residir para o apartamento. Sucede, porém, que na data acordada para a celebração do contrato prometido, Sílvia recusa-se vender o apartamento a Maria, alegando já o ter vendido a Isabel por 170.000,00, exigindo as chaves de volta. a) Perante esta situação, quais são os meios de que Maria pode lançar mão e quais são aqueles que lhe estão vedados? (3,5) - CP: em que consiste? Regulado nos arts. 410.º e ss. do CC. - Incumprimento dos CP s é resolúvel por duas vias alternativas: resolução do contrato ou execução específica. - A execução específica (o que é?) vem regulada no art. 830.º e há dois obstáculos à sua aplicação : que haja acordo que a exclua (presumindo-se que o sinal tem este valor art.
830.º, n.º 2) ou que a natureza das obrigações assumidas seja incompatível com a execução específica art. 830.º, n.º 1, do CC. No caso, o sinal não seria um impedimento, pois em virtude do objecto do contratopromessa (um apartamento), aplica-se a excepção do art. 830.º, n.º 3, (pois os apartamentos estão compreendidos no art. 410.º, n.º 3, para o qual remete esta norma). No entanto, a execução específica não poderá ser aplicada neste caso pois a natureza das obrigações assumidas (venda de um apartamento) são incompatíveis com a execução específica do contrato-promessa em causa. Com efeito, como poderá o tribunal vender, em substituição de Sílvia, um apartamento que já não pertence a esta? Assim, no caso apenas seria possível a resolução (em que consiste?), regulada nos arts. 432.º e ss., a qual implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado e o pagamento de uma indemnização. No caso, tendo em conta que havia um sinal, a indemnização deverá ser apurada segundo o art. 442.º do CC. Assim, e tendo em conta que o contraente faltoso foi o vendedor, Maria poderá exigir o pagamento do sinal em dobro (ou seja: 30.000,00). No entanto, e como houve a tradição do bem, Maria tem ainda outra alternativa e que consiste na indemnização obtida a partir da fórmula prevista no art. 442.º, n.º 2, última parte: preço actual preço convencionado + sinal: e que lhe dá direito a 35.000,00. Tendo em conta que esta segunda opção é mais vantajosa, Maria deverá, certamente, optar por esta segunda fórmula de cálculo da indemnização. b) Maria será obrigada a entregar o apartamento? (1) Não será obrigada a entregar de imediato. Com efeito, como ocorreu a tradição (entrega) do apartamento, Maria pode invocar direito de retenção sobre o apartamento (art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC), recusando-se a entregá-lo até que Sílvia lhe pague a indemnização a que tem direito.