A FORMAÇÃO DO ADVOGADO À LUZ DA PEDAGOGIA DO MITO DA CAVERNA DE PLATÃO

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Transcrição:

A FORMAÇÃO DO ADVOGADO À LUZ DA PEDAGOGIA DO MITO DA CAVERNA DE PLATÃO Luciano Gomes dos Santos 1 RESUMO O presente artigo demonstra que o Mito da Caverna de Platão serve de caminho pedagógico para a formação do advogado. A pedagogia da Platão expressa que a educação é fundamental para a formação do cidadão justo é ético. Nessa perspectiva, o advogado deverá ser libertado de suas alienações individuais e sociais, por meio da educação jurídica libertadora, possibilitando ao jurista a missão de transformar a sociedade brasileira numa democracia justa e eficaz no cumprimento da lei. A educação deve ser integral em seus aspectos técnicos e humanísticos. Palavras-chave: Advogado. Pedagogia. Mito da Caverna. INTRODUÇÃO O filósofo Platão ao escrever a obra A República propõe o modelo ideal da cidade perfeita. O paradigma da cidade justa de Platão é contraposição ao sistema político injusto, corrupto e decadente da cidade de Atenas. A realidade injusta e corrupta da cidade de Atenas é fruto da educação de seus cidadãos ou a sua falta. Platão acredita no ideal de uma sociedade justa e nela se formará o indivíduo para assumir suas tarefas e vivenciar os seus direitos. O caminho da cidade justa passa pela educação. Ela transforma o ser humano e possibilita o seu progresso pessoal e social. Platão acredita que educar é formar o homem virtuoso. A virtude é habito e se refere àquilo que é belo e bom na vida. Esses dois aspectos formam a unidade de toda vontade e conduta humanas. No capítulo VII da obra A República se encontra o Mito da Caverna, texto que ilustra a pedagogia de Platão, demonstrando a transformação do ser humano que vive alienado no indivíduo sábio, no filósofo, no cidadão virtuoso. Nesse viés, refletirá a formação do advogado à luz do Mito da Caverna de Platão, argumentando que ele serve de paradigma pedagógico para a formação dos futuros juristas em nossa nação brasileira. A formação jurídica deve ter por objetivo a formação integral do futuro advogado. Formação técnica e humana, libertando-o das alienações individuais e sociais. Esse processo 1 Mestre em Teologia Moral pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Belo Horizonte/MG. Licenciado em Filosofia pela Faculdade Fênix de Ciências Humanas e Sociais do Brasil (GO). Coordenador da Comissão Própria de Avaliação (CPA) do curso de Direito e Membro do Centro de Valores das Faculdades Arnaldo Janssen. Endereço eletrônico: luguago@ig.com.br

ocorrerá por meio de uma educação provocante e questionadora do papel do jurista na sociedade brasileira. PLATÃO RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁXIS Platão nasceu, viveu e morreu na cidade de Atenas (428/427 a.c 347 a.c). Ele pertencia a uma família aristocrática ateniense. Por parte de sua mãe, descendia de Sólon, um dos maiores legisladores da Grécia Antiga. Nessa perspectiva, Platão teria tudo para se tornar político em sua sociedade, fato que posteriormente não ocorreu. Ele foi discípulo de Sócrates durante dez anos e testemunhou o julgamento e a condenação de seu mestre por parte dos democratas. Para Platão, a condenação foi injusta e ele decepcionou-se com o regime democrático, que dentro do contexto ateniense e diferente da atual democracia, estava corrompido pelas injustiças, seus políticos afastados da virtude e da prática ética. Os democratas julgaram e condenaram o cidadão mais justo e bom da cidade de Atenas, que na percepção de Platão era o seu mestre Sócrates (REALE; ANTISERI, 2003). O sistema democrático ateniense distanciou-se de seus valores e do respeito pelo Estado. Platão defendia a tese de que a democracia poderia conduzir o cidadão à corrupção, a prática da injustiça e manipulação da lei em detrimento dos interesses dos que governam a cidade. É nessa perspectiva, que o filósofo Platão funda a Academia em 387 a.c (em um ginásio situado no parque dedicado ao herói Academos, de onde o nome de Academia). A sua escola de Filosofia vai se tornar a maior Escola de Filosofia no período clássico e será fechada no século V da era cristã por determinação da Igreja, por ser considerada uma escola de filosofia pagã (MARCONDES, 2005). Neste universo acadêmico, Platão irá elaborar o seu Sistema Filosófico que terá influência por toda a história do pensamento filosófico ocidental. Platão escreveu a sua obra em forma de diálogo, pois ele facilita o debate e está aberto ao questionamento, ao discordar com o pensamento dos oponentes e possibilita ao interlocutor repensar suas teses. O texto dialogal de Platão possibilita a formação dialética. Você convence o outro não pela violência, mas pela argumentação fundada na razão. De toda obra platônica chegou-se aos nossos dias trinta e seis de seus diálogos. Assim, por meio dos seus diálogos, Platão demonstra que a filosofia não deve apenas dizer e afirmar, mas preocupar-se em chegar à verdade, à certeza, à clareza, através da razão (MARCONDES, 2005, p. 53). A filosofia se constitui num discurso que se funda na legitimidade, que deve ser acolhido por todos (tendo, portanto um caráter universal), que se impõe pela argumentação racional, que produz um consenso legítimo, que se opõe à violência do poder e à ilusão e à

mistificação ideológicas que caracterizariam o discurso dos sofistas. A filosofia, conforme a sistematização de Platão vai ser esse discurso legítimo que se instaura como juiz, como critério de validade de todos os discursos. O diálogo é a forma pela qual tal consenso pode se estabelecer. O método dialético visa expor e denunciar a fragilidade, a ausência de fundamento, o caráter de aparência das opiniões e preconceitos dos homens habitualmente em seu senso comum. Visa, portanto, superar esses obstáculos, fazer com que o interlocutor tenha consciência disso (MARCONDES, 2005, p. 53). Diante de toda situação histórica injusta e ilegítima é necessário uma resposta da filosofia na visão de Platão. Ela não é apenas uma teoria, mas uma instrumentação teórica que se funda numa prática política. Por isso, se afirma que a filosofia de Platão é uma reflexão sobre o fracasso e a decadência da democracia ateniense, buscando uma solução para este problema em sua totalidade, isto é, em seus aspectos epistemológico, ético e político, que formam um todo integrado (MARCONDES, 2005, p. 53). Assim, A filosofia platônica é projeto político que tem como meta promover a transformação da realidade. Por isso, a teoria e a prática perpassam o seu ideal filosófico, utilizando-se do discurso para desmascarar a falsa realidade social. Ele prega uma aristocracia do saber. A verdade deve prevalecer como consenso universal em uma dada sociedade. O caminho para a construção da cidade ideal passa pela educação do cidadão. A Academia é a primeira Escola de caráter permanente preocupada com uma consistente formação humana e intelectual: dedica-se ao ensino e ao estudo das diversas ciências da época, tendo como prioridade a matemática, a geometria, a retórica e a discussão dos grandes temas éticos e políticos. No topo dessa formação encontram-se a dialética e a Filosofia (TEIXEIRA, 1999). Platão acredita na educação como caminho para a formação da cidade justa. Na educação e por ela, o indivíduo não somente assume uma condição de abertura ao novo, mas, sobretudo, supera a si mesmo, atualiza suas capacidades e potencialidades. Por isso, a tarefa primeira da educação é a humanização. Educar um indivíduo implica ajudá-lo a tornar-se humano. A educação é a chave para a humanização do ser humano e da sociedade. Na obra, A República, Platão privilegiou um espaço para dedicar-se ao tema da educação do seu tempo e o que ele mesmo compreende por educação do ser humano. A sua preocupação estava centrada numa educação harmônica que garantisse a felicidade tanto à polis quanto ao cidadão. A educação em seu grau máximo está idealizada na figura do filósofo que na Academia teve a oportunidade de receber uma educação virtuosa, pois possui como ideal de vida viver a justiça tanto pessoal quanto social, sua meta é alcançar à verdade que se manifesta na transparência das coisas, por meio de uma consistente formação dialética.

O filósofo idealizado por Platão é o sábio capaz de governar o Estado com justiça, pois é o que mais recebeu educação. O seu processo formativo não é somente técnico, mas integral, de modo que pôde desenvolver todas as suas potencialidades. Assim, o paradigma do filósofo é a medida suprema, o Bem, definido como princípio absoluto. A sua meta passa a ser a construção do Estado justo, por isso o filósofo é um devoto de sua sociedade e está imbuído de um grande espírito comunitário de solidariedade (TEIXEIRA, 1999). Portanto, a filosofia de Platão está relacionada com a práxis. O filósofo educado para a virtude tem por missão a transformação das realidades injustas e a libertação dos cidadãos alienados às falsas ideologias dos sistemas econômicos, sociais, políticos, religiosos, educacionais e jurídicos. A seguir será apresentado o texto do Mito da Caverna de Platão em sua íntegra, demonstrando-o como caminho pedagógico na formação do advogado em nossa sociedade brasileira atual e a sua missão. O MITO DA CAVERNA DE PLATÃO Sócrates: Imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os homens dos "robertos" colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles. Glauco: Estou a ver disse ele. Sócrates: Visiona também ao longo deste muro, homens que transportam toda a espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados. Glauco: Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas observou ele.

Sócrates: Semelhantes a nós continuei -. Em primeiro lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna? Glauco: Como não respondeu ele, se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida? Sócrates: E os objetos transportados? Não se passa o mesmo com eles? Glauco: Sem dúvida. Sócrates: Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros não te parece que eles julgariam estar a nomear objetos reais, quando designavam o que viam? Glauco: É forçoso. Sócrates: E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo? Quando algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, senão que era a voz da sombra que passava? Glauco: Por Zeus, que sim! Sócrates: De qualquer modo afirmei pessoas nessas condições não pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos. Glauco: É absolutamente forçoso disse ele. Sócrates: Considera pois continuei o que aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, mostrandolhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não

te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam? Glauco: Muito mais afirmou. Sócrates: Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam? Glauco: Seria assim disse ele. Sócrates: E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objetos? Glauco: Não poderia, de fato, pelo menos de repente. Sócrates: Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na água, e, por último, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia. Glauco: Pois não! Sócrates: Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar. Glauco: Necessariamente. Sócrates: Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo.

Glauco: É evidente que depois chegaria a essas conclusões. Sócrates: E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros? Glauco: Com certeza. Sócrates: E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais agudeza os objetos que passavam e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo "servir junto de um homem pobre, como servo da gleba", e antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo? Glauco: Suponho que seria assim respondeu que ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela maneira. Sócrates: Imagina ainda o seguinte prossegui eu -. Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao regressar subitamente da luz do Sol? Glauco: Com certeza. Sócrates: E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em competição com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista e o tempo de se habituar não seria pouco acaso não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior, estragara a vista, e que não valia a pena tentar a ascensão? E a quem tentasse soltá-los e conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matálo, não o matariam? Glauco: Matariam, sem dúvida confirmou ele.

Sócrates: Meu caro Glauco, este quadro prossegui eu deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a ideia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública. Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo (PLATÃO, 2002, p. 210 213). A CONDIÇÃO HUMANA E A EDUCAÇÃO PROVOCANTE Após a leitura do texto do Mito da Caverna de Platão percebe-se que há um caminho pedagógico na transformação da natureza humana pela falta da educação e o processo na construção do ser humano sábio e comprometido pela transformação da realidade social. A ignorância do ser humano se constitui no nível das aparências e na crença de que as sombras representam a verdadeira realidade. As sombras significam a dimensão da sensibilidade que são compreendidas como verdades absolutas, pois não há questionamentos e debates sobre a realidade na qual se encontram os prisioneiros. A razão dos prisioneiros está eclipsada diante das sombras. Prevalece o senso comum e a realidade é enxergada apenas por meio dos sentidos. No espaço da caverna não há provocações, mas apenas acomodação ao mundo constituído frente aos seus sentidos. O intuito de Platão é demonstrar que a educação é processo fundamental na formação do ser humano. Entre os conteúdos na formação do ser humano se destaca a Filosofia, o caminho contemplativo que eleva a alma humana a sua dimensão racional e o faz conhecer o Bem. A filosofia ajuda a desvelar o véu da ignorância, o que está oculto na realidade, pois ela é questionamento e dúvida mediante as aparências do mundo. Ela propõe o pensar e a busca da condição humana no mundo (DAU; CAMACHO, 2003). A condição dos prisioneiros é a pura ignorância mediante a realidade da caverna. É a natureza humana sem educação, alienada pelos sentidos e acomodada nas sombras da própria existência sem ação política. O mundo da caverna é o espaço de nossa realidade social. As

sombras significam o mundo construído pelos seres humanos, de modo especial, por meio daqueles que governam e detém o poder da influência e do capital. O curso de Direito deve ser orientado numa educação provocante, pois educação tem sentido de provocação. Provocar vem do latim provocare, que significa chamar para fora, convidar, suscitar, desafiar. Provocar é chamar o que está oculto e calado (ARDUINI, 2007, p. 127). A formação em direito deve provocar os discentes em suas existências, descobrir suas potencialidades e ao mesmo tempo, realizar a provocação a respeito do modelo de sociedade em que estão vivendo. Assim, dentro da pedagogia do Mito da Caverna de Platão a primeira questão é situar os discentes a partir da realidade em que se encontram. Quais são as sombras que ocultam a verdadeira realidade? Qual o grau de ignorância do discente em relação às estruturas sociais e o seu funcionamento? O Direito não deve ser um curso apenas técnico, mas humanista na ótica da formação da sociedade mais humanizada, tendo por fundamento a Constituição Federal. O Mito da Caverna é uma experiência do despertar da própria realidade na qual se encontra o ser humano. O despertar implica ver a realidade. Os prisioneiros conheciam apenas a realidade da caverna. Eles viviam ali sem julgamentos e críticas das sombras, que para eles era a única realidade verdadeira. Era uma situação de ignorância, pois faltava uma mediação para que julgassem o mundo das sombras que dominavam seus sentidos. Assim, supõe que um dos prisioneiros se liberta e é forçado a sair da caverna. O que poderia acorrer com ele? Destacam-se duas experiências, ou seja, uma física e outra psicológica. A primeira, o desafio de ficar ereto pela posição do corpo aprisionado e o próprio deslocamento. Implica no abandono do território. A segunda se refere à dimensão psicológica do medo e da insegurança, o desafio de buscar nova realidade. É o despertar para o novo, sair do casulo, abandonar a concha, o porto seguro da existência enclausurada na própria realidade do ser existencial e do mundo social. Para a realização do processo do despertar da consciência é fundamental uma educação provocante. A educação provoca a exteriorização do potencial humano latente. Promove o crescimento e a maturação da personalidade. O educar provoca o saber. Leva as pessoas a caçar conhecimentos, ciência, cultura e arte. A educação provoca a análise da realidade social, encaminha passos de justiça e reúne forças para eliminar a pobreza. A educação provocante mobiliza o senso crítico (ARDUINI, 2007, p. 127-128). A educação é a mediação que vai conduzir o prisioneiro a se libertar de sua ignorância. O processo é marcado pela persistência. A cada etapa o prisioneiro vai deixando a doxa (opinião) rumo a epistéme (a ciência/o conhecimento). A saída da caverna se torna num caminho pedagógico. O prisioneiro começa a perceber que não existem apenas as sombras,

mas outra realidade que estava ocultada pelo véu da ignorância. O caminho da saída da caverna é íngreme. Isso demonstra a elevação da alma humana rumo ao conhecimento inteligível. A construção do saber que vai se constituindo pela base racional. O prisioneiro está tomando consciência da realidade por meio da luz do conhecimento. O processo da saída da caverna é o ponto inicial da formação do advogado. Os estudos devem levá-lo ao questionamento da realidade, ou seja, das sombras que estão diante de seus sentidos. É ver a realidade. É perceber que o direito é caminho para desvelar a realidade marcada por injustiças. A ignorância perante a Lei. O despertar para os direitos e deveres do cidadão. Questionar o direito estabelecido como sombra ou a verdadeira realidade que promove a vida e faz valer o respeito à dignidade humana. A formação do advogado é processo da doxa para a epistéme. Da opinião do direito para a ciência do direito, que será fundado na pesquisa, no estudo, na reflexão e na dialética. A formação para Platão prima pela dialética. A dialética platônica tem como centro o diálogo com a vida. A esfera da dialética é a esfera da vida. Educar implica aprender a perguntar sobre a vida, na vida e com a vida. A vida também traz perguntas. O homem não apenas pergunta pela vida, senão também é perguntado por ela. Dentro dessa perspectiva, aparece a pergunta pelo sentido. Não sou eu que pergunto pelo sentido de minha vida, mas é a própria vida que me indaga a respeito da qualidade como eu a estou vivendo (TEIXEIRA, 1999, p. 46). O advogado deve ser formado na dialética. Aprender a dialogar com a vida, a perguntar sobre a vida e deixar que a vida (a realidade) o interrogue. O processo da dialética é superar o senso comum, o conhecimento amparado na opinião. A dialética permite o formando falar e pensar. A possibilidade de ver a unidade e a multiplicidade, a formação de uma visão de conjunto da realidade. O objetivo da dialética é conduzir o formando do plano sensível ao plano metafísico (intelectual). A saída da caverna é o início do processo dialético que vai culminar no exterior da caverna, que simboliza o mundo inteligível, o conhecimento que se funda na razão. O prisioneiro ao chegar fora da caverna fica com a visão ofuscada. Ele tem dificuldade para discernir a realidade que se apresenta diante de si. Aos poucos ele vai tomando consciência que existe outro mundo. Ele começa a ver a realidade, percebe a multiplicidade de coisas. Existe outra realidade, porém não são sombras. A realidade não é aparência, tudo é verdadeiro, belo, justo e bom. Surgem as dúvidas: o mundo fora da caverna é falso? E o mundo interno é a verdadeira realidade? Somente com o tempo o prisioneiro irá discernir e perceber por meio da razão que encontrou a libertação de sua ignorância. Ele se tornou no sábio, no advogado. Encontrou o direito, o Bem Supremo, guia e fundamento da sociedade democrática. Para Platão, o prisioneiro encontrou o Mundo Inteligível ou Mundo das Ideias,

local que habita todas as ideias das coisas que existem no mundo sensível, simbolizado pelo interior da caverna. O prisioneiro abandonou a doxa (opinião) e assumiu em sua vida a epistéme, ou seja, a ciência, o conhecimento forjado por meio da razão, da dúvida, da crítica, portanto na intermediação da Filosofia. Para Platão, a filosofia é processo de educação que conduzirá o cidadão à virtude e ao saber do justo, do bom e do belo. A formação filosófica é consequência de muitos anos de educação e que a arte do filosofar supõe reflexão e, portanto, silêncio e solidão. A vocação à Filosofia é, de certa forma, uma vocação à solidão (TEIXEIRA, 1999). E, como toda vocação, para ser autêntica, exige fidelidade. A arte do filosofar exige momentos de deserto e afastamento do mundo. Platão compara a vida do filósofo com uma espécie de exílio. É a dedicação à formação filosófica que possibilitará a transformação no sábio. É busca constante por meio da pesquisa, estudo, reflexão, dúvida e crítica. O prisioneiro se tornou no sábio. Ele abandonou o senso comum como a verdade e forjou novo conhecimento da realidade por meio do logos, ou seja, da razão. Para Platão, a base do conhecimento se funda na razão, pois os sentidos podem cometer equívocos, isto é, as aparências enganam. No interior da caverna, o prisioneiro acreditava que as sombras eram a verdadeira realidade, mas após a sua libertação e o deslocar-se para além da caverna, descobriu que existia uma nova realidade. A sua ignorância foi curada pela educação. Assim, ele fez a experiência do VER a realidade. Após a sua transformação no sábio ele viu que há novo mundo, cujo fundamento é o Bem, como ideal supremo desta nova realidade. É o mundo guiado pela razão. Na posição de sábio, ele JULGA a realidade e toma consciência de sua total ignorância no interior da caverna. Com base na perspectiva anterior, o formando em direito deverá ser conduzido além do senso comum, dos pré-conceitos, da doxa e buscar a epistéme, como fundamento da formação jurídica. O direito é o bem supremo que deverá guiar sua razão na constituição de uma sociedade justa e na defesa da vida. A formação jurídica requer persistência, dedicação e solidão para forjar sua razão na essência do direito. Nesse, processo a educação jurídica deverá proporcionar ao discente, o despertar para que o direito não seja apenas palavras na Constituição Federal e nos Códigos de Direito, mas mediação capaz de questionar as sombras que distorcem a verdadeira realidade brasileira, como exemplos: a corrupção, a desigualdade social, a manipulação da lei e a miséria que assombra diversos lares no país. A EDUCAÇÃO JURÍDICA COMO A ARTE DE DESEJO DO BEM

Para Platão, o papel da educação não é dar a visão, mas orientar os olhos para a direção certa (TEIXEIRA, 1999, p. 51). Nessa perspectiva, a pedagogia do Mito da Caverna revela a orientação para o caminho verdadeiro, ou seja, do saber que liberta o ser humano de sua ignorância. A educação proporciona ao formando a orientação de seus olhos para a meta a ser alcançada. Por isso, Platão defendia a tese de que educar seria deixar vir para fora o conhecimento e a verdade já presentes potencialmente dentro (TEIXEIRA, 1999, p. 53). A educação é despertar no formando as suas potencialidades para a realização da vida pessoal e profissional. Educar para Platão é a arte do desejo do bem (TEIXEIRA, 1999, p. 53). O objetivo da educação é possibilitar o desejo do bem acima de tudo. O bem é condição necessária para aqueles que querem alcançar o saber mais elevado (mégiston máthema). O bem para Platão é, em primeiro lugar; e com mais evidência, a finalidade ou alvo da vida, o objeto supremo de todo o desígnio e toda a aspiração. Em segundo lugar; e mais surpreendentemente, é a condição do conhecimento, o que torna o mundo inteligível e o espírito inteligente. E em terceiro e último, e mais importante lugar; é a causa criadora que sustenta todo o mundo e tudo o que ele contém, aquilo que dá a tudo o mais a sua própria existência (TEIXEIRA, 1999, p. 54). A finalidade da educação é a prática do bem. O conceito de bem está associado à sabedoria enquanto busca da verdade. O amor pela sabedoria e pela verdade possibilitará que o bem seja praticado. Em todo o processo da formação jurídica o futuro advogado deverá ser educado para a arte do desejo do bem. O direito deverá ser ensinado como bem supremo no Estado Moderno Democrático de Direito. É o amor pelo direito que possibilitará a sua real prática e terá por finalidade a busca da verdade. O direito é o bem maior enquanto defensor da dignidade humana, protetor da vida e da verdade. Após todo processo da formação jurídica, o advogado, sábio e interprete da lei deverá AGIR em favor da vida e do bem das pessoas e de toda a sociedade. Conhecer a lei é conhecer direitos e deveres. O discente em direito, agora é o advogado, o sábio da lei e o defensor da Constituição Federal, como bem maior da nação brasileira. A educação possibilita agora perceber o justo e o injusto; o falso e o verdadeiro; a sociedade das sombras e a sociedade real. O advogado foi educado para buscar o bem e a verdade. O seu conhecimento não deverá ser uma sabedoria oculta, mas a mediação para libertar os que estão contemplando as sombras, os que estão alienados e, portanto não conhecem os seus direitos e deveres. O advogado deverá voltar à caverna para anunciar aos seus concidadãos que estão vivendo uma

falsa realidade, que outra sociedade é possível fundada na razão e na prática do bem e na busca da verdade. O MITO DA CAVERNA E A PEDAGOGIA DO VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR O Mito da Caverna de Platão indica a pedagogia do VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR para a formação do advogado. É excelente método para a formação do futuro jurista. O VER é descobrir a realidade. O JULGAR é formar a consciência crítica à luz libertadora do Direito. O AGIR é transformar essa mesma realidade e AVALIAR é rever as ações realizadas, garantindo a continuidade do processo e chegar a uma ação mais eficaz (BORAN, 1982). O curso de Direito deve provocar nos discentes o senso crítico. O primeiro despertar é VER a realidade, ou seja, realizar o levantamento da situação social. O estudo do direito não deve ser destituído de seu contexto social. É verificar os fatos, as causas e as conseqüências que estão presentes na sociedade brasileira. A observação se impõe nesta primeira fase. O segundo momento é o JULGAR. A palavra julgar às vezes é compreendida no viés de conotações negativas e moralistas. O sentido no contexto da presente análise é diferente. Não é condenar, mas de analisar para discernir o que está certo e o que está errado e depois partir para uma ação que transforme o que está equivocado perante o ordenamento jurídico estabelecido. O JULGAR significa perceber o que está ajudando ou impedindo os cidadãos de se libertarem das injustiças e dos delitos. Significa perceber o erro que está presente em seu ser, isto é, a tendência de dominar, explorar, coisificar os outros e a manipulação da lei (BORAN, 1982, p.75). O JULGAR se realiza por meio do ordenamento jurídico estabelecido, ou seja, à luz da Constituição Federal e dos diversos Códigos Jurídicos que procuram manter a ordem social do ponto de vista das garantias individuais e coletivas. O terceiro momento é o AGIR. É a vivência da práxis humana. O agir se impõe como dever e tarefa de transformar a realidade que foi percebida e julgada à luz do direito. É a fase de ousar para reinventar novo paradigma social (ARDUINI, 2009). Ousar é mover-se e agir com destemor. Ousar é desprender-se do lugar onde se está. Ousar é desamarrar-se, é lançar-se, é atirar-se a um projeto. É atitude corajosa, é ímpeto arriscado. Ousar é buscar o novo. Ousar é fenômeno futurista. Ousar é emergir da quietude, é largar o estupor. É sair da neutralidade e definir-se. Ousar é romper o imobilismo. Ousar é derrubar os muros da iniqüidade. Ousar é recriar uma sociedade que está em decomposição [...] Ousar é promover a dignidade da pessoa humana que está sendo violentada pela crueldade e envergonhada pela miséria. Ousar é rebelar a população que vem sendo cronicamente enganada, eleitoralmente manipulada e socialmente excluída. Ousar é sustentar que o poder é do povo, e não daqueles que o exercem para acumular vantagens (ARDUINI, 2009, p. 40-41).

O advogado deve ousar para que a justiça prevaleça e os alienados às sombras da realidade social sejam despertados e conheçam seus direitos e deveres. Após anos de formação, o estudo do direito deve educar o discente para que se torne advogado militante do bem e da verdade com base na Constituição Federal, o bem supremo que rege a paz social. Nessa perspectiva, a filosofia de Platão não é apenas uma teoria, mas está implicada uma práxis, um compromisso pedagógico-político. O prisioneiro que se tornou no filósofo, no sábio deverá retornar à caverna e anunciar aos seus concidadãos que eles estão vivendo uma profunda alienação e devem despertar e buscar nova realidade para suas vidas. O advogado à luz do filósofo de Platão deverá ser o profeta da Constituição Federal. Ele adquire um compromisso por meio de seus estudos e deverá contribuir para que a sociedade esteja sempre na elevação de sua moralidade e na prática da justiça. O advogado é o profeta do ordenamento jurídico! Ele deve denunciar todas as formas de manipulação da lei e anunciar o direito de todas as pessoas, independente de sua classe social. A missão do advogado é anunciar o Reino de Justiça e lutar para que ela seja efetivada. Diversos magistrados e advogados são perseguidos por causa da justiça em nosso país e muitos são assassinados. São mártires da verdade e da defesa do direito! Outros se deixam subornar pelo dinheiro e, portanto deixam de cumprir o papel da justiça. O advogado deve seguir com amor sua vocação jurídica. Ser o construtor de uma nova ordem social, onde a corrupção não seja o grito Maior, mas a Justiça e a Verdade, na promoção de um Estado mais fiel às bases da Constituição Federal. A última parte do método é AVALIAR. É o momento fundamental para verificar o que foi feito, o que funcionou e o que impactou o agir. Sem avaliação a ação deixa de ser transformadora; sem avaliação a ação não estimula novas ações; sem avaliação a ação morre e o grupo pára; sem avaliação não se valorizam os sucessos e não se tiram lições dos fracassos (BORAN, 1982, p. 99). Avaliar é proporcionar aos integrantes do agir, a consciência do trabalho realizado, percebendo a vitória e o fracasso nas intervenções realizadas. O ato de avaliar não deve ser visto como punição, mas profunda reflexão da práxis humana no cenário da existência pessoal e social. Avaliar implica reconhecer as fragilidades das ações e a nobreza das conquistas. Avaliar é buscar novos métodos de ação sobre as novas condições impostas pelos sistemas jurídicos, políticos, econômicos, sociais e educacionais. A pedagogia que se encontra no Mito da Caverna de Platão possibilita a formação jurídica fundada na busca do bem e da verdade. O método - VER-JULGAR-AGIR- AVALIAR - representa os passos do prisioneiro que se desperta e busca nova realidade, além das sombras. O presente método seria guia no processo da educação jurídica, ou seja, formar

advogados que são capazes de VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR a realidade na qual estão inseridos à luz do ordenamento jurídico estabelecido. Despertar na formação do discente, desde o primeiro período de direito o senso crítico, a capacidade de Ver a realidade brasileira e no decorrer dos estudos e após a formação julgá-la a partir dos critérios da lei estabelecida, tomando consciência que não basta enxergar o que está errado, mas agir para que a sociedade seja modificada, alcançado o ideal presente na Constituição Federal e, por fim, avaliar sempre as práxis realizadas durante o curso e após a formação jurídica, como profissionais do direito. O discente de direito que aprendeu o método VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR em sua educação jurídica, jamais deverá abandonar a responsabilidade social e política que pesa sobre a sua profissão (FIUZA, 2010). Ou nas palavras de Rui Barbosa que afirmava com o advogado, justiça militante. Justiça imperante, no magistrado (BARBOSA, 2010, p. 37). O advogado de praticar a justiça militante. Ser agente transformador da sociedade que esteja distante da prática do bem, da justiça e da verdade. CONCLUSÃO O estudo realizado demonstrou que há no Mito da Caverna de Platão o caminho pedagógico que serve de inspiração para o processo de ensino-aprendizagem nas Faculdades de Direito no Brasil. A pedagogia de Platão é a formação intelectual, a construção do saber por meio da ciência, tendo por base a razão. Ele não aceitava o conhecimento sensível como caminho seguro do conhecimento, pois as aparências do mundo podem enganar os sentidos humanos e levá-los ao erro perante a realidade. Platão construiu o mito como processo de educação da natureza humana que se encontra mergulhada na ignorância do seu ser e da própria realidade que a envolve. A estrutura do Mito da Caverna se constitui em quatro fases: a condição dos prisioneiros (a realidade); o conhecimento utilizado na vivência dos prisioneiros (senso comum); a superação da experiência sensível para a inteligível (a formação filosófica); e, por fim, o aspecto político- pedagógico (o agir humano). O curso de direito deverá demonstrar por meio de seus estudos a condição em que se encontra o cidadão dentro da sociedade e ajudá-lo a ver a realidade. A formação jurídica deverá conduzir o discente do senso comum ao conhecimento científico do direito, ou seja, superar a doxa e alcançar a epistéme. Conhecer o ordenamento jurídico e depois julgar a realidade com base nos critérios jurídicos estabelecidos e aprovados. Após a formação e a colação de grau, a missão não está encerrada, mas aí que iniciará a militância do advogado dentro da sociedade. Ele deverá denunciar todas as formas de injustiças e anunciar os direitos e deveres dos cidadãos.

Ao Mito da Caverna demonstrou por meio de argumentos a aplicação do método VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR. A educação jurídica deverá proporcionar aos discentes a capacidade de Ver a realidade, o que está certo ou errado, conforme a lei estabelecida, desenvolver o ato de Julgar a realidade à luz dos critérios da justiça brasileira, agir para que as injustiças sejam banidas e Avaliar como ocorreram as intervenções na realidade, ou seja, as vitórias e fracassos. Portanto, o Mito da Caverna de Platão possibilita formar juristas sábios e forjados na experiência do VER-JULGAR-AGIR-AVALIAR. O método desperta a formação do senso crítico e a busca do bem e da verdade. Convida o discente a deixar o interior da caverna, ou seja, o seu senso comum, os pré-conceitos, medos e inseguranças. A formação jurídica é a constante busca da sabedoria no discernimento e na interpretação da lei em favor da ordem e da paz social. ABSTRACT The present article demonstrates that the Myth of Plato's Cave serves as a pedagogical way for the formation of a lawyer. The pedagogy of Plato expresses that education is essential to the formation of the fair and ethical citizen. From this perspective, the lawyer will be freed of his individual and social alienations, through the liberating legal education, allowing the lawyer's mission to transform the Brazilian society into a fair and effective democracy in the fulfillment and enforcement of the law. The education should be comprehensive in its technical and humanistic aspects. Keywords: Lawyer. Pedagogy. Myth of the Cave. REFERÊNCIAS ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2009.. Ética responsável e criativa. São Paulo: Paulus, 2007. BARBOSA, Rui. Oração dos Moços. In: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Ler ou não ler?: Direito, cidadania e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. CAMACHO, Carlos Mário Paes; DAU, Sandro. História da Filosofia Dos mitos aos milésios. Juiz de Fora: Editar Editora Associada, 2003. FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. A importância do Bacharel em Direito. In: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Ler ou não ler?: Direito, cidadania e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. BORAN, Jorge. O senso crítico e o método Ver, Julgar e Agir. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1982.

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