Biomassa sustentável de juvenis de pirarucu em tanques-rede de pequeno volume (1)

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Transcrição:

Biomassa sustentável de juvenis de pirarucu 723 Biomassa sustentável de juvenis de pirarucu em tanques-rede de pequeno volume (1) Bruno Adan Sagratzki Cavero (2), Manoel Pereira-Filho (2), Rodrigo Roubach (2), Daniel Rabello Ituassú (2), André Lima Gandra (2) e Roger Crescêncio (3) Resumo O objetivo deste trabalho foi estimar a biomassa sustentável de juvenis de pirarucu Arapaima gigas (Cuvier, 1829) mantidos em tanques-rede de pequeno volume. Durante 2 dias os peixes foram estocados em quatro tanques-rede de 1 m 3, cada um com biomassa inicial total de,84±,14 kg (21 peixes/tanque-rede). Os tanques-rede foram colocados em um viveiro de 5 m 2 com renovação constante de água. Os índices do fator de condição, da conversão alimentar, do crescimento específico e do ganho de biomassa revelaram que a biomassa sustentável de juvenis de pirarucu para a criação intensiva em tanques-rede de 1 m 3 foi de aproximadamente 29 kg. O comprimento alcançado pelo peixe, no espaço reduzido do tanque-rede, é um fator limitante para manter bons índices zootécnicos. Termos para indexação: Arapaima gigas, peixe, alimentação, crescimento, piscicultura. Sustainable biomass of pirarucu juveniles in small volume net cages Abstract The objective of this work was to estimate the sustainable biomass of pirarucu Arapaima gigas (Cuvier, 1829) juveniles kept in small volume net cages. During 2 days four 1-m 3 net cages were stocked with 21 fish/cage and had an initial total biomass of.84±.14 kg (21 fish/cage). The net cages were placed in a 5-m 2 pond with constant water flow. Conditioning factor, feed conversion, specific growth rate and gain showed that the sustainable biomass of pirarucu juveniles for intensive rearing in 1-m 3 net cages was approximately 29 kg. Fish length at the end of the trial, in relation to the reduced net cage space, was a limiting factor to obtain good biological indices. Index terms: Arapaima gigas, fishes, feeding, growth, fish culture. Introdução (1) Aceito para publicação em 14 de março de 23. (2) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura, Caixa Postal 478, Petrópolis, CEP 6983- Manaus, AM. E-mail: basc@inpa.gov.br, pmanoel@inpa.gov.br, roubach@inpa.gov.br, dituassu@inpa.gov.br, agandra@inpa.gov.br (3) Embrapa-Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre, Caixa Postal 321, CEP 6998-97 Rio Branco, AC. E-mail: roger@cpafac.embrapa.br O confinamento de organismos aquáticos em alta densidade é uma prática comum para aumentar a produtividade e melhorar o desempenho zootécnico da população confinada (Ono, 1998). A estimativa da capacidade de sustentação dos ambientes onde os organismos são confinados oferece grande vantagem, uma vez que permite estimar a biomassa da criação que pode ser alcançada sem prejudicar as condições ambientais, evitando, com isto, transtornos que possam vir a comprometer a produtividade e a viabilidade do empreendimento (Kubitza et al., 1999). Entre as modalidades de criação de organismos aquáticos e principalmente na piscicultura, a dos tanques-rede é a que permite as maiores densidades de estocagem (Schmittou, 1993). Os tanques-rede são estruturas flutuantes de variados formatos e tamanhos, constituídos por redes ou telas que permitem a passagem livre da água (Beveridge, 1996), oferecem proteção contra predadores e dificultam a competição por alimentos com outros peixes (Silva & Siqueira, 1997). A técnica de criação de organismos aquáticos em tanque-rede de pequeno volume favorece a estocagem de peixes em alta densidade por permitir renovação mais rápida da água (Schmittou, 1993; Ono 1998), facilitar o manejo e quebrar a zona de alimentação (Alanärä & Brännäs, 1996), diminuindo a competição entre os peixes (Cavero, 22). Mesmo com to- Pesq. agropec. bras., Brasília, v. 38, n. 6, p. 723-728, jun. 23

724 B. A. S. Cavero et al. das essas vantagens, os tanques-rede de pequeno volume podem apresentar fatores limitantes, como grandes adensamentos de peixes, reduzindo o acesso ao alimento (Schmittou, 1993) e comprometendo o crescimento. Na Região Amazônica, o pirarucu é provavelmente a espécie que apresenta as melhores perspectivas para a criação em regime intensivo. Apresenta grande velocidade de crescimento, podendo alcançar 1 kg no primeiro ano de criação (Carvalho & Nascimento, 1992; Imbiriba, 21), rusticidade ao manuseio, respiração aérea (Fontenele, 1953, 1955) e facilidade de ser treinado para aceitar ração extrusada (Crescêncio, 21), e suporta altas densidades de estocagem (Cavero, 22). A respiração aérea do pirarucu é uma característica fisiológica que facilita sua criação em tanques-rede, principalmente pela baixa demanda de oxigênio na água, o que não é comum em peixes com respiração branquial (Ono & Kubitza, 1999). O objetivo deste trabalho foi avaliar a biomassa sustentável de juvenis de pirarucu mantidos em tanques-rede de pequeno volume. Material e Métodos O trabalho foi realizado na Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura (CPAQ) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) no período de 25 de julho de 21 a 18 de fevereiro de 22. Foram utilizados quatro tanques-rede, flutuantes, de 1 m 3 (1x1x1 m) em um viveiro de 5 m 2 de lâmina de água e 1,2 m de profundidade, com renovação constante de água (vazão de 1 L de água/ minuto). Em cada um dos tanques-rede foram estocados 21 peixes com biomassa inicial de,84±,14 g, os quais foram alimentados, até a saciação aparente, com ração comercial extrusada, específica para peixes carnívoros, com 4% de proteína, duas vezes ao dia (9h e 16h), por 2 dias. Com a finalidade de estabelecer a curva de crescimento e a capacidade de sustentação dos tanques-rede, os peixes foram submetidos a biometrias de peso e comprimento a cada 2 dias. A qualidade da água do viveiro foi monitorada semanalmente, por medição da amônia total (NH 3 + NH 4+ ) a partir da qual foi calculada a amônia não ionizada (NH 3 ) (mg/l) (Boyd & Tucker, 1992), nitrito (mg/l), condutividade elétrica (µs/cm 2 ), temperatura (ºC), transparência (cm) e ph. Foram analisados os seguintes parâmetros de desempenho: conversão alimentar (CA), que consistiu no consumo de ração no tanque-rede por ganho de biomassa; ganho de biomassa (GB), obtido pela diferença entre a biomassa final e a biomassa inicial; crescimento específico (%), obtido pela expressão: CE = 1 (Ln biomassa final - Ln biomassa inicial)/tempo (dias); incremento em peso (%): IP = 1 (biomassa final - biomassa inicial)/biomassa final; consumo médio diário e consumo no final do experimento; fator de condição do período, calculado pela expressão: K = 1 (peso médio final/comprimento médio total final 3 ). A análise estatística dos dados obtidos de cada biometria relacionou os parâmetros de desempenho com o período experimental (número de dias) mediante análise de regressão (Ayres et al., 2). Resultados e Discussão Ao início do experimento as concentrações da amônia não ionizada e do nitrito não apresentaram variações perceptíveis, porém ao final alcançaram valores entre 1,15 e 1,38 mg/l de amônia não ionizada e,8 e 1,3 mg/l de nitrito. Ao longo do experimento, o ph e a condutividade do viveiro apresentaram gradiente positivo, ao contrário da transparência. A temperatura oscilou entre 29ºC e 33ºC (Figura 1). ph Temperatura (ºC) Transparência (cm) Condutividade (µs/cm) 11 1 9 8 7 6 34 33 32 31 3 29 28 27 5 4 3 2 1 y = -3,8727x + 47 R 2 =,92* y =,4558x + 6,3213 R 2 =,91* y =,1867x + 3,453 R 2 =,19 ns 1 8 6 4 2 y =,2887x + 24,653 R 2 =,73* 2 4 6 8 1 12 14 16 18 2 Tempo (dias) Figura 1. Variação dos parâmetros físico-químicos da água monitorados durante 2 dias na criação de juvenis de pirarucu, em tanques-rede de 1 m 3. ns Não-significativo. *Significativo a 5% de probabilidade. Pesq. agropec. bras., Brasília, v. 38, n. 6, p. 723-728, jun. 23

Biomassa sustentável de juvenis de pirarucu 725 A amônia na forma não ionizada, quando em concentração excessiva, pode bloquear o processo de fosforilação oxidativa nos organismos aquáticos, gerando incapacidade de transformar a energia alimentar em ATP e, conseqüentemente, inibir o crescimento dos animais (Vinatea, 1997). Além disso, elevadas concentrações de amônia na água estimulam a secreção de hormônios corticoesteróides e provoca a desaminação dos aminoácidos, impossibilitando a formação de proteínas, processo essencial no crescimento dos peixes (Parker & Davis, 1981). No caso do nitrito, o efeito mais importante sobre os peixes reside na sua capacidade de oxidar o íon ferro (Fe 2+ ) da hemoglobina do sangue, convertendo-a em meta-hemoglobina (fórmula molecular incapaz de transportar oxigênio), provocando a morte dos peixes por asfixia (Vinatea, 1997). Schmittou (1993) sugere que níveis de 2 mg/l de amônia não ionizada e de,5 mg/l de nitrito são prejudiciais ao desenvolvimento dos peixes. Alguns peixes de interesse comercial suportam níveis de nitrito considerados elevados para a piscicultura: Ictalurus punctatus (7,6 mg/l), I. melas (32, mg/l) e Clarias gariepinus (15 mg/l) (Proença & Bittencourt, 1994; Vinatea, 1997). Neste trabalho os níveis observados de amônia e de nitrito não foram considerados prejudiciais para o desempenho dos peixes, uma vez que os juvenis de pirarucu apresentaram grande resistência ao manuseio (amostragem total dos peixes a cada 2 dias) e taxa de sobrevivência de 1%. O crescimento dos peixes nos tanques-rede começou a declinar a partir dos 14 dias. Nessa época a biomassa média era 22,3 kg/m 3 ; o comprimento médio total, 49,5 cm; a conversão alimentar, 1,12; o crescimento específico, 2,2%; o incremento em peso, 27,14%; e o peso médio, 1,6 kg (Figuras 2, 3 e 4). O desempenho zootécnico apresentado pelos peixes ao final do experimento sugere que a biomassa de aproximadamente 22 kg/m 3 é adequada para a despesca (76% da biomassa sustentável), o que ocorreu quando o comprimento dos juvenis de pirarucu atingiu aproximadamente 5 cm (metade do comprimento do tanque-rede). Ono & Kubitza (1999) sugerem que a biomassa econômica está entre 6% e 8% da capacidade de Conversão alimentar Crescimento específico (%) 3,5 3, 2,5 2, 1,5 1,,5 y =,1x 2 -,135x + 1,1822 R 2 =,9*, 2,9 2,7 2,5 2,3 2,1 y = -,68x + 2,9333 1,9 1,7 R 2 =,98* 1,5 5 1 15 2 Tempo (dias) Figura 2. Conversão alimentar e crescimento específico em razão do tempo de criação de juvenis de pirarucu, em tanques-rede de 1 m 3. Conversão alimentar: consumo de ração do tanque-rede/ganho de biomassa. Crescimento específico: 1 (logaritmo natural da biomassa final - logaritmo natural da biomassa inicial)/tempo em dias. *Significativo a 5% de probabilidade. Comprimento total médio (cm) Fator de condição (K) Peso médio (g) 6 52 44 36 28 2,9,8,7,6,5 1.5 1. 5 y = -,4x 3 +,123x 2-3,2932x + 11,75 R 2 =,998* y = -,3x 2 +,2445x + 21,553 R 2 =,997* y = -2E-5x 2 +,54x +,4586 R 2 =,968* 5 1 15 2 Tempo (dias) Figura 3. Comprimento total médio±desvio-padrão da média, fator de condição e peso médio de juvenis de pirarucu em razão do tempo de criação em tanques-rede de 1 m 3. Fator de condição do período: 1 (peso médio final/ comprimento médio total final 3 ). *Significativo a 5% de probabilidade. Pesq. agropec. bras., Brasília, v. 38, n. 6, p. 723-728, jun. 23

726 B. A. S. Cavero et al. Biomassa (kg) Incremento em peso (%) Consumo (kg) 35 3 25 2 15 1 5 6 5 4 3 2 1 7 6 5 4 3 2 1 y = -7E-6x 3 +,23x 2 -,425x + 1,7674 R 2 =,998* y = -,2174x + 49,487 R 2 =,917* y = -2E-6x 3 +,5x 2 +,128x +,682 R 2 =,926* 5 1 15 2 Período (dias) Figura 4. Variação da biomassa, incremento em peso e consumo de ração de juvenis de pirarucu criados em tanques-rede de 1 m 3 por períodos de 2 dias. Biomassa: soma do peso dos tanques-rede/4. Incremento em biomassa: 1 (biomassa final - biomassa inicial)/biomassa final. Consumo: soma do consumo de ração ao longo de cada período de 2 dias. *Significativo a 5% de probabilidade. sustentação do tanque-rede. Kubitza et al. (1999) citam que a biomassa econômica de um lote de produção é calculada com base no ganho em biomassa, no custo de produção e no valor de venda do peixe. O pirarucu apresenta 57% de rendimento em filé (Imbiriba, 21), o qual no mercado de Manaus chega a custar US$ 4,/kg. Atualmente, o custo de produção do pirarucu, em condições experimentais, oscila entre US$,54/kg e US$,76/kg (Cavero, 22). A tendência inversa entre o crescimento específico e a conversão alimentar aparente (Figura 2) acentuou-se principalmente a partir dos 14 dias de criação, quando o desempenho dos peixes diminuiu. Esta relação pode ter sido influenciada pelo comprimento total médio dos peixes, que em 14 dias foi de 49,5±3,8 cm, e no final do experimento, 55,2±3,8 cm (Figura 3). Tais resultados revelaram que o crescimento dos peixes com relação ao comprimento não teve grande variação nesse período. Provavelmente o comprimento que o pirarucu alcança em pouco tempo seja um fator limitante para sua criação em tanques-rede de 1 m 3, uma vez que o desenvolvimento do pirarucu inicialmente se verifica maior em comprimento do que em peso (Alcântara & Guerra, 1992). Essa tendência foi encontrada no presente trabalho, principalmente nos primeiros 14 dias (Figura 5), e indica que o desenvolvimento foi influenciado pelo comprimento dos peixes. Tanques-rede de 1 m 3 podem ser pequenos para a natação dos peixes, dificultando a tomada de oxigênio atmosférico e o acesso ao alimento, gerando estresse. Como observado por Schmidt-Nielsen (1996), quando os organismos estão em condições de estresse ocorre maior deslocamento da energia obtida da alimentação para manter o equilíbrio fisiológico e, em menor quantidade, para o crescimento. A capacidade de sustentação de tanques-rede de 1 m 3 na criação de juvenis de pirarucu foi aparentemente atingida quando a biomassa era 29 kg/m 3, muito abaixo do estimado em relação à carpa comum, Cyprinus carpio (3 kg/m 3 ), tilápia nilótica, Oreochromis niloticus (35 kg/m 3 ), pacu, Piaractus mesopotamicus (75 kg/m 3 ) e surubim, Pseudoplatystoma fasciatum (1 kg/m 3 ) mantidos em tanques-rede de 1 m 3 (Kubitza et al., 1999). Essas Peso (g) 1.4 1.2 1. 8 6 4 2 y =,9596x 2-33,926x + 336,33 R 2 =,996* 2 25 3 35 4 45 5 55 6 Comprimento (cm) Figura 5. Relação entre peso e comprimento em razão do período de criação de juvenis de pirarucu, em tanques-rede de 1 m 3. *Significativo a 5% de probabilidade. 2 18 16 14 12 1 8 6 4 2 Período (dias) Pesq. agropec. bras., Brasília, v. 38, n. 6, p. 723-728, jun. 23

Biomassa sustentável de juvenis de pirarucu 727 diferenças podem estar relacionadas ao comprimento e a forma desses peixes, uma vez que são de menor porte que o pirarucu, facilitando seu confinamento em tanques-rede de 1 m 3. O uso de tanques-rede de 1 m 3 constitui-se uma boa opção para a criação do pirarucu no período de pré-engorda, como sugerido por Cavero (22), até os peixes atingirem aproximadamente 1 kg de peso individual. Após esse período, o crescimento pode ser comprometido por causa do comprimento total alcançado pelos peixes. Conclusões 1. A biomassa sustentável de juvenis de pirarucu para a criação intensiva em tanques-rede de 1 m 3 é de aproximadamente 29 kg/m 3. 2. O comprimento alcançado em pouco tempo pelo peixe no espaço reduzido do tanque-rede é limitante para manter bons índices zootécnicos. Agradecimentos Ao CNPq e à Agencia Española de Cooperación Internacional (AECI) Projeto Pirarucu, pelo suporte financeiro. Referências ALANÄRÄ, A.; BRÄNNÄS, E. Dominance in demandfeeding behavior in Arctic charr and rainbow trout: the effect of stocking density. Journal of Fish Biology, London, v. 48, n. 2, p. 242-254, 1996. ALCÂNTARA, F. B.; GUERRA, H. F. Cultivo del paiche, Arapaima gigas, utilizando bujurqui, Cichlassoma bimaculatum, como presa. Folia Amazónica, Iquitos, v. 4, n. 1, p. 129-139, 1992. AYRES, M.; AYRES, M. J.; AYRES, D. L.; SANTOS, A. S. Bio stat 2.: aplicações estatísticas nas áreas biológicas e médicas. Belém: Sociedade Civil Mamirauá/CNPq, 2. 272 p. BEVERIDGE, M. C. M. Cage aquaculture. Cambridge, Inglaterra: Fishing News Books, 1996. 351 p. BOYD, C. E.; TUCKER, C. S. Water quality and pond soil analyses for aquaculture. Auburn: Auburn University, 1992. 183 p. CARVALHO, L. O. D. M.; NASCIMENTO, C. N. B. do. Engorda de pirarucus (Arapaima gigas) em associação com búfalos e suínos. Belém: Embrapa-CPATU, 1992. 21 p. (Circular Técnica, 65). CAVERO, B. A. S. Densidade de estocagem de juvenis de pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829) em tanques-rede de pequeno volume. 22. 51 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, 22. CRESCÊNCIO, R. Treinamento alimentar de alevinos de pirarucu, Arapaima gigas (Cuvier, 1829), utilizando atrativos alimentares. 21. 35 f. Dissertação (Mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior) - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas, Manaus, 21. FONTENELE, O. Contribuição ao conhecimento do pirarucu Arapaima gigas (Cuvier) em cativeiro (Actinopiterygii, Osteoglossidae). Fortaleza: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 1955. p. 235-25. (Publicação, 166). FONTENELE, O. Hábitos de desova do pirarucu Arapaima gigas (Cuvier) (Pisces: Isospondyli, Arapaimidae), e evolução da sua larva. Fortaleza: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, 1953. 22 p. (Publicação, 153). IMBIRIBA, E. P. Potencial da criação de pirarucu, Arapaima gigas, em cativeiro. Acta Amazonica, Manaus, v. 31, n. 2, p. 299-316, 21. KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L.; ONO, E. A.; SAMPAIO, A. V. Planejamento da produção de peixes. 3. ed. rev. ampliada. Jundiaí: F. Kubitza, 1999. 77 p. ONO, E. A. Cultivo de peixes em tanques-rede. Campo Grande: E. A. Ono, 1998. 41 p. ONO, E. A.; KUBITZA, F. Cultivo de peixes em tanques-rede. 2. ed. rev. ampliada. Jundiaí: F. Kubitza. 1999. 68 p. PARKER, N.; DAVIS, K. Requirements of warmwater fish. In: BIOENGINEERING SYMPOSIUM FOR FISH CULTURE, 1981, Bethesda. Proceedings Bethesda: Fish Culture Section of the American Fisheries Society, 1981. p. 21-28. PROENÇA, C. E. M.; BITTENCOURT, P. R. L. Manual de piscicultura tropical. Brasília: Ibama, 1994. 196 p. Pesq. agropec. bras., Brasília, v. 38, n. 6, p. 723-728, jun. 23

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