O sufixo nominal agentivo -ante/-ente/-inte

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Transcrição:

O sufixo nominal agentivo -ante/-ente/-inte Solange Mendes Oliveira - E-mailsmoliveira18@hotmail.com Doutoranda em Lingüística, na área de Teoria e Análise Lingüística, pela UFSC. Resumo: Este artigo analisa, à luz do arcabouço teórico da Morfologia Distribuída (Halle e Marantz 1993; Marantz 1996, 1997; Halle 2000; Embick 2000; Embick e Noyer 2004), o comportamento do sufixo ante/-ente/-inte através da observação dos traços morfossintáticos e semânticos das bases verbais a que se adjunge. Explora-se a hipótese de que nas formações derivadas há critérios semântico-aspectuais impostos pelas raízes, que restringem a combinação entre raízes e afixos. A análise dos dados visa a obter informações que auxiliem no estabelecimento de padrões gerais para as formas derivadas com ante/-ente/-inte. Palavras-chaves: sufixo ante/-ente/-inte; propriedades semântico-aspectuais; Morfologia Distribuída. 1. Introdução A adjunção do sufixo ante/-ente/-inte às raízes verbais forma nomes agentivos, como despachante, contribuinte, estudante etc., e, também, adjetivos agentivos, como poluente, provocante,envolvente etc.; entretanto, essa adjunção não ocorre de forma aleatória, pois as raízes verbais não se adjungem aleatoriamente a qualquer sufixo agentivo. Em combatente ou em assaltante, por exemplo, temos a opção da raiz verbal pelo sufixo agentivo ante; já formações como pregar/*pregante ou semear/*semeante não se realizam. Sendo assim, explora-se a hipótese de que as raízes verbais impõem restrições de cunho semântico-aspectual às formações derivadas, que vão permitir a adjunção da base verbal ao sufixo -ante/-ente/-inte. O trabalho divide-se em três seções. Primeiramente, delineiam-se os aspectos mais importantes da Morfologia Distribuída, relevantes para explicar a adjunção do sufixo em questão a uma raiz verbal; em seguida, apresenta-se uma proposta de análise para explicar a adjunção desse sufixo às diferentes bases verbais; a última seção apresenta as conclusões do trabalho. 2. A Morfologia Distribuída A teoria da Morfologia Distribuída (doravante, MD) propõe uma arquitetura de gramática na qual a sintaxe congrega palavras e sintagmas que são submetidos a dois outros módulos independentes, a morfologia e a fonologia. Alguns aspectos da formação de palavras surgem de operações sintáticas (Merge, Move), enquanto outros aspectos são realizados por operações que ocorrem em PF (Embick e Noyer 2004). O s morfemas - unidades que estão sujeitas às operações sintáticas Merge e Move - são compostos de um complexo de traços gramaticais sintático-semânticos e, dependendo da variedade de traços que eles contêm, são definidos ou como morfemas abstratos ou como Raízes. Morfemas não têm conteúdo fonológico, que é atribuído a posteriori via Inserção de Vocabulário ou Spell-out (Halle 2000, p.131). Os itens do vocabulário são, então, uma relação entre um fragmento fonológico e uma informação sobre onde este fragmento pode ser inserido. A estrutura interna das palavras é, portanto, um produto da sintaxe e de operações (morfológicas e morfonológicas) no componente PF (Marantz 1996). Segundo Marantz (1996), nossas categorias sintáticas usuais nomes, verbos e adjetivos são, na verdade, categorias morfológicas que emergem durante a derivação somente no contexto de certas projeções funcionais, isto é, um nome é uma Raiz em um local relacionado com um núcleo funcional particular D(eterminante). As Raízes são então categorizadas quando estiverem em um local que se relacione com um dos núcleos funcionais doadores de categoria: nome (n), adjetivo (a) ou verbo (v), ou seja, os núcleos funcionais determinam no ambiente da Raiz a categoria a que ela pertence. As palavras pertencem às categorias morfológicas, mas são sempre derivadas sintaticamente (Marantz 1996, 1997; Embick 2000). Assim, no quadro da MD, a formação de palavras é possível quando a uma raiz () adjungir-se um afixo derivacional portador de categoria morfossintática. Somente assim forma-se um nome (n), ou um adjetivo (a), ou um verbo (v). Segundo Marantz (1997), há um continuum entre os significados de morfemas atômicos e palavras derivadas. Sintaticamente, as estruturas derivadas devem ter significados predizíveis a partir dos significados de suas partes e de suas estruturas internas; portanto, as formações derivadas carregam a implicação semântica de sua estrutura interna, ou seja, as categorias semânticas são decorrentes dos ambientes verbais e nominais. Embick (2000, p.217) igualmente aponta para uma conexão direta entre as propriedades aspectuais que estão implicadas nas formações derivadas e as propriedades da estrutura funcional. Esta configuração sintática está ilustrada em (1): (1) Estrutura sintática das formações derivadas:

Asp vp v P Raiz Para Embick, os traços de v (o núcleo v é um verbo leve, funcional) dizem respeito à agentividade/causatividade e eventividade ou estatividade. Asp contém traços que se referem às propriedades semântico-aspectuais dos morfemas derivacionais. As Raízes, como já vimos, não carregam noções morfológicas de categoria. Os núcleos funcionais são identificáveis em termos de seu conteúdo de traços sintático-semânticos e então desempenham um papel definido na realização morfológica da Raiz. Tomados juntos, os dois núcleos funcionais (Asp e v) contêm informações aspectuais básicas acerca da agentividade e causatividade, e eventividade ou estatividade, além de informação aspectual a respeito do status da causação, do evento ou estado. Em suma, no quadro teórico da MD, as raízes são a-categoriais; na sintaxe, são concatenadas (merged) com núcleos funcionais abstratos doadores de categoria. No domínio verbal, este núcleo é v (Chomsky, 1995). No ambiente nãoverbal, este núcleo é n para os nomes e a para os adjetivos. A realização fonológica destes núcleos doadores de categoria é tipicamente um sufixo derivacional. Se os afixos contiverem traços fonológicos, o radical será derivado. Uma palavra só é concebida como morfologicamente bem formada após o cumprimento da condição de adjunção de um sufixo temático ao radical. No componente morfológico ocorre a operação de Inserção Vocabular, tendo como resultado a inserção da raiz () e a inserção do afixo derivacional, que é sintaticamente motivado. Um afixo tem, então, um traço de seleção categorial que determina sua inserção em uma estrutura morfológica. 3. O sufixo ante/-ente/-inte Nesta seção, analisam-se as formações derivadas com -ante/-ente/-inte com o intuito de sustentar a hipótese de que nessas derivações há restrições semânticas por parte da raiz, que vão permitir a adjunção da base verbal ao sufixo mencionado. Retomemos as três proposições teóricas que norteiam este estudo: (i) (ii) (iii) Raízes () são categorias neutras e somente adquirem categoria morfossintática quando a elas for adicionado um morfema definidor de categoria (Marantz 1996, 1997; Embick 2000); Os morfemas derivacionais têm traços de seleção categorial e são portadores de traços semântico-aspectuais que determinam a forma derivada; As formações derivadas são sensíveis ao aspecto verbal quando este for sintaticamente expresso; logo, em uma formação derivada interagem as propriedades aspectuais da forma verbal e do morfema derivacional. Passemos então à análise das formações derivadas com o sufixo ante/-ente/-inte: 3.1 Sufixo ante/-ente/-inte Proveniente do latim āns, -antis, o sufixo nominal ante/-ente/-inte é formado da vogal temática dos verbos mais o sufixo nte do particípio presente latino. Por esta razão, apresenta casos de alomorfia, como nas formações ajudante, descrente, pedinte etc. Ante/-ente/-inte exprime a idéia de agente da ação, formando nomes, ou exprime qualidade ou estado, formando adjetivos (Coutinho, 1976). Passemos primeiramente à análise das formações derivadas com -ante/-ente/-inte que têm como resultado um nome: agentivo: (2) Formações derivadas a partir de uma forma verbal + -ante/-ente/-inte, que têm como resultado um nome dirigente contribuinte navegante assaltante despachante comandante requerente repelente ajudante denunciante representante calmante pedinte escrevente combatente estreante atendente declarante imigrante nutriente viajante assistente emigrante ocupante estudante informante cedente governante assinante falante traficante presidente

concorrente comerciante palestrante ouvinte servente depoente ingressante figurante migrante delinqüente constituinte calmante Observa-se que as formações derivadas exemplificadas em (2) denotam agentividade, decorrente da configuração sintática [raiz + morfema verbalizador + -ante/-ente/-inte], tomando-se como agentivas as formas que implicam na interpretação de uma ação ou de uma causatividade (aquele que X, em que X representa o verbo), isto é, essas formações atribuem agentividade a seu argumento externo (Gamarski 1996). O morfema causativo, segundo Chafe (1979, p. 131), converte uma raiz verbal que é processo em uma que, por derivação, denota tanto processo como o resultado da ação. O morfema [-ante/-ente/-inte], por ter sua origem no particípio presente latino, além de imprimir agentividade/causatividade, acrescenta ainda um aspecto dinâmico às suas formações derivadas. As bases verbais que compõem os nomes derivados referem-se a ações-processos (Comrie, 1976). As formas verbais que compõem as derivações provêm: (a) de bases verbais transitivas ou intransitivas que denotam [causação externa], como dirigir, despachar, ajudar, contribuir, comandar, informar, viajar, migrar, ingressar etc., admitindo, assim, um agente/causador; (b) de bases verbais transitivas que denotam [causação interna], como (a)calmar, ceder, amaciar, servir etc., que admitem uma interpretação causativa, como mostram os exemplos em (3), abaixo: (3) a. O peso dos livros cedeu a prateleira. b. Banho morno acalma a febre. c. Cerveja amacia a carne. O fato de existirem nomes e adjetivos com a estrutura morfológica [raiz + morfema verbalizador + -ante/-ente/- inte], juntamente com a regularidade do efeito semântico do sufixo, indica que a estrutura [raiz + morfema verbalizador + -ante/-ente/-inte] é acategorial, ou seja, adquire a propriedade de nome ou de adjetivo dependendo da configuração sintática em que está inserido. Juntando-se a essa estrutura um morfema funcional nominalizador (n), fonologicamente nulo, obtémse uma base nominal (Marantz 1997). A interação que se estabelece entre as implicações semânticas da raiz verbal e do sufixo nominal [-ante/-ente/-inte] está representada em (4): (4) np n Asp vp [morfema + agentitivo/causativo] v v [+ação/processo] v DESPACH-- A derivação ocorre como exposto abaixo, na qual, com base em Lemle (2002), coloca-se em prática, na análise, a interação entre a semântica do componente lexical e do morfema derivacional: 1º) a raiz DESPACH- entra na derivação e é concatenada ao morfema AR, inserido no núcleo funcional verbalizador v, formando despachar, que tem o traço aspectual [+ação/processo]; 2º) o morfema ANTE, inserido no núcleo funcional Asp, carrega o traço [+agentivo/causativo] e é semanticamente compatível com o traço [+ação/processo] da raiz; 3º) a raiz despachar concatena-se ao morfema ante, que preenche a exigência semântica de agentividade; 4º) na parte fonológica da derivação, o núcleo funcional nominalizador n atrai a forma [despachar + -ante], que se move para incorporar-se a n, formando despachante, que tem o traço semântico [+agentivo]. A derivação, neste ponto, encontra-se como representada em (5): (5) Spell-Out

np n despachante [+agentivo] Asp vp [morfema +agentivo/ causativo] v v despachar [+ação/processo] v DESPACH- Algumas formações em ante/-ente/-inte funcionam sintaticamente como nomes ou como adjetivos, dependendo da distribuição dos termos nas sentenças. Isto se deve ao fato de que não há, em princípio, uma distinção de forma entre substantivos e adjetivos e, conforme o contexto, estas categorias podem funcionar em uma expressão como determinado ou como determinante, respectivamente (Câmara Jr. 1970, p. 87), como se pode observar nos exemplos abaixo: (6) a. Ana estava tão nervosa que lhe deram um calmante. b. Este chá é calmante. c. Comprei dois amaciantes de roupa. d. Comprei dois produtos amaciantes. O morfema [ ante/-ente/-inte] que forma nomes de pessoas agentes não se adjunge a bases verbais que não admitam uma interpretação causativa - *ficante, *permanecente, *parecente, etc e, mais genericamente, nem a bases verbais inacusativas: chegante, *fuginte, *sainte etc., porque estas formas verbais não atribuem papel temático ao seu argumento externo; logo, não aceitam a adjunção de um morfema [+agentivo]. Para formar nomes agentivos, portanto, as raízes verbais impõem restrições semânticas para adjungir-se ao sufixo [ ante/-ente/-inte]. Observemos a seguir as formações derivadas com [-ante/-ente/-inte] que têm como resultado um adjetivo: agentivo: (7) Formações derivadas a partir de uma forma verbal + -ante/-ente/-inte, que têm como resultado um adjetivo alienante dominante divergente tratante esvoaçante resistente deprimente principiante importante excedente impressionante crente errante concluinte coerente determinante descrente exigente revoltante integrante irritante apaixonante poluente conflitante competente refrescante reinante estreante consistente provocante convalescente dançante ofuscante tolerante relevante iniciante interessante seguinte implicante andante estressante refrigerante insistente obstruinte confiante desgastante resistente confinante envolvente inoperante possante moralizante agonizante pretendente generalizante profissionalizante Observa-se que as formações adjetivais, assim como as nominais, igualmente denotam agentividade/causatividade, além de dinamicidade. Este aspecto dinâmico, como vimos, explica-se pelo fato de o sufixo ante/-ente/-inte ter-se originado do particípio presente latino. As formas verbais que compõem as derivações provêm de bases verbais transitivas ou intransitivas que denotam [causação externa], como dominar, determinar, provocar, seguir, moralizar, principiar etc., admitindo, portanto, a adjunção de um morfema com o traço de agente/causador, e de bases verbais que denotam [causação interna], como desgastar, resistir, importar, tolerar, divergir, implicar impressionar, interessar, etc., que admitem uma interpretação [agentiva/causativa], como se pode observar nos exemplos em (8): (8) a. A greve dos ônibus irritou/estressou/revoltou os passageiros. b. A graça e a beleza da garota apaixonaram/ interessaram/ impressionaram o

rapaz. c. A irresponsabilidade do motorista bêbado implicou em um grave acidente. d. A febre deprime os doentes. e. Os pareceres dos auditores conflitam. O morfema [-ante/-ente/-inte] adjunge-se ainda a algumas raízes que denotam estatividade (crer/crente, descrer/descrente, confiar/confiante etc.) para formar adjetivos que denotam qualidade, e, não, para formar nomes de pessoas agentes, como já observado acima. Como vimos, a estrutura [raiz + morfema verbalizador + -ante/-ente/-inte] é acategorial. Juntando-se a ela um morfema funcional adjetivizador (a), fonologicamente nulo, obtemos uma base adjetival. A interação entre a semântica da da raiz + o morfema verbalizador + o sufixo [-ante/-ente/-inte] está representada em (9): (9) ap a Asp vp [morfema + agentitivo/causativo] v v [+ação/processo] v DOMIN- Assim ocorre a derivação, na qual se coloca na descrição, a interação entre a semântica do componente lexical e do afixo derivacional (Lemle 2002): 1º) a raiz DESPACH- entra na derivação e é concatenada ao morfema AR, inserido no núcleo funcional verbalizador v, formando despachar, que tem o traço aspectual [+ação/processo]; 2º) o morfema ANTE, inserido no núcleo funcional Asp, carrega o traço [+agentivo/causativo] e é semanticamente compatível com o traço [+ação/processo] da raiz; 3º) a raiz despachar concatena-se ao morfema ante, que preenche a exigência semântica de agentividade; 4º) na parte fonológica da derivação, o núcleo funcional nominalizador a atrai a forma [despachar + -ante], que se move para incorporar-se a a, formando dominante, que tem o traço semântico [+agentivo]. Neste ponto, a derivação encontra-se como representada em (10): (10) Spell-Out ap a dominante [agentividade] Asp vp [morfema +agentivo v v /+causativo] dominar [+ação/processo] v DOMIN- Por fim, cabe aqui uma observação: entre as formações derivadas com [-ante/-ente/-inte] há casos em que houve especialização de sentido, como em nascente, poente, restaurante, estante, minguante, vazante, afluente. Há aindas formações que sofreram um processo de gramaticalização, como tirante, mediante, durante, bastante, semelhante etc. Há ainda formações cujas bases são verbos da língua, mas cujos significsdos se distanciaram dos previstos para essas derivações

4. Considerações finais A análise das formações derivadas com ante/-ente/-inte leva-nos a concluir que: a) Os nomes e adjetivos formados com [ ante/-ente/-inte], por serem provenientes do particípio presente latino, têm conteúdo dinâmico; b) A variedade de categorias lexicais revela que a [raiz + morfema verbalizador + ante/-ente/-inte] é acategorial, já que aceita morfemas formadores de nomes (n) e de adjetivos (a); c) As imposições semântico-aspectuais impostas pelas raízes e pelos morfemas nominais é que permitem as formações derivadas com o morfema [-ante/-ente/inte]. As raízes verbais que se adjungem ao sufixo [ ante/-ente/-inte] têm como resultado formações que denotam dinamicidade/casualidade da agentividade. Sintaticamente, as estruturas derivadas têm, portanto, significados predizíveis a partir dos significados de suas partes e de suas estruturas internas; d) As formações derivadas são sensíveis ao aspecto, que, por sua vez, decorre da estrutura [raiz + sufixo verbal + sufixo nominalizador/adjetivizador]; portanto, nas formações derivadas há restrições semântico- aspectuais por parte das raízes, já que nessas formações interagem as propriedades aspectuais da forma verbal e do morfema derivacional; e) A morfologia derivacional deve ser sintática e não lexical, mas sem desobedecer às restrições semânticas impostas pelas raízes e pelos morfemas. 5. Referências bibliográficas ALSINA, Alex. On the argument structure of causatives. In: Linguistic inquiry. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, v.23, n.4, 1992. p.517-555. CHAFE, Wallace L. Meaning and the structure of language. Chicago: The University of Chicago Press, 1970. Trad. NEVES, Maria Helena Moura et al. Significado e estrutura lingüística. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. CHOMSKY, N. The minimalist program. Cambridge, Massachusets: MIT Press, 1995. COMRIE, Bernard. Aspect: an introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge: Cambridge University Press, 1976. COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976. CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. EMBICK, David. Features, syntax and categories in the latin perfect. In: Linguistic inquiry. Cambridge, Massachusets: MIT Press, v.31, n.2, p.185-230, 2000. EMBICK, David; NOYER, Rolf. Distributed morphology and the syntax/morphology interface. In: RAMCHAND,G.; REISS, C. (ed.). The Oxford handbook of linguistic interfaces.oxford: University Press, 2004. p. 1-27. FERREIRA, A.B. de H. Novo Aurélio século XXI. 3 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GAMARSKI, Lea. Efeitos da morfologia sobre a estrutura argumental: adjetivos deverbais em nte. In: KOCH, Ingedore G. Villaça (org). Gramática do português falado: desenvolvimentos. Campinas: Unicamp, 1996. v.6. p.393-413. HALLE, Morris. Distributed morphology: impoverishment and fission. In: Current issues in linguistic theory. Philadelphia, v.202, p.125-149, 2000. MARANTZ, Alec. Distributed morphology and the pieces of inflection. In: HALE, Kenneth.; KEYSER, Samuel J. (eds.). The view from building 20: essays in linguistics in honor of Sylvain Bromberger. Cambridge, Massachusets: MIT Press, cap. 3, p. 111-176, 1993. LEMLE, Miriam. Sufixos em verbos: onde estão e o que fazem. In: Revista Letras, Curitiba, n.58, p.279-324, jul/dez. 2002. Ed. da UFPR. LEVIN, Beth; RAPPAPORT, Malka. Unaccusativity: at the syntax-lexical semantics interface. Cambridge: The MIT Press, 1996. MARANTZ, Alec. Cat as a phrasal idiom: consequences of late insertion in distributed morphology. Cambridge, Massachusets: MIT Press, 1996. Manuscrito.. No escape from syntax: don t try morphological analysis in the privacy of your own lexicon. In: DIMITRIADIS, A.; SIEGEL, L. et al. (eds.). University of Pennsylvania working papers in linguistics. Proceedings of the 21 st Annual Penn Linguistics Colloquium, v.4, n.2, p. 201-225, 1997. SAID ALI, Manuel. Gramática histórica da língua portuguesa. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 2001.