INFLUÊNCIA DA FORMAÇÃO EM SOCIOLOGIA NO DESEMPENHO DE CARGOS POLÍTICOS



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Transcrição:

ÁREA TEMÁTICA: Experiências Profissionais [AT] INFLUÊNCIA DA FORMAÇÃO EM SOCIOLOGIA NO DESEMPENHO DE CARGOS POLÍTICOS TAVARES, Inês Finalista na Licenciatura de Sociologia, ISCTE/IUL Instituto Universitário de Lisboa inessantostavares@gmail.com

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Resumo Baseado nos resultados de um trabalho de investigação realizado no âmbito de uma Unidade Curricular da Licenciatura em Sociologia do ISCTE/IUL (Laboratório de Ética e Profissão em Sociologia), em que foram efectuadas entrevistas semi-directivas a detentores de cargos políticos de diferentes quadrantes ideológicos, este artigo explora duas vertentes relacionadas com o modo como a formação em sociologia influencia a actividade política e o desempenho de cargos políticos (1); e, por outro lado, com as formas de articulação existentes entre a prática sociológica e política (2). A influência da formação em sociologia varia em função das perspectivas dos entrevistados face à actividade política e à sociologia, distinguindo-se consoante a actividade que ocupam actualmente (sociologia ou desempenho de cargos políticos) e o partido que representam. Esta influencia verificase de diferentes formas, seja porque a sociologia alberga um conjunto diferente de visões, orientações, ideologias que são úteis no desempenho de cargos políticos, porque a formação em sociologia permite analisar e relacionar problemáticas de forma crítica, sistematizar ideias, comparar realidades, obter o máximo de informação possível, estar atento a fenómenos sociais, olhar para um problema e avaliar o seu impacto ou a própria multidisciplinariedade que a sociologia congrega, ferramentas importantes para o exercício da actividade política. Compreende-se, portanto, que os entrevistados são influenciados quotidinamente na sua actividade política pela formação em sociologia. Abstract Building from the results of an investigation developed during an undergraduate module (Laboratório de Ética e Profissão em Sociologia), which involved semi-structured interviews conducted on individuals who hold or held political posts and represent different ideologies, this article explores two aspects in which their academic training in sociology may influence their political activity and careers (1) and the ways in which they articulate sociological and political practice (2). This influence varies on the perspectives the interviewees have about political and sociological activity, distinguished according to their current professional activity (in sociology or political offices) and the party they represent. This influence is felt in different ways, be it because sociology carries a varied set of visions, orientations and ideologies which are useful in the development of political posts, since the training in sociology enable one to analyze and relate issues critically, systematize ideas, compare different social realities, obtain the maximum amount of information available, be observant of social phenomena, view a problem and evaluate its impact, the characteristic multidisciplinarity which sociology brings together, amongst others, are valuable tools for the exercise of political activity. It is understood, therefore, that the interviewees are daily influenced by their sociological background, when facing their political activity Palavras-chave: formação em sociologia, actividade política, contexto académico Keywords: Sociological training, political activity, academic context COM0434 3 de 8

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Esta comunicação tem por base um trabalho de investigação desenvolvido para a Unidade Curricular de Laboratório de Ética e Profissão no curso de licenciatura em Sociologia no ISCTE/IUL Instituto Universitário de Lisboa. Para a realização do mesmo foram realizadas quatro entrevistas semi-directivas a detentores ou ex-detentores de cargos políticos (deputado(a)s na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e ministro(a) do Governo Português) com formação em sociologia, representando quatro partidos políticos diferentes: Partido Social Democrata (PSD), o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE). A análise centra-se em duas questões fulcrais para compreender a relação da formação em sociologia nos detentores ou ex-detentores de cargos políticos. Que influencia tem a formação em sociologia na actividade política dos entrevistados? Que articulação existe entre a sociologia e a política? Assumindo que a influência da formação em sociologia na actividade política é real, como se materializa? Por questões técnicas, como a utilização de mecanismos e ferramentas ou pela influência que tem no pensamento, no raciocínio, na sensibilidade ou mesmo na existência de uma sociologia crítica? De acordo com António Firmino da Costa (2004), a formação em sociologia influencia a maioria dos profissionais (mesmo que exerçam noutras áreas) no seu trabalho quotidiano, especialmente na forma de pensar e nas metodologias. Bourdieu afirma que se o sociólogo tem um papel, este seria, antes de tudo, dar armas e não lições. (...) Se, no entanto, meu discurso é decepcionante, e às vezes até mesmo deprimente, não é porque eu tenha qualquer prazer em desencorajar; antes pelo contrário. É que o conhecimento das realidades leva ao realismo. Uma das tentações do ofício de sociólogo é aquilo que os próprios sociólogos chamaram de sociologismo, isto é, a tentação de transformar as leis ou as regularidades históricas em leis eternas. Daí a dificuldade que há em comunicar os produtos da pesquisa sociológica. Temos que nos situar constantemente entre dois papéis: de um lado, o de desmancha-prazeres e do outro, o de cúmplice da utopia. (1980: 95). Assim, a sociologia apresenta-se enquanto uma ferramenta para compreender melhor a realidade mas, simultaneamente, para compreender como se pode transformar essa mesma realidade, através de ideais-tipos de Weber ou da compreensão dos fenómenos portadores de desigualdades sociais, pois apenas compreendendo a realidade é possível transformá-la e ter um projecto político para esse efeito. Compreendese então que detentores de cargos políticos com formação em sociologia possam estar mais conscientes da realidade ou ter ferramentos nesse sentido. Outra das influências que a sociologia poderá ter é o seu sentido crítico que lhe é inerente. A sociologia cria um sentido crítico e reflexivo nos seus estudiosos e, portanto, ensina a pensar a sociedade criticamente. Sedas Nunes ilustra-o brilhantemente: o problema, para a sociologia, não é o crime, mas a lei, não é o divórcio, mas o casamento, não é a revolução, mas o haver governo (...), ou seja, o problema da sociaologia é a própria norma e é ao pensá-la criticamente que se consegue compreender a realidade. (Nunes, 1979) Todos os entrevistados reconhecem a influência da sociologia no desempenho de cargos políticos, embora de formas diferentes: Para uma das entrevistadas, a sociologia forneceu-lhe um leque variado de ideologias, de orientações... De visões e isso acaba por orientar-nos enquanto pessoa e neste caso enquanto agente político, orientar-nos para qual aquela ideologia que queremos seguir ou qual aquela com que nos identificamos mais e sobretudo com a qual nos identificamos com o partido do qual fazemos parte. Assim, a sociologia fornece também formas de identificação com projectos políticos, com ideologias e com visões da sociedade, seja pelas análises actuais, seja pela transformação que pretendem fazer. Outra entrevistada afirma que a sociologia é útil porque faz anteceder a decisão política, sempre e de forma sistemática, os diagonósticos de conhecimento rigoroso dos problemas e da sua quantificação. É uma capacidade que a sociologia nos dá. De olhar para um problema e avaliar, é um problema que envolve mil pessoas, dez mil pessoas, um milhão de pessoas, qual é a sua dimensão? Qual é que pode ser o impacto da sua resolução? O trabalho com estatísticas, com recolha de informação factual que nos permita diagonósticos rigorosos e depois nos desenhe soluções que possam solucionar, soluções que possam contribuir para a irradicação desses problemas. Assim, a sociologia ajuda a enquadrar determinado problema num quadro mais amplo, de forma a compreendê-lo, bem como a desenvolver soluções mais adequadas aos problemas. 5 de 8

Para a mesma entrevistada, a sociologia teve uma grande influência na minha actividade política, o que não significa que só os sociólogos tenham condições para ser bons políticos. Ou seja, a sociologia dá mecanismos que poderão ser úteis no desempenho de cargos políticos, o que não significa que um sociólogo tem forçosamente capacidades para desempenhar um cargo político e muito menos que alguém que desempenhe um cargo político deva ter formação em sociologia. É interessante reflectir sobre a diferença entre a sociologia e as restantes ciências, nomeadamente as ciências sociais. A sociologia e as ciências sociais fornecem mecanismos úteis para o desempenho de cargos políticos? E são as únicas ciências a fazêlo? Segundo o depoimento de um entrevistado, a sociologia permitiu-me relacionar imensos assuntos. A sociologia é uma formação que dá conhecimentos de história, que dá conhecimentos de economia, que dá conhecimentos de antropologia, que dá evidentemente conhecimentos sobre a realidade social propriamente dita mas que também te ajuda a fazer conexões e aqui a arte toda é fazer essas ligações, é conseguires encontrar semelhanças ou diferenças entre aquilo que à partida nada tinha a ver uma coisa com outra. É conseguires além de mais estruturar, sistematizar, organizar o discurso. Assim, compreende-se que a sociologia engloba também, de certo modo, as restantes ciências sociais, dando conhecimentos gerais de todas elas e além disso, a sociologia ajuda os indivíduos a fazer ligações entre fenómenos aparentemente independentes e a estruturar o discurso a diversos níveis. Outra entrevistada refere ainda que tenta por exemplo obter o máximo de informação possível sobre aquilo que existe já estudado sobre determinados assuntos e suportar a minha intervenção também em dados que me são fornecidos pelos próprios estudos sociais. Mas sim, sobretudo o facto de estar atenta a fenómenos sociais, a fenómenos sociológicos num certo sentido. Assim, compreende-se que outra das influências que a sociologia tem nos detentores de cargos políticos é a atenção que desperta nestes relativamente a problemas sociais, obtendo um outro olhar sobre a realidade e, consequentemente, outra intrepertação. Neste sentido, a entrevistada refere ainda achar que esse bichinho, sabes, como é que te hei-de dizer? Nós ficamos, eu acho... Enfim, quem gosta muito da sociologia, da perspicácia sociológica, de estar sempre a tentar perceber... As recomposições societais, etc, está sempre a tentar fazer uma teoriazinha, a colocar uma hipótese na cabeça e isso acontece-me muitas vezes. (...) Mas eu acho que nesse sentido há uma vigilância, quem faz um curso deste tipo tem uma vigilância sobre a realidade social que é diferente porque vê de uma forma diferente e está sempre a querer, estamos sempre a fazer hipóteses na nossa cabeça, será que se está a alterar desta forma? E acho que isso advém da minha formação, não tenho dúvidas. Assim, ao estudar sociologia os indivíduos também se familizarizam com novas teorias que põe em prática posteriormente para analisar fenómenos e para elaborar hipóteses que os auxiliem em determinada análise ou medida que pretendam apresentar. Por fim, um entrevistado afirma que já agora, volto a dizer, a questão do sentido crítico, isto é, a questão da desmistificação, reforçando a importância do sentido crítico, quer na sociologia, quer no desempenho de funções políticas bem como o consequente processo de desmistificação da realidade, do senso comum e de (pre)conceitos. Numa outra vertente, é interessante analisar a articulação existente entre a sociologia e a política. Será que existem sociólogos que fazem política? Ou políticos que fazem sociologia? Os indivíduos podem assumir diferentes papéis na sua vida, de forma simultânea ou separada, sistematica ou esporadicamente. É curioso pensar como se distinguem os papéis de sociólogo e de político ou sequer se se distinguem. Para tal, é importante numa primeira instância compreender que articulação existe entre um político e um sociólogo ou, por outras palavras, que articulação existe entre a política e a sociologia. Os ex-detentores de cargos políticos entrevistados que actualmente exercem sociologia defendem que há uma ligação fatal e muito estreita entre a sociologia e a política, pois a sociologia tem preocupações de intervenção social para melhorar e compreender o mundo e os políticos usam a sociologia para os processos de tomada de decisão. Um entrevistado afirma que há há uma frase do José Madureira Pinto, um dos fundadores da sociologia em Portugal que diz que os sociólogos são aprendizes da transformação do mundo. A política é um dispositivo 6 de 8

para essa transformação. Digo bem, dispositivo, ou seja, eu tenho uma visão instrumental da política. A política de alguma maneira é, foi para mim, a continuação da sociologia por outros modos. Ao pensar-se na política enquanto continuação da sociologia, compreende-se a articulação determinante que estes dois campos poderão ter. Uma entrevistada faculta um exemplo concreto desta articulação: um dos trabalhos de investigação empírica fundador no próprio GIS, da própria sociologia em Portugal, desse período, já dos anos 60, final dos anos 50, anos 60, um estudo sobre o funcionamente das universidades e sistemas de ensino em Portugal que veio a basear algumas das decisões da reforma Veiga Simão para o ensino, um estudo que dá um contributo muitíssimo importante para se compreender quais são os bloqueios de funcionamento da universidade em Portugal do final dos anos 50, início dos anos 60... E que veio a inspirar mais tarde políticas públicas na área do ensino superior, marcadas pela abertura, pela democratização do acesso, pela diversificação dos modelos de organização que foram... Que estavam desenhados na reforma Viga Simão, portanto mesmo em Portugal temos muitos exemplos de como a matriz original da sociologia contém preocupações que podemos dizer associadas à intervenção e à melhoria do funcionamento, do equilibrio das sociedades modernas como é a nossa sociedade portuguesa, neste caso. Os actuais detentores de cargos políticos e que, como tal, não exercem actualmente sociologia, afirmam que a sociologia chama a atenção para determinadas causas e, por outro lado, está enquadrada em várias vertentes da sociedade, sendo que os seus estudos auxiliam a actividade política. É curioso analisar o depoimento de uma entrevistada que afirma que eu acho que muitas vezes a sociologia faz política, essa é já a primeira questão. Não acredito em disciplinas sociais que sejam neutras, eu acho que a intrepertação que se faz em determinado estudo tem sempre uma componente ideológica ainda que muitas vezes não assumida, muitas vezes nem consciencializada pelas próprias, por quem está a escrever. Assim, a sociologia também faz política, consciente ou inconscientemente, ao transparecer determinada ideologia, ao utilizar determinadas teorias ou, inclusive, ao escolher determinado objecto de estudo. Uma entrevistada afirma que a sociologia é uma ciência completamente eclética, há sociologia da saúde, sociologia do trabalho, sociologia da educação... Portanto a própria sociologia, por ser eclética, é que enquadra várias vertentes da sociedade, todas elas com as quais nós trabalhamos também enquanto políticos. Ou seja, os detentores de cargos políticos também têm áreas de trabalho separadas e enquadradas consoante o sector social que se debruçam, tal como a sociologia se divide em disciplinas concretas, consoante a área de estudo. Todos os entrevistados concordam que os estudos sociológicos auxiliam a actividade política e ajudam os políticos a argumentar, a sustentar as suas ideias e a compreender a sociedade, havendo uma articulação forte entre ambos. Os entrevistados defendem, por fim, que os políticos utilizam a sociologia e que sociologia também utiliza a política, uma vez que a própria sociologia tem intervenção política, pois não existe neutralidade total no trabalho científico e, consequentemente, a sociologia tem o papel de chamar a atenção para determinadas causas e problemas (políticos). Mais do que pensar o que é que os sociólogos e os políticos têm em comum, é interessante pensar o que é que os distingue. Neste tema, revelam-se opiniões diferentes consoante o partido político que cada entrevistado representa. Os entrevistados do PCP e do BE afirmam que a distinção se baseia no facto de os sociólogos aprofundarem mais o conhecimento dos temas cientificamente enquanto que os políticos são, sobretudo, bons actores e têm maior exposição mediática, mas que ambos têm o poder de acção, embora os políticos com menos grau de aprofundamento científico e de conhecimento. Assim, concordam que ambos têm o poder da acção e da transformação. Contrariamente, os entrevistados do PSD e do PS defendem que os políticos têm o poder da responsabilidade e da decisão, tendo portanto o poder da acção, enquanto que os sociólogos detém o conhecimento, concordando, portanto, que os políticos têm o poder de acção e os sociólogos do conhecimento, como defendeu Weber em O político e o cientista. Compreende-se assim que enquanto os entrevistados do PCP e do BE consideram que tanto os políticos como os sociólogos têm o poder da acção e da consequente transformação, os entrevistados do PS e do PSD consideram que esse poder compete aos políticos, sendo o campo de acção dos sociólogos a produção de conhecimento. 7 de 8

Tais perspectivas relacionam-se com as diferentes formas de conceber a política e a sociologia. Enquanto que as forças partidárias mais à esquerda defendem a perspectiva marxista de que compete à ciência, e como tal à sociologia, transformar o mundo pela sua acção e pelo conhecimento que detém, as forças partidárias mais à direita defendem a perspectiva weberiana de que compete à sociologia compreender o mundo, estando destinados diferentes papeis ao cientísta (conhecimento) e ao político (acção). O depoimento de um dos entrevistados ilustra a perspectiva marxista face à relação entre a ciência e a política: Não vejo a política como um fim em si mesmo. Vejo-a como um modo de acelerar as transformações sociais. Se a sociologia me permite ter uma consciência muito aguda das desigualdades sociais, dos modos de dominação e de exploração mas também daquilo que é possível os agentes sociais fazerem, isto é, da sua capacitação, do seu empoderamento, das lógicas de emancipação, eu acho que a ligação é fatal, a ligação é muito forte. O depoimento de outro entrevistado ilustra por sua vez a perspectiva weberiana sobre o político e o cientísta : O que é os distingue? A sociologia é o conhecimento, a política é a acção, é a decisão. Para dizer em palavras breves., isto apesar da entrevistada recusar traçar uma fronteira entre conhecimento e intervenção: A sociologia é uma disciplina da modernidade, digamos assim, que procura explicar... Compreender e explicar as sociedades modernas, podemos dizer do século XIX para cá e surge, quando penso em Durkheim, ou Weber ou mesmo Parsons, são 3 autores fundadores, clássicos que vocês estudam nos primeiros anos, não é? E verificarão que há na própria matriz fundadora da sociologia preocupações que são preocupações semelhantes às da intervenção Numa entrevista feita pela ISA (Internacional Sociological Association) a Fernando Henriques Cardoso, sociólogo e ex-presidente do Brasil, este afirma que para um político é importante ter a capacidade de compreender os outros e dialogar com eles e, como sociólogo, é importante estar em contacto com as pessoas, logo as capacidades humanas apreendidas enquanto sociólogo foram-lhe úteis no desempenho do seu cargo político. Fernando Henriques Cardoso defende ainda que, enquanto sociólogo, aprendeu a compreender os interesses reais que estão em jogo em cada negociação feita nas arenas políticas, uma vez que a sociologia dá aos indivíduos a capacidade analítica de entender um quadro mais amplo. Apesar de se tratar de um estudo qualitativo aplicado a um conjunto restrito de indivíduos cujos resultados não são generalizáveis, os dados recolhidos no contexto deste trabalho, bem como as conclusões obtidas, são reveladoras do modo como a formação em sociologia influencia o desempenho de cargos políticos. Todos os entrevistados reconhecem esta influencia, embora de formas diferentes, ou porque a sociologia alberga um conjunto diferente de visões, orientação, ideologias que foram úteis ao longo do desempenho do cargo político, ou porque a formação em sociologia permite relacionar assuntos, sistematizar ideias, comparar realidades, obter o máximo de informação possível, estar atento a fenómenos sociais, olhar para um problema e avaliar o seu impacto ou a multidisciplinariedade que a sociologia congrega. Compreende-se, portanto, que os entrevistados são influenciados quotidianamente na sua actividade política pela formação em sociologia. Referências Bibliográficas Associação Portuguesa de Sociologia (1992), Código Deontológico, Lisboa, APS. Bourdieu, Pierre (1980) Questions de sociologie, Paris: Les éditions de Minuit. Costa, A. F. (2004), "Será a sociologia profissionalizável?", In Gonçalves M.C. e outros (orgs.), Sociologia no Ensino Superior: Conteúdos, Práticas Pedagógicas e Investigação, Porto: FLUP. Freire, A. (2002), A profissionalização política dos deputados portugueses, Sociologia, 12, pp. 27 56. Machado, F.L. (1996), "Profissionalização dos sociólogos em Portugal: contextos, recomposições e implicações", Sociologia, Problemas e Práticas, 20, pp. 43-103. Nunes, A. Sedas (1979), Sobre o Problema do Conhecimento Científico, Lisboa: Gabinete de Investigações Sociais (4o ed.). Weber, Max (1973) O político e o cientista, S. Paulo: Presença. 8 de 8