D. João VI e o Real Paço de Mafra A campanha pictórica de Cirilo Volkmar Machado 1. Oratório Sul ou Capela de Nossa Senhora do Livramento

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Transcrição:

D. João VI e o Real Paço de Mafra A campanha pictórica de Cirilo Volkmar Machado 1. Oratório Sul ou Capela de Nossa Senhora do Livramento Primitivamente decorado com ricas tapeçarias e tapetes, o irá sofrer, nos finais do século XVIII, uma profunda modificação por vontade do Príncipe Regente, futuro D. João VI, que tinha uma especial preferência por este Paço Real, onde passava largas temporadas, muitas vezes acompanhado apenas de um pequeno séquito. A partir de 1796, o Príncipe irá ordenar uma campanha de decoração mural em várias salas, dirigida por Cyrillo Volkmar Machado, com a colaboração Domingos Sequeira, Ângelo Foschini e Bernardo de Oliveira Góis, entre outros. A campanha teve início com o tecto da capela de Nossa Senhora do Livramento, situada no Torreão Sul, aposentos da rainha. Esta pintura evoca o pedido a Deus para obter descendência do casamento do Regente com a princesa espanhola D. Carlota Joaquina de Bourbon. Retrato de D. Carlota Joaquina, autor desconhecido, século XIX, Palácio Nacional da Ajuda Retrato de D. João VI, José Inácio de Sampaio, 1824,

Assim, e seguindo o relato do próprio pintor 1, o tecto da capela representa:"...s. João Baptista fig 1, S. Carlos [Borromeu] fig 2 e Santo António fig 3, Prostrados diante da SS. Trindade fig 4, intercedem pela sucessão do trono: As suas suplicas são deferidas; e em quanto os demais rendem as graças pelo beneficio, Santo António, principal intercessor, envia a desejada Prole fig 5 aos Augustos Progenitores: O Anjo Custódio do Reino fig 6, he o seu conductor.".. Fotog. Sérgio de Medeiros 1 MACHADO, Cirilo Volkmar, Aditamento, in As Honras Da Pintura, Esculptura e Architectura, de João Pedro Bellori, 1815,

Curiosamente o artista comenta ter Portugal sido, entre 1710 e 1792, confortado por duas vezes com falta de sucessão ao trono, associando a resolução desse problema à intervenção do Thaumaturgo Lisbonense [Santo. António] e sendo A Igreja e Convento de Mafra hum authentico, e não vulgar testemunho do primeiro favor... Lembremos que a fundação do Real Edifício de Mafra se deve, segundo a tradição, a um voto do rei D. João V para obter sucessão. Por sua vez, o futuro rei D. João VI, como 2º filho que era, não estava destinado ao trono. Mas a morte do primogénito D. José, em 1788, sem descendência, veio levantar de novo a questão de sucessão. D. João e D. Cartola Joaquina tinham casado em 1785, tendo ele dezoito anos e ela apenas dez, pelo que a consumação do casamento apenas se deu no dia 5 de Abril de 1790. A crise sucessória agravou-se quando o Príncipe ficou gravemente enfermo, temendo-se pela sua vida. Recuperado, voltou a adoecer em 1791. A primeira dos nove filhos do casal, a princesa D. Maria Teresa, irá nascer em 1793 quando, segundo Volkmar Machado, a Divina, Providência atende as súplicas de Santo António. A pintura deste tecto do Palácio de Mafra serviria assim para conservar a memória do segundo [favor divino]. Esta associação de Santo António, dos franciscanos e de Mafra à sucessão da Família Real portuguesa vai perdurar no tempo. Sabemos, por exemplo, que a rainha D. Maria I fez, em 1791, a promessa de construir em Mafra um novo convento para a Ordem caso viesse a ter um neto. Também a rainha D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen, na sua última carta à mãe 2 antes de morrer, datada de 6 de Julho de 1859, refere o voto da construção de Mafra ligado com a sucessão de D. João V, explicando que desde então nunca as rainhas de Portugal tiveram filhos sem que os franciscanos invocassem S. António e também são Pedro de Alcântara, o renovador da Ordem de S. Francisco. Escreve ainda que, ao tempo de sua sogra a rainha D. Maria II, como não houvessem franciscanos em Portugal as ordens religiosas foram expulsas dos país em 1834 - três damas muito religiosas foram encarregues oficialmente de guardar a Biblioteca de Mafra mas, na verdade, aqui vieram fazer orações prescritas pela Ordem, e que são 2 CARTAS INÉDITAS DA RAINHA D. ESTEFÂNIA, Júlio de Vilhena,1922

válidas desde que estejam três frades reunidos. E, diz a rainha, 9 ou 10 meses depois Pedro [5º, seu marido] nasceu. Retrato de D. Estefânia Desenhado Retrato de do D. natural Estefânia por Lallemand, Litographia Desenhado de do Leon natural Noël por,1858 Lallemand, Palácio Litographia Nacional de de Leon Mafra Noël,1858 S.M.F.El-Rei de Portugal o Senhor D. Pedro 5º Litographia de A.J. Santa Bárbara, 1860 Finalmente, e manifestando mais uma vez a inquietação por ainda não ter engravidado, conta que algumas boas senhoras começarão no próximo mês os seus exercícios espirituais com esse fim, com conhecimento apenas do marido e dela própria. Infelizmente, virá morrer logo a 17 de Julho de 1859. No Museu Nacional de Arte Antiga conserva-se um estudo de Cirilo Volkmar Machado para este tecto, feito a lápis e pena com tinta sépia, que foi adquirido pela Academia Real de Belas Artes de Lisboa, em 1863, segundo consta do livro de inventários antigo (1864), o qual não menciona, no entanto, a identidade do anterior proprietário. O desenho representa o medalhão central com os três santos rodeando uma criança e envolvidos por anjos. À volta, um friso decorativo com três dos lados. À direita da folha, repete-se o estudo da composição do medalhão central.

No entanto, este estudo apresenta algumas diferenças em relação à composição final, o que nos permite seguir a evolução do pensamento de Cirilo durante a concepção e execução da obra. Isabel Yglesias de Oliveira com Fernanda Santos e Gabriela Cordeiro Comemorações do Centenário das Guerras Peninsulares 2007/2008