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Transcrição:

Euro-Latin American Parliamentary Assembly Assemblée Parlementaire Euro-Latino Américaine Asamblea Parlamentaria Euro-Latinoamericana Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana ASSEMBLEIA PARLAMENTAR EURO-LATINO-AMERICANA Comissão dos Assuntos Políticos, da Segurança e dos Direitos Humanos 18.9.2009 DOCUMENTO DE TRABALHO sobre a protecção das minorias na União Europeia e na América Latina Co-relator(a) PE: Co-relatora AL: Laura Franco (PARLACEN) DT\792050.doc PE100.365v03-00 Unida na diversidade

I. INTRODUÇÃO A protecção das minorias ganhou uma nova dinâmica na comunidade internacional a partir das duas últimas décadas do século XX. Os conflitos interétnicos surgidos em diversas partes do mundo evidenciaram a necessidade de proteger e garantir os direitos das minorias a fim de manter a estabilidade, a segurança, a paz e possibilitar o desenvolvimento. Instrumentos destinados a informar estes grupos sobre os seus direitos, mecanismos de acompanhamento e outras acções, assim como uma participação directa mais activa dos mesmos, foram desenvolvidos a nível internacional, regional e nacional. Foram feitos esforços em questões fundamentais, nomeadamente no sentido de garantir a não discriminação e combater o racismo contra as minorias, proteger a sua identidade, promover o seu desenvolvimento e regular as relações entre estas e o Estado. A Europa e a América Latina, regiões etnicamente diversas, multiculturais e multilingues, onde residem centenas de minorias, têm participado activamente na nova dinâmica de protecção e promoção dos direitos das minorias. Actualmente, dispõem de sistemas regionais de protecção dos direitos humanos, de legislação nacional e regional neste domínio e de agências especializadas responsáveis que têm por missão trabalhar em prol da promoção e protecção dos direitos dos grupos minoritários e do seu desenvolvimento. No entanto, em ambas as regiões subsistem ainda lacunas no cumprimento das responsabilidades decorrentes dos instrumentos internacionais, regionais e nacionais. Ao mesmo tempo, a Europa e a América Latina enfrentam o desafio de alcançar uma integração que vá além dos domínios comercial, político ou económico, que inclua uma dimensão humana e faça valer os direitos das minorias residentes no interior das suas fronteiras. 1. O regime internacional de protecção das minorias O termo "minoria" refere-se a grupos numericamente inferiores e que se encontram numa posição não dominante no Estado, unidos por características étnicas, religiosas ou linguísticas que diferem das características da maioria da população 1. No entanto, até à data não existe uma definição universalmente aceite devido às restrições e/ou direitos que essa definição conferiria às minorias, constituindo essa ambiguidade um tema de debate internacional e um obstáculo à consecução de uma efectiva protecção das mesmas. De modo geral, distinguem-se três grupos de minorias: minorias nacionais, povos indígenas e minorias transnacionais, embora existam também minorias geradas por motivos políticos, como os requerentes de asilo, e grupos de pessoas deslocadas por causa de fenómenos climáticos adversos. As primeiras são constituídas por minorias linguísticas, étnicas e religiosas de nacionais do mesmo Estado, ou por nacionais de outros países residentes noutro Estado por razões de redistribuição geográfica. Os povos indígenas são formados por grupos com história pré-colonial ou de pré-invasão desenrolada nos seus próprios territórios. Segundo estimativas da ONU, mais de 300 milhões de pessoas formam, aproximadamente, 5 000 populações indígenas em 70 países do mundo 2. Por último, as minorias transnacionais são constituídas por migrantes, exilados e pessoas deslocadas, também denominadas "novas minorias", e representam 3% da população mundial, ou seja, cerca de 191 milhões de pessoas. No direito internacional, a protecção de minorias é entendida como parte integrante embora não exclusiva dos direitos humanos, especialmente no se refere aos direitos de igualdade, liberdade e não discriminação. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 3, 1 "Proposta relativa à definição do termo minoria, ONU, 1985. 2 Sítio Web do Centro de Informação das Nações Unidas para o México, Cuba e República Dominicana. 3 Declaração Universal dos Direitos do Homem, ONU, 1948. PE100.365v03-00 2/14 DT\792050.doc

constitui o documento base nesta matéria, garantindo a igualdade de todas as pessoas sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, posição económica, nascimento ou qualquer outra condição. Com um enfoque concreto nas minorias, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos 1, de 1966, constitui o único instrumento de aplicação global e de carácter jurídico que estabelece direitos para todos os homens e mulheres sem distinção, incluindo as minorias. Entre esses direitos incluem-se a autodeterminação, a liberdade, a igualdade, o reconhecimento e a personalidade jurídica. Pela natureza das reivindicações das minorias e pela sua situação específica, desenvolveram-se a nível internacional duas abordagens distintas para a protecção dos direitos destes grupos. No que diz respeito às minorias nacionais e transnacionais, o que está em causa é garantir o exercício dos seus direitos políticos, económicos, culturais, sociais e laborais enquanto indivíduos, proteger a sua identidade e facilitar a sua integração nas sociedades de acolhimento, combatendo a discriminação e a xenofobia a que estão expostas. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, de 1992 2, estabelece o dever dos Estados de proteger a existência e a identidade nacional ou étnica, cultural, religiosa e linguística das minorias dentro dos seus territórios e de favorecer as condições necessárias para a promoção dessa identidade. Por outro lado, a Declaração sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos que não são Nacionais do País em que Vivem 3 consagra o direito dos estrangeiros a conservar a sua língua materna, a sua cultura e as suas tradições, bem como a beneficiar de condições de trabalho saudáveis e de igualdade perante a lei, concretamente perante a administração pública. Por seu turno, a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 4 estabelece que todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família têm os mesmos direitos que os nacionais do Estado em causa perante os tribunais e que devem beneficiar de um tratamento não menos favorável do que aquele que recebem os nacionais do Estado de emprego em matéria de remuneração. No entanto, esta convenção não foi ratificada por quase nenhum dos Estados-Membros da UE, uma vez que as exigências são praticamente inaplicáveis por se exigirem direitos políticos para os imigrantes, quando, nos termos de muitas Constituições dos Estados-Membros da UE, esses direitos estão reservados unicamente aos seus nacionais, não se tratando, neste caso, de qualquer tipo de discriminação. Apesar destas disposições, o racismo e a xenofobia continuam a ser, hoje, os principais obstáculos que os emigrantes e as minorias nacionais enfrentam na sua plena integração nas sociedades onde residem. O enfoque nos instrumentos destinados à protecção dos povos indígenas, por seu lado, baseou-se na necessidade de lhes garantir um certo grau de autonomia institucional, o exercício de direitos colectivos, a autodeterminação e a protecção e reconhecimento da sua identidade como grupos diferentes mas iguais perante a lei. A Convenção n.º 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, de 1989 5, é considerada o instrumento jurídico internacional obrigatório de maior alcance. Proclama o direito dos povos indígenas a protegerem a sua identidade cultural e espiritual, 1 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ONU, 1966. 2 Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, ONU, 1992. 3 Declaração sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos que não são Nacionais do País em que Vivem, ONU, 1985. 4 Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, ONU, 1990. 5 Convenção n.º 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, ONU, 1989. DT\792050.doc 3/14 PE100.365v03-00

bem como o seu desenvolvimento em consonância com a sua forma de vida e as suas crenças. Declara a necessidade de qualquer acção empreendida por parte do Estado territorial relativamente a esses povos ser compatível com as suas aspirações e formas de vida. No entanto, a Convenção deixa aberta a possibilidade de deslocação de populações indígenas das suas terras, assim como a exploração dos recursos naturais nelas localizados na condição de essas populações serem recompensadas "de forma adequada", o que nem sempre demonstrou ser um bom modelo. Por outro lado, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007 1, proclama a igualdade e a liberdade dos povos indígenas relativamente a todos os demais povos, o seu direito a serem diferentes e a considerarem-se diferentes; apoia igualmente o direito à autodeterminação política e ao autogoverno, bem como ao seu desenvolvimento económico, social e cultural. Sendo a terra um elemento essencial da identidade e forma de vida dos povos indígenas, a Declaração afirma o direito que lhes assiste às suas terras, a não serem removidos à força das mesmas e determina que nenhuma deslocalização pode ter lugar sem o seu livre consentimento e sem um acordo prévio sobre uma justa indemnização, estando inclusivamente prevista a opção do regresso dos povos indígenas a essas terras. II. A PROTECÇÃO DAS MINORIAS NA UNIÃO EUROPEIA Actualmente, residem na UE cerca de 57 grupos de minorias étnicas e nacionais, compreendendo aproximadamente 37 milhões de habitantes. As minorias nacionais transfronteiriças criadas pelas constantes redistribuições geográficas no interior do continente durante os séculos XIX e XX constituem o maior grupo, i.e., 14% da população. Em segundo lugar, encontram-se as novas minorias (trabalhadores migrantes e refugiados), que representam cerca de 9% da população total da UE. Embora a presença de imigrantes varie em função do Estado-Membro, os principais receptores comunitários são a Espanha que em 2007 foi o Estado comunitário com a maior taxa de imigração (10%) e o segundo no mundo, seguida da França (9,6%), da Alemanha (8,9%) e do Reino Unido (8,1%) 2. Entre as principais causas da imigração para a Europa está a procura de oportunidades económicas. Antes da crise económica actual, a UE necessitava de vários milhões de imigrantes. No entanto, como consequência desta crise, está agora a produzir-se um fenómeno de retorno dos imigrantes aos seus países de origem. De igual modo, os conflitos armados, as perseguições políticas e religiosas de países vizinhos da região produzem fluxos migratórios consideráveis para os países da União. A protecção das minorias tem, portanto, um carácter multidisciplinar na UE. Por um lado, devido à proximidade geográfica com regiões económica e politicamente instáveis, que vivem conflitos interétnicos e religiosos e carecem de regulação das relações entre as minorias e o Estado, a protecção das minorias, mesmo daquelas que residem fora das fronteiras da União, torna-se necessária para manter a estabilidade e a paz regional. Por outro lado, a existência de inúmeras minorias provenientes dessas regiões e instaladas em Estados-Membros da UE constitui um desafio no âmbito das relações de boa vizinhança. 1 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ONU, 2007. 2 World Population Policies 2005, Departamento de Assuntos Económicos e Sociais, ONU, 2006. PE100.365v03-00 4/14 DT\792050.doc

2.1. Situação geral das minorias na União Europeia 2.1.1. Minorias nacionais transfronteiriças A situação da população romanichel, em especial nos novos Estados-Membros, é um dos problemas mais graves das minorias na Europa. O conflito em torno desta minoria traduz-se, principalmente, numa reivindicação de direitos culturais e laborais. Para combater a discriminação a que este e outros grupos estão sujeitos, optou-se pela aprovação de normas destinadas a garantir protecção e apoio a minorias nacionais por parte do Estado onde esses grupos são maioritários. Esta tendência tem contribuído para o reforço da identidade cultural e, consequentemente, nacional desses grupos, embora tenha também criado tensões com as populações dos Estados onde residem e os governos nacionais. 2.1.2. Minorias imigrantes na UE A origem das minorias imigrantes varia segundo o Estado-Membro receptor, provindo estas, maioritariamente, do Norte de África, do Médio Oriente, dos Balcãs e da América Latina. Neste domínio, importa distinguir entre a migração legal e a migração ilegal. Assim, vários Estados-Membros abriram os seus mercados de trabalho para receber legalmente trabalhadores estrangeiros. No entanto, é absolutamente impossível garantir aos trabalhadores ilegais ou em situação irregular os direitos económicos, laborais e sociais conferidos pelas legislações nacionais e comunitárias. Não obstante, a maioria dos países da UE tem feito um notável esforço para satisfazer as condições mínimas de saúde e primeira necessidade exigidas para estas pessoas. Mas este fenómeno, que se reflecte nas máfias que promovem a imigração ilegal e com ela lucram, é um flagelo contra o qual temos de lutar. Com a adopção do Tratado de Amesterdão, a migração foi reconhecida como uma questão de interesse comunitário e no Conselho Europeu de Tampere (1999) foi decidido proceder à elaboração de uma política comum de migração. Tal política, porém, ainda não existe até à data, de modo que cada Estado-Membro elabora as suas próprias políticas, sendo umas mais abrangentes e outras mais restritivas. Geralmente, existe uma distinção jurídica entre os trabalhadores comunitários e os trabalhadores não comunitários e, naturalmente, também existe uma regulamentação aplicável aos trabalhadores em situação regular, contrariamente àqueles que exercem a sua actividade à margem da lei. Assim, a protecção dos trabalhadores migrantes varia em função da sua condição de trabalhador comunitário ou não, mas sobretudo do seu estatuto juridicamente reconhecido ou não, e dependendo também do país de acolhimento, o que dá origem à existência de normas diferentes no que se refere ao seu tratamento e à sua protecção. O estabelecimento de diversos grupos de migrantes na Europa, provenientes de diferentes regiões e países, deu origem à formação de minorias linguísticas, religiosas e étnicas que vêm somar-se às diversas minorias já existentes em cada Estado-Membro. Estima-se que na UE existam mais de 90 línguas, das quais 37 têm estatuto oficial ou co-oficial. Além disso, cerca de 10% da população fala uma língua regional. Esta coexistência de um grande número de línguas constitui um desafio para os serviços públicos, como a educação e a saúde, nos Estados onde convivem grupos com diversas línguas, pois nem sempre todos os cidadãos podem ter acesso à informação ou à educação na sua língua materna. Além disso, a coexistência numa mesma sociedade de diversas crenças religiosas, originada por uma elevada presença de migrantes, tem sido fonte de tensões sociais. Convém notar que, paralelamente à indiscutível série de direitos e benefícios de que a população imigrante e as minorias devem usufruir, também lhes incumbem obrigações e responsabilidades, nomeadamente a de se integrarem na sociedade que lhes dá acolhimento, DT\792050.doc 5/14 PE100.365v03-00

adaptando-se à mesma, aos seus usos e costumes, ao seu modo de vida, à sua língua, cultura, etc. Não se trata de perderem as suas raízes, mas de se adaptarem à nova sociedade de acolhimento, multiplicando os benefícios da integração. Mas não se pode pretender substituir a realidade já existente e impor uma nova realidade. Existem igualmente limites de participação política decorrentes da legislação em vigor nos Estados de acolhimento dos imigrantes. 2.2. Quadro regional de protecção das minorias na UE A protecção das minorias faz parte da agenda da UE como uma questão chave no âmbito do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais do homem e da manutenção da estabilidade e da paz regionais. Existe, contudo, uma lacuna no acervo jurídico comunitário, que não faz referência explícita às minorias e aos seus direitos. A UE não tem competência para adoptar uma legislação geral que estabeleça normas em matéria de protecção das minorias e mecanismos de controlo. Apesar dessa lacuna, existe uma ampla variedade de legislação secundária mediante a qual as instituições comunitárias incluíram a questão da protecção e promoção dos direitos das minorias em diversos domínios: culturais, linguísticos, sociais, laborais, religiosos, etc. A rejeição do racismo, da discriminação, da xenofobia e de todas as formas de intolerância tem constituído o eixo fulcral da legislação europeia pertinente. Nas Directivas (2000/43/CE 1 e 2000/78/CE) 2, é reafirmada a proibição da discriminação directa e indirecta em razão da origem racial ou étnica, da religião ou crença, da deficiência, da idade e da orientação sexual. Concretamente, a Directiva 2000/43/CE proíbe a discriminação racial nos domínios do emprego, da formação, da educação, da protecção social, dos benefícios sociais e do acesso a bens e serviços. Além disso, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE adoptada em 2007, juridicamente vinculativa para os Estados-Membros, prevê direitos civis, políticos e económicos, bem como os fundamentos elementares dos direitos humanos a nível comunitário. Salienta os compromissos dos Estados-Membros nos domínios do respeito do indivíduo, da protecção da dignidade, do direito à segurança, do respeito pela vida privada, da educação obrigatória de acordo com as respectivas convicções religiosas, da não discriminação, da igualdade entre homens e mulheres, entre outros. A fim de combater o racismo, existe a Decisão-Quadro do Conselho relativa à luta contra o racismo e a xenofobia 3, que tem por objectivo garantir que o racismo e a xenofobia sejam punidos na UE com sanções penais que poderão conduzir à extradição ou entrega dos responsáveis por actos racistas ou xenófobos, bem como melhorar e incentivar a cooperação judiciária entre os Estados-Membros nesta matéria. Recentemente, foi criada a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que inclui entre os seus mandatos o de assessorar as instituições comunitárias e os Estados-Membros no domínio dos direitos fundamentais e da sua transposição para a legislação da UE. Além disso, o artigo 49.º do TUE estipula que qualquer Estado europeu que respeite os direitos humanos e as liberdades fundamentais entre outros pode pedir para se tornar 1 Directiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica. 2 Directiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de Novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional. 3 Decisão-Quadro 2008/913/JAI do Conselho, de 28 de Novembro de 2008, relativa à luta por via do direito penal contra certas formas e manifestações de racismo e xenofobia. PE100.365v03-00 6/14 DT\792050.doc

membro da União. Em termos mais precisos, os Critérios de Copenhaga determinam que os Estados em processo de adesão devem respeitar os direitos humanos e a protecção das minorias. Esta legislação é complementada e reforçada com os instrumentos internacionais e regionais do Conselho da Europa (CdE) e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), instituições nas quais se baseia o sistema de protecção das minorias na Europa. Daí este sistema ser classificado como complementar e interdependente. Além disso, todos os Estados-Membros da UE pertencem ao CdE e à OSCE. As normas fundamentais para a protecção e a promoção dos direitos das minorias a nível europeu estão incluídas, principalmente, no Documento de Copenhaga da OSCE (1990) e na Convenção-Quadro do Conselho da Europa para a Protecção das Minorias Nacionais (1994). O artigo 1.º da Convenção estipula que a protecção das minorias nacionais e dos direitos e liberdades das pessoas pertencentes a estas minorias faz parte integrante da protecção internacional dos direitos do homem e, como tal, constitui um domínio da cooperação internacional 1. De igual modo, a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) consagra os direitos de todas as pessoas, qualquer que seja a sua jurisdição, sem distinção em razão do sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento ou qualquer outra situação, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade perante a lei, à liberdade de religião, entre outros. Para protecção das línguas, existe a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias do Conselho da Europa, que protege as línguas das minorias como bens culturais. 2.3. Desafios na protecção das minorias na União Europeia Apesar da legislação em vigor em matéria de protecção e promoção dos direitos das minorias, existem desafios que impedem uma efectiva protecção. Em primeiro lugar, está a ausência de uma política comunitária, bem como de regras e normas comuns ou de mecanismos capazes de regular as questões relativas às minorias. O Tratado de Lisboa, caso seja ratificado por todos os Estados-Membros, permitiria colmatar este vazio jurídico. O artigo 2.º do Tratado reafirma, entre os valores comuns dos Estados-Membros e como princípios fundamentais da UE, o respeito dos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Além disso, a mesma disposição jurídica consagra valores que tocam directamente os direitos destes grupos, como o pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres. Há ainda a ausência de ratificação, por parte de alguns Estados-Membros da UE, de instrumentos regionais a favor da protecção das minorias, como os supracitados documentos vinculativos do Conselho da Europa. Por último, é necessário estabelecer uma distinção clara entre os direitos das minorias nacionais tradicionais e as novas minorias, tal como foi feito no domínio do direito internacional, pois os dois grupos representam diferentes necessidades e situações. Ao mesmo tempo que, para os dois grupos, é necessário respeitar, no sentido mais amplo, os direitos humanos de ambos, importa reconhecer nos instrumentos emanados da UE as necessidades de cada um deles. No que respeita aos grupos étnicos, importa respeitar as suas tradições, preservar a sua identidade e diferença, os seus direitos colectivos, ao passo que, para as novas minorias, é prioritário facilitar a sua integração nas sociedades de acolhimento. 1 Convenção-Quadro para a Protecção das Minorias Nacionais, Conselho da Europa, 1994. DT\792050.doc 7/14 PE100.365v03-00

III. A PROTECÇÃO DAS MINORIAS NA AMÉRICA LATINA Os povos indígenas e afro-descendentes constituem os dois mais importantes grupos de minorias residentes na América Latina. Em termos percentuais, do total dos quase 550 milhões de habitantes da região 1, 11% 2 são ou auto-identificam-se como indígenas e cerca de 23% como afro-descendentes. A presença dos dois grupos varia consideravelmente de país para país, sendo o Brasil e Cuba os países com maior população percentual de afro-descendentes 45% e 35%, respectivamente; a Bolívia e o Peru, com 62% e 54% respectivamente, são os países com maior percentagem de população indígena. Além disso, os migrantes, os exilados políticos e as pessoas deslocadas representam 1% da população da região, concentrando-se principalmente na Argentina, no Brasil, na Costa Rica e na República Dominicana. 3.1. Situação geral das minorias latino-americanas Na América Latina, a pobreza das pessoas está ligada à etnia e à raça a que pertencem, sendo os afro-descendentes e os indígenas as principais vítimas deste modelo. Embora, em geral, os dois grupos partilhem indicadores negativos de desenvolvimento humano e económico, existem progressos, tanto no plano social e no plano dos seus direitos políticos e culturais, como no combate institucional à discriminação contra ambos. 3.1.1. Afro-descendentes Os afro-descendentes lutaram e obtiveram o reconhecimento da sua identidade, a participação cívica e a garantia de direitos colectivos, o que foi tornado possível graças ao movimento da comunidade afro-descendente a nível mundial, às políticas culturais e aos espaços abertos à sua participação em diversos países, sobretudo na Colômbia, Equador, Peru, Honduras, Brasil, Uruguai e Costa Rica. No Brasil e na Colômbia existem quotas de representação deste grupo nos congressos nacionais por forma a garantir uma participação política nacional. A isto acrescem as reformas constitucionais que garantem a igualdade dos afro-descendentes perante a lei e penalizam a discriminação; a criação de instituições públicas nacionais responsáveis pela promoção e protecção dos seus direitos; e a elaboração e execução de planos de desenvolvimento centrados na sua inclusão socioeconómica. No entanto, em alguns países ainda não existe o reconhecimento jurídico da existência de afro-descendentes, o que cria limitações estatísticas nesta matéria e tem um impacto negativo na concepção de políticas públicas centradas no desenvolvimento deste grupo. De acordo com a Comissão Económica para a América Latina (CEPAL), o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), existem ainda importantes lacunas que impedem os afro-descendentes de alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, devido aos elevados índices em matéria de necessidades básicas não satisfeitas, desemprego, analfabetismo, mortalidade infantil e baixa escolaridade. 3.1.2. Povos indígenas Na América Latina e nas Caraíbas existem 671 povos indígenas, a maioria dos quais vive em situação de pobreza originada pela exclusão social a que foram sujeitos durante anos e exacerbada pela perda dos seus meios tradicionais de subsistência como a terra e os recursos naturais 3. Como consequência, os povos indígenas migraram para os grandes centros urbanos, 1 Banco Mundial, 2008. 2 Minorities Rights Group International. 3 G. Muyuy Jacanamejoy, Os Direitos dos Povos Indígenas e a Política Pública, CEPAL 2007, p. 4. PE100.365v03-00 8/14 DT\792050.doc

onde acedem a trabalhos precários, mal remunerados e de baixa qualidade. Alguns defrontamse mesmo com desafios de sobrevivência, como os wipibi e shiripos na Colômbia, que correm risco de desaparecimento. Os indígenas, na sua maioria, ainda fazem parte dos estratos mais pobres das sociedades latino-americanas, não dispõem de acesso aos sistemas de saúde, registam elevados níveis de desnutrição e carecem de uma educação adequada que lhes permita participar na vida económica do país e que tome em consideração a sua identidade cultural, linguística e religiosa. Apesar disso, na Bolívia, na Guatemala e no Chile já começam a ser respeitadas e valorizadas as diferenças culturais no interior das sociedades e o bilinguismo. Actualmente, todas as Constituições latino-americanas reconhecem direitos dos indígenas como a propriedade colectiva das terras, a sua cultura, a prática do direito consuetudinário, bem como a representação e consulta governamental. A Argentina, a Bolívia, o Chile, a Costa Rica, a Guatemala, o México, a Nicarágua, o Panamá, o Peru e a Venezuela dispõem, além disso, de instituições estatais destinadas a promover e garantir os direitos dos povos indígenas, embora se debatam com a escassez de recursos financeiros e a falta de autonomia política suficiente para trabalhar de forma objectiva e sistemática. Na América Latina, a mobilização dos povos indígenas e a sensibilização para a necessidade de proteger os direitos destes povos melhorou a qualidade da democracia com a inclusão de novos valores, como a justiça, a igualdade e a tolerância. 3.1.3. Minorias migratórias Os imigrantes representam 1% da população total na região. Embora no passado a região tenha recebido fluxos migratórios provenientes de Europa, a tendência actual mostra um aumento da migração intra-regional, o que gera novas minorias no hemisfério. As principais causas deste fenómeno devem-se à procura de melhores oportunidades de desenvolvimento, a deslocações de pessoas provocadas por conflitos armados e por catástrofes naturais. Entre os principais grupos destas novas minorias encontram-se os peruanos e bolivianos na Argentina; os bolivianos e paraguaios no Brasil; os nicaraguenses na Costa Rica; os haitianos na República Dominicana e os guatemaltecos no México. A protecção dos direitos destas novas minorias reveste-se de uma dupla importância para a região, pois vários dos países são, simultaneamente, emissores e receptores de migrantes e, em alguns casos como o México, são também países de trânsito, daí a sensibilização para esta questão e a livre mobilidade relativa que existe no interior da América Latina. Entre os obstáculos à plena integração das minorias nas sociedades de acolhimento contam-se a xenofobia, a ausência de uma justa remuneração dos seus postos de trabalho, o tráfico ilegal de imigrantes indocumentados e a inobservância dos seus direitos humanos, laborais, políticos e sociais. 3.2. Mecanismos de protecção das minorias 3.2.1. Mecanismos regionais O sistema interamericano de protecção e promoção dos direitos humanos constitui a base da protecção das minorias a nível regional. É um dos três sistemas regionais de protecção dos direitos humanos coexistentes no âmbito dos mecanismos da ONU, sendo considerado por esta organização como um sistema complementar e intensificador da protecção e promoção dos direitos humanos na região. É formado, no seio da Organização dos Estados Americanos (OEA), pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos órgão consultivo da OEA e promotor da observância e defesa dos direitos humanos da região e pela Corte DT\792050.doc 9/14 PE100.365v03-00

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) instituição autónoma com jurisdição em 21 dos 35 membros da OEA 1 e responsável pela aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que é o principal instrumento legalmente vinculativo em matéria de direitos humanos para os 24 Estados que a ratificaram 2. Cada país membro da OEA está obrigado a proteger os direitos fundamentais consagrados na Carta constitutiva, bem como os estabelecidos na Declaração dos Direitos e Deveres do Homem, que constitui um quadro normativo de obrigações internacionais para os membros. O artigo 2.º deste instrumento, o artigo 1.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 9.º da Carta Democrática Interamericana consagram o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, sem distinção de raça, cor, nacionalidade, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra condição. Desde Junho de 2006 tem-se discutido também um Projecto de Convenção Interamericana contra o Racismo e todas as formas de Discriminação e Intolerância, que incidirá no sancionamento do racismo contra os afro-descendentes e os povos indígenas da região. Entre as obrigações gerais previstas para os governos contam-se a elaboração de legislação neste domínio, a penalização do racismo e da discriminação, a elaboração de dados estatísticos, a criação de instituições especializadas e a obtenção de relatórios periódicos sobre a situação das minorias. No caso dos afro-descendentes, o sistema interamericano de protecção dos direitos humanos orientou-se para a luta contra o racismo e a discriminação racial a que os mesmos estão expostos, destacando-se a Relatoria Especial sobre os Direitos dos Afro-Descendentes e contra a Discriminação Racial, que é responsável por incentivar o dever dos Estados de respeitar os direitos humanos deste grupo e trabalhar em prol da eliminação da discriminação racial. Para a protecção dos povos indígenas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos desenvolveu esforços em prol da situação dos seus direitos, sustentando que, por "razões históricas, princípios morais e humanitários", os Estados têm o dever de proteger estes grupos. A Relatoria Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas promove o conhecimento dos direitos dos povos indígenas da região a respeito das possibilidades de acesso ao sistema interamericano dos direitos humanos. Encontra-se actualmente em discussão a Declaração Americana sobre os Direitos das Populações Indígenas, que se espera vir a prevenir ou resolver, a nível interno, questões que possam eventualmente ser apresentadas à CIDH. Paralelamente, está em fase de criação o Fundo Indígena Interamericano, que tem por objectivo apoiar financeiramente a participação dos representantes dos povos indígenas no processo de elaboração do Projecto de Declaração Americana. Para as minorias constituídas por migrantes, existe a Relatoria sobre os Trabalhadores Migrantes e os Membros das suas Famílias, responsável por promover o respeito pelos direitos humanos dos trabalhadores migrantes e das suas famílias, apresentar recomendações aos Estados em matéria de protecção e promoção dos direitos humanos destas pessoas; e responder a petições onde seja denunciada qualquer violação dos direitos dos trabalhadores 1 Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai e Venezuela. 2 Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Domínica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai e Venezuela. PE100.365v03-00 10/14 DT\792050.doc

migrantes e das suas famílias em algum dos Estados signatários. 3.2.2. Sistemas sub-regionais As três principais organizações de integração regional o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA), a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) reconhecem nos seus documentos constitutivos a adesão dos seus membros aos princípios do sistema interamericano de protecção dos direitos humanos e aos seus instrumentos em geral. Individualmente, estas três organizações adoptaram instrumentos de alcance sub-regional, e nalguns casos vinculativos para os seus países membros, destinados à protecção das minorias, embora não sejam incluídos todos os grupos e, nalguns casos, não seja feita referência aos mesmos como tais. Na Carta da Organização dos Estados Centro-Americanos (ODECA), de 1962, o SICA estabelece, no seu artigo 4.º, que a tutela, o respeito e a promoção dos direitos humanos constituem a sua base fundamental, não sendo contudo mencionados os direitos explícitos das minorias. Na Comunidade Andina de Nações, o instrumento que integra explicitamente os direitos das minorias é a Carta Andina dos Direitos Humanos, que se inscreve no quadro da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. De modo geral, a Carta reconhece a diversidade das sociedades andinas, a luta contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e outras formas de intolerância para com qualquer pessoa; além disso, faz menção a direitos explícitos dos povos indígenas e dos afro-descendentes em domínios como o ambiente, as terras, a utilização e administração de recursos naturais e a diversidade biológica. Para os requerentes de asilo, a Carta estabelece a obrigação de todos os países membros protegerem o direito das pessoas que o solicitem de acordo as leis nacionais de cada país membro e, no que se refere aos direitos dos migrantes e das suas famílias, a comunidade reitera o seu compromisso com os instrumentos internacionais neste domínio. No que diz respeito às questões indígenas, a Declaração de Machu Picchu sobre a Democracia, os Direitos dos Povos Indígenas e a Luta contra a Pobreza afirma o empenho dos países membros da CAN na promoção e protecção dos direitos e liberdades fundamentais destes povos, nomeadamente: o direito à sua identidade, a não serem deslocados para longe do seu património cultural, à educação na diversidade, a serem eleitos e a desempenharem cargos públicos. Além disso, a CAN dispõe de instrumentos vinculativos de protecção dos trabalhadores migrantes nacionais dos países membros como o Instrumento Andino de Migração Laboral, de 2003, que reconhece o princípio de igualdade de tratamento e de oportunidades a todos os trabalhadores migrantes andinos no espaço comunitário. O Instrumento Andino de Segurança Social, por seu lado, estabelece que todos os países membros devem conceder aos nacionais de outros países membros o mesmo tratamento dispensado aos seus nacionais em todos os ramos da segurança social. No entanto, tais instrumentos para a protecção de migrantes "extracomunitários" ainda não existem. No que respeita ao Mercosul, os seus instrumentos de protecção das minorias incluem apenas os trabalhadores migrantes do bloco. A Declaração Sociolaboral, assinada no Rio de Janeiro em 1998 1, reconhece explicitamente os direitos de não discriminação, igualdade, protecção dos trabalhadores migrantes e fronteiriços, a eliminação dos trabalhos forçados, a proibição do trabalho infantil e os direitos dos trabalhadores; reconhece igualmente os direitos 1 Declaração Sociolaboral do Mercosul, Rio de Janeiro, 10 de Dezembro de 1998. DT\792050.doc 11/14 PE100.365v03-00

colectivos de liberdade de associação e o direito à saúde e à segurança no trabalho. O Protocolo de Assunção relativo ao Compromisso com a Promoção e a Protecção dos Direitos Humanos do Mercosul 1 prevê, no seu artigo 4.º, as consequências para os países membros do bloco que não respeitem ou incorram em violações graves e sistemáticas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, podendo esse Estado ficar suspenso de participar nos diferentes órgãos de integração do bloco Mercosul. 3.3. Desafios na protecção das minorias latino-americanas Não obstante a ampla ratificação de instrumentos internacionais, existem desafios que a região precisa de enfrentar para conseguir uma efectiva promoção das suas minorias, sendo estes de carácter institucional, político, económico e financeiro. Em primeiro lugar, a fim de fazer valer os direitos das minorias estabelecidos a nível nacional ou internacional, é essencial dispor de instituições judiciais fortes. Estas instituições devem providenciar, em especial para os grupos vulneráveis, um fácil acesso aos mecanismos judiciais para defender os seus direitos. O regime democrático favorece esta defesa mediante o respeito pelo Estado de direito e a luta contra a corrupção. Em segundo lugar, o modelo político-económico no qual a identidade étnica é um indicador do nível socioeconómico dos indivíduos deve ser reestruturado. Para tal, são necessários sistemas fiscais redistributivos que permitam uma melhor participação económica das populações indígenas e dos afro-descendentes. É igualmente necessária a implementação de políticas de compensação e de restituição a estes povos a fim de reduzir a disparidade de níveis de desenvolvimento humano e económico entre estes e a restante população nacional. Em terceiro lugar, o sistema interamericano de direitos humanos responsável pela protecção das minorias na região enfrenta o desafio de alcançar uma autonomia política financeira que permita desenvolver as suas funções independentemente das contribuições internacionais e da vontade política dos países membros 2. A nível regional, este desafio é partilhado pela maioria das agências nacionais criadas para a protecção dos direitos das minorias. É igualmente necessária a inclusão das minorias na concepção dos programas destas agências. IV. CONCLUSÕES Na UE, a adequada inclusão das minorias nacionais, étnicas e migrantes e a luta sistemática contra a discriminação, o racismo e a xenofobia são essenciais para garantir a estabilidade regional e boas relações de vizinhança, sobretudo devido à grande interdependência política, energética e económica da região com a região dos Balcãs, o Cáucaso, o Norte de África e o Médio Oriente. Uma política global em matéria de migração que simultaneamente reconheça jurídica e dignamente aos emigrantes o seu contributo para o projecto europeu consolidaria sem dúvida a UE como actor normativo no domínio dos direitos humanos. Por outro lado, a inclusão explícita dos direitos das minorias no Tratado de Lisboa caso entre em vigor poderia colmatar um vazio jurídico existente no direito comunitário. No caso da América Latina, a promessa de um maior grau de justiça social continua pendente, entre outros, também para os povos indígenas e os afro-descendentes. Os governos nacionais devem ser flexíveis e encontrar novas ideias adequadas a cada grupo. Além disso, as organizações de integração regional precisam de ter em consideração a dimensão humana e 1 Aprovado em Assunção em Junho de 2005. 2 Inter American System for the Protection of Human Rights, Policy Department, DG EXPO, EP, p.7. PE100.365v03-00 12/14 DT\792050.doc

social nas suas políticas públicas regionais. Em particular, a fim de assegurar a coesão social, é necessário conceber programas que incluam a participação na vida económica e a representação das populações indígenas e dos afro-descendentes nas decisões políticas da região. As organizações de integração regional devem dedicar especial atenção à protecção do ambiente e aos direitos de propriedade intelectual e de protecção dos ecossistemas e da biodiversidade, sempre que estes constituam uma fonte principal subsistência e, por direito, sejam considerados habitat tradicional das populações indígenas. Por fim, existem dois grupos especialmente vulneráveis no seio das minorias para os quais não foi criada legislação suficiente para sua protecção: as mulheres e as crianças. Apesar da existência de instrumentos internacionais que fazem referência aos direitos destes dois grupos, não existe em nenhuma instituição latino-americana ou europeia um instrumento normativo que reconheça a situação vulnerável das mulheres e crianças pertencentes às minorias e mencione os direitos que lhes deveriam ser garantidos. 4.1. Recomendações para a cooperação em matéria de protecção das minorias 4.1.1. Cooperação multilateral Conceber mecanismos internacionais de supervisão da aplicação e do respeito dos direitos das minorias; Incentivar uma maior participação das minorias na concepção dos programas de desenvolvimento e seus objectivos no âmbito da ONU, da Europe Aid, do Banco Mundial, do BID e das principais agências de desenvolvimento com programas em ambas as regiões; Estabelecer normas claras e consistentes em matéria de direitos das minorias; Estabelecer uma ligação entre o respeito e a protecção dos direitos das minorias por parte dos governos e o acesso destes à assistência financeira das instituições financeiras internacionais e das principais agências de desenvolvimento; Trabalhar em conjunto na elaboração de uma política global em matéria de migrações, à semelhança do que foi feito no domínio do ambiente. 4.1.2. Cooperação bi-regional UE-América Latina Propor que a protecção das minorias seja incluída no âmbito de aplicação dos futuros acordos de associação UE-América Latina; Proceder ao intercâmbio de experiências para uma melhor orientação dos programas de cooperação da UE com a América Latina em matéria de direitos humanos, inclusão social e cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; Recomendar que os programas de ajuda ao desenvolvimento da UE na área temática da "Coesão Social" da região tenham como grupos-alvo os povos indígenas, tendo em conta as suas necessidades específicas e respeitando a sua identidade. Seria igualmente necessária uma estratégia semelhante mas diferenciada para os afro-descendentes; Conceber projectos de inclusão e não discriminação das minorias migrantes latino-americanas na Europa no quadro do futuro Observatório das Migrações UE-AL; Considerar a inclusão de uma abordagem baseada no género nos instrumentos e nas políticas públicas de protecção das minorias que incluam as necessidades específicas destes grupos, em total sintonia com os seus costumes, religião e cultura, mais concretamente, as necessidades em matéria de saúde, trabalho e educação. DT\792050.doc 13/14 PE100.365v03-00

Promover a adopção de um programa de Educação Intercultural Bilingue baseado na articulação de um sistema educativo que aspire à igualdade de oportunidades entre as diferentes culturas e preveja o acesso às novas tecnologias da informação; Apoiar a criação de um sistema integrado de saúde destinado a melhorar a situação sanitária dos povos indígenas, mediante o reforço das medicinas tradicionais e do acesso físico aos serviços públicos; Criar um Fundo de Solidariedade Bi-Regional a favor da habitação que tenha por objectivo proporcionar o acesso das famílias com recursos modestos que vivem nos municípios mais pobres da América Latina a uma habitação de qualidade; Promover as actividades tradicionais dos povos nativos, como a agricultura, cujos sistemas de produção devem ser apoiados, em especial a gestão agrícola e o acesso ao crédito, de forma a evitar as eventuais repercussões negativas da integração económica internacional sobre os povos indígenas. PE100.365v03-00 14/14 DT\792050.doc