revista da abril de 2014 edição n Pacientes e médicos unidos contra os abusos dos planos de saúde



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Transcrição:

revista da Federada da abril de 2014 edição n 0 654 Pacientes e médicos unidos contra os abusos dos planos de saúde

Revista da APM 2 Abril de 2014

apresentação revista da Publicação da Associação Paulista de Medicina Edição n 0 654 Abril de 2014 REDAção Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 Cep 01318-901 São Paulo SP Fones: (11) 3188-4200/3188-4300 Fax: (11) 3188-4369 E-mail: comunica@apmcorp.org.br Publicação filiada ao Instituto Verificador de Circulação Presidente Florisval Meinão Diretores Responsáveis Renato Françoso Filho Leonardo da Silva Editor Responsável Chico Damaso MTb 17.358/SP coordenadora de comunicação Giovanna Rodrigues Repórteres Adriane Pancotto Alessandra Sales Estagiária Nathalia Meneses Editora de Arte Giselle de Aguiar Pires Foto de capa Osmar Bustos Projeto e Produção Gráfica TESS Editorial tesseditorial@terra.com.br Assistente administrativo Juliana Bomfim comercialização Departamento de Marketing da APM Malu Ferreira Fone: (11) 3188-4298 Fax: (11) 3188-4293 Impressão Log & Print Gráfica e Logística S.A. Periodicidade: mensal Tiragem: 37.030 exemplares circulação: Estado de São Paulo (Inclui Suplemento cultural) Portal da APM www.apm.org.br FSC - P3 os anúncios publicados nesta revista são inteiramente de responsabilidade dos anunciantes. A APM não se responsabiliza pelo conteúdo comercial. Novo alerta O mês de abril começou quente, com um novo alerta das entidades médicas sobre os abusos cometidos pelas operadoras de planos de saúde tanto com os médicos quanto com os pacientes. Não vamos desistir de lutar pela autonomia dos profissionais e os direitos dos pacientes à saúde de qualidade. Da mesma maneira, nosso pleito por mais recursos e uma gestão eficiente do Sistema Único de Saúde continua. E fica ainda mais intensa neste ano, no qual a população brasileira votará para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Além da cobertura de todo o movimento médico por dignidade na saúde suplementar, trazemos nesta edição da Revista da APM um resumo detalhado dos ricos debates que marcaram o Congresso de Política Médica promovido pela Associação Paulista de Medicina e Associação Médica Brasileira em meados de março. Confira ainda entrevista com o secretário estadual de Saúde de São Paulo, David Uip, que fala sobre a nova estrutura dos serviços de saúde do estado, carreira estadual para os médicos, financiamento da pasta, residência e outros assuntos pertinentes. A preparação da área da Saúde do estado de São Paulo para a Copa do Mundo, um dos assuntos mais debatidos pela imprensa e população nos últimos tempos, e que tende a se intensificar com a proximidade dos jogos, é tema de outra reportagem. E as mulheres, que já são maioria na sociedade e na Medicina, também são alvo de matérias de nossa revista, que traz a cobertura das homenagens realizadas por nosso departamento de Responsabilidade Social, regionais e distritais a elas por ocasião do Dia Internacional da Mulher, e da posse das novas diretorias da Associação Brasileira de Mulheres Médicas. Boa leitura! Renato Françoso Filho e Leonardo da Silva Diretores de Comunicação Renato Françoso Filho Leonardo da Silva Abril de 2014 3

ÍNdiCe 11 carreira 20 Mais Médicos 24 Especialidades 42 Radar Regionais 44 Agenda cultural 45 Literatura 46 Agenda Científica 48 Classificados 50 opinião 28 Responsabilidade Social 30 Associativismo 22 copa do Mundo 32 clube de Benefícios 36 Dúvidas contábeis 38 Radar Médico 12 Saúde Pública 16 Entrevista SEDE SocIAL: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 278 CEP 01318-901 São Paulo SP Fones: (011) 3188-4200/3188-4300 DIREToRIA 2011-2014 Presidente: Florisval Meinão 1º vice-presidente: Roberto Lotfi Júnior 2º vice-presidente: Donaldo Cerci da Cunha 3º vice-presidente: Paulo De Conti 4º vice-presidente: Akira Ishida Secretário Geral: Paulo Cezar Mariani 1º Secretário: Ruy Yukimatsu Tanigawa DIREToRES Administrativo: Lacildes Rovella Júnior; Administrativo Adjunto: Roberto de Mello; 1º Diretor Patrimônio e Finanças: João Marcio Garcia; Científico: Paulo Manuel Pêgo Fernandes; Científico Adjunto: Álvaro Nagib Atallah; cultural: Guido Arturo Palomba; cultural Adjunto: Carlos Alberto Monte Gobbo; Defesa Profissional: João Sobreira de Moura Neto; Defesa Profissional Adjunto: Marun David Cury; comunicações: Renato Françoso Filho; comunicações Adjunto: Leonardo da Silva; Previdência e Mutualismo: Paulo Tadeu Falanghe; Previdência e Mutualismo Adjunto: Clóvis Francisco Constantino; Serviços aos Associados: José Luiz Bonamigo Filho; Serviços aos Associados Adjunto: João Carlos Sanches Anéas; Social: Alfredo de Freitas Santos Filho; Social Adjunto: Nelson Álvares Cruz Filho; Marketing: Nicolau D Amico Filho; Marketing Adjunto: Ademar Anzai; Tecnologia de Informação: Desiré Carlos Callegari; Tecnologia de Informação Adjunto: Antônio Carlos Endrigo; Economia Médica: Tomás Patrício Smith-Howard; Economia Médica Adjunto: Jarbas Simas; Eventos: Mara Edwirges Rocha Gândara; Eventos Adjunta: Regina Maria Volpato Bedone; Responsabilidade Social: Denise Barbosa; Responsabilidade Social Adjunta: Yvonne Capuano; 1º Distrital: Airton Gomes; 2º Distrital: Arnaldo Duarte Lourenço; 3º Distrital: Lauro Mascarenhas Pinto; 4º Distrital: Wilson Olegário Campagnone; 5º Distrital: José Renato dos Santos; 6º Distrital: José Eduardo Paciência Rodrigues; 7º Distrital: José Eduardo Marques; 8º Distrital: Helencar Ignácio; 9º Distrital: José do Carmo Gaspar Sartori; 10º Distrital: Paulo Roberto Mazaro; 11º Distrital: José de Freitas Guimarães Neto; 12º Distrital: Marco Antonio Caetano; 13º Distrital: Marcio Aguilar Padovani; 14º Distrital: Wagner de Matos Rezende conselho FIScAL Titulares: Antonio Amauri Groppo, Haino Burmester, João Sampaio de Almeida, Luciano Rabello Cirillo, Sérgio Garbi. Suplentes: Antonio Ismar Marçal, Delcides Zucon, Ieda Therezinha do Nascimento Verreschi, Margarete Assis Lemos, Silvana Maria Figueiredo Morandini. 4 Abril de 2014

Abril de 2014 5

editorial Arquivo APM Florisval Meinão PRESIDENTE DA APM A Saúde não é prioridade do governo brasileiro No Congresso Paulista e Brasileiro de Política Médica, lideranças das entidades médicas, autoridades políticas e gestores do setor traçaram um raio-x da saúde pública no Brasil. Chegouse ao parecer unânime de que, em mais de 20 anos de existência do Sistema Único de Saúde (SUS), os problemas de acesso permanecem recorrentes, penalizando pacientes e particularmente as camadas mais vulneráveis da população com filas intermináveis, falta de profissionais e de medicamentos, estrutura sucateada e dificuldade de marcação de consultas, entre outros. O SUS, teoricamente, é ainda o mais avançado programa mundial para assistência universal e integral em Saúde. Na prática, contudo, as deficiências se arrastam, tendo ligação direta com o subfinanciamento público. A iniciativa privada investe na área mais recursos do que o Estado. O setor recebe 8,4% do chamado Produto Interno Bruto (PIB), sendo que deste montante, 55% são recursos privados (que beneficiam cerca de 46 milhões de pessoas) e 45% são públicos para as demandas de todos os 200 milhões de brasileiros. A fatia estatal representa 3,7% do PIB, valor um terço mais baixo do que a média internacional de investimento público em Saúde, de 5,5% do PIB, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na América Latina, só investimos mais do que a Venezuela, o Paraguai e o Equador. O Governo Federal progressivamente reduz seu investimento na Saúde, enquanto estados e municípios aumentam. Houve época em que a União chegava a destinar 80% dos recursos públicos para a área, e hoje "A iniciativa privada investe na Saúde mais recursos do que o Estado" aplica apenas 45%. Um complicador é que nem o parco orçamento da Federação é executado. Em 2012, o Ministério da Saúde não utilizou o montante de R$ 9,01 bilhões dos recursos previamente destinados à assistência, a despeito de todas as carências da rede de atendimento. Outros R$ 8,3 bilhões foram inscritos em restos a pagar não processados e também deixaram de ser empenhados no setor. Na última década, também se deu movimento contraditório na arrecadação da carga tributária. A Federação concentra cada vez mais os impostos, o que, evidentemente, diminui o orçamento de estados e municípios. Assim, mesmo ampliando proporcionalmente suas destinações em Saúde, estados e municípios não conseguem atingir os patamares ideais. Falta dinheiro para a Saúde, é verdade, mas a gestão também deixa a desejar. Recente relatório do Banco Mundial destaca que é possível promover melhorias com administrações mais comprometidas e competentes. Entre os maus exemplos citados no documento está a baixa eficiência da rede hospitalar, a rotatividade dos leitos e a fragilidade do programa de saúde da família. Tantos problemas fazem uma quantidade considerável de brasileiros migrarem para o sistema de saúde suplementar. No entanto, há pelo menos 15 anos as entidades médicas vêm denunciando dificuldades de acesso dos pacientes de planos de saúde, interferências no trabalho dos médicos, redes credenciadas insuficientes e baixa remuneração aos prestadores de serviços, entre muitas outras queixas. Por conta disso, lançam uma campanha publicitária para reforçar os pontos à sociedade. Diante deste cenário de insuficiência de recursos e ausência de vontade política de nossos governantes, considerando ser um ano eleitoral, as entidades médicas se propõem a aprofundar este debate com a sociedade, com propostas concretas que apontem o caminho da melhoria da qualidade de assistência à Saúde em nosso país. Revista da APM 6 Abril de 2014

Abril de 2014 7 Revista da APM

SAÚDE SUPLEMENTAR Médicos em defesa dos pacientes e pelo Campanha publicitária, 0800 para denúncias e suspensão do atendimento compõem o movimento Adriane Pancotto Honorários defasados, reajuste de procedimentos muito aquém da inflação, interferências na autonomia clínica, cláusulas contratuais tendenciosas. São antigas as reclamações dos profissionais da área de Saúde quando o assunto é a relação com os planos de saúde. Dessa enorme insatisfação, de mais de 15 anos, brotou uma nova estratégia para denunciar à população os abusos cometidos pelas empresas, que ocasionam diversos problemas enfrentados pelos pacientes, especialmente dificuldade de acesso aos serviços. Para chamar a atenção para o descaso dos planos com médicos e pacientes, foi lançada uma campanha publicitária no início de abril, ocupando mídia impressa, portais de internet e canais alternativos, como os vagões do metrô de São Paulo. Queremos passar a mensagem que tanto profissionais quanto usuários são igualmente vítimas das empresas. É um alerta à sociedade, pois não abriremos guarda em 2014, pontua Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM). Por meio de hotsite abrigado no portal da APM (www.apm.org.br) foram disponibilizadas uma série de informações sobre as reivindicações. Também é possível acessar as peças para veiculação em hospitais, consultórios, clínicas e laboratórios. No Dia Mundial da Saúde, comemorado em 7 de abril, entidades da área da Saúde, entre as quais a Associação Paulista de Medicina, promoveram o Dia Nacional de Protesto contra os Planos de Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em São Paulo, houve três vertentes: suspensão dos atendimentos eletivos aos planos de saúde, porém sem comprometimento algum dos atendimentos de urgência e emergência para não prejudicar os pacientes; ato público na sede da APM pontuando os desmandos que regem a saúde suplementar; e campanha de doação voluntária de sangue. Assim como em 2000, quando as representações médicas lançaram uma campanha de alerta à população, então com o slogan Tem Plano de Saúde que enfia e faca em você e tira o sangue dos médicos, foi novamente disponibilizado aos usuários de planos de saúde e profissionais um canal para denúncias: o telefone 0800 173 313. As reclamações serão direcionadas ao departamento de Defesa Profissional da APM, que dará retorno entre sete e 15 dias da data da ligação e enviará um relatório com as informações à ANS. Faremos o possível para explicar ao reclamante quais direitos possui e que caminho deve tomar para resolver a situação. A APM vai contabilizar o número de ligações e apontar quais são os principais problemas relatados, o que será encaminhado à ANS. Esperamos que as informações ajudem a tomar providências e Revista da APM 8 Abril de 2014

fim dos desmandos dos planos de saúde Fotos: Marina Bustos a tornar as ações da agência reguladora mais incisivas, pondera Meinão. Na visão das entidades, a ANS deixa a desejar. A Agência tem tomado a posição de não participar efetivamente da contratualização entre médicos e planos de saúde. Ocorre que há uma desproporção de forças muito evidente nessa relação, um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos. As empresas impõem aos médicos suas condições, achando que somos obrigados a aceitá-las, salienta Renato Azevedo Júnior, expresidente e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Participação de todos os setores Tanto na entrevista coletiva concedida pelas lideranças da Saúde à imprensa no dia 4 de abril quanto nas ações do dia 7, as sociedades de especialidades e entidades parceiras, como a Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM) Nacional e Seção São Paulo, a Associação Brasileira de Cirurgiões Dentistas (ABCD), o Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo (Crosp), os Sindicatos de Médicos e o Sindhosp, que representa os hospitais, clínicas e laboratórios de SP, estiveram presentes. Sílvio Secchetto da ABCD e Cláudio Miyake Lideranças em ato público e coletiva à imprensa Abril de 2014 9 Revista da APM

SaÚde SUPleMeNtar Peças da campanha publicitária e hotsite do Crosp ratificaram o mesmo descontentamento entre os cirurgiões dentistas. São remunerações inaceitáveis, um desequilíbrio evidente, no qual as empresas são beneficiadas diante do prejuízo dos profissionais que fazem a roda girar. Precisamos envolver todos para trazer dignidade à nossa profissão, afirma Secchetto. Reunimos 110 mil cirurgiões dentistas no estado e damos total apoio às ações da APM. Estamos, da mesma forma, insatisfeitos e indignados, complementa Miyake. Durante a coletiva à imprensa, o presidente da Associação Paulista de Medicina apresentou diversos dados do setor, como os coletados em pesquisas APM/Datafolha em 2012 e 2013. Entre os números mais preocupantes estão a quantidade de usuários de planos que já tiveram problemas com a operadora: 77% e 79%, respectivamente. Além disso, 33% dos beneficiários afirmaram no ano passado que os planos de saúde pioraram e 53% enxergavam que as empresas colocam obstáculos e restrições ao trabalho dos médicos. Em pesquisa realizada com médicos em 2010, o cenário de queixas foi semelhante, com destaque para a falta de autonomia sobre o trabalho, glosas, tentativas de reduzir a quantidade de exames e baixos honorários. Isso mostra que pouca coisa mudou, mesmo com todos os esforços por parte das entidades de classe para mudar o quadro, acentua Rogério Toledo Júnior, diretor de Proteção ao Paciente da Associação Médica Brasileira (AMB). O usuário enfrenta dificuldades para garan- tir à família um plano de saúde, porém, encontra os mesmos problemas do SUS na rede privada. Assim como os profissionais credenciados, cansados de tanto desrespeito pelo trabalho. Nos mobilizamos novamente e queremos contribuir com propostas para colocar um fim nos abusos, reforça Meinão. É fundamental registrar outra distorção na relação empresas e médicos: de 2005 e 2013, os planos de saúde coletivos tiveram reajuste de 538,27%, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). E os profissionais de Medicina, de 2000 até agora, tiveram cerca de 60% de recomposição, diante de um IPCA de 99,86%. Em outro levantamento, divulgado em março deste ano, o Idec revelou que, pelo décimo terceiro ano, a saúde suplementar lidera a lista de reclamações junto ao órgão: das 13.541 feitas em 2013, respondeu por 26,66%, superando os setores financeiro, de telecomunicações e de produtos. saúde PÚBLica No dia 7 de abril, também houve apelo para avanços na saúde pública, que padece com o subfinanciamento e gestão ineficiente. As entidades lembraram o desrespeito que há com o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), que espera meses em filas para a realização de consultas, procedimentos e cirurgias. O Brasil tem, desde 1988, um sistema de saúde misto. Temos 75% da população completamente dependente do SUS, mas o poder público subfinancia a saúde pública. É uma contradição. Há poucos dias, os jornais noticiaram que uma maternidade do Piauí é obrigada a colocar cinco recém-nascidos no mesmo berço. É desumano e é o retrato da nossa saúde pública, lamenta Azevedo. O Brasil investe 3,8% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em Saúde, menos que alguns países da África. Em nações com modelo de saúde universal semelhante ao brasileiro, os investimentos variam entre 7% e 10% do PIB. Para as entidades, apenas alavancando o orçamento para 10% da receita corrente bruta é que a Saúde no Brasil poderá ter melhorias. 10 Abril de 2014

Carreira osmar Bustos Representantes dos médicos compareceram à cerimônia Geraldo alckmin sanciona adicionais à lei da carreira médica Governador assina adequações que aumentam em pelo menos 30% a remuneração do médico estadual ADRIANE PANcoTTo O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, reuniu a imprensa no Palácio do Governo, no dia 7 de abril, para sancionar alterações na Lei Complementar 1193/2013, que instituiu o plano de carreira dos médicos da rede estadual. A experiência do dia a dia dos profissionais mostrou que era preciso avançar na lei. Sabemos que é fundamental valorizar o médico, estimular o aprimoramento e o interesse em atender nas regiões mais difíceis, salientou o secretário estadual de Saúde, David Uip. A partir de agora, o pagamento para o profissional que atender em regiões de difícil provimento será 30% superior em relação ao salário-base. E o nível de formação acadêmica também será acrescido a esse percentual: 5% a mais se tiver mestrado; 10% a mais no caso de doutorado; e para quem tem pós-doutorado, um adicional de 15%. Os primeiros hospitais a se beneficiarem serão os das periferias de Taipas, Guaianases e São Mateus, na capital, além de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Da mesma maneira, a mudança de nível dos médicos por tempo de serviço passa a ser automática. Assim, profissionais com até dez anos na carreira estadual integram o nível I; com mais de dez anos passam para o nível II; e acima de 20 anos entram na categoria III. A remuneração poderá atingir o teto máximo de R$ 17,7 mil, reiterou o governador. PioneirisMo Todas essas mudanças representam avanços para a nossa classe. Com isso, São Paulo é pioneira na implementação de uma política de carreira para o profissional de Medicina, disse Marun David Cury, diretor adjunto de Defesa Profissional da APM, durante a solenidade. Embora os aposentados também entrem nas adequações sancionadas hoje pelo governador, as entidades enxergam outras melhorias para que a lei possa, de fato, oferecer totais garantias ao médico. É preciso encontrar mecanismos para que o tempo de casa seja mais valorizado. Mas as conquistas ocorrerão aos poucos, declarou João Ladislau Rosa, presidente do Cremesp. Abril de 2014 11

SaÚde PÚBliCa Só o Governo não quer ver : falta investimento para assistência à Saúde Congresso realizado na APM com especialistas reitera: baixo financiamento e gestão ineficaz são os vilões da Saúde ADRIANE PANcoTTo Embora ocupe a 7ª posição no quadro econômico global, o Brasil vem colecionando números negativos na área da Saúde que, em gráficos comparativos, o colocam abaixo de muitos países latinoamericanos em condições econômicas bem inferiores. O cenário, caótico para muitos especialistas, foi descrito com detalhes durante o VIII Congresso Paulista de Política Médica e VII Congresso Brasileiro de Política Médica, realizado em 21 de março, na Associação Paulista de Medicina (APM). Nós médicos temos obrigação de lutar por mudanças e participar ativamente desse processo. A população espera uma resposta da categoria e o fato de patrocinarmos este debate já é um importante passo, pontua Florisval Meinão, presidente da APM. Durante os debates, foram apresentados dados alarmantes da área da Saúde hoje, com previsões dramáticas, caso não ocorram mudanças urgentes, tanto do ponto de vista do financia- 12 Abril de 2014

mento como de gestão. Entre os números, um dos mais graves mostra que, em pouco mais de dez anos, os investimentos do Governo Federal em Saúde diminuíram cerca de 15%, forçando estados e municípios, que já estão com a corda no pescoço, a contribuírem mais. É preciso levar a complexidade dos problemas do SUS à população. Não podemos nos furtar de atitudes, principalmente pelo momento político que 2014 traz, reforça Lincoln Lopes Ferreira, presidente da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG). De acordo com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), há uma média nacional de gastos das prefeituras na área que beira os 22%, porém, muitas cidades investem mais de 30% de seus orçamentos na Saúde. Se observarmos a evolução de 2008 para 2013, houve um gasto per capita com Saúde de R$ 521,58, dos quais R$ 304,72 vieram de recursos municipais, exemplifica Antônio Carlos Figueiredo Nardi, presidente da entidade. O Governo Federal é quem mais arrecada com impostos e tributos, por isso deveria arcar com mais gastos. Neste sentido, está hoje no Congresso Nacional o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Saúde+10, com 2,5 milhões de assinaturas, exigindo 10% da receita corrente bruta da União na saúde pública, salienta Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB). os caminhos do FinanciaMento Em 1988, a Constituição Federal promulgou, por meio de seu artigo 195, o dever do Estado de oferecer a todo cidadão brasileiro acesso pleno aos serviços de Saúde, de maneira gratuita. Os custos deveriam ser divididos entre os três níveis de gestão (federal, estadual e municipal), porém, foi nessa divisão de gastos que a amarração ficou frouxa, e os prejuízos são sentidos mais intensamente a cada ano. A Emenda Constitucional nº 29, regulamentada pela Lei Complementar nº 141/2012, definiu porcentagens mínimas de repasse para estados (12%) e municípios (15%). Já ao Governo Federal não foi estipulado teto mínimo de investimento, e sim o seguinte cálculo dentro dos recursos orçamentários da União: em cada novo orçamento, a Saúde recebe o valor empenhado no ano vigente, acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Abril de 2014 13

SaÚde PÚBliCa Ocorre que a conta nunca será favorável à pasta, pois a variação acrescida no orçamento fica muito aquém dos índices de inflação da Saúde. Se os indicadores oficiais apontam 6% de inflação no ano, o índice da Saúde será de pelo menos o dobro, afirma Florentino Cardoso. Por isso, a cada novo orçamento, a porcentagem de participação do Governo Federal diminui. E como os gastos serão maiores, estados e municípios arcam com o prejuízo. Para Áquilas Nogueira Mendes, livre docente de Economia da Saúde da USP e da pósgraduação em Economia Política da PUC-SP, o que falta é colocar a Saúde como prioridade de governo. Ele esclarece que os recursos da arrecadação social dependem do recolhimento de impostos e tributos, o que resulta em perdas anuais. Além disso, existe ainda a possibilidade de usar esses recursos para outras finalidades. Em 1988, o país criou um novo sistema de assistência e seguridade social. A ideia inicial era que 30% do Orçamento da Seguridade Social (OSS) fossem destinados à Saúde, porém isso não ocorre. Em 2012, por exemplo, o orçamento da seguridade foi de R$ 590 bilhões, assim, se a Saúde fosse realmente receber 30% disso, ficaria com R$ 177 bilhões. Porém, não ficou nem com a metade, critica. E por que o repasse à Saúde não é integral? Áquilas atribui aos vieses aos quais o dinheiro é submetido. Existe a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que abocanha 20% do orçamento da arrecadação social para cobrir despesas do orçamento público fiscal. Além disso, para manter o superávit, o Governo economiza com os gastos sociais. Por isso, insisto que a questão é priorizar a Saúde, explica o econo- 14 Abril de 2014

mista, que complementa: Em 2014, 40% do orçamento serão somente para pagar juros e amortização da dívida. A área social sempre é colocada em segundo ou terceiro plano. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média internacional de investimento dos países na área é de 5,5% do PIB. No entanto, o Brasil investe apenas 3,7% do PIB. Há cerca de três anos, os parlamentares perderam a oportunidade de alavancar tais recursos ao regulamentarem a EC 29 (via substitutivo ao Projeto de Lei Complementar 306/2008, do Senado). Como resultado, na ocasião, o SUS deixou de receber R$ 45 bilhões. É preciso repensar a gestão de recursos Não bastasse o trajeto não linear dos recursos públicos federais, o fator gestão vem reforçar as limitações de melhorias na Saúde. Um dos exemplos mais paradoxais ocorreu com o orçamento de 2012. Dos R$ 93,4 bilhões reservados para a Saúde, R$ 17 bilhões não foram empregados R$ 9,01 bilhões não utilizados e R$ 8,3 bilhões inscritos em restos a pagar, visto pelas entidades como um reflexo da má gestão dos recursos. São números passados pelo Tribunal de Contas da União e até hoje, mesmo com tantas cobranças de explicações, o ex-ministro Alexandre Padilha nunca se pronunciou. Fica a dúvida: para onde foi esse dinheiro, sendo que os recursos da Saúde já são escassos?, questiona Florentino Cardoso, presidente da AMB. Por isso, precisamos pensar além do financiamento. Faltam recursos, mas também padecemos de gestões ineficientes, ressalta Florisval Meinão. A falta de médicos e demais profissionais da Saúde em regiões remotas do país é outro fator atribuído à má gestão do sistema. Por diversas vezes, representantes de entidades médicas, que vivenciam a rotina de atendimento e conhecem as necessidades dos médicos, indicaram qual seria o único caminho realmente efetivo para fixar os profissionais nessas áreas: a carreira de Estado. Conhecemos inúmeros casos de colegas que mudaram suas vidas, levaram as famílias para o interior e, poucos meses depois, foram demitidos ou passaram a sofrer calote das prefeituras. Os contratos atuais costumam ser péssimos, assim como as condições de trabalho, relata o presidente da APM. O que sugerem as entidades é a implantação do modelo de carreira semelhante ao do Judiciário. Mesmo nas periferias das grandes cidades, o problema é crônico. Estudo realizado pelo departamento de Pesquisa do Hospital Municipal Dr. Moysés Deutch M Boi Mirim revela que o hospital, único na região, atende 700 mil moradores, além dos que residem nas regiões adjacentes, atingindo 1 milhão de pessoas. Cidades com população inferior a essa, como Ribeirão Preto, possuem mais de dez hospitais. A Zona Sul da capital paulista, onde estamos, oferece 0,5 leito por mil habitantes e a Zona Leste, 1 leito por mil habitantes. São regiões com alto volume demográfico. Isso mostra a má distribuição das unidades e a fragilidade da gestão. Impossível não sobrecarregar o sistema dessa maneira, afirma Mário Maia Bracco, coordenador do departamento de Pesquisa do hospital. Enquanto isso, o estado paulista contabiliza 21 mil leitos não ocupados. Precisamos dar inteligência ao sistema. Hierarquizar os hospitais, para que os repasses sejam mais justos, pode ser uma alternativa, afirma David Uip, secretário estadual de Saúde (leia entrevista completa na pág. 16). Manobras no Congresso Durante o Congresso de Política Médica, surgiu mais uma informação bastante preocupante para os profissionais de Medicina. Foi levantada uma polêmica sobre a intenção de o Governo aprovar, em vez dos 10% do valor corrente bruto da União solicitado pela proposta popular, de 10% a 15% do valor corrente líquido por meio de trecho da proposta sobre o Orçamento Impositivo. Essa proposta seria uma espécie de penduricalho anexado à PEC da Emenda Impositiva, e PEC é matéria pertinente à Constituição Federal. Dessa forma, mesmo se o Saúde+10 passar no Legislativo, quando chegar à presidente Dilma Rousseff, será vetado sob a alegação de ser inconstitucional. Os médicos, portanto, precisam trabalhar para sensibilizar os parlamentares a derrubar esse penduricalho; uma tarefa árdua considerando que 257 deputados precisam aceitar levar o assunto ao Plenário. Abril de 2014 15 Revista da APM

entrevista Financiamento e gestão Osmar Bustos Estes são os lemas centrais do trabalho do secretário estadual de Saúde de SP, David Uip Giovanna Rodrigues Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Fundação Universitária do ABC em 1975, David Everson Uip concluiu mestrado e doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 1989 e 1993, respectivamente. Professor livre docente pela FMUSP e professor titular da Faculdade de Medicina do ABC, é ex-diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Há seis meses, ocupa o cargo de secretário estadual da Saúde de São Paulo. Em entrevista exclusiva à Revista da APM, ele fala sobre os desafios da pasta para este ano e sobre as metas já concluídas. Quais são as principais metas da Secretaria Estadual de Saúde de SP para 2014? Estamos reordenando toda a assistência no estado de São Paulo, por meio da classificação dos serviços em estruturantes, que são os locais com competência para atendimento de alta complexidade, como cirurgias de grande porte e transplantes, e UTIs muito bem montadas; hospitais estratégicos, que devem absorver a média complexidade; e serviços de apoio, que são os hospitais menores, para situações de acolhimento dos pacientes e primeiros cuidados, estabilização e encaminhamentos necessários. Quem supervisiona essas divisões é a Central de Regulação da Oferta de Serviços de Saúde (Cross). Os serviços estruturantes foram escolhidos pelas coordenações regionais de Saúde, os serviços estratégicos foram escolhidos pelos estruturantes e os de apoio foram escolhidos pelos estratégicos. Estamos montando uma rede para tirar o nó que é a hierarquização da Saúde. Como fica a situação das Santas Casas e hospitais filantrópicos de SP? As santas casas e entidades filantrópicas respondem por metade dos atendimentos realizados para os pacientes do SUS em todo o estado. Muitas sofrem com a defasagem na tabela federal de pagamentos do Ministério da Saúde, congelada há 11 anos e que cobre, em geral, apenas 50% dos custos dos procedimentos. O programa de auxílio às santas casas e hospitais filantrópicos terá, em 2014, um investimento de R$ 535 milhões, mais do que o dobro do que repassamos no ano passado, visando complementar a tabela do SUS federal. Atualmente, metade das mais de 400 santas casas e hospitais filantrópicos do estado possui menos de 50 leitos, o que os tornaria inviáveis. Por isso, esses hospitais estão sendo viabilizados e inseridos nesta nova classificação de serviços estruturantes, estratégicos e de apoio, de acordo com o porte. Revista da APM 16 Abril de 2014

Atualmente, o sistema de Saúde é subfinanciado em todos os estados, incluindo São Paulo Estamos dando inteligência ao sistema que existe, sem fechar nenhum serviço. Está prevista a construção de novos hospitais e AMEs? Vamos levar novos hospitais para determinadas regiões onde identificamos carência em relação a certos serviços. Temos um gargalo muito grande na área de Ortopedia, por exemplo. Por isso vamos implantar um hospital especializado em atendimento a traumas na capital paulista. Por meio de um modelo de PPP (Parceria Público-Privada) teremos novos hospitais em Sorocaba, São José dos Campos e o novo Pérola Byington na capital. Também vamos entregar neste ano um hospital infantil em Ribeirão Preto, o Hospital Secundário de Botucatu e o Hospital Regional de Jundiaí. Os perfis assistenciais desses novos serviços foram e serão definidos conforme a demanda e necessidade identificada pela área técnica da Secretaria em cada região. Atrelado a isso precisamos adequar e otimizar a estrutura hospitalar já existente. Nós temos um diagnóstico muito claro, 21 mil leitos não ocupados por conta do subfinanciamento. Com essa nova organização do nosso sistema, vamos ocupar esses leitos e dar inteligência aos processos para acabar com as filas. E em relação ao financiamento, haverá mudanças? Atualmente, o sistema de Saúde é subfinanciado em todos os estados, incluindo São Paulo. Para viabilizá-lo, dentro da divisão que criamos, estamos aumentando o repasse a todos os serviços, na ordem de 75% a mais sobre os valores da Tabela SUS para os hospitais universitários, 70% a mais para os serviços estruturantes, 40% a mais para os estratégicos e 10% a mais para os de apoio. Para se ter ideia, hoje em dia uma consulta médica custa R$ 65 para o estado de São Paulo, mas o Ministério da Saúde repassa apenas R$ 10; um cateterismo custa R$ 820, dos quais apenas R$ 614 são repassados; uma ressonância magnética R$ 450, com reembolso de R$ 268; e uma diária de UTI neonatal custa R$ 1.500, com retorno de apenas R$ 508. Então, a conta não fecha. O ministro Chioro anunciou recentemente que pretende mudar o sistema da tabela SUS, o que é muito bem-vindo, mas precisa ser rápido. Levantamento recente do IBGE apontou investimento de 10,1% do orçamento de SP na Saúde em 2012, porém, o instituto aponta que este pode não ser o montante final, pois demais valores podem estar diluídos em outras secretarias. Qual a média de investimento do estado na Saúde? Já passamos dos 12,39% e meu propósito, se possível, é chegar logo aos 13%. Acho que temos que ter investimento na Saúde, e o governador Geraldo Alckmin é muito sensível a isso, até porque é médico, entende a problemática e está nos ajudando na liberação de recursos e política justa de Recursos Humanos. Hoje a Saúde tem 15 profissões envolvidas, queremos remunerar melhor, fazer com que as pessoas se sintam dignificadas. O servidor público é um batalhador, queremos pagar o melhor possível, nem sempre é o que almejamos, porque temos recursos limitados, mas com certeza o plano de cargos e salários para médicos e o plano de incentivo para os demais profissionais vai levar o estado de São Paulo a um patamar melhor do que tinha. Após discussões com as lideranças, o governador sancionou adequações à carreira estadual para médicos implantada em 2012 [veja matéria na pág. 11]. Como avalia as mudanças? E a gratificação por localização anunciada em outubro do ano passado? A lei foi um grande avanço, mas houve algumas particularidades que precisavam ser aprimoradas. Uma é o regime de contratação, aqui em SP precisamos ter a possibilidade de contratar por 12, 24, 30 e 40 horas, porque os emergencistas e intensivistas, por exemplo, trabalham em plantões de 12 e 24 horas. Outro ponto é que na entrada do sistema, o servidor passou a ser qualificado por tempo de serviço, até 10 anos ele será nível 1 e terá uma remuneração, de 10 a 20 anos será Abril de 2014 17 Revista da APM

entrevista O ministro Chioro anunciou recentemente que pretende mudar o sistema da tabela SUS, o que é muito bem-vindo, mas precisa ser rápido nível 2 e ganhará melhor e acima de 20 anos será nível 3 e receberá melhor ainda. O médico que se dedica ao serviço público, que acredita no SUS, vai receber sim pelo seu tempo de serviço, e isso não é daqui para a frente, é retroativo também. Também vamos pagar a mais pela dificuldade de acesso e qualificação profissional. O indivíduo que vai trabalhar em hospitais mais distantes, em lugares com índice de desenvolvimento pior, receberá 30% a mais; se tiver mestrado, mais 5%, totalizando 35%; com doutorado mais 10%, até 40% ; e pós-doutorado mais 15%, em um total de 45%. Queremos médicos na nossa periferia, e os mais qualificados, isso é meritocracia. Não vamos pagar menos para quem não tem pós-graduação, mas vamos pagar mais para quem tem. É um grande avanço, pois nunca se teve uma política de cargos e salários para médicos no Brasil, e a primeira é no estado de São Paulo. O estado de SP tem recebido muitos profissionais do Mais Médicos? Como avalia o programa federal? Eu torço para que dê certo, porque toda iniciativa que objetiva melhorar as condições de atendimento para a população é válida, aí nestes casos não vemos ideologia nem partido político. No entanto, o estado de São Paulo pensa diferente. Achamos que os médicos devem ter uma carreira com cargos e salários, devem entrar no sistema por meio de concurso público e serem remunerados com dignidade. São Paulo paga todos os tributos e encargos trabalhistas. Nós entendemos que deve ser assim. Em relação à abertura de 600 novas vagas de resid ncia médica no estado para este ano, divulgada no último Dia do Médico, qual o status? As vagas já estão em plena atividade, pois outra coisa que o governo de São Paulo acredita muito é que você precisa melhorar a qualificação do médico. Hoje é praticamente obrigatório que se forme e faça uma residência, então nosso objetivo é que para cada indivíduo formado haja uma vaga de residência, e aí está o desafio. Mas é com orgulho que eu digo que somos procurados pelo Brasil inteiro, muito médico que se forma vem fazer residência aqui, então nós temos que avançar sempre em busca de novas vagas. Como está o andamento do pro eto 'Mulheres de Peito', que ampliou as mamografias preventivas sem a necessidade de pedido médico? É um projeto exitoso, atualmente temos mais de 300 serviços que fazem mamografia pelo SUS em todo o estado, rastreando o câncer de mama nas mulheres entre 50 e 69 anos por meio de exames preventivos no mês de nascimento de cada uma, ano sim, ano não. Temos quatro carretas e um caminhão que vão aos locais com mais demanda e dificuldade de acesso. Neles, as mulheres não precisam de pedido médico para realizar o exame. Desburocratizamos o sistema. Em 48 horas após a realização dos exames sabemos se o resultado é suspeito de câncer ou não e, a partir daí, a mulher faz ultrassonografia, punção biópsia de mama e histologia se necessário. Nos casos positivos, é encaminhada para os hospitais de referência. Estas carretas estão fazendo em média 50 exames por dia, sua performance máxima, com resultados positivos para lesões de 1,2% em média, ou seja, absolutamente em conformidade com a literatura. Além disso, estamos lançando o projeto Filho que ama leva o pai no AME. Por meio dele, os homens a partir dos 50 anos, também no mês de nascimento, ano sim, ano não, poderão se dirigir aos Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs) aos sábados, para não competir com o atendimento regular, e passar por uma triagem, fazer uma série de exames de laboratório e voltar na semana seguinte para ter os exames avaliados e passar por consultas com cardiologistas e urologistas, que poderão designar outras providências se necessário. O estado de SP cumpre sua função de tratar as pessoas mas também se insere muito fortemente na área de prevenção. 18 Abril de 2014

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MaiS MÉdiCoS MPt entra na Justiça contra União Ministério Público do Trabalho entende que programa apresenta ilegalidades e pede reformulação das regras DA REDAção " O argumento de que o Mais Médicos é uma iniciativa de formação continuada atrelada à prestação de serviço é uma tentativa de mascarar as reais intenções do programa, qual seja a de contratação de mão de obra médica para trabalhar na área de atenção básica. A frase é do procurador do Trabalho Sebastião Caixeta, publicada em 27 de março no portal do Ministério Público do Trabalho, sobre a ação civil pública protocolada na Justiça exigindo alterações no programa do Governo Federal. A questão salarial dos profissionais de Cuba é uma das mais distorcidas, pois fere os princípios de equidade entre profissionais que desempenham o mesmo papel, reforça Renato Azevedo, ex- -presidente e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). O MPT exige que os salários dos profissionais cubanos do Mais Médicos sejam pagos diretamente a eles, eliminando a intermediação feita pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e pelo Governo de Cuba. O Governo Federal alega não ter vínculo direto com os médicos cubanos, e sim um arranjo internacional, o que dispensa a aplicação da legislação trabalhista brasileira. Diferentemente do que ocorre com os demais profissionais que aderiram ao programa, os médicos de Cuba recebem menos da metade do valor. O contrato dos cubanos ainda cerceia a liberdade individual e interfere na vida privada. Assim, a ação quer a ineficácia de qualquer cláusula nos contratos que restrinja direitos fundamentais e constitucionais, como o direito de ir e vir e relacionar-se afetivamente com qualquer pessoa. O contrato vigente proíbe viagens sem que os profissionais da ilha peçam permissão e impede que eles mantenham relações amorosas com pessoas de outras nacionalidades. Além de demagógico e eleitoreiro, o Mais Médicos abriu um espaço de ditadura cubana em pleno solo brasileiro. É um regime de vigilância severa que, ao lado das questões trabalhistas, sustenta as alegações de analogia à escravidão, conclui Azevedo. Também fere a Constituição brasileira a inexistência de vínculos trabalhistas, já que o tipo de serviço prestado pelos médicos contratados para o programa sai da esfera de cursos de especialização, como argumenta o Governo Federal. De acordo com declaração dada por Sebastião Caixeta ao jornal O Globo, o curso foi um instrumento para mascarar a situação de trabalho. A alegação do MPT se deu depois de inspeções em várias unidades de Saúde, nas quais foi constatado que os profissionais do programa realizam exatamente o mesmo tipo trabalho que qualquer outro médico que atende nas unidades. A ação ainda pede: ambiente do trabalho seguro e saudável; décimo terceiro salário; férias anuais remuneradas; licença à gestante e licença-paternidade. A multa por descumprimento será de R$ 100 mil. 20 Abril de 2014