A Utilização do IDH para Políticas Públicas de Inclusão Digital nos Municípios Brasileiros: Conceitos Metodológicos e Legitimidade desse Critério.



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Transcrição:

A Utilização do IDH para Políticas Públicas de Inclusão Digital nos Municípios Brasileiros: Conceitos Metodológicos e Legitimidade desse Critério. Autoria: Steven Dutt-Ross, Leonardo Lobo Pires, Janaina de Mendonça Fernandes Resumo: Existe uma alta correlação - mais de 70% - entre índice de desenvolvimento humano (IDH) e a porcentagem de pessoas que vivem em domicílios com computador (%CPU) considerando toda a nação brasileira. No entanto, quando se observam essas duas mesmas variáveis somente na Região Norte essa correlação entre IDH e %CPU cai bastante, sendo de apenas 55,68%. Por que isso ocorre? Por que algumas regiões têm uma alta relação entre desenvolvimento humano e domicílios com acesso ao computador que outras regiões? Nesse sentido, utilizar o grau de desenvolvimento humano como critério para políticas públicas de inclusão digital é potencialmente perigoso. Nesse artigo, é comparado o IDH a %CPU do Censo 2000 e verificamos a distância entre estes dois índices. Dessa forma, conclui-se que a aproximação a grandes metrópoles pode ser um fator mais influente para o uso de computadores e que o IDH não é uma solução adequada para a comparação e monitoramento de outras dimensões do desenvolvimento, no caso, o desenvolvimento tecnológico. 1. INTRODUÇÃO Nas últimas duas décadas, observa-se um movimento de mudança na sociedade: concretiza-se a sociedade da informação. Essas mudanças estão atingindo todas as instituições e organizações, alterando as relações interpessoais até mesmo na família, como lembra Bauman (2004). Independente das conseqüências, positivas ou negativas destas alterações na sociedade, um aspecto importante a ser destacado é...há pouco espaço para os não iniciados em computadores, para os grupos que consomem menos e para os territórios não atualizados com a comunicação (CASTELLS,1999, p.60). Além disso, a sociedade da informação ou sociedade do conhecimento tem duas características particulares, como assinala Demo (2000), que são: (i) ela é produto da sua própria ação; (ii) a competitividade econômica é baseada na produção e no uso intensivo do conhecimento. Esta nova sociedade é dependente de informação que gera conhecimento que, por sua vez, gera mais informação, em um círculo virtuoso. A velocidade deste movimento é tanto maior quanto mais intensivo é o uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC) e quanto mais bem adaptados à nova sociedade estão atributos culturais e institucionais de todo sistema social. É notável que o espaço e tempo estão sofrendo transformações tanto pelo paradigma da tecnologia da informação quanto pelas formas de processos sociais resultantes da atual transformação histórica (CASTELLS,1999). Consequentemente, as principais dimensões materiais da vida humana, o espaço e o tempo, mudaram suas funções. O espaço organiza o tempo nesta sociedade ao contrário da maioria das teorias sociais clássicas onde se supõe o domínio do espaço pelo tempo (CASTELLS, 1999). De acordo com Castells, (1999), a universalização dos serviços de informação e comunicação passa a ser então condição necessária para a construção de uma sociedade da informação que não aprofunde ainda mais as desigualdades sociais. O que é bastante razoável uma vez que os sistemas avançados de telecomunicação poderiam, em tese, se localizar em qualquer parte do globo. Contudo, foi estabelecido um modelo espacial que vai em direção oposta, que se caracteriza pela dispersão e concentração simultâneas dos serviços de 1

informação. De um lado esses serviços são abrangentes e estão localizados em toda a geografia do planeta. De outro, há uma concentração espacial da camada superior dessas atividades em poucos centros nodais de alguns países (CASTELLS, 1999). Neste contexto, o cidadão excluído digitalmente não terá como exercer integralmente a sua cidadania, pois, o direito à informação situa-se como um direito civil, um direito político e um direito social. O exercício de tal direito, entretanto está condicionado às possibilidades de efetivo acesso e à capacidade de entendimento da informação (SILVEIRA, 2001, p.87). Portanto, dar oportunidade aos cidadãos de se inserirem na sociedade da informação é o que se chama de inclusão digital. Sendo assim, não é exagero considerar a informação um direito fundamental do cidadão e como tal, deve ser, por meio de políticas públicas, oferecida pelo Estado. A atuação do Estado na inclusão digital se justifica também por outros motivos como o de melhorar a eficiência governamental, o de possibilitar relações mais transparentes e democráticas entre governo e sociedade civil, e entre mercado e citadinos. Além disso, o provimento eletrônico de informações é um vetor privilegiado para promoção de mecanismos de governança, possibilitando, assim, tanto incrementos na capacidade cívica e de capital social quanto dinamizando o desenvolvimento econômico (RUEDIGER, 2003). O Estado brasileiro, em 1996, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), iniciou os estudos para implementação do Programa Brasileiro para Sociedade da Informação que deu origem, em 2000, ao documento que contém o objetivo e as metas do programa, o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil. O objetivo do programa é integrar, coordenar e fomentar ações para utilização de tecnologias de informação e comunicação de forma a contribuir para inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia tenha condições de competir no mercado global (SOCIEDADE, 2000, p.10). Portanto, neste documento, o Estado observa a possível emergência desta nova sociedade e a relação direta entre inclusão digital e cidadania. Entre as sete grandes linhas de ação propostas no Livro Verde está a Universalização de Serviços para Cidadania que considera a universalização dos serviços de informação e comunicação condição fundamental para o sucesso do programa (SOCIEDADE, 2000). Inúmeros programas de inclusão digital já estão sendo implementados. No âmbito federal temos: os Telecentros de Informação e Negócios que está a cargo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC); o programa de Governo Eletrônico e Atendimento ao Cidadão (GESAC) sob responsabilidade do Ministério das Comunicações (MC) e o Programa Nacional de Informática nas Escolas (ProInfo) do Ministério da Educação (MEC), entre outros. Já no âmbito estadual temos os programas Acessa São Paulo e o Telecentros Paranavegar do Estado do Paraná, por exemplo. Além disso, existem inúmeras iniciativas de governos municipais. Muitos desses programas usam como um dos critérios para distribuição de recursos o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), como por exemplo, os programas Telecentros Paranavegar, Telecentros Petrobras Casa Brasil, Projeto Casa Brasil e GESAC. O objetivo é expor o grau de exclusão digital de certa comunidade, visto que, os outros critérios estão ligados à gestão e à capacidade de manutenção dos locais que receberão os recursos. Neste artigo pretende-se mostrar que o IDH-M não é um índice adequado para medir o grau de exclusão digital mesmo que ele apresente uma alta correlação (mais de 70%) com a percentagem de pessoas que vivem em domicílios com computador (%CPU). Logo, o critério utilizado por diferentes políticas públicas de inclusão digital pode estar equivocado, o que no futuro geraria diversas distorções. Assim, o uso do IDH-M como critério deveria ser revisto e este artigo pretende de alguma forma propor esta reflexão. O presente trabalho, além desta introdução, é composto do referencial teórico onde são discutidas as limitações e equívocos no uso do IDH. Posteriormente é apresentado o método 2

utilizado para comprovar a hipótese de que o IDH-M não é o indicador ideal para mensurar a exclusão digital. E finalmente, o artigo termina com as conclusões e sugestões para se enfrentar o problema de mensuração da exclusão digital. 2. LIMITAÇÕES E EQUIVOCOS NO USO DO IDH Segundo Carley (1985, p.2), os indicadores são medidas de uma característica observável de um fenômeno social e que estabelecem o valor de uma característica diferente mas não observável do fenômeno, no caso o desenvolvimento humano é comum a utilização do IDH. Este mesmo autor reconhece dois problemas comuns a todos os indicadores: os problemas políticos e os problemas metodológicos. A construção de um indicador parte de algumas arbitrariedades: a primeira é decidir se o índice será unidimensional ou composto de várias dimensões; a segunda é escolher quais as dimensões entrarão na composição do indicador; e a terceira, e última, é dar pesos às dimensões selecionadas. Todos os passos são arbitrários pela razão de que não existem dimensões, pesos e índices naturais, impostos pela realidade. Se existissem, todos os estudiosos usariam os mesmos índices (SANTOS, 2004). Os problemas políticos estão associados aos juízos de valor que moldam a construção do indicador, isto é: A escolha de indicadores específicos que servem para dimensionar o problema reflete uma escolha do valor muitas vezes, a do pesquisador quanto às dimensões que são importantes e as que não o são (CARLEY, 1985, p.102). Conseqüentemente, o indicador poderia refletir uma realidade que favorecesse a adoção de políticas desejadas por seus criadores. O grande problema metodológico, por sua vez, está na dificuldade de estabelecer a correlação entre o mensurável e o não-mensurável. É válido, então, indagar por que em vez de usar esses indicadores não se utiliza o julgamento subjetivo ou indicadores subjetivos para formulação de planos de ação. É porque em ambos os casos os problemas que afetam os indicadores serão os mesmos que afetarão o julgamento subjetivo e o uso de indicadores subjetivos. Então, ao utilizar indicadores devemse considerar os problemas políticos e metodológicos como questões complementares que trazem uma compreensão mais clara e mais ampla daquilo que os indicadores expõem (CARLEY,1985). Entender para quê e como o IDH e o IDH-M foram criados é importante quando se deseja utilizá-los como indicadores para a alocação de recursos escassos de necessidades competitivas para que o risco de usá-los de forma equivocada diminua e é a respeito a construção deste indicadores que a próxima esta parte do trabalho irá tratar. 2.1. IDH e IDH-M O IDH foi criado para oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Ao se construir o IDH, partiu-se do pressuposto que para aferir o desenvolvimento de uma população não se deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também as características sociais, culturais e políticas que influenciam na qualidade da vida humana (PNUD,2005). O IDH combina três dimensões fundamentais da vida humana: a longevidade, a educação e a renda. Essas três dimensões são transformadas em subíndices que variam de zero a um e sua média aritmética resulta num indicador síntese, o IDH, que quanto mais próximo estiver de 1 (um) melhor será o nível de desenvolvimento apresentado (ATLAS, 2000). De acordo com PNUD (2005): o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da felicidade das pessoas, nem indica o melhor lugar no mundo para se 3

viver. Índices sintéticos, como IDH, têm como maior qualidade a capacidade de comunicação direta, objetiva e de grande impacto, porém as contrapartidas dessa qualidade são a perda de dimensões relevantes do fenômeno e o uso dimensões que sejam de entendimento óbvio o que pode prejudicar a precisão do indicador (BRAGA et alli, 2003). Além da falta de dimensões importantes que expõe o desenvolvimento humano, outra crítica ao IDH é que ele oculta a ocorrência de situações extremas, isso porque todos os indicadores utilizados na construção do IDH são médias. O IDH não permite, por exemplo, diferenciar qual a incidência de pobreza que ocorre como resultado da desigualdade de renda em um país, pois o PIB per capita é o único indicador utilizado para explicar a dimensão renda do IDH encobrindo assim, como ocorre no caso brasileiro, a enorme desigualdade de renda (GUIMARÃES, J. R.; JANNUZZI: 2004). O IDH-M é a versão municipal do IDH, porém esta versão precisou sofrer algumas modificações. O IDH foi construído sob a hipótese que a sociedade é parcialmente fechada, isto é, fechada em sua dimensão econômica (os membros da sociedade são os proprietários de todos os fatores de produção) e fechada em sua dimensão demográfica (não há migração temporária) o que não acontece no caso dos municípios que são espaços geopolíticos relativamente abertos (ATLAS, 2000). As mudanças não estão nas dimensões, mas sim nas fontes de dados utilizadas para compor os subíndices. Portanto, não faz sentido comparar o IDH-M com o IDH de países, só faz sentido fazer comparações entre os municípios brasileiros. Ao ter em consideração os objetivos, as dimensões e alguns dos limites do IDH e conseqüentemente do IDH-M torna-se possível questionar se este é o indicador ideal para mensuração do grau de inclusão digital de um município. No início desta pesquisa tinha-se a suposição de que a resposta a este questionamento inicial era não. Primeiro porque a inclusão digital não é uma de suas dimensões e segundo devido ao fato que nenhuma das suas dimensões considera a inclusão digital. No decorrer do desenvolvimento deste trabalho, por meio da análise dos dados e dos resultados obtido, confirmou-se a suposição inicial. A próxima seção deste artigo irá apresentar o método utilizado para se chegar a esta conclusão. 3. MÉTODO DE PESQUISA O estudo será feito levando em conta a relação entre a %CPU e o IDH-M, baseando-se nos dados do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (IPEADATA) e nos do último Censo do IBGE. Para analisar a relação entre a %CPU e o IDH-M, os procedimentos aplicados foram: diagramas de dispersão, coeficientes de correlação e análises de regressão simples. A análise dos dados foi feita com o uso do software SPSS 12. Embora exista uma alta correlação entre IDH-M e %CPU no Brasil - mais de 70% - quando a correlação é analisada por Estado esses dois indicadores apresentam grande variabilidade de resultados, vide tabela 1. Por meio do Coeficiente de Correlação Linear de Pearson (CCLP) pode-se verificar o quão estreitamente duas variáveis estão relacionadas, isto é, apresenta o grau de relacionamento linear entre elas. A tabela 1, abaixo, mostra que o índice de inclusão digital, aqui medido pelo %CPU, é correlacionado positivamente com o IDH-M em todos os Estados. Entretanto, existe uma grande variabilidade entre os CCLP. Essas diferenças estão concentradas na região geográfica onde o Estado se situa. Os Estados da região sudeste têm, em geral, uma correlação mais alta entre os indicadores do que os da região norte. Por exemplo, o Rio de Janeiro tem uma correlação de 88% entre as duas variáveis enquanto o Amazonas tem uma correlação linear de apenas 50%. 4

Tabela 1 - Coeficientes de Correlação de Pearson (CCLP) entre as variáveis %CPU e IDH-M por município nos estados da região norte e sudeste ESTADO Correlação Linear Acre 0,54 Amazonas 0,50 Amapá 0,70 Para 0,60 Rondônia 0,77 Roraima 0,69 Tocantins 0,60 Espírito Santo 0,76 Minas Gerais 0,71 Rio de Janeiro 0,88 São Paulo 0,79 Fonte dos dados: IPEA. Tabulação dos autores. Então, por que alguns Estados têm uma maior aproximação entre essas variáveis que outros? Com o objetivo de aprofundar essa discussão sobre o porquê ocorrem essas diferenças serão utilizados os Estados do Rio de Janeiro e Amazonas como exemplos. No que diz respeito às duas variáveis analisadas, foram elaborados dois modelos de regressão linear simples. A equação da reta foi elaborada com o objetivo de explicar a %CPU por meio do IDH-M, e a unidade de medida da análise foram os municípios cariocas e amazonenses. Dessa forma, o modelo teórico a ser estimado é: % CPU = β 0 + β 1* IDH + ε. Os principais resultados são apresentados no gráfico 1 e nas tabelas 2 e 3. Gráfico 1 - Diagrama de dispersão com o ajuste da reta de regressão das variáveis %CPU e IDH-M por município nos estados do Rio de Janeiro e Amazonas - 2000 25 20 15 AMAZONAS RIO DE JANEIRO Linear (RIO DE JANEIRO) Linear (AMAZONAS) Equação de regressão do Rio de Janeiro y = 123,91x - 86,685 R 2 = 0,7691 %CPU 10 5 Equação de regressão do Amazonas y = 10,453x - 5,4237 R 2 = 0,2457 0 0,4 0,45 0,5 0,55 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 0,9-5 Fonte dos dados: IPEA IDH-M As duas regressões são significativas a 1%, tanto na estatística F quanto na t-student. O IDH-M foi utilizado como variável exógena enquanto a %CPU como endógena, isto é, o modelo busca explicar a %CPU por meio do IDH-M. Entretanto, ao observar o ajuste do 5

modelo para os Estados do Rio de Janeiro e Amazonas verifica-se que os graus de explicação são bastante distintos, vide tabela 2. Tabela 2- Coeficiente de determinação (R2) da regressão Estados selecionados % 1 R 2 Ajustado AMAZONAS 0,246 0,233 RIO DE JANEIRO 0,769 0,766 Fonte dos dados: IPEA R 2 CPU = β 0 + β * IDH + ε nos Essa variabilidade pode ser medida pelo coeficiente de determinação (R2). Esse coeficiente identifica a proporção da variabilidade da %CPU explicada pelo modelo considerado, ou seja, o poder de explicação da variável exógena (IDH-M) sobre a variável endógena (%CPU). Dessa forma, o coeficiente de determinação apresenta uma diferença entre os Estados do Rio de Janeiro e Amazonas. Enquanto o poder de explicação do IDH-M no Estado do Rio de Janeiro chega a 77%, no Estado do Amazonas limita-se a 25%, em outras palavras, 75% (100-25)% da variabilidade do %CPU nos municípios amazonenses é aleatória. Na tabela 3 abaixo, estão os coeficientes das regressões para os dois Estados. Eles representam o valor esperado na %CPU dado um valor do IDH-M. Conforme a tabela 2, o coeficiente angular do modelo aplicado ao Rio de Janeiro é aproximadamente doze vezes maior do que o coeficiente do modelo do Amazonas, conseqüentemente a inclinação da reta para os dados do Rio de Janeiro é maior, exibido no gráfico 1. Portanto, uma mesma variação no IDH-M resultará em aumento maior para o %CPU do Rio de Janeiro. Tabela 3 - Coeficientes da regressão linear AMAZONAS Coeficientes Erro padrão do Beta P-valor Constante -5,424 1,470 0,000 IDH-M 10,453 2,365 0,000 RIO DE JANEIRO Coeficientes Erro padrão do Beta P-valor Constante -86,685 5,475 0,000 IDH-M 123,909 7,197 0,000 Fonte dos dados: IPEA Empiricamente, apesar do IDH-M ser um bom balizador para políticas públicas de inclusão digital no Estado do Rio de Janeiro, no Estado do Amazonas, o poder de explicação deste índice deixa muito a desejar. Este fenômeno evidencia que o IDH-M não deve ser aplicado como referência para políticas de inclusão digital em qualquer Estado. Ao alocar recursos para esse fim utilizando como critério o IDH-M, a política pública não é eficaz, pois ocorrerão casos onde os municípios beneficiados não serão precisamente os mais necessitados, como ressalta a conclusão deste trabalho que é apresentada a seguir. 4. CONCLUSÃO O artigo explorou a possibilidade de utilização do IDH-M como critério para orientação de políticas de inclusão digital. Primeiro, constatou-se que os indicadores de desenvolvimento humano (IDH e IDH-M) não têm esse objetivo e por isso são insuficientes 6

para mensurar a exclusão digital. A incapacidade do IDH-M em medi-la é decorrente de ele ser uma medida resumo, isto é, uma média aritmética que em seu cálculo e não tem incorporada nenhuma dimensão que represente a inclusão ou exclusão digital. Em segundo mostrou-se o argumento utilizado para o uso do IDH-M como indicador do grau de exclusão digital é fraco. Pois mesmo sendo a correlação entre IDH-M e %CPU no Brasil bastante significativa quando esses dados são desagregados por Estado percebe-se que esta correlação nem sempre é alta, apresentando uma grande variabilidade. Portanto, utilizar o IDH-M como o critério que indica o grau de exclusão digital de uma região pode ser um equivoco. A capacidade de informação de um dado território tornou-se peça importante para mensuração de seu desenvolvimento. Essa mensuração é primordial na medida em que se deseja construir uma sociedade da informação mais equânime, pois é ela quem vai apontar as regiões onde é mais urgente a ação do poder público. Uma vez existe uma política específica que visa preparar o Brasil para que se torne uma sociedade da informação onde todos os cidadãos tenham o direito de acesso a informação se faz necessário a construção de um indicador de exclusão digital para que os projetos e programas dessa política sejam mais eficazes. Apesar da proximidade e semelhança do desenvolvimento humano com o desenvolvimento tecnológico, esses fatos não são iguais, portanto a elaboração de um indicador social específico para medir o grau de exclusão digital de uma região parece ser o mais conveniente. Com o objetivo de colaborar para construção deste indicador algumas possibilidades de estudos futuro serão sugeridos para esclarecer a associação linear ou não entre os indicadores IDH-M e %CPU. A primeira possibilidade é a confirmação de maior acesso a %CPU apenas nos municípios próximos ou que fazem parte de regiões metropolitanas. O que justifica está linha de pesquisa é a existência de inúmeros casos como o da cidade do Rio de Janeiro, núcleo de uma das maiores regiões metropolitanas do país. Nela cerca de 23,81% das pessoas residem em domicílios com computador, o que a coloca na décima nona maior posição no ranking da %CPU do país frente aos 5.507 municípios brasileiros existentes no ano de 2000. Entretanto, o município do Rio de Janeiro possui IDH-M de 0,842 e está na 59ª posição no ranking nacional de IDH-M e não aparece entre os 50 municípios de melhor IDH do país. Por outro lado, o município paulista de Araçatuba apresenta o IDH-M de 0,848 figurando na 38ª posição do ranking nacional de IDH-M. A discrepância é que o município de Araçatuba possui 15,47% de pessoas que residiam em domicílios com computador e ocupa a posição 89ª no ranking da %CPU. Dessa forma, o indivíduo que mora próximo a uma região metropolitana pode ter mais chance de acesso do que o morador de uma região de alto índice de desenvolvimento humano, o que alteraria um dos critérios utilizados por diferentes política de inclusão digital. A segunda possibilidade é a confirmação da existência de oposição entre áreas rurais e urbanas. Isto é, em áreas urbanas existem condições que permitem maior oportunidade de acesso à informação enquanto nas áreas rurais o acesso as TIC s é, em geral, mais restrito. A principal preocupação desse artigo foi mostrar que existem municípios com IDH alto que não tem tantas oportunidades de ser inserido na era digital, ou seja, o IDH não explica tudo. Dessa forma, um IDH alto não significa, em tese, inclusão digital. Uma limitação que se impõe neste tipo de análise é o uso de dados médios. Ao utilizar esses dados agregados desconsidera-se a variação do acesso ao computador que ocorre no espaço municipal. Outra limitação está relacionada a dinâmica da população brasileira, pois, ao utilizar dados do último censo para calcular o IDH-M e a %CPU no ano de 2000, a configuração populacional pode ter sido alterada, já que o estudo foi concluído no ano de 7

2006. Entretanto, essa é a única informação disponível para a população brasileira por municípios. BIBLIOGRAFIA BAUMAN, Z. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. BRAGA, T. M.; FREITAS, A. P.; DUARTE, G.; SOUSA, J. Índices de sustentabilidade municipal: o desafio de mensurar. Texto para discussão n. 225. Belo Horizonte:UFMG/Cedeplar, 2003. CARLEY, M. Indicadores sociais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. CASTELLS, M. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura; Volume 1, São Paulo: Editora Paz e Terra,. 2a. ed., 1999. DEMO, P. Ambivalências da sociedade da informação. Ciência da Informação, Brasília: v. 29, n. 2, p 37-42, maio/ago. 2000. GUIMARÃES, J. R.; JANNUZZI, P. M. Indicadores sintéticos no processo de formulação e avaliação de políticas públicas: limites e legitimidades. In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu- MG Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004. PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. 2000. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/>. Acesso em 10/02/2006. PNUD. Desenvolvimento humano e IDH. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/idh/>. Acesso em: 1 nov. 2005. RUEDIGER, M. A., Oferta de Serviços Pela Internet e Inclusão Digital. IN: Anais da XXXVIII Assembléia do Conselho Latino-americano de Escolas de Administração - CLADEA, 21-24 Outubro, Lima, Peru. 2003. SANTOS, W. G. Censos, Cálculos, Índices e Gustave Flaubert. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 dez. 2004. SILVEIRA, H. F. R. Internet, governo e cidadania. Brasília: Ciência da Informação, v. 30, n. 2, p 80-90, maio/ago 2001. SOCIEDADE da Informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. Disponível em: <http://www.socinfo.org.br/livro_verde/download.htm>. Acesso em: 6 de fevereiro de 2006. 8