A POLÊMICA ENTRE A DESCRIMINALIZAÇÃO E A DESPENALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DO ART. 28 DA LEI /06 Fábio Borini MONTEIRO 1

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Transcrição:

A POLÊMICA ENTRE A DESCRIMINALIZAÇÃO E A DESPENALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DO ART. 28 DA LEI 11.343/06 Fábio Borini MONTEIRO 1 RESUMO: Presente trabalho visa demonstrar um pouco da nova política criminal em relação as drogas e principalmente os argumentos em relação se houve ou não descriminalização ou despenalização das condutas do art. 28 da lei 11343/06. Palavras-chave: Drogas. Usuário. Descriminalização. Despenalização. 1 INTRODUÇÃO Com o advento da Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, surgiu um novo tratamento criminal à figura daquele que tem a posse ou faz o plantio de drogas para o uso próprio. O art. 28 da referida Lei, substituiu o art. 16 da Lei 6368/76 que apenava o porte de drogas para uso próprio com detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa, assim, o tratamento criminal tinha os mesmos preceitos dos norte-americanos que prega a força militar com recolhimento à prisão de usuários de drogas. Luiz Flávio Gomes citando Salo de Carvalho explica o modelo estadunidense: prega a abstinência e a tolerância zero. De acordo com a visão norte-americana as drogas constituem um problema policial e particularmente militar; para resolver o assunto adota-se o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas; diga não as drogas é um programa populista, de eficácia questionável, mas bastante reveladora da política norte-americana 2. O modelo repressivo de combate ao uso de drogas parecido com o norte-americano foi substituído por um política voltada aos direitos humanos. Nos dizeres de Vladimir Brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba o paradigma agora, em relação aos usuários e dependentes, está calcado na prevenção e reinserção 1 Discente do 7º termo do curso de Direito das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. fabio_borini@hotmail.com. 2 Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira, Nova lei de Drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 100.

social, tanto que a sanção privativa de liberdade e pecuniária foram abolidas. É uma reivindicação histórica de diversos grupos representativos da sociedade que encontra amparo no principio da mínima intervenção e dignidade da pessoa humana. 3 Este pensamento de reinserção do dependente químico à sociedade, em vez de puni-lo com a custódia em prisões degradantes é o mesmo caminho adotado por vários países europeus, Luiz Flávio Gomes também analisou o tratamento penal no Velho Mundo : na Europa o enfoque tem sido distinto do norte-americano, pois praticamente todos os países já descriminalizaram (...) ou despenalizaram (...) para o usuário ou dependente de droga. Sancionam o fato com multa administrativa ou com penas alternativas e dão absoluta prioridade ao tratamento sempre que haja anuência do interessado e necessidade. 4 O art. 28 da lei 11.343/06, tem como censura a quem faz o plantio ou tem a posse de drogas para uso próprio, sanções muito mais brandas que a do diploma anterior, em vez das penas privativa de liberdade e pecuniária, as sanções são: I advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços a comunidade; III medida educativa de comparecimento a programa de curso educativo. Como citado, os europeus descriminalizaram ou despenalizaram a conduta de possuir ou plantar drogas para uso próprio. Analisando as condutas típicas, como fica a situação de quem simplesmente usa? Com as atuais penas do art. 28, o legislador pátrio também descriminalizou a conduta para o dependente? Se descriminalizou, ocorreu abolitio criminis? Ou somente despenalizou? Essas são algumas das perguntas feitas após o a entrada em vigor da lei 11.343/06 onde a doutrina ainda diverge sobre suas respostas e que o Supremo Tribunal Federal também já lançou seu entendimento. 3 Vladimir Brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba A nova Lei de Tóxicos:Usuários e dependentes descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº16, fev/mar 2007, p. 10. 4 Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira, Nova lei de Drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.113.

2 CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS Antes de adentrarmos ao problema principal do presente trabalho, é oportuno a observação da classificação das drogas puníveis no Brasil. Vejamos a classificação segundo biólogo K. Fonseca 5 : As drogas são substâncias químicas de origem sintética, quando processadas industrialmente, ou natural, quando extraídas em altas concentrações a partir de órgãos vegetais (as folhas), ou de substâncias provenientes de secreção animal ou de estruturas fúngicas. O consumo contínuo, além de ocasionar a morte do indivíduo quando em altas quantidades (overdose), pode ocasionar sérias seqüelas no sistema nervoso (lesões neuronais), no circulatório (tensões arteriais) e respiratório, bem como problemas de ordem social. As drogas podem ser classificadas de acordo com a ação: acentuada ou branda, sobre o sistema nervoso central: Perturbadoras aquelas com efeito alucinógeno, acelerando o funcionamento do cérebro além do normal, causando perturbações na mente do usuário. Exemplo: LSD (sintetizadas a partir do ácido lisérgico), a maconha e o haxixe (produto e subproduto extraídos da planta Cannabis sativa), os solventes orgânicos (cola de sapateiro). Depressoras (as mais perigosas) diminuem a atividade cerebral, deixando os estímulos nervosos mais lentos. Exemplo: tranqüilizantes produzidos por indústrias farmacêuticas (antidepressivos, soníferos e anciolíticos), o ópio, a morfina e a heroína (extraídos da planta Papoula somniferum). Estimulantes substâncias que aumentam a atividade cerebral. Estimulam em especial áreas sensoriais e motoras. Integra esse grupo a cocaína e seus derivados (o crack), extraídos da folha da planta da coca, Erytroxylum coca. 5 FONSECA, Classificação das Drogas, disponível em < http://www.brasilescola.com/biologia/aclassificacao-das-drogas.htm>.

Drogas mistas combinações de dois ou mais efeitos. A mais comum deste grupo é o Ecstasy. Posto isso, fica evidente o perigo causado pelas drogas, e a necessidade de tratamento de um viciado, e não uma custódia em presídios desoladores. 3 O ART. 28 E A ATIPICIDADE DE QUEM SOMENTE USA A DROGA Assim trouxe o legislador, ao ordenamento jurídico pátrio, o art. 28 e seu 1º da lei 11.343/06: Art. 28 Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I advertência sobre efeitos das drogas; II prestação de serviços à comunidade; educativo. III medida educativa de comparecimento a programa ou curso 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia cultiva ou colhe plantas destinadas a preparação de pequena quantidade de substancia ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. Retira-se do artigo as seguintes condutas: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar, trazer consigo, semear, cultivar e colher. É certo que a nova Lei resolveu a questão em relação a quem planta droga. No diploma anterior (art. 16 Lei 6368/76) não existia previsão legal para esta conduta, e a saída dos tribunais era configurar no tráfico de drogas, crime muito mais gravoso. Em algumas situações absolvia-se a pessoa pega nesta situação pela atipicidade da conduta.

Apesar de ter resolvido esta falha, não solucionou outra. Imaginemos, que uma pessoa está usando maconha, por exemplo, quando segura o cigarro da droga para tragar está ao mesmo tempo usando e portando. Assim, se pego, o crime será configurado perfeitamente pelo porte de droga para uso próprio. Mas, se hipoteticamente, o individuo apenas inspira a fumaça da maconha, tragando-a, e se drogando, não configura nenhuma das condutas descritas no art. 28 caput ou 1º, sendo apenas o uso, sem o porte, conduta atípica no Brasil, sendo assim é licita. 4 O QUE SE ENTENDE POR DESCRIMINALIZAÇÃO E DESPENALIZAÇÃO Para melhor compreensão, passamos a explicar o que são os institutos da descriminalização e despenalização. No conceito de Luiz Flávio Gomes descriminalizar é retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal deixa de ser crime (deixa de ser infração penal). Segue dizendo que há duas espécies de descriminalização: a) a que retira o caráter ilícito penal da conduta mas não a legaliza.b) a que afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente, (...) A primeira pode ser chamada de descriminalização penal (porque só afasta a incidência do Direito penal, mas o fato continua sendo ilícito). A segunda pode ser denominada de descriminalização plena ou total (porque elimina o caráter ilícito do fato perante todo o ordenamento jurídico). 6 Na observação de Vladimir Brega filho e Marcelo Gonçalves Saliba, citando Cervini, descriminalização é o sinônimo de retirar formalmente ou de fato o âmbito do Direito Penal certas condutas, não graves, que deixam de ser delitivas, em três formas possíveis: a) a descriminalização formal (penal), b) descriminalização 6 Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira, Nova lei de Drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.108.

substantiva (plena ou total), c) descriminalização de fato, quando o sistema penal deixa de funcionar sem que formalmente tenha perdido competência para tal, quer dizer, do ponto de vista técnico-jurídico, nesses casos permanece ileso o caráter de ilícito penal, eliminando-se somente a aplicação efetiva da pena. 7 Por despenalização, Gomes compreende que significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso de pena de prisão, mas mantendo se intacto o caráter de crime da infração ( o fato continua sendo infração penal). O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para o delito. 5 Acerca da inovação das sanções do art. 28 da lei 11.343/06 a discussão mais árdua é em relação se houve a descriminalização penal, o abolitio criminis (descriminalização plena) ou somente a despenalização. 5 HOUVE DESCRIMINALIZAÇÃO OU SOMENTE DESPENALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DO ART. 28? 5.1 Houve a descriminalização O posicionamento que defende a descriminalização penal é liderado por Luiz Flávio Gomes, que inicia sua argumentação baseando-se no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, onde tem uma definição de crime usando como critério o tipo de pena atribuída ao fato: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente (Dec.-lei 3.914/41, art. 1º). 7 Vladimir brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba, a nova lei de tóxicos: usuários e dependentes descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica

Com base nesta definição entende o jurista: Ora, se legalmente (no Brasil) crime é a infração penal punida com reclusão ou detenção ( quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser crime porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços a comunidade e comparecimento a programas educativos art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás justamente por isso, tampouco esta conduta passou a ser contra contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: na nova Lei de drogas, no art.l 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de infração penal porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração penal no nosso país. (...) A posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui generis. 8 Segundo Gomes 9, se o fato punido com reclusão ou detenção é crime e se esse mesmo fato quando punido com prisão simples ou multa é uma contravenção penal como admitir que o menos, ou seja, como admitir que o fato punido com sanções mais brandas do que prisão simples (esse é o caso do art. 28) seja "crime". O fato punido com pena menor que a da contravenção é reputado como crime. Isso nos parece paradoxal. Segue seu 10 entendimento afirmando que infração sui generis é mais uma espécie do gênero infração penal, não constituindo crime, houve descriminalização formal (penal) e ao mesmo tempo a despenalização, mas não o abolitio criminis, deste modo o art. 28 continua pertencendo ao Direito Penal. 8 Luiz Flávio Gomes, Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e Willian Terra de Oliveira, Nova lei de Drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.109. 9 Luiz Flávio Gomes, Tóxicos: o usuário é um tóxico-deliquente no entendimento do Supremo Tribunal Federal.Revista Magister, ago/set, 2007. 10 Luiz Flávio Gomes, Tóxicos: o usuário é um tóxico-deliquente no entendimento do Supremo Tribunal Federal.Revista Magister, ago/set, 2007.

5.2 Houve o abolitio criminis A corrente mais radical e com menos força é delineada por Alice Bianchini. A autora afirma 11 que houve sim abolitio criminis, sendo o art. 28 uma infração do Direito judicial sancionador, não pertencendo mais ao Direito Penal, seja quando a sanção alternativa é fixada em transação penal, seja quando imposta em sentença final (no procedimento sumaríssimo da Lei dos Juizados). 5.3 Houve somente a despenalização Não obstante ao entendimento de Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, boa parte da doutrina passou argumentar em desfavor a idéia de descriminalização e do surgimento de um sistema tripartido com a adição da infração sui generis, indicando que as condutas continuam sendo crimes havendo apenas a despenalização. Entendem, principalmente, que a redação do art. 1º da Lei de introdução ao Código Penal já está ultrapassada, pois data da década de 40, onde não se vislumbrava penas alternativas como sanções de infrações penais, além do mais, o art. 28 está no Titulo III, Capitulo III Dos Crimes e das Penas. Vejamos a lição de Renato Marcão: É certo que o art. 1º da LICPB é bastante objetivo e esclarecedor naquilo que pretende informar. Contudo, é preciso ter em conta que o CP é de 1940 e, portanto, elaborado sob o domínio de tempos em que nem mesmo as dominadas penas alternativas se encontravam na Parte Geral do Código Penal da forma como foram postas com a reforma penal de 1984 (Lei nº 7.209/84), e menos ainda com o status que passaram a ser tratados com advento da Lei 9.714/98. O direito Penal daquela época era outro, bem diferente do 11 Citada por Luiz Flávio Gomes, Tóxicos: o usuário é um tóxico-deliquente no entendimento do Supremo Tribunal Federal.Revista Magister, ago/set, 2007.

que agora se busca lapidar, e bem por isso a definição fechada e já desatualizada do art. 1º da LICP não resolve a questão. (...) A ausência de cominação privativa de liberdade não afasta nos tempos de hoje, a possibilidade de a conduta estar listada como crime ou contravenção. 12 No mesmo sentido argumenta Fernando Capez não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e às penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, 1º, da nova Lei). A LICP está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova tipificação legal do século XXI. 13 Não havendo a descriminalização, a despenalização torna-se evidente, assim como aponta Vladimir Brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba: A nova lei de tóxicos manteve o crime no art. 28. Não se pode falar em descriminalização, porém seu caráter despenalizador é indiscutível. A nova figura aboliu as penas privativas de liberdade e pecuniária ou inominada, perda de bens e valores e interdição temporária de direitos. (...) o caráter ilícito da conduta descrita no art. 28 é inegável e igualmente inegável a substituição da sanção penal 14 Expostos os motivos de serem as condutas do art. 28 configuradas crime, o enquadramento com o conceito de despenalização já exposto é evidente, pois mitigou a pena de prisão adotando penas alternativas como censura ao ilícito penal. 12 Renato Marcão, A nova lei de Tóxicos: Plantio e Porte para uso próprio O artigo 28 na visão do supremo Tribunal Federal, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº16, fev/mar 2007, p. 6. 13 Fernando Capez, A nova Lei de tóxicos, modificações legais relativas à figura do usuário Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 14, out/nov, 2006 14 Vladimir Brega Filho e Marcelo Gonçalves Saliba A nova Lei de Tóxicos:Usuários e dependentes descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº16, fev/mar 2007, p. 10.

5.3.1 O entendimento do STF Ao apreciar o Recurso Extraordinário 430.105-9; RJ, o STF através do Ministro relator Sepúlveda Pertence lançou entendimento favorável a corrente que preceitua a não descriminalização do art. 28, havendo tão somente a despenalização: O art. 1º da LICP que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime como o fez o art. 28 da Lei nº 11.343/06 pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). Não se pode, na interpretação da Lei nº 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes (Lei nº 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na Lei nº 11.343/06 afastaria a regra geral do CP (CP, art. 12). Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da Lei nº 9.099/95 (art. 48, 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e ss. do CP (Lei nº 11.343, art. 30). Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade.

6. Questão de ordem resolvida no sentido de que a Lei nº 11.343/06 não implicou abolitio criminis (CP, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da Lei nº 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. 15 6 CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, demonstrado os posicionamentos e argumentos de ilustres doutrinadores diante do problema apresentado, qual seja, a atipicidade da conduta de apenas usar, e se houve ou não despenalização ou descriminalização das condutas do art. 28 e 1º da Lei 11.343/06, passamos a definir uma posição a respeito dos temas. Pelas razões que sustentamos, é correto dizer que hoje no Brasil é licito apenas usar drogas, obviamente a situação não é das mais fáceis de ocorrer e não transformará de um dia para noite numa situação ordinária, mas se a intenção do legislador é a reinserção do dependente na sociedade, deve conte-lo, de todas as formas possíveis e imagináveis o acesso dele a qualquer tipo de entorpecente, sob o risco da moderna política sobre drogas não surtir o efeito esperado. Acerca da descriminalização ou não e a despenalização, não obstante aos interessantes argumentos delineados principalmente por Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, a corrente adotada pelo Supremo Tribunal Federal é a que deve prevalecer. O art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal está em perfeita sintonia com sua época, a década de 40. São inúmeras as normas criticadas por 15 Citado por Luiz Flávio Gomes, Tóxicos: o usuário é um tóxico-deliquente no entendimento do Supremo Tribunal Federal.Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, ago/set, 2007.

estarem ultrapassadas, algumas deixam até de ser aplicadas pelos tribunais. O referido artigo está claramente incompleto ao não tratar de penas alternativas. Como lembrado por Renato Marcão 16, vivemos em meio de temas modernos, por exemplo, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, que não tem como ir presa, e nem por isso suas infrações penais devem ser consideradas abaixo de contravenção, ou não devem ser consideradas crimes. Diante disto, houve sim a despenalização das condutas descritas no art. 28. Mas não houve descriminalização, por tanto não há que se falar também em abolitio criminis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMES. Luiz Flávio (coordenador). Nova Lei de drogas comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. GOMES. Luiz Flávio. Tóxicos: o usuário é um tóxico-deliquente no entendimento do Supremo Tribunal Federal, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, 2007 MARCÂO. Renato. A nova Lei de Tóxicos: Plantio e porte para uso próprio O artigo 28 na visão do Supremo Tribunal Federal. Revista Magister de Direito Penal e Processual Pena, nº 16, 2007. FILHO. Vladimir Brega e SALIBA. Marcelo Gonçalves. A nova Lei de tóxicos: Usuários e dependentes descriminalização, transação penal e retroatividade benéfica. Revista Magister de Direito Penal e Processual Pena, nº 16, 2007. CAPEZ. Fernando. A nova Lei de tóxicos, modificações legais relativas à figura do usuário. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº 14, 2006. http://www.brasilescola.com/biologia/a-classificacao-das-drogas.htm 16 Renato Marcão, A nova lei de Tóxicos: Plantio e Porte para uso próprio O artigo 28 na visão do supremo Tribunal Federal, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº16, fev/mar 2007, p. 7..