TÊMPERA EM ÓLEO DE PALMA: UM ESTUDO APLICADO EM AÇO DE CONSTRUÇÃO MECÂNICA UTILIZADO COMO INSTRUMENTO DE CORTE Elielson Alves dos Santos 1, Evaldo Júlio Ferreira Soares 1, João Luís Pereira 2, Tatianne Cristine Oliveira Nunes 1 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA, 2 Agropalma Resumo: A importância do aço para o desenvolvimento industrial faz com que sempre se procure melhorar suas propriedades mecânicas. O tratamento térmico é um método de alcançar essas mudanças e gerar propriedades convenientes para uma determinada aplicação. A indústria da cutelaria se caracteriza por utilizar aços de construção mecânica para a fabricação de ferramentas de corte e temos como objetivo neste trabalho elaborar um estudo da têmpera realizada em um aço de construção mecânica utilizando óleo de palma no processo. A análise revelou uma variação de microestruturas adequadas para utilização do material como instrumento de corte, delineando uma alternativa viável e sustentável para têmpera em aços. Palavras-chave: aço, têmpera, óleo de palma. 1. INTRODUÇÃO O tratamento térmico é um campo da Engenharia que visa modificar as propriedades dos materiais metálicos por meio das mudanças sofridas pelas microestruturas através do aquecimento e do resfriamento empregados no processo. Existem vários tipos de tratamentos térmicos para esse fim, dentre eles, há a têmpera que é um tratamento que se caracteriza por utilizar meios de resfriamento que aceleram o processo de extração do calor do material aquecido a uma determinada temperatura. Essa retirada de calor ocorre de forma rápida ou brusca e como resultado obtém-se, principalmente, uma microestrutura com uma alta dureza denominada martensita, porém, o uso do óleo de dendê como meio de resfriamento conferiu ao aço em estudo uma variação de estruturas que são convenientes e adequadas para as ferramentas de corte. Os meios de resfriamento utilizados na têmpera podem ser a água, óleos minerais, óleos vegetais, soluções de polímeros, soluções de sais, entre outros. Atualmente os óleos vegetais são mundialmente estudados para serem utilizados como meio de resfriamento no processo de têmpera, principalmente pelas vantagens que eles apresentam sob o ponto de vista ambiental, pois são biodegradáveis e são oriundos de fontes renováveis, diferentemente dos óleos minerais que poluem o solo e a água se descartados de forma inadequada e são de origem não renovável. Dentre os óleos vegetais, o óleo de palma ou dendê, como é mais conhecido, se destaca no cenário mundial, sendo um dos mais produzidos no mundo e sua utilização está voltada principalmente para a indústria alimentícia e alguns estudos revelam que o dendê possui um grande potencial para ser aplicado em outras finalidades industriais. O presente trabalho possui como objetivo revelar as microestruturas do aço ao qual são fabricados os referidos instrumentos de corte, a fim de revelar as estruturas que possibilitaram a melhoria nas qualidades mecânicas do material, geradas a partir do tratamento térmico utilizando o óleo de palma no processo. 2. RESULTADOS EXPERIMENTAIS Os materiais a serem estudados e utilizados no estudo foram obtidos através de doação feita pela empresa Agropalma. As ferramentas de corte (foices) são confeccionadas na própria oficina de usinagem da empresa e são utilizadas barras laminadas de aço AISI 5160 de 6 mm de espessura na fabricação desses instrumentos. No tratamento térmico, as ferramentas são aquecidas ao rubro na região da lâmina com auxílio de um maçarico e logo em seguida são resfriadas no óleo de palma. A figura 01 mostra a ferramenta de corte utilizada pela Agropalma no processo de colheita dos cachos dos frutos da palma. 448
Figura 01 Ferramenta de corte tipo foice. 2.1. Corte O corte das amostras da ferramenta foi realizado em máquina de corte refrigerada a óleo, conforme pode ser visualizada nas figuras 02 e 03. Figura 02 Máquina refrigerada a óleo Figura 03 Realização do corte em máquina refrigerada a óleo. 2.2. Seção a ser estudada No exame micrográfico é importante se escolher a região ao qual irá se empregar as técnicas metalográficas para posterior captura das imagens através de microscópio óptico. Escolheu-se a seção transversal das amostras para estudo e análise. Nessa região, após as etapas metalográficas executadas, é possível verificar as microestruturas existentes na estrutura do aço tratado termicamente em óleo de palma. 2.3. Embutimento Nessa etapa, as amostras foram embutidas com a finalidade de facilitar as etapas seguintes de lixamento e polimento. Existem dois tipos de embutimento que são o embutimento a frio e o embutimento a quente. Para este trabalho relizou-se o embutimento a frio, utilizando resina de polietileno com 2% de catalizador. Figura 04 Amostras da ferramenta de corte seção transversal. Embutimento a frio (resina de polietileno). 2.4. Lixamento e polimento As superfícies das amostras a serem estudadas foram desbastadas com lixa d água na sequência de 100#, 220#,320#, 400#, 600#, 800# e 1200# em lixadeira rotativa automatizada e posteriormente polidas com pastas de diamante de 6μ, 3μ e 1/4μ, respectivamente, a fim de se obter um aspecto espelhado e em condições de estarem aptas à etapa de ataque químico. 449
2.5. Ataque químico As amostras foram atacadas com Nital 2% num intervalo de tempo entre 5 e 20 segundos de exposição, sendo imediatamente secas com aplicação de álcool e ar quente conforme técnica apropriada para revelação das imagens micrográficas. 2.6. Captura das imagens As imagens micrográficas foram capturadas em microscópio óptico de última geração com aumento de até 1000x, sendo as imagens obtidas de forma digital. A figura 05 mostra a aparelhagem utilizada na microscopia óptica. Figura 05 Microscópio óptico utilizado para obter as imagens micrográficas. Imagem 1 Estrutura com características martensíticas e bainíticas. Nital 2%.200x. Imagem 2 Estrutura mista de bainita e perlita fina. Nital 2%. 200x. Para efeito de comparação com o tratamento feito no óleo de palma, realizou-se o tratamento térmico de têmpera em água, utilizando uma temperatura de austenitização de ± 840 C. A estrutura obtida pode ser observada na imagem C abaixo. Imagem 3 Têmpera em água. Estrutura martensítica. Nital2%.1000x 450
2.7. Testes de Dureza Os testes de dureza foram realizados em Durômetro analógico (ver figura 02) e medida em escala Rockell C e os valores encontrados estão dispostos na tabela 01. Figura 02 Durômetro analógico (Pantec) No projeto de peças temperadas e revenidas, emprega-se a dureza como indicador da resistência mecânica [3]. Tabela 01. Durezas x meio de resfriamento MEIO DE RESFRIAMENTO DUREZA ROCKWELL C Óleo de palma 52-54 Água 56-58 3. DISCUSSÃO As propriedades dos aços e ligas metálicas podem variar dependendo da sua composição e microestruturas que podem ser modificadas por tratamento térmico. O tratamento térmico é uma das principais etapas de processo de fabricação, pois permite adequar as propriedades finais específicas na utilização dos materiais metálicos para uma dada aplicação [1]. Embora os óleos minerais apresentem bom desempenho como meio de resfriamento, características como: ser originário de uma fonte não renovável e sua não degradação fazem com que as indústrias invistam em pesquisas a procura de meios de têmpera alternativos, tendo como principais candidatos, os óleos vegetais. A utilização dos óleos vegetais como fluido de tempera é relativamente recente, embora como combustível ou como meio de transferência de energia, ou seja, como fluido hidráulico, já venha sendo utilizado há mais tempo. Esse interesse atual na utilização em algumas aplicações industriais é impulsionado pela preocupação ambiental, que procura minimizar os efeitos negativos causados no ambiente devido ao descarte, vazamento, derramamento, etc. Os óleos vegetais apresentam algumas vantagens quando comparados aos óleos minerais: possui fonte renovável, baixo risco toxicológico, alto ponto de ebulição e é biodegradável. Porém apresentam também algumas desvantagens como instabilidade à oxidação e faixa de viscosidade reduzida [1]. No tratamento térmico de têmpera, a formação da martensita leva ao aumento da dureza do aço e da resistência à tração. Como consequência ocorre a redução da ductilidade (baixo alongamento e estricção), da tenacidade e o aparecimento de tensões internas, que podem ocasionar deformações, empenamento e trinca. Para a obtenção das características desejáveis em um processo de têmpera, deve-se controlar as condições do banho, em especial as de resfriamento [2]. Nos aços de médio e alto teor de carbono, quando a velocidade de resfriamento é elevada, mas não o suficiente para a formação de martensita, observa-se a formação de perlita fina e de bainita [3]. Segundo Colpaert [3], a bainita pode ser definida como um produto de transformação formado em faixa de temperatura intermediária entre a transformação de perlita e a formação martensítica. Segundo Krauss [4], os aços com teor de carbono acima de 0,3% são os mais adequados ao tratamento térmico de têmpera. O aumento dos teores de carbono na composição química do aço tem como consequência, maior dureza e maior suscetibilidade para trincas e deformações. Devido a estas variáveis torna-se necessário, maior controle na extração do calor para a obtenção das propriedades mecânicas desejáveis. O controle no 451
resfriamento das peças é de suma importância, considerando o nível de agitação e temperatura dos meios líquidos de resfriamento. A agitação, assim como a temperatura do meio de resfriamento são as duas variáveis mais acessíveis para uma mudança no processo de têmpera, pois tem os melhores custos x benefícios, e suas modificações são mais simples que qualquer outra ajustagem no processo industrial. No processo industrial existem vários controles em específico, e sistemas de automatização para cada tipo de peça, com o objetivo de se conseguir os requisitos impostos ao produto, como por exemplo, a dureza. Segundo Totten e Howes [5], no tratamento térmico de têmpera, os aços são aquecidos em altas temperaturas (temperaturas de austenitização), estabilizados por longos períodos, e então resfriados rapidamente em um meio de resfriamento. Esses drásticos resfriamentos são necessários para a obtenção da estrutura martensítica que apresenta boas propriedades mecânicas; porém isto pode causar a distorção, levando a primeira mudança inesperada na geometria da peça, a menos que as condições sejam severamente controladas. O aquecimento por chama ou por indução é, frequentemente, empregado quando se deseja realizar tratamentos térmicos localizados. Neste caso a austenitização ocorre apenas na região superficial do material, que depois é temperada. Ferramentas manuais são, frequentemente, submetidas a tratamentos localizados para combinar um corpo tenaz com um bordo de trabalho duro e resistente [3]. As imagens micrográficas evidenciaram uma variação de estruturas ao longo da seção transversal do instrumento de corte. As características martensíticas e bainíticas visualizadas na região da lâmina do instrumento de corte são fases que conferem ao aço um grande aumento de resistência ao desgaste. A fase martensítica se caracteriza por apresentar uma elevada dureza, porém é frágil, o que faz com que a ferramenta diminua a sua capacidade de absorver impactos. Já a bainítica é uma fase também com dureza elevada, porém um pouco menos frágil o que permite ao aço uma maior capacidade de absorver tais impactos. A fase perlítica, encontrada na região de transição do tratamento, é uma fase mais dúctil (mole) dos aços, o que é importante também para a ferramenta, o que contribui na sua capacidade de absorção dos choques mecânicos. Essa combinação de fases vem trazendo uma maior durabilidade às ferramentas de corte, possibilitando um considerável aumento de vida útil do instrumento, o que traz também uma maior segurança aos cortadores que as utilizam, pois o risco de ruptura do material é menor. 5. CONCLUSÕES A caracterização microestrutural do instrumento revelou uma variação de estruturas que possibilitaram a melhoria nas qualidades mecânicas do material. Na lâmina, que é a região da ferramenta onde necessita de uma alta resistência ao desgaste para poder cortar, apresenta-se uma estrutura altamente endurecida e na região de transição, a qual sofreu efeito indireto do tratamento, tem-se uma estrutura mais tenazl, capaz de absorver uma maior quantidade de impactos e fazer com que a ferramenta não se rompa com facilidade, trazendo maior segurança durante a sua aplicação. O comparativo com a têmpera em água mostrou que não há uma diferença significativa de dureza entre os tratamentos, revelando assim a eficiência do óleo de palma no tratamento de têmpera localizada de aços. A implementação dessa nova técnica traz um efeito ambiental muito positivo, pois o óleo de palma, por ser de origem vegetal, é biodegradável e não polui o meio ambiente. Além do mais é de origem renovável e purifica o ar através do processo de fotossíntese dos seus vegetais. A indústria do dendê gera uma contribuição socioeconômica, pois o processo produtivo do óleo de palma proporciona condições para se gerar emprego e renda. 6. AGRADECIMENTOS À empresa Agropalma e ao PIBICTI/IFPA. 7. REFERÊNCIAS 1. BELINATO, G. Estudo da oxidação dos óleos de soja e dendê aditivados com antioxidantes para uso em tratamentos térmicos de têmpera. 2010. 119 p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Engenharia de Materiais) Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010. 2. CHIQUETI, C. M. Estudo das Distorções em Aços AISI 5160 e AISI 6150 com Variação da Temperatura e da Agitação do Meio de Resfriamento. 2009. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) Universidade de São Paulo, São Carlos, 21/10/2009. 3. COLPAERT, H. Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns. 4ª edição. São Paulo: Edgard Blucher, 2008. 452
4. KRAUSS, G. Principles of heat treatment of steel. Materials Park: ASTM International. 5. TOTTEN, G. E.; HOWES, M. A. H. Distortion of heat-treated components. In: Steel heat treatment handbook. Marcel Dekker, Inc., Cap. 5, p. 251-292, 1997. 8. Detalhes dos autores Elielson Alves dos Santos é graduando em Engenharia de materiais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA, campus Belém. Também é técnico metalúrgico com experiência nos setores siderúrgico e metalúrgico. Atuou também na área de serviços em manutenção de equipamentos pesados na empresa Sotreq. Evaldo Júlio Ferreira Soares é Doutor em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Atualmente é perito oficial do Centro de Perícias Ciêntíficas Renato Chaves CPCRC e professor titular do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará IFPA. Tem experiência na área de Engenharia Mecânica, com ênfase em processos de Fabricação, Seleção Econômica, atuando principalmente nos seguintes temas: solidificação, macroestrutura, tratamento superficial e refino de grão.. João Luís Pereira é técnico metalúrgico e supervisor da oficina de usinagem da empresa Agropalma, em Tailândia-PA.. Tatianne Cristine Oliveira Nunes é graduando em Engenharia de materiais no IFPA. Atualmente é bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Pesquisa Científica, Tecnológica e Inovação PIBICTI/IFPA, campus Belém. 453