GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL, SANTA CATARINA

Documentos relacionados
GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC COASTAL GEOLOGY OF THE SÃO FRANCISCO DO SUL/SC ISLAND.

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL, SANTA CATARINA

MAPEAMENTO GEOLÓGICO COSTEIRO DO CANAL DO PALMITAL, BAIA DA BABITONGA, SANTA CATARINA

ANÁLISE GEOCRONOLÓGICA DE CONCHAS DA PLANÍCIE COSTEIRA DE ITAGUAÍ-RJ E SUAS IMPLICAÇÕES

ANEXO 1 GLOSSÁRIO. Vegetação de Restinga

ESTRATIGRAFIA DO QUATERNÁRIO DA PLANÍCIE DELTAICA AO SUL DO RIO PARAÍBA DO SUL, RJ

DOMÍNIOS AMBIENTAIS DA PLANÍCIE COSTEIRA ASSOCIADA À FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO/SE Hélio Mário de Araújo, UFS.

Complexo deltaico do rio Paraíba do Sul: caracterização geomorfológica do ambiente e sua dinâmica recente

Causas Naturais da Erosão Costeira

EVOLUÇÃO DA BARREIRA HOLOCÊNICA NO LITORAL DO ESTADO DO PARANÁ, SUL DO BRASIL

PROPRIEDADES SEDIMENTOLÓGICAS E MINERALÓGICAS DAS BARREIRAS COSTEIRAS DO RIO GRANDE DO SUL: UMA ANÁLISE PRELIMINAR.

Relações morfodinâmicas entre duas praias na porção oriental da Ilha do Mel, PR.

MAPA GEOLÓGICO DA PLANÍCIE COSTEIRA ADJACENTE AOS RECIFES DE ARENITO DO LITORAL DO ESTADO DO PIAUÍ

Phone: MSc. em Geografia Física, Departamento de Geografia, Universidade da Região de Joinville

45 mm COMPORTAMENTO MORFO-SEDIMENTAR DAS PRAIAS DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ PR: DADOS PRELIMINARES

UNIDADES DE RELEVO DA BACIA DO RIO PEQUENO, ANTONINA/PR: MAPEAMENTO PRELIMINAR

Figura 210. Fotografia aérea do ano de 1957 da linha de costa da Área de Influência Direta AID (modificado de CRUZ, 2010).

Souza, T.A. 1 ; Oliveira, R.C. 2 ;

45 mm. Palavras-chave: Sistemas Laguna-Barreira, Sedimentação Lagunar, Terraços Lagunares, Evolução Costeira, GPR. 1. INTRODUÇÃO

Morfologia do Perfil Praial, Sedimentologia e Evolução Histórica da Linha de Costa das Praias da Enseada do Itapocorói Santa Catarina

Sambaquis e Reconstituição Paleogeográfica da Bacia do Rio Ratones, Florianópolis (SC) 1

Utilização de imagens satélites, fotografias aéreas, MDT s e MDE no estudo de processos costeiros Cabo Frio/RJ

Mapeamento geológico costeiro do canal do Palmital, litoral Norte de Santa Catarina. Resumo

GEOMORFOLOGIA DE AMBIENTES COSTEIROS A PARTIR DE IMAGENS SATELITAIS * Rafael da Rocha Ribeiro ¹; Venisse Schossler ²; Luiz Felipe Velho ¹

Realizado de 25 a 31 de julho de Porto Alegre - RS, ISBN

PALEOAMBIENTE DEPOSICIONAL DA FORMAÇÃO BARREIRAS NA PORÇÃO CENTRO-SUL DA ÁREA EMERSA DA BACIA DE CAMPOS (RIO DE JANEIRO)

SÍNTESE DA EVOLUÇÃO GEOLÓGICA CENOZÓICA DA BAÍA DE SEPETIBA E RESTINGA DE MARAMBAIA, SUL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

LAMA DE PRAIA CASSINO

ANÁLISE MORFOSCÓPICA DOS SEDIMENTOS DE AMBIENTES DEPOSICIONAIS NO LITORAL DE MARICÁ, ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Variações Granulométricas durante a Progradação da Barreira Costeira Holocênica no Trecho Atlântida Sul Rondinha Nova, RS

Geografia de Santa Catarina

GEOLOGIA DO QUATERNÁRIO

O REGISTRO HOLOCÊNICO EM SUBSUPERFÍCIE DA PORÇÃO SUL DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL (SC), BRASIL

MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO COMO APOIO AO PROCESSO DE RESTAURAÇÃO AMBIENTAL DO PARQUE ESTADUAL DO RIO VERMELHO, FLORIANÓPOLIS/SC

DEFORMAÇÃO NEOTECTÔNICA DOS TABULEIROS COSTEIROS DA FORMAÇÃO BARREIRAS ENTRE OS RIOS PARAÍBA DO SUL (RJ) E DOCE (ES), NA REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

Oscilação Marinha. Regressão diminuição do nível do mar (Glaciação) Transgressão aumento do nível do mar (Inundação)

LIMA, E. S. ¹ ¹Universidade Federal de Sergipe. Graduando em Geografia Licenciatura. Bolsista PIBIC-CNPq/UFS. E- mail:

MAPA GEOMORFOLÓGICO DO MUNICÍPIO DE ITANHAÉM BAIXADA SANTISTA, SÃO PAULO, BRASIL

GEOLOGIA GERAL CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Rua Agostinho Barbalho, nº 77, ap 503, bl 2, Madureira, Rio de Janeiro RJ. cep

20/04/2011 USO ESTRATIGRÁFICO DOS FÓSSEIS E O TEMPO GEOLÓGICO

Reyes-Pérez, Y.A. Tese de Doutorado 51

Difratometria por raios X

Orogênese (formação de montanhas): o choque entre placas tectônicas forma as cordilheiras.

Atividade 14 Exercícios Complementares de Revisão sobre Geologia Brasileira

45 mm ASPECTOS TEXTURAIS DOS SEDIMENTOS DA PRAIA DA ENSEADA, ILHA DO CAMPECHE, SANTA CATARINA, BRASIL

ELABORAÇÃO DE MAPA GEOMORFOLÓGICO DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE SP.

GEOMORFOLOGIA DA PLATAFORMA CONTINENTAL DA BACIA DE CAMPOS

GEOMORFOLOGIA COSTEIRA: PROCESSOS E FORMAS

EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA COSTEIRA DO LITORAL OESTE DE ICAPUÍ - CE EVOLUÇÃO DA MORFOLOGIA COSTEIRA DO LITORAL OESTE DE ICAPUÍ - CE

Pablo Merlo Prata. Vitória, 17 de junho de 2008.

QUANTIFICAÇÃO E SIGNIFICADO DO RUMO DAS DUNAS COSTEIRAS NA PLANÍCIE QUATERNÁRIA COSTEIRA DO RIO SÃO FRANCISCO (SE/AL)

Mapeamento Costeiro. Métodos e técnicas para configurar espacialmente feições costeiras para interpretações geológicas e geomorfológicas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOLOGIA E GEOQUÍMICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Universidade Federal de Pernambuco, Avenida Arquitetura S/N Cidade Universitária Recife (PE), CEP Recife, PE

BACIA DO PARNAÍBA: EVOLUÇÃO PALEOZÓICA

UNIDADES DO RELEVO E CLASSIFICAÇÃO DO RELEVO BRASILEIRO. Módulos 29 e 30 Livro 2 paginas 122 a 124 / 127 a 129

Estrutura Geológica e o Relevo Brasileiro

Evolução morfo-sedimentar de praias estuarinas

RELAÇÃO ENTRE A DISTRIBUIÇÃO DE MINERAIS PESADOS EM SEDIMENTOS LITORÂNEOS E DA FORMAÇÃO BARREIRAS, NO LITORAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Perfil 1 Eldorado Perfil 2 Perfil 3 24º36' s 24º25' s 24º12' s 24º36' s 24º25' s 24º12' s 47º12' w 48º00' w 47º48' w SP Km N rio R ibe

Estruturas geológicas e formas do relevo Brasileiro. Professora: Jordana Costa

EVOLUÇÃO SEDIMENTAR DAS BAÍAS DE ANTONINA E PARANAGUÁ ENTRE OS ANOS DE 1966, 1995 E 2009


Rodolfo José ANGULO 1,3 Maria Cristina de SOUZA 2,4 RESUMO

Estudo Granulométrico, Geológico e Evolutivo da Porção Emersa da Planície Costeira Adjacente à Praia dos Ilhéus, Governador Celso Ramos/SC-Brasil

TESE DE DOUTORADO MORFOLOGIA E ANÁLISE DA SUCESSÃO DEPOSICIONAL DO VALE INCISO QUATERNÁRIO DE MARAPANIM, NORTE DO BRASIL

PROCESSOS OCEÂNICOS E A FISIOGRAFIA DOS FUNDOS MARINHOS

Erosão Costeira - Tendência ou Eventos Extremos? O Litoral entre Rio de Janeiro e Cabo Frio, Brasil

ANÁLISE TECTÔNICA PRELIMINAR DO GRUPO BARREIRAS NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SERGIPE

FEIÇÕES REGRESSIVAS E DE CRESCIMENTO DE ESPORÕES IDENTIFICADOS A PARTIR DE SEÇÕES GPR NAS PLANÍCIES COSTEIRAS PARANAENSE E NORTE CATARINENSE

ANÁLISE DO AMBIENTE GEOMORFOLÓGICO DA PRAINHA DO CANTO VERDE, BEBERIBE, CEARÁ BRASIL.

MAPEAMENTO DE COMPARTIMENTOS FISIOGRÁFICOS DE PLANÍCIE COSTEIRA E BAIXA-ENCOSTA E DA VEGETAÇÃO ASSOCIADA, NO LITORAL NORTE DE SÃO PAULO

FEIÇÕES GEOMÓRFICAS E DEPÓSITOS QUATERNÁRIOS DA PLANÍCIE COSTEIRA EM SÃO FRANCISCO DO SUL, SC.

EVIDENCIA MORFOLÓGICA DE UM PALEOCANAL HOLOCÊNICO DA LAGUNA MIRIM NAS ADJACÊNCIAS DO BANHADO TAIM.

Erosão costeira e a produção de sedimentos do Rio Capibaribe

RESULTADOS PRELIMINARES SOBRE A ESTRATIGRAFIA DA BARREIRA PLEISTOCÊNICA PARANAENSE

Universidade Guarulhos- Laboratório de Palinologia e Paleobotânica. Mestrado em Análise Geoambiental. Guarulhos, SP, Brasil.

MAPEAMENTO GEOMORFOLÓGICO NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE SP, BRASIL.

FORMAÇÃO DE CANAIS POR COALESCÊNCIA DE LAGOAS: UMA HIPÓTESE PARA A REDE DE DRENAGEM DA REGIÃO DE QUERÊNCIA DO NORTE, PR

ANÁLISE DAS HETEROGENEIDADES GRANULOMÉTRICAS DA BACIA DE PELOTAS E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO COM O ISL (ÍNDICE DE SENSIBILIDADE DO LITORAL).

Importância dos oceanos

Sedimentos Costeiros. Transporte de Sedimentos. Transporte de Sedimentos. Transporte de Sedimentos 06/06/2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS DA TERRA CURSO DE GEOLOGIA ANA PAULA RZEPKOWSKI

45 mm CIMENTOS, IDADES E ISÓTOPOS ESTÁVEIS DE ARENITOS SUBMERSOS DO LITORAL PARANAENSE - BRASIL

Figura 07: Arenito Fluvial na baixa vertente formando lajeado Fonte: Corrêa, L. da S. L. trabalho de campo dia

APLICAÇÃO DA GEOTECNOLOGIANAANÁLISE GEOAMBIENTAL DA GRANDE ROSA ELZE NO MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO-SE

Rio Guaíba. Maio de 2009

ANÁLISE MORFOLÓGICA DO AMBIENTE LAGUNAR DA PRAIA DO PECÉM-CE.

Ribeirão Preto: Holos, p.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA SEDIMENTAR E AMBIENTAL

A análise dos regenerantes concluiu que o recrutamento diminuiu em relação aos períodos anteriores, e a taxa de mortalidade de adultos aumentou.

Reyes-Pérez, Y.A. Tese de Doutorado 58

MAPEAMENTO DAS UNIDADES GEOMORFOLÓGICAS DA PLANÍCIE COSTEIRA DO ESTADO DO PIAUÍ.

CONSIDERAÇÕES SOBRE IDADES LOE DE DEPÓSITOS COLUVIAIS E ALÚVIO- COLUVIAIS DA REGIÃO DO MÉDIO VALE DO RIO PARAÍBA DO SUL (SP/RJ)

CELSO VOOS VIEIRA MAPEAMENTO GEOLÓGICO COSTEIRO E EVOLUÇÃO PALEOGEOGRÁFICA DO SETOR ORIENTAL DA FOLHA GARUVA, NORDESTE DE SANTA CATARINA, BRASIL

MAPEAMENTO COSTEIRO INTEGRADO

Variação espaço-temporal do transporte de sedimentos do Rio Santo Anastácio, Oeste Paulista

7. o ANO FUNDAMENTAL. Prof. a Andreza Xavier Prof. o Walace Vinente

PALEOCANAL PLEISTOCÊNICO NA BARREIRA III ENTRE O CHUÍ E O BALNEÁRIO HERMENEGILDO - RIO GRANDE DO SUL

Transcrição:

GEOLOGIA COSTEIRA DA ILHA DE SÃO FRANCISCO DO SUL, SANTA CATARINA Tarcísio Possamai ¹, Celso Voos Vieira ², Fabiano Antônio de Oliveira³, Norberto Olmiro Horn Filho⁴ RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo principal o detalhamento geológico da Ilha de São Francisco do Sul no nordeste do Estado de Santa Catarina, tendo em vista o planejamento físico-territorial e ambiental da região. O foco da presente pesquisa é o mapeamento em escala superior a 1:50.000 dos depósitos costeiros e continentais que compõem a ilha São Francisco do Sul. Deste modo através de trabalhos de campo para a identificação dos depósitos previamente fotointerpretados, foram realizadas coletas de sedimentos para análises em laboratório envolvendo granulometria, carbonato biodetrítico e matéria orgânica. Na área de estudo foram reconhecidos depósitos de dois grandes sistemas: sistema cristalino, formado pelas rochas do embasamento cristalino; sistema deposicional costeiro, constituído por depósitos formados durante o Pleistoceno e o Holoceno. Palavras-Chave: Geologia costeira, ilha de São Francisco do sul, mapeamento geológico. ABSTRACT This research has as main objective the detailed geology of the Sao Francisco do Sul island in the northeastern state of Santa Catarina, in view of the physical planning and environmentalterritorial region. The focus of this research is the mapping on 1:50,000 scale over the coastal and continental deposits of the island, as well as the dating of these deposits to build a paleogeographic model at least 120,000 years before present. Thus through field work for the identification of previously photointerpreters deposits, sediment samples were collected for laboratory analysis involving grain size, carbonate and organic matter biodetritus. In the study area were recognized deposits of two major systems: crystal system, formed by rocks; coastal depositional system formed during the Pleistocene and Holocene. Key-Words: Coastal geology, São Francisco do Sul island, geological mapping. INTRODUÇÃO A presente pesquisa está associada ao projeto de pesquisa denominado Geologia Costeira da Ilha de São Francisco do Sul/SC vinculado a Universidade da Região de Joinville. A escolha da ilha de São Francisco do Sul como área foco do presente estudo ocorreu devido à grande extensão da planície costeira com a presença de inúmeras e variadas feições ¹ Professor do Departamento de Geografia, Biologia Marinha e Engenharia Ambiental da Universidade da Região de Joinville. E-mail: tpossamai@univille.edu.br ² Professor do Departamento de Geografia, Biologia Marinha e Engenharia Ambiental da Universidade da Região de Joinville. E-mail: celso.v@univille.net ³ Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal do Paraná. E-mail: fabiano.o@uol.com.br ⁴Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: horn@cfh.ufsc.br 45

geológico-geomorfológicas, que são indicativos de processos costeiros ocorridos ao longo de todo o período Quaternário. Cabe ressaltar, a ocorrência de depósitos e feições que indicam a elevação do nível relativo do mar com altitude de até 8 ± 2 m acima do atual durante o Pleistoceno e aproximadamente 3,5 ± 1 m acima do atual durante o Holoceno (5.100 anos AP). Ocorrem ainda na área de estudo depósitos eólicos costeiros de grande interesse geológico, visto que estas dunas representam os mais expressivos depósitos eólicos (dunas) do litoral nordeste de Santa Catarina, com altura de até 27 m, situados na localidade da Praia Grande. Não obstante, em algumas áreas da Praia Grande, verifica-se a supressão indiscriminada das dunas para a instalação normalmente de empreendimentos imobiliários, que causam a descaracterização do meio natural, além de incidir em crime ambiental federal. A situação geográfica da área de estudo com a imposição de limites naturais como a baía da Babitonga e o Oceano Atlântico (ilha), restringe sobremaneira a expansão das áreas urbanizadas no município, em detrimento de áreas identificadas como de preservação permanente situadas na planície costeira em questão. Desta forma as pesquisas envolvendo análises e mapeamentos em escalas mais detalhadas revelam-se de fundamental importância no conhecimento da dinâmica e evolução da planície costeira da ilha de São Francisco, assim como fornece subsídios para os planos de ocupação e zoneamentos do município. Cabe ressaltar, ainda, a contribuição que os estudos de geologia costeira fornecem para a Arqueologia no estudo da evolução das sociedades sambaquianas, na medida em que a contribuição dos dados e modelos de evolução da planície melhor evidenciam os ambientes costeiros, estreitando desta maneira, a relação entre o homem e o ambiente que o circunda. Por esses motivos, se faz necessário uma abordagem do ângulo específico no qual a Geografia Física e a Geologia analisam e refletem sobre o espaço, de modo a descrever e analisar a interação e integração dos fenômenos (em termos de espaço), onde as sociedades pretéritas e atuais desenvolvem suas atividades de relação com o meio físico. A ilha de São Francisco do sul está localizada na baía da Babitonga, no litoral norte do Estado de Santa Catarina e faz parte do município de São Francisco do Sul. A ilha compreende uma área de 265 km 2, com um comprimento total de linha de costa de 190 km 2 e situa-se entre as latitudes 26 0 08 e 26 0 28 sul e as longitudes 48 0 28 e 48 0 43 oeste (Figura 1). 46

Figura 1 Localização da ilha de São Francisco do Sul. METODOLOGIA A pesquisa foi dividida em cinco etapas que envolveram: levantamentos preliminares, trabalho de gabinete e pré-campo, trabalho de campo, análise laboratorial e trabalho de gabinete final. 47

O material cartográfico foi recolhido nas formas analógica e digital, conforme disponibilidade. Utilizou-se para compor a base cartográfica digital da ilha de São Francisco do Sul as cartas topográficas na escala 1:50.000 do IBGE (1983) Francisco do Sul (SG-22-Z- B-II-2) e Araquari (SG-22-Z-B-II-4). Toda a produção cartográfica foi efetuada em ambiente SIG com o programa ArcGIS 9.1. Além da base cartográfica digital, utilizou-se como base de trabalho um mosaico digitalizado do levantamento aerofotogramétrico do município de São Francisco do Sul, efetuado em 2005, que permitiu visualização detalhada da superfície até a escala 1:4.000. Utilizou-se também fotografias aéreas digitalizadas do aerolevantamento efetuado pela empresa Aerofoto Cruzeiro em 1957, na escala 1:25.000. Tanto o mosaico aerofotogramétrico como as fotografias aéreas foram georreferenciadas adotando-se como base as folhas topográficas digitais do IBGE na escala 1:50.000. O trabalho de campo consistiu na verificação in situ os depósitos previamente fotointerpretados, de modo a constatar a composição, forma e estrutura dos mesmos. A eleição dos pontos de coleta obedeceu a critérios como: menor perturbação pós-deposicional (antrópica ou natural), acesso a ponto de coleta, representatividade do perfil (número de camadas e profundidade alcançada) e espacialidade dos pontos na área de estudo, contemplando 62 pontos de coleta. As análises laboratoriais realizadas compreenderam: análise granulométrica (peneiramento e pipetagem), determinação da porcentagem de matéria orgânica e carbonato biodetrítico. Baseados nas análises granulométricas foram realizados análises estatísticas com o auxílio do software Sysgran 3.0 (CAMARGO, 2005), onde foram calculados os parâmetros estatísticos clássicos de Folk & Ward (1957): diâmetro médio (Mz), desvio padrão (Dp), assimetria (SK i ) e curtose (Kg). RESULTADOS E DISCUSSÕES De maneira geral a área de estudo pode ser dividida em dois grandes sistemas: Sistema Cristalino e Sistema Deposicional Costeiro. A figura 2 ilustra os depósitos identificados na ilha de São Francisco do Sul e a Tabela 1 demonstra a área e a porcentagem das unidades litoestratigráficas. 48

Figura 2 Mapa preliminar da geologia costeira da Ilha de São Francisco do Sul, nordeste de Santa Catarina. A figura 2 ilustra o mapa preliminar da geologia costeira, com os depósitos mapeados e as principais feições morfológicas identificadas em campo e nas aerofotos. Sistema Cristalino - O Sistema Cristalino é composto pelo embasamento cristalino indiferenciado juntamente com o material intemperizado associado e compreendem cerca de 12,6% da área de estudo, com uma área aproximada de 33,70 km 2. O arcabouço geológico da ilha de São Francisco do Sul é representado principalmente por rochas do Complexo 49

Paranaguá, formadas no Proterozóico inferior. O Complexo Paranaguá é constituído essencialmente por granitóides porfiríticos, em geral deformados, de granulação média a grossa, por vezes migmatíticos com autólitos dioríticos a quartzo-dioríticos. De acordo com Siga Júnior (1995) associado aos granitóides ocorrem ainda porções restritas de quartzitos, xistos e gnaisses. Sistema Deposicional Costeiro - De maneira geral os depósitos associados ao Sistema Deposicional Costeiro puderam ser correlacionados aos eventos transgressivos e regressivos do Pleistoceno Superior e do Holoceno. Os depósitos do sistema deposicional costeiro representam 224 km 2 ou 83,6% da área de estudo. Deste modo, os depósitos associados a este sistema deposicional podem ser classificados como os principais agentes envolvidos na evolução geológica da área estudada, conforme demonstrado no quadro 1. Pleistoceno - Os depósitos interpretados como pertencentes ao Pleistoceno compreendem 49,6% ou 133,1 km 2 da área de estudo. Tabela 1 Unidades litoestratigráficas da ilha de São Francisco do Sul Sistema Idade Unidade litoestratigráfica Área (km 2 ) % Paludial 16,95 6,3 Holoceno Lagunar 44,67 16,7 Marinho 20,99 7,8 Deposicional costeiro Eólico 8,59 3,2 Lagunar 9,73 3,6 Pleistoceno Lagunar recoberto por marinho 7,63 2,8 Marinho 115,80 43,2 Cristalino Proterozóico inferior Embasamento cristalino 33,70 12,6 Áreas urbanizadas 10,04 3,7 Total 268,10 100,0 Os depósitos marinhos se apresentam como superfícies planas ou onduladas com altitudes variando entre 7 a 16 m, diminuindo progressivamente em direção à laguna do Acaraí. O contato do depósito marinho com os depósitos adjacentes ocorre de forma brusca, normalmente apresentando terraços com desníveis de até 5 m de altura (Figura 3) 50

Lagunar Holocênico Marinho Pleistocênico Figura3 Exemplo de contato do depósito marinho pleistocênico com lagunar holocênico, com a ocorrência de terraço de aproximadamente 5m de altura. Localidade de Iperoba. Quanto à composição dos depósitos marinhos pleistocênicos são constituídos de areia fina, muito bem selecionada a bem selecionada, de coloração avermelhada pigmentadas por óxidos de ferro e com concentrações de minerais pesados. Em alguns afloramentos é possível identificar estratos com laminação plano-paralela com ângulo de mergulho em direção à laguna do Acaraí e podem ser interpretados como formados em ambiente de face praial (beach face) por processo de espraiamento das ondas (swash e backwash). A interpretação do ambiente é reforçada pela presença de Ophiomorpha atribuída a Callichirus major, com faixa de vida associado ás áreas próximo do limite de maré baixa (SUGUIO & MARTIN 1976). Os depósitos lagunares possuem morfologia bastante plana, por vezes ondulada quando há ocorrência de sobreposição de depósitos marinhos (Figura 6). De modo geral, os depósitos são alongados no sentido SW/NE e possuem até 2 km de largura. O depósito lagunar é constituído de sedimentos areno-argilosos, de coloração cinzaescura e por vezes preta, devido ao enriquecimento por matéria orgânica decomposta. Os sedimentos podem ser interpretados como formados em ambiente estuarino ou lagunar. 51

Lagunar Marinho Figura 4 Terraço marinho pleistocênico adjacente à laguna do Acaraí, com sobreposição de depósito lagunar de idade pleistocênica com altitude em torno de 9m. Figura 5 Tubos de Callichirus major identificados no depósito marinho pleistocênico. 52

A) B) Figura 6 A) Morfologia típica dos depósitos lagunares pleistocênicos, com superfície plana onde atualmente se desenvolvem cabeceiras de drenagem. B) depósitos marinhos com até 1,5m de espessura sobrepostos aos depósitos lagunares. Holoceno - Os depósitos interpretados como pertencentes ao Holoceno compreendem 34% ou 91,2 km 2 da área de estudo. Este sistema deposicional está associado principalmente à influência. Os depósitos eólicos correspondem a 3,2% da área da ilha com uma predominância de dunas parabólicas, com ocorrência de bacias de deflação (blow outs) em áreas não vegetadas e dunas frontais próximas à linha de costa (figura 7). Os depósitos eólicos encontram-se quase que totalmente vegetados e podem ser classificados como dunas fixas, com orientação 53

predominante SE/NW e secundariamente S/N. A orientação das dunas evidenciam ventos predominantes durante o Holoceno oriundos dos quadrantes SE e S. Figura 7 Aerofoto ilustrando a morfologia dos depósitos eólicos costeiros na ilha de São Francisco do Sul. As setas indicam a orientação predominante das dunas vegetadas. Os depósitos marinhos holocênicos possuem altitudes máximas entorno de 4m, diminuindo em direção ao Oceano Atlântico. A principal característica destes depósitos é a sucessão de alinhamentos de cristas e cavas paralelas à linha de costa. A morfologia ondulada com alinhamentos paralelos e subparelelos são retilíneas a curvilíneas e por vezes truncadas. Estas feições morfológicas são características de planícies de cordões litorâneos (strandplains) associados à regressão do nível relativo do mar durante o Holoceno e indicam 54

antigas linhas de costa. Em alguns pontos da unidade depósito marinho, é possível identificar até 14 alinhamentos de cordões litorâneos, evidenciando a progradação da linha de costa durante os últimos 5.100 anos AP (Figura 8). Figura 8 Aerofoto ilustrando os cordões litorâneos no depósito marinho holocênico, extremo sul da ilha de São Francisco do Sul. Fonte: Aerofoto Cruzeiro, 1957. Os depósitos lagunares holocênicos apresentam-se como terraços, planos e suavemente inclinados em direção à laguna do Acaraí, com altitude média em torno de 4m. Os depósitos lagunares são constituídos de sedimentos areno-argilosos, de coloração cinzaescuro, com presença de bancos conchíferos naturais (Figura 9). 55

Figura 9 Depósito lagunar holocênico, coloração cinza-escuro com presença de bancos conchíferos naturais. Em alguns pontos os depósitos lagunares foram formados pelo afogamento das depressões das cavas dos cordões litorâneos holocênicos e, por vezes, dos pleistocênicos. De forma análoga à formação da planície costeira de Itapoá (SOUZA et al., 2001), os depósitos lagunares preencheram durante a transgressão holocênica os vales dos cursos d água erodidos em nível marinho abaixo do atual. Os depósitos paludiais, de acordo com Suguio (1998), referem-se a ambientes de sedimentação próprio de zonas pantanosas periodicamente inundadas por águas salobras. Este ambiente possui ainda a propriedade de produção de gás sulfídrico (H 2 S) e metano (CH 4 ), resultando no odor característico destas áreas. Os depósitos paludiais são constituídos de sedimentos finos, variando de areia a argila, de cor preta, enriquecidos por grande quantidade de matéria orgânica em decomposição. Recobrindo os depósitos paludiais ocorrem duas formações vegetacionais em zonas específicas da área de estudo: vegetação arbórea e vegetação herbácea. A vegetação arbórea ocorre preferencialmente no terço jusante da laguna do Acaraí, de maior influência marinha, enquanto que a vegetação herbácea ocorre no terço montante da laguna do Acaraí, rio Acaraí e rio Perequê, em áreas de baixa a nula salinidade. Cabe ressaltar que foram encaminhadas 8 amostras de testemunhos geológicos destinadas à datação absoluta foram encaminhadas para o Laboratório de Vidros e Datação na Faculdade de Tecnologia de São Paulo (LVD-FATEC) e foram datadas pelo método de Luminescência Opticamente Estimulada. 56

CONCLUSÃO 1. A pesquisa representou oportunidade única em corrigir eventuais divergências em mapeamentos executados anteriormente e oportunidade de aprofundar os conhecimentos nas áreas de geologia costeira e evolução paleogeográfica da ilha de São Francisco do Sul. 2. De modo geral, observa-se que a geologia da ilha de São Francisco do Sul é composta predominantemente por unidades estratigráficas do Sistema Deposicional Costeiro, de idade holocênica e pleistocênica, que correspondem a 83,7% da área total da ilha. 3. Os dados referentes ás datações absolutas quando recebidos serão correlacionados aos testemunhos e depósitos aqui apresentados e discutidos detalhadamente em posterior artigo. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Universidade da Região de Joinville pelo apoio financeiro na execução dos projetos Geologia Costeira da Ilha de São Francisco do Sul/SC - GEOSF e atualmente o projeto Paleogeografia da Ilha de São Francisco do Sul/SC PALEOG. REFERÊNCIAS CAMARGO, M. G. 2005. SYSGRAN - Análises e gráficos sedimentológicos. Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná, versão 3.0. Disponível em http://www.cem.ufpr/sysgran. HORN FILHO, N. O. 1997. O Quaternário costeiro da ilha de São Francisco do Sul e arredores, nordeste do Estado de Santa Catarina - aspectos geológicos, evolutivos e ambientais. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 283p. SIGA JÚNIOR, O. 1995. Domínios tectônicos do sudeste do Paraná e nordeste de Santa Catarina: geocronologia e evolução crustal. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 212p. SOUZA, M. C.; ANGULO, R. J.; PESSENDA, L. C. R. 2001. Evolução paleogeográfica da planície Costeira de Itapoá, litoral norte de Santa Catarina. Boletim Paranaense de Geociências, 31(2):223-230. 57

SUGUIO, K. & MARTIN, L. 1976. Presença de tubos fósseis de Callianassa nas formações quaternárias do litoral paulista e sua utilização na reconstrução paleoambiental. Boletim do Instituto de Geociências, 7:17-26. SUGUIO, K. 1998. Dicionário de geologia sedimentar e áreas afins. Rio de Janeiro: Bertrand, 1222 p. 58