José Jacinto Ferreira de Farias, scj. A Unção dos Doentes. O Sacramento do Conforto e da Consolação

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Transcrição:

José Jacinto Ferreira de Farias, scj A Unção dos Doentes O Sacramento do Conforto e da Consolação UNIVERSIDADE CATÓLICA EDITORA Lisboa, 2010

In t ro d u ç ã o No conjunto dos manuais que a Faculdade de Teologia tem programado na sua colecção Estudos Teológicos e daqueles que assumi a responsabilidade de redigir, coloco à disposição dos estudantes de Teologia e dos leitores em geral este ensaio sobre o sacramento da Unção dos Doentes. Na sequência tradicional dos sacramentos, a Unção dos Doentes ocupa o quinto lugar, encerrando o conjunto daqueles cinco que dizem respeito à perfeição do homem tomado individualmente. Os outros dois a ordem e o matrimónio dizem respeito à perfeição da sociedade e por isso são designados como sacramentos sociais. Por sua vez, no interior dos primeiros cinco sacramentos, a Unção dos Doentes constitui um subgrupo juntamente com a Penitência e são os dois designados como os sacramentos da cura, sendo a Unção como que a perfeição ou complemento da penitência. Ambos permitem ao cristão, que depois do baptismo caiu em pecado, o regresso ao estado de pacificação simbolicamente representado pelo paraíso. Se pela celebração do sacramento da penitência o sacramento da paz, as feridas do coração são de tal modo saradas que não deixam cicatrizes, pelo sacramento da Unção dos Doentes também conhecido como Extrema-Unção o cristão é purificado dos restos do pecado que o mantêm fragilizado e cativo do medo que a doença grave representa como anunciadora da possível proximidade da morte. Neste sentido podemos dizer que a Unção é o sacramento do conforto e da consolação. Durante muito tempo, sobretudo a partir do século ix, generalizou-se a compreensão da Extrema-Unção como o sacramento dos moribundos e, neste sentido, fazia parte dos sacramentos da iniciação escatológica e daí a designação de Extrema-Unção. Hoje a compreensão do sacramento

8 A Unção dos doentes orienta-se mais no sentido de o ver como Unção dos Doentes (e até das pessoas muito avançadas em idade), sendo que a doença aqui considerada é a que representa realmente uma ameaça mortal e assim a dimensão escatológica continua presente. A associação do quinto sacramento à doença e à morte tem tido ao longo da história como consequência o facto de os cristãos terem medo de o receber, porque isso seria o reconhecimento de se encontrarem mesmo em situação terminal. Se olharmos para o estado espiritual desta época em que nos encontramos, a situação é confrangedora: o sofrimento, a doença e a morte tornaram-se um tabu, algo que todos sofrem, mas de que têm um certo pudor em falar; procura esconder-se da vida social estas situações existenciais, assistindo-se hoje a uma autêntica e programada descristianização do sofrimento, da doença e da morte, o que, infelizmente, representa a sua desumanização. O sacramento da Extrema-Unção/Unção dos Doentes não dá uma resposta teórica e especulativa a estas questões existenciais, mas oferece-se como o sinal sensível de uma solicitude divina e eclesial por aqueles que sofrem, levando-lhes o conforto da comunidade, que reza por eles. A Extrema-Unção/Unção dos Doentes é essencialmente o sacramento da consolação e do conforto dado aos doentes (e aos velhinhos), para que não se sintam abandonados nem por Deus nem pela comunidade. Este estudo está organizado em três capítulos. No primeiro, procura tomar-se consciência da condição existencial do sofrimento e da doença e das possíveis soluções teóricas para o seu enquadramento no mistério da condição humana enquanto tal. No segundo capítulo, procura aprofundar-se, pela leitura das Escrituras, o pensamento de Deus a respeito da condição humana marcada pelo sofrimento, pela doença e pelos seus desfechos fatais. Aqui vamos descobrir algo de surpreendente: que o próprio Deus, no mistério da Incarnação, assume o sofrimento e transforma-o de tal modo que é possível acontecer o sofrimento por amor ou aceitar por amor, na obediência da fé, tudo o que acontece. O segredo do mistério é que tudo seja vivido no Senhor. No terceiro capítulo, procura configurar-se a dogmática do sacramento da Extrema-Unção/Unção dos Doentes como celebração pascal que cura pela raiz o drama do sofrimento e a doença: a oração da fé e a unção com óleo realizada pelos presbíteros em nome do Senhor e da Igreja permite ao doente (e ao velhinho) viver em paz e por amor a situação existencial em que se encontra, dispondo-se serenamente a acolher todas as saídas possíveis, porque o que em última instância importa ao

Introdução 9 cristão é que nada o separe do amor de Cristo (Rom 8, 35) e que tudo seja vivido e aceite como dom do Senhor. Espero que este ensaio possa ajudar não só os que estudam a teologia sacramental, mas também os párocos e todos os agentes pastorais a desenvolver uma catequese e a inventar formas de intervenção na comunidade e na sociedade, de modo a inverter e a deter o processo orquestrado de secularização e de descristianização da doença e da velhice. A grandeza de uma sociedade está seguramente no modo como trata as crianças e os doentes. Que a celebração do sacramento da Extrema-Unção/Unção dos Doentes seja disso um sinal eficaz.

Ín d i c e In t ro d u ç ã o... 7 Capítulo I A Qu e s t ã o Hu m a n a e Cr i s t ã d o So f r i m e n t o... 11 1.1. O sofrimento como drama existencial... 12 1.2. O sofrimento: problema, enigma e mistério... 13 1.3. A tentativa de superação do sofrimento pela via filosófica... 16 1.4. A via cristã... 19 Capítulo II O Pe n s a m e n t o d e De u s a c e r c a d o So f r i m e n t o... 23 2.1. No Antigo Testamento... 24 2.1.1. O sofrimento como castigo do pecado... 24 2.1.2. O sofrimento como divina pedagogia, na literatura profética... 26 2.1.3. O sofrimento do justo e o protesto de Job... 28 2.1.4. Servo de Deus: sentido redentor do sofrimento... 31 2.1.5. Macabeus: o sofrimento por causa da fé (martírio)... 33 2.2. No Novo Testamento... 34 2.2.1. Cristo perante o sofrimento... 35 2.2.2. O Sofrimento do discípulo: completa o que falta às tribulações de Cristo (Col 1, 24)... 42

84 A Unção dos doentes Capítulo III O Sa c r a m e n t o da Un ç ã o d o s Do e n t e s... 49 3.1. Origem cristológica do sacramento da Extrema-Unção/Unção dos Doentes... 51 3.1.1. A unção dos doentes como elemento integrante da missão apostólica... 51 3.1.2. A prática eclesial da unção em Tg 5, 14-15... 53 3.2. O sacramento ou o sinal sagrado na história do discernimento eclesial... 57 3.2.1. Até ao século viii... 57 3.2.2. Do século ix ao Concílio Vaticano II... 58 3.2.3. Depois do Concílio Vaticano II... 59 3.2.4. O contributo de São Tomás... 60 3.2.5. O Magistério da Igreja... 63 3.3. A graça do sacramento... 67 3.3.1. O conforto espiritual... 69 3.3.2. A abolição dos restos do pecado... 70 3. 3.3. A cura corporal... 71 3.3.4. A remissão dos pecados... 72 3.3.5. A preparação para a morte... 73 Co n c l u s ã o... 75 Bibliografia... 77