Das concepções musicais: Sobre música Grega 1

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Transcrição:

Das concepções musicais: Sobre música Grega 1 Prof. Esp. Marcelo Miguel de SOUZA. Profª. Drª. Ana Teresa Marques GONÇALVES. Faculdade de História U.F.Go 2 Palavras Chave: Música; Musicologia; Grécia Conforme nos aprofundamos em definições como as referentes à concepção de música, as diferenças constitutivas entre os conceitos, temporalmente, começam a melhor se delinear. Esses apontamentos, entretanto, nos colocam questões de vários aspectos quanto a sua acepção em culturas distintas e em períodos diversos. Então, para uma melhor compreensão da temática deste trabalho preferimos abordar teoricamente algo mais específico que seria o conceito de música grega. Mesmo reconhecendo a enorme diferença existente entre os tipos de música grega do período Arcaico e seus posteriores desdobramentos no período Clássico, as presentes conceituações tentaram primar por certas idéias comuns a ambos os períodos 3, privilegiadas, portanto, nesta apreciação. Quando isso não foi possível, a escolha se deveu por ter o referido elemento algo de muito característico dessa cultura musical, e que serviria de contraponto ao que hoje podemos ter cotidianamente entendido como música. A questão então se coloca: haveria algum rompimento entre o que nós chamamos de música e o que ela foi para os Gregos? Pensamos que sim. Existem algumas sérias diferenças entre a nossa música e a música dos gregos, seja nos aspectos mais formais como organização das escalas 4, disposição dos sons, tipos de instrumentos, ou em aspectos mais abstratos, como a própria 1 Gostaríamos de esclarecer que o uso de termos como Grécia ou grego tem o único intuito de facilitar a leitura e a escrita, não querendo jamais auferir uma unidade grega, de tipo nacional, que efetivamente não existiu na Antigüidade, apesar de certa unidade cultural desses povos. Tem caráter pedagógico e serve somente a fluidez da argumentação. 2 <www.fh.ufg.gov.br> 3 Uma definição de música grega tão geral sempre sofrerá de certos problemas ou lacunas. A exemplo, este texto, quanto a definição mais generalizante possível do termo mousiké, ignora em grande parte, o que para nós são fenômenos mais isolados, a saber o Pitagorismo e os Órficos. Sabemos que essas seitas possuíam definições muito específicas de música, talvez até mais específicas que a concepção Platônica, o que inviabiliza um uso mais generalizante sobre suas acepções. 4 A organização de nossas escalas musicais, por exemplo é ascendente, enquanto na música grega é descendente.

associação da música com outros fatores, tais como comportamento 5, capacidade de curar doenças, purificar o corpo (GROUT; PALISCA, 2001: 17), e demais influências referentes. Se considerarmos o conceito de música grega como sendo de grande amplitude, segundo Lia Tomás, podemos definir seu entendimento em duas instâncias principais: no âmbito particular, quando se referindo às especificidades da linguagem musical; e geral, ultrapassando esse nível e se entrelaçando aos significados de outros conceitos de mesmo patamar, como harmonia, cosmos e logos (TOMÁS, 2002: 38). Comecemos então pela origem, pelo menos mitológica, da música grega. Os gregos atribuíam a ela uma procedência divina, e designavam como seus inventores e primeiros intérpretes deuses e semideuses, como Apolo, Anfião e Orfeu (GROUT; PALISCA, 2001:17). Aliás, a quantidade de divindades ligadas diretamente à música não deixa de ser extensa, passando por tipos tão diferentes como o bucólico deus Pã e sua Sirinx, Hermes, que em outra versão do mito teria inventado a Lira 6, as musas filhas de Zeus (Teogonia, 55), e as Sereias com seu canto mortal (Odisséia, XII: 37-41). Basta pensarmos que a palavra música 7 tinha para os gregos um sentido mais lato do que aquele que hoje lhe damos (GROUT; PALISCA, 2001: 19), era um amálgama de canto, poesia e dança (FUBINI, apud: TOMÁS, 2002: 39). Além disso, A íntima união entre música e poesia dá também a medida da amplitude do conceito de música entre os Gregos. Para os Gregos os dois termos eram praticamente sinônimos (GROUT; PALISCA, 2001:20). A maneira como se relacionavam musicalmente era bastante cotidiana, a pensar nas grandes encenações teatrais. E passavam a idéia de uma certa familiaridade com as formas de música mais tradicionais como parece demonstrar suas implicações na vida das póleis. No apogeu da festa anual da grande cidade Dionísia, celebrada em Atenas no começo da primavera, não só até 14 mil espectadores ocupavam diariamente os assentos das platéias, [mas] um grande número indeterminado de pessoas juntava-se na procissão, na dança e nos cantos que precediam os cinco dias de representações no teatro ao pé da acrópole, [onde] cerca de setecentos homens e quinhentos adolescentes, todos cidadãos, tomavam parte nos festejos, mil na competição entre coros ditirâmbicos; os outros, nas tragédias e comédias, como atores e membros do coro (FINLEY, 1998: 27). 5 Platão e Aristóteles, por exemplo, estavam de acordo quanto à idéia de que a formação do cidadão deveria se pautar por dois elementos fundamentais, que seriam a ginástica e a música, visando a primeira à disciplina do corpo e a segunda a do espírito (GROUT; PALISCA, 2001:21). 6 Conforme narrado no Hino Homérico a Hermes. 7 No original em Itálico. 2

Quanto à dança, esta ligava-se a todos esses acontecimentos de grande público, imiscuída que estava nos eventos musicais. Fazendo parte da concepção mais ampla de música grega, ela participava da idéia de que os movimentos harmoniosos do corpo procedam da mesma natureza da melodia e das palavras, ou seja, da mesma natureza equilibrada que o homem sensato privilegia. Além do mais, essas três artes possuem um elemento comum, ou seja, o ritmo, que regula ao mesmo tempo as palavras, os sons e os passos. Como arte individual, a dança 8 possui três funções principais: a expressão da alegria e a homenagem religiosa, a formação dos corpos belos e a formação baseada na medida, no espírito equilibrado, enfim, educativa (MOUTSOPOULOS, apud: TOMÁS, 2002: 44). Tinham, além disso, uma palavra específica para a definição do fenômeno musical, seja a palavra Mousiké 9. Dessa palavra, mousiké, derivou-se o Latim musica, e dele o nosso termo atual, música (D OLIVET, 2004: 63). Em seu sentido amplo, a mousiké equivale a conceitos do mesmo patamar de lógos, cosmos e harmonia; em seu sentido estrito, refere-se à organização gramatical de uma linguagem (TOMÁS, 2002: 12). Fabre D Olivet diz ser a palavra mousiké derivada de Musa, e é bastante interessante pensar como esse termo guarda significados sonoros. Genealogicamente, sabemos ser as musas filhas de Zeus e Mnémosine, a memória. Eram elas divindades responsáveis pelas artes, e, segundo Marcel Detienne, o termo Musa quer dizer palavra cantada, palavra ritmada (DETIENNE, 1988: 15), o que carrega mais ainda de sonoridade o vocábulo, valorizando a oralidade em que se situa sua definição. Como é sabido, os gregos davam enorme importância à palavra falada, sendo uma sociedade, apesar de letrada 10, extremamente oral. A palavra escrita não era, absolutamente, predominante no sentido e no valor que temos hoje. O grego, apesar do que se possa 8 Percebamos como a dança se entrelaça no musical, segundo Combarieu a palavra choreyein significa ao mesmo tempo dançar e cantar ; a orquestra, lugar no qual se localiza o coro para cantar, é uma palavra formada por orchesis (dança). Os primeiros autores de dramas líricos eram chamados de dançarinos. [...] O ritmo do canto era regulamentado pelo ritmo das palavras, e a técnica do ritmo verbal tinha emprestado à dança uma parte de sua terminologia: o pé (a medida), a elevação e a descida (do pé, arsis, thésis) para indicar os tempos fracos ou fortes (COMBARIEU, apud: TOMÁS, 2002: 45). 9 O termo Mousiké surge durante o período arcaico, quando a diferenciação de atributos específicos permite o reconhecimento de várias musas. O termo não existe em Homero, embora hajam citações a musas (consideradas acréscimos tardios), o que ocorre no canto I da Ilíada é a invocação a uma Deusa (Theia) (Ilíada, I: 01), que parece agregar todos os atributos da musa. Notemos que a evocação ocorre no singular. Para mais informações recorrer ao livro: PEREIRA, A. M. R. R.. A Mousiké: Das origens ao drama de Eurípedes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001 10 Aqui considerando o período Arcaico em diante. 3

pensar, preferia muitas vezes outros tipos de testemunhos que não o escrito. Observemos, por exemplo, que: Os historiadores raramente citavam documentos, preferindo relatos de testemunhos visuais: Tucídides, conforme se sabe, sequer mencionou documentos em sua obra (1, 21-2) sobre métodos de pesquisa. Talvez seja ainda mais surpreendente para nós o fato de o depoimento verbal das testemunhas merecer também preferência em acordos comerciais e nos tribunais; algo tão comum como um recibo num pedaço de papel era raro, até o advento das necessidades burocráticas das monarquias helenísticas (FINLEY, 1998: 25). A palavra sonora era muito importante, a verbalização do que se pensa e sua assertiva com testemunhas. A expressão sonora 11 constituía-se, então, em instrumento de uso cotidiano. Daí a importância que ocupava nessa sociedade, Por esses motivos, a construção da teoria musical dos gregos não foi pensada apenas da óptica formal ou técnica, por não ter em mira apenas o entendimento daquilo que se escuta. Ela é uma parte da mousiké, um conceito matricial que engloba tudo o que envolve uma presença sonora o canto, as palavras, as danças, a matemática e seus derivados (TOMÁS, 2002: 109). Todas essas idéias se misturavam e interagiam umas com as outras. Não era, pois, a mousiké isolada ou mero passatempo. A relação dos gregos com esses constitutivos sonoros chamava atenção pela influência que estes julgavam exercer sobre os cidadãos ou sobre a organização das póleis. Apêndice - instrumentos gregos A lira, instrumento bastante representativo dos gregos, inicialmente possuía quatro cordas. Teve em seguida sete (século VIII a. C) e onze (século V a. C). A afinação da lira de onze cordas era provavelmente a seguinte (em notas brancas a afinação da lira de sete cordas) (CANDÉ, 2001: 84): 11 Embora o sonoro não fosse sempre predominante. Pensemos nos Pitagóricos (século VI a. C), que pareciam ter uma definição de música assentada num tipo de raciocínio lógico e não só na percepção auditiva. Supõe-se [...] que o conceito de música fosse compreendido em dois níveis distintos, mas interdependentes: um nível audível, portanto perceptível, e um outro não audível, pois assentado em um raciocínio lógico. Destaca-se o fato de que nesse primeiro momento a instância não audível foi a predominante (TOMÁS, 2002: 18). 4

Outro instrumento bastante conhecido e citado é o aulos. Ligado a Dioniso, é confundido às vezes com uma flauta, e poderia ser tocado sozinho ou aos pares (aulos duplo). Cabe aqui esclarecer, o aulos não é uma flauta, pois em uma flauta o que vibra é a coluna de ar dentro do instrumento, e no aulos a vibração é produzida por uma palheta dupla utilizada na embocadura do instrumento, muito parecido com o oboé atual 12 (CANDÉ, 2001: 98). Apesar de a lira ser o instrumento helênico mais emblemático, e junto com o aulos serem os mais famosos, muitos outros eram utilizados, alguns até bastante cotidianamente, como os percussivos e os metais. Segue abaixo, uma simplificação de um quadro comparativo de instrumentos, onde estão postas peças mais comuns aos gregos, ao lado de instrumentos modernos, de mesma família, ou seja, com sonoridade e construção parecidos, segundo parâmetros organológicos: Família Instrumentos modernos Instrumentos da Grécia antiga 1 alaúdes, mandora, bandolin pandura 2 harpas psaltérion, trigonon 3 timpanão, piano psaltérion percutido 4 flautas de bico syrinx monocalamos 5 oboé, corne-inglês, fagote aulos 6 flauta de Pã, órgão syrinx polycalamos, hydraulis 7a trompa, corneta, tuba keras 7b 8a 8b trompete, trombone Tímpanos, tambores diversos Vibrafone,triângulo,címbalos, etc salpinx Tympana Seistron, krotalai, kymbalai (CANDÉ, 2001: 98). Referências Bibliográficas: A) Documentos Textuais: HOMERO. Odisséia II Regresso. Trad. de Donaldo Schüler. Porto alegre: L & PM, 2007. HESÍODO. Teogonia. Trad. de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1995. B) Obras Gerais: CANDÉ, R. História Universal da Música. São Paulo: Martins Fontes, 2001. D OLIVET, Fabre. Música Apresentada Como Ciência e Arte. São Paulo: Madras, 2004. DETIENNE, M. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. FINLEY, M. I. Introdução. In: FINLEY, M. I. (Coord). O legado da Grécia uma nova avaliação. Brasília: Ed. UnB, 1998. p. 07-30. GROUT, Donald J; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 2001. WEST, M.L. Ancient Greek Music. Oxford: Oxford university, 1992. 12 Em alguns casos a palheta utilizada para se produzir à vibração também poderia ser simples, como em clarinetas utilizadas contemporaneamente. 5