Agência de Notícias Brasil-Árabe - SP 12/06/2004-07:00 O xadrez, o gamão e os árabes Conheça um pouco da história desses e outros jogos tradicionais e muito antigos, que têm sua origem de alguma forma ligada à cultura árabe, seja porque foram esses povos que os criaram, seja porque foram eles que os difundiram no Ocidente. gabriela moulin Gabriela Moulin São Paulo - Assim como as artes, a poesia, a música e a literatura, também fazem parte da expressão cultural de um povo seus jogos e brincadeiras. Muitos dos jogos que conhecemos hoje - como gamão e xadrez - têm origem milenar e foram se adaptando ao longo dos séculos a culturas e tradições diferentes. Eles divertiram reis, nobres e sacerdotes e estiveram envolvidos em contos, lendas e histórias fantásticas. O gamão, hoje bastante difundido no Ocidente, por exemplo, teria surgido no Oriente há milhares de anos. A referência mais antiga ao jogo foi encontrada em um túmulo real da civilização sumeriana, na antiga Mesopotâmia (hoje Iraque). Após entreter fenícios, egípcios e gregos, o gamão chegou ao Império Romano, onde ganhou aficionados como os imperadores Calígula e Nero. Já o xadrez, o mais difundido de todos, acredita-se que tenha sido desenvolvido a partir de um jogo de guerra hindu, no século VII. Esse jogo era chamado de Chaturanga, palavra sânscrita que se refere aos quatro elementos dos exércitos na época: elefantes, cavalaria, carruagens e infantaria. Da Índia, o xadrez chegou até a Pérsia e, mais tarde, foi levado pelos árabes para a Europa. Como estes, originários das civilizações das antigas regiões da Mesopotâmia, Pérsia,
Babilônia, Índia e do Egito, diversos jogos foram inventados ou influenciados pela cultura árabe e se difundiram pela Europa - e daí para o resto do mundo - durante o domínio árabe na Península Ibérica, a partir do século VIII. Segundo o pesquisador e dono da loja especializada em jogos Origem, em São Paulo, Maurício de Araújo Lima, exemplares de jogos antigos estão expostos em diversos museus como o Metropolitan, em Nova York, o Louvre, em Paris, o Museu Britânico, em Londres, o Museu do Cairo, no Egito, e o Museu de Berlim, na Alemanha. E são uma fonte de informação sobre o passado e a história das civilizações. "Em sua origem, os jogos, assim como as artes, estiveram muito ligados às práticas religiosas, a rituais realizados pelas civilizações como forma de expandir sua ligação com o sobrenatural e aumentar seus conhecimentos sobre a vida e a morte", explica Lima. Ele lembra que os jogos desempenharam diversas funções sociais, como instrumentos de ensino e aprendizado e como forma de transmitir as conquistas de uma sociedade. Além, é claro, de divertirem crianças e adultos ao longo do tempo. Antigüidade A antiga região da Mesopotâmia, geograficamente situada entre os rios Tigre e Eufrates, que hoje abriga o Iraque, foi uma região de grande prosperidade e acolheu diversas civilizações: os sumérios, os acádios, os babilônicos e os assírios. Conquistada por persas, gregos e romanos, tornou-se o centro do Império Árabe nos séculos VIII e IX. Bagdá foi fundada pelos árabes no ano de 762. Pesquisadores do mundo todo buscam desvendar os jogos encontrados em escavações arqueológicas nessa região. Em 1920, o arqueólogo inglês Leonard Wooley descobriu na antiga Mesopotâmia um jogo de tabuleiro - chamado Jogo Real de Ur - que data de 3000 a.c., hoje guardado no Museu Britânico, em Londres. O jogo de Ur parece ter sido o favorito da nobreza sumeriana, pois os tabuleiros só foram encontrados nos túmulos dos nobres e das famílias reais, e é considerado o antepassado do gamão e de uma extensa família de jogos. Os pesquisadores supõem que tenham sido colocados ali para que as almas dos mortos pudessem se entreter na eternidade. As peças encontradas com os tabuleiros eram conchas com pontos em lápis-lazúli ou em argila, com marcas em madrepérola.
El-Quirkat Outro jogo milenar, provavelmente originário do Egito, é o Alquerque - uma espécie de ancestral do jogo de damas. O traçado de um tabuleiro de Alquerque foi encontrado gravado em gigantescos blocos de pedra que formam as paredes e o teto do templo de Kurna, no Egito, construído por volta de 1400 a.c. As regras deste jogo chegaram até o Ocidente pelas mãos dos árabes, que o difundiram nos países do litoral do Mediterrâneo, especialmente na Espanha. Da Europa o jogo foi levado para todas as partes do mundo, tendo chegado ao México com os conquistadores espanhóis. Uma das referências mais antigas do Alquerque surge em textos árabes com a denominação de El-Quirkat. Ele também é mencionado no "Livro dos Jogos", de Afonso X, rei de Leão e Castela entre 1241 e 1282. Livro dos Jogos O livro de Afonso X tornou conhecidos os mais notáveis e fascinantes jogos da história, ainda que se limitando a descrever aqueles conhecidos das culturas hispânica e árabe. O conteúdo desse livro, assim como o destino em geral das artes no Ocidente estão intimamente ligados à presença árabe na Península Ibérica, onde ficava o Reino de Castela. Os árabes estiveram cerca de 800 anos na Península Ibérica, o que levou muitos dos habitantes da região a se converterem à religião islâmica, a falar a língua árabe e a incorporar seus costumes. Afonso X, nascido em Toledo, era filho de Fernando III e Beatriz de Suabia, e viveu de 1221 a 1284, de 1252 até sua morte como rei. Conhecido como "O Sábio", teve um reinado marcado por guerras internas e pela luta contra os muçulmanos, mas teve também uma importante contribuição no campo da cultura, especialmente por ter inserido em Castela e Leão os preceitos do direito romano. Ele promoveu uma intensa troca de informações entre Oriente e Ocidente, juntando
conhecimentos cristãos, muçulmanos e judaicos, e fundando a "Escuela de Traductores de Toledo", na qual colaboraram as três culturas. Sob suas ordens, foram traduzidas para o castelhano o Alcorão, a Bíblia, o Talmud e a Cabala, além de uma coletânea de fábulas da Índia. O rei Afonso X foi talvez o primeiro governante do Ocidente a perceber nos jogos uma forma importante de manifestação cultural. E seu livro permitiu que estas manifestações perdurassem para a posteridade. Outros tabuleiros A maior parte da literatura especializada sobre jogos antigos e história dos jogos está escrita em inglês e francês, porém um bom livro em português é o "Os Melhores Jogos do Mundo", Editora Abril, edição de 1979, que, com sorte, se encontra em sebos. Nele encontra-se informação, por exemplo, sobre alguns jogos de origem árabe como A Corrida da Hiena, um dos favoritos das populações árabes do Norte da África, que surgiu de um antigo conto infantil, tradicional das tribos do Sudão. Segundo o conto, algumas mulheres saem de sua aldeia pela manhã e se dirigem para uma nascente distante, onde vão lavar roupa. À medida que terminam o trabalho, começam a voltar para casa, onde seus filhos a esperam. Mas a primeira mãe que chega de volta à aldeia é tomada por um acesso de loucura e solta uma hiena furiosa que havia sido capturada pelos caçadores. Após matar sua sede, a hiena faminta volta para a aldeia, atacando todas as mulheres. O jogo desenvolve-se sobre um esquema em espiral, que representa o caminho que vai da aldeia até a nascente. Os árabes geralmente traçam esse esquema na areia e usam pedras de diferentes cores ou formatos para representar a mãe e a hiena. Outro jogo de influência árabe é o Mancala, conhecido como o "jogo nacional da África". A palavra Mancala origina-se do árabe naqaala, que significa mover-se. A origem mais provável deste jogo está no Egito Antigo. A partir do vale do rio Nilo, o jogo teria se expandido para o restante do continente africano e para o Oriente.
Alguns pesquisadores acreditam que o Mancala tenha cerca de 7 mil anos. Há vários indícios disso, como o fato de que foram encontrados tabuleiros em escavações arqueológicas na antiga cidade Síria de Aleppo; no templo de Karnak, no Egito; e no Theseum, em Atenas. A expansão do Mancala no mundo árabe se deu em paralelo à expansão do islamismo nos séculos VII e VIII, houve também uma paralela expansão do Mancala no mundo árabe. Posteriormente, foi trazido para as Américas pelos escravos africanos. O jogo é atualmente praticado em toda África, no sul da Ásia, Américas e grande parte da Oceania. Já o Kairam é um dos mais difundidos jogos no Iêmen. Trata-se de uma espécie de sinuca rudimentar da qual participam duas pessoas, cada uma com nove peças - discos de cores diferentes. Há ainda duas outras peças: um disco vermelho, chamado de "rainha" e outro disco igual às peças denominado de "batedor". O tabuleiro do Kairam é quadrado e tem em cada um dos seus quatro cantos um buraco, que serve de caçapa. O Iêmen ocupa uma região que era chamada pelos romanos, na Antiguidade, de Arábia Feliz, por causa de suas terras férteis em contraste com o deserto que dominava o restante da Península Arábica. A região abrigou o famoso Reino de Sabá e converteu-se ao islamismo no século VII. Mais informações O sítio na internet "Jogos Antigos" (www.jogos.antigos.nom.br) é uma boa fonte de consulta. É possível, além de informações, encontrar os próprios jogos antigos na loja Origem (www.origem.com.br), em São Paulo e Belo Horizonte. http://www.anba.com.br/ www.inovsi.com.br