O TEXTO JORNALÍSTICO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE LEITURA E REFLEXÃO

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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL IV SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO 1969-2009: Memória e história na/da Análise do Discurso Porto Alegre, de 10 a 13 de novembro de 2009 O TEXTO JORNALÍSTICO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE LEITURA E REFLEXÃO Magda Regina Lourenço Cyrre magcyrre@gmail.com Doutoranda Unisinos INTRODUÇÃO Propõe-se neste trabalho um estudo semântico sobre leitura e interpretação de textos em sala de aula de Ensino Médio da rede estadual de ensino. Este estudo situa-se de acordo com os pressupostos teóricos da Semântica do Acontecimento e da Análise do Discurso. O trabalho enfoca trechos de reportagens publicados na mesma data nos jornais Correio do Povo e Zero Hora, e compara as interpretações diversas que a mídia atribui a enunciações provenientes de sujeitos políticos, enquanto seres que ocupam lugares sociais específicos em nossa sociedade e seres locutores origem de um dizer. Os objetivos específicos são: a) analisar como o acontecimento político é representado e noticiado pela mídia impressa; b) analisar como a mídia explorou a repercussão da divulgação de acontecimentos discursivos envolvendo questões éticas na política; c) verificar como os acontecimentos de linguagem em análise constituem sentido e podem ser trabalhados em sala de aula; d) mostrar que o ensino da leitura e da interpretação textual pode contribuir para a formação de sujeitos éticos e politizados. O presente estudo se justifica por propor uma análise em que se verifica como um acontecimento organizado em sua discursividade e materialidade histórica possibilita leituras e reflexões sobre a nossa sociedade. Em se tratando de um estudo que se filia à Análise do Discurso (AD) e à Semântica do Acontecimento, é preciso lembrar que tanto na teoria quanto na práxis da análise dos acontecimentos discursivos selecionados será necessário relacionar a história, a filosofia e outros conhecimentos para a instauração de novos gestos de leitura, entendendo a leitura como um processo de instauração de sentidos

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Consideraremos neste estudo que a interpretação está presente em toda e qualquer manifestação de linguagem. Não há sentido sem interpretação, porém o(s) sentido(s) não são evidentes, embora pareçam ser e por isso mesmo são passíveis de equívocos. As expressões lingüísticas não são transparentes, considerando que sua relação com o real é histórica. Em busca dos sentidos(s) veiculados, nas publicações da imprensa, em matérias sobre política, nos confrontamos, assim como Pêcheux (2006), com o entrecruzamento de caminhos: o do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação no interior da análise do discurso. Pêcheux (2006) trata o discurso como acontecimento, afirmando que o discurso pode desestruturar-se e reestruturar-se a partir das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele emerge. Associado a isso, o discurso é o índice capaz de uma inquietação nas filiações sócio-histórica de identificação, na proporção em que ele forma simultaneamente um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço. Pêcheux (2006) afirma que a identificação não ocorre de forma linear e que não existe ligação sócio-histórica que não sofra, de uma forma ou de outra, o que ele denomina de infelicidade no sentido performativo do termo, levando a um desvio de pessoa, pois é em relação ao outro, objeto da identificação, que ocorre a variação. Ao reconhecer o discurso como acontecimento, Pêcheux percebe que, se não houvesse esse desvio de pessoa, se daria somente uma justaposição caótica (ou uma integração supra-orgânica perfeita) de animais humanos em interação... (PÊCHEUX, Michel. O Discurso Estrutura ou acontecimento, 2006). Pêcheux ainda afirma que não é possível haver uma descrição pura de um acontecimento sem que haja interpretação. Isso porque toda descrição quer se trate da descrição de objetos ou de acontecimentos ou de um arranjo discursivo-textual, a partir do momento em que nos prendemos firmemente ao fato de que não há metalinguagem está intrinsecamente exposta ao equívoco da língua. Ou seja, todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se desloca discursivamente de seu sentido original para derivar para outro. Em vista disso, pode-se considerar como mito acreditar que a mídia impressa possa ser fonte de informação neutra. Assim como Guimarães (2005), coloco-me numa posição materialista, junto com aqueles que não tomam a linguagem como transparente, considerando que sua relação com o real é histórica. Ou seja, o sentido das expressões lingüísticas não pode ser considerado referencial, não se pode significar a partir de um conceito de verdade, as expressões lingüísticas significam no enunciado pela relação que têm com o acontecimento em que funcionam. Consideramos o acontecimento assim como Guimarães: o aparecimento de enunciados com certas características sociais e históricas. O histórico tem de levar em conta sua relação com as formações discursivas. Tal acontecimento não é o sempre novo. Ele é um acontecimento no tempo, e só é novo enquanto acontecimento no tempo. E, na medida em que a enunciação se dá, o que nela há de novo pode levar, até mesmo, a uma transformação nas

formações discursivas, o que cria espaço para novos enunciados e novos signos. Nesse sentido, é importante observar o funcionamento da linguagem mobilizada para compor as matérias publicadas pela mídia impressa sobre o acontecimento discursivo da CPI do DETRAN. É importante investigar como o acontecimento é reescrito, discursivisado pelos diferentes órgãos de imprensa, como é interpretado, como ele produz efeitos de sentidos diferentes na medida em que faz emergir de formas distintas o que deveria ser silenciado. O acontecimento lingüístico significa porque projeta sobre si mesmo um futuro e ao mesmo tempo significa porque recorta um passado como memorável. Em vista disso, partimos do pressuposto de que todo acontecimento político noticiado é uma interpretação já que inicialmente o fato passa por um procedimento de reescritura: primeiramente feita pelo jornalista que inscreve em seu texto sua memória e sua formação ideológica - na matéria jornalística, e posteriormente pelos leitores de jornal. POLÍTICA E ÉTICA Aristóteles atribui à ética e à política o mesmo objetivo: a felicidade. A felicidade, para ele, era a vida boa; e esta corresponderia à vida digna. E, ao contrário do que muitos pensam, tanto nesse tempo como hoje, tal felicidade não reside na acumulação da riqueza ou dos bens exteriores, que apenas são instrumentos úteis. Assim, o que realmente importa são a inteligência e costumes excelentes, os bens da alma. Nessa direção, em Aristóteles haveria uma subordinação da ética à política: os tratados éticos e os tratados políticos pertencem a um mesmo estudo, classificado como política. E assim apresentadas, a felicidade pública não difere da felicidade privada. A vida virtuosa pode ser mais ativa ou mais contemplativa. Aristóteles aproveita para reforçar a ideia da necessidade de uma sociedade política honesta. A felicidade é, assim, tanto nos particulares como nas sociedade políticas, fruto de uma ação ponderada, previamente refletida. De uma ação fruto da virtude, e de uma virtude pensada. A cidadania tem, pois, de ser virtude, e só ela conduziria à felicidade. Em sua Política, Aristóteles, referindo-se à Ética, destaca que sua ideia de felicidade se associa à identificação do melhor governo, compreendendo-se este melhor governo como aquele em que cada um melhor encontra aquilo de que necessita para ser feliz (ARISTÓTELES, Tratado da política, 2000). Um Estado só pode ser feliz, conforme Aristóteles, caso se mantenha nele virtude e prudência. Aristóteles afirma que, tanto na esfera coletiva quanto na ação particular, a vida feliz consiste no livre exercício da virtude e a virtude no meio-termo; donde se segue, necessariamente, que a melhor vida deve ser a vida média, encerrada nos limites dum bem-estar que toda a gente pode conseguir. O que dizemos da virtude e do vício do Estado deve se dizer do governo que é a vida de todo o Estado. (Aristóteles, Tratado da política, 2000). Na vida coletiva, assim como na conduta individual, Aristóteles entende o hábito como o grande princípio regulador da ação. Embora, hoje, ética e política sejam dois conceitos quase que contraditórios, ambos os termos, em Aristóteles, tratavam de postular a obtenção da virtude. E virtude está relacionada à prudência. A linguagem enquanto ação de seres humanos pode ter a qualidade de revelar a verdade. No entanto a violência é de

fato a única espécie de ação humana que por definição é muda; não é mediada por palavras nem funciona através delas. Em todas outras espécies de ação, políticas ou não, agimos na fala e a fala é ação. Na vida política ordinária, essa relação íntima entre palavras e atos é rompida na violência da guerra; então, nada depende mais de palavras e tudo depende da ferocidade muda das armas. (ARENDT, 1993). OBJETOS DE ANÁLISES Capa do Jornal Correio do Povo -10.06.2008 Capa do Jornal Zero Hora 10.06.2008 Utilizando como procedimento de análise a comparação, percebe-se que o texto e as imagens do acontecimento que foi noticiado pela imprensa passaram por um processo de mudança de enfoque. O acontecimento foi o mesmo, mas a forma como foi discursivisado por cada órgão de imprensa possibilita diferentes leituras. Isso porque a mídia tem o poder de escolher o que vai noticiar e como vai noticiar. A escolha das enunciações que foram publicadas e dos itens lexicais que integraram as manchetes nos dois jornais analisados comprova como a imprensa interpreta os acontecimentos que foram notícia para o público leitor. Observa-se claramente que o mesmo acontecimento foi discursivisado de modo diferente e dessa forma produziu efeitos de sentidos diferentes na medida em que fez emergir de forma distinta o que deveria ser silenciado

Observa-se que a impressa desempenha um papel de mediadora entre seus leitores e os acontecimentos noticiados. Mas o que os textos dos jornais apresentam não é o acontecimento, mas uma construção que permite ao leitor produzir formas de representação da sua relação com o acontecimento concreto. A imprensa constrói para o leitor novos sentidos, legitimados por significações que encarnam sentidos reconhecidos pela comunidade leitora. Portanto, o acontecimento noticiado é regulado por escolhas semânticas e enunciações de pessoas autorizadas a falar, e permitindo esse tipo de construção enunciativa e não outra, a mídia impressa controla e vigia o aparecimento de sentidos. Além disso, percebe-se claramente que as imagens selecionadas para compor o texto informativo, juntamente com a seleção dos vocábulos que integram as manchetes possibilitam o surgimento de novos sentidos para o acontecimento do dia anterior que virou notícia. Imagens, títulos, subtítulos, além do texto em si, formam um conjunto que propicia novas leituras. Nas manchetes de capa analisadas dos jornais Correio do Povo e Zero Hora, fica evidente que a mídia impressa tem o poder de mostrar ou ocultar o acontecimento noticiado. Parecendo noticiar os últimos acontecimentos em primeira mão, cada órgão de imprensa interpreta e discursivisa o mesmo acontecimento com enfoque diferente. Em vista disso tudo é que um único acontecimento possibilitou o surgimento de notícias diferentes. Tal análise permitiu tomar o acontecimento em sua constituição por meio da relação poder-saber. Constituído assim, o acontecimento é uma estratégia discursiva cuja finalidade é agir sobre as ações dos leitores de jornal. Se o leitor tiver acesso a informação somente pelo texto de Zero Hora pode não perceber o clima de violência que se instaurou no Governo Yeda Crusius. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, constatamos que a mídia impressa busca por meio da elaboração de seus textos noticiosos a divulgação de um discurso que produz efeitos de controle ideológico, favorecendo a interesses de terceiros, e em busca da conquista de audiência. Ou seja, a mídia revelou ser detentora e controladora do saber. Isto é, a mídia é poderosa quanto a sua capacidade de impor o que virará notícia e o que a sociedade pode ou não saber. Conclui-se que o professor deve chamar a atenção de seus alunos sobre o(s) sentido(s), a interpretação que um mesmo acontecimento pode vir a ter. Além disso, deve ensinar a seus alunos que o texto informativo não é neutro, pois os acontecimentos antes de virarem notícia passam por um processo de seleção e que isso já é interpretação. A mídia interpreta os fatos antes de divulgá-los e cabe ao leitor estar atento ao que está sendo atualizado. De acordo com o lugar histórico-social que ocupa o sujeito leitor e a memória que ele atualiza ao realizar a leitura, cada enunciado que compõe o texto poderá ter sentidos e não um único sentido. Pensar sobre essas questões com estudantes de ensino médio desenvolve o senso crítico do sujeito leitor e faz pensar o que é ética e o quanto ela está presente na publicação de uma determinada informação e não de outra. Isso só tem a contribuir para a formação de sujeitos éticos e politizados que não creem simplesmente em tudo que é divulgado pela

imprensa, mas que comparam, analisam e interpretam não só o texto, mas as condições de aparecimento daquela informação. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. A Condição Humana. São Paulo: EDUSP, 1991. ARISTÓTELES. Política. São Paulo. 2002.. Tratado de Política. São Paulo. 2000. CORREIO DO POVO. Empresa Jornalística Caldas Júnior. Ano 113 Nº 254 Porto Alegre, terçafeira, 10 de junho de 2008. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 27ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.. A ordem do Discurso. 15ª Edição. São Paulo: Loyola, 2007. GREGOLIN, Maria do Rosário. Discurso e Mídia: a cultura do espetáculo. (Org.). São Carlos: Claraluz, 2003. GUILHAUMOU, Jacques; MALDIDIER, Denise. Da Enunciação ao acontecimento discursivo em análise de discurso. In: História e Sentido na Linguagem. Eduardo Guimarães, (Org.). Campinas, SP: Pontes, 1989. GUIMARÃES, Eduardo. Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação. Campinas, SP: Pontes, 2005. MELO, Sandra Helena Dias de. O Discurso de Neutralidade na Imprensa. In: LINGUAGEM EM (DIS)CURSO, Tubarão, v. 5, n.1, p. 29-40, jul./dez. 2004. ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al.; Campinas,SP: UNICAMP, 1988.. Análise do Discurso: três épocas (1983). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por uma Análise automática do Discurso. PÊCHEUX, Michel. O Discurso Estrutura ou acontecimento, 2006. WEBER, Maria Helena. Comunicação e Espetáculos da Política. Porto Alegre: UFRGS, 2000. ZERO HORA. Rede Brasil Sul de Comunicação. Ano 45, Nº15. 625. 2ª Edição. Porto Alegre, terçafeira, 10 de junho de 2008.