ARQUEOLOGIA DE UMA FORTIFICAÇÃO O Forte Orange E A Fortaleza de Santa Cruz em Itamaracá, Pernambuco 1

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Transcrição:

ARQUEOLOGIA DE UMA FORTIFICAÇÃO O Forte Orange E A Fortaleza de Santa Cruz em Itamaracá, Pernambuco 1 Marcos Albuquerque 2 Stela Gláucia Alves Barthel 3 RESUMO Este artigo refere-se a uma pesquisa realizada durante o curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, da Universidade Federal de Pernambuco, no ano de 2007 e enfocou o período colonial no Brasil em dois momentos próximos e distintos e dois sistemas construtivos representativos da engenharia militar do século XVII empregados no mesmo espaço. O primitivo forte Orange, construído em 1631 pela Companhia das Índias Ocidentais durante o período de ocupação de vinte e quatro anos, fazia parte do sistema de defesa elaborado para as capitanias de Pernambuco e de Itamaracá. A fortificação trocou depois o nome para Fortaleza de Santa Cruz, mas até hoje prevalece o nome primitivo, Forte Orange. Foi analisada neste trabalho a mudança do sistema construtivo e da disposição dos edifícios dentro do perímetro delimitado pelas 94 1 BARTHEL, Stela Gláucia Alves. Arqueologia de uma Fortificação: O Forte Orange e a Fortaleza de Santa Cruz em Itamaracá, Pernambuco. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação Patrimonial, UFPE, 2007. 2 Arqueolog Pesquisas LTDA, Recife-PE. 3 Departamento de Arquitetura, Faculdade ESUDA.

muralhas, tomando-se como base relatos históricos e os resultados encontrados em duas campanhas arqueológicas. PALAVRAS-CHAVE: Fortificações, sistemas de defesa, Arqueologia histórica. ABSTRACT This articlee refers to a survey conducted during the Master s course at the Postgraduate Program in Archaeology at the Federal University of Pernambuco and focused on the colonial period in Brazil in the near two and different times and two representative building systems of military engineering of the seventeenth century, employed in the same space. The primitive Orange fort, built in 1631 by the Western India Company during the occupation period of twenty-four years, was part of the defense system designed to the captaincy of Pernambuco and Itamaracá. The fortification after changed its name to Fortress of Santa Cruz, but so far prevails the original name, Orange Fort. It was analyzed in this work the changing of the building system and the layout of the buildings within the perimeter bounded by the walls, taking as base historical accounts and the results found in two archaeological campaigns. 95 KEY WORDS: Fortifications, defense systems, historical arqueology.

1. O FORTE ORANGE E A POSTERIOR FORTALEZA DE SANTA CRUZ O primitivo Forte Orange era feito de taipa, na variação conhecida como torrão, especialidade dos engenheiros militares da Companhia das Índias Ocidentais (MELLO NETO, 1983). As muralhas em taipa foram mantidas até 1696, quando foram demolidas e substituídas por novas muralhas em pedra e cal. Os relatos históricos falam de uma reconstrução, mas partiu-se da hipótese de que houve uma nova construção, ficando o que restou do antigo Forte Orange sob a atual fortaleza. O estudo tomou como base livros, mapas e documentos feitos na época da ocupação, no século XVII, relatos históricos do Arquivo Ultramarino (AHU), livros e documentos sobre a arquitetura militar e o trabalho de Reis Filho (2000) sobre vilas e cidades da época colonial no Brasil. E ainda os resultados encontrados em duas campanhas arqueológicas, efetuadas sob a coordenação dos Professores Doutores Marcos Albuquerque e Veleda Lucena, do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre os anos de 2002 e 2003. O que mudou em relação ao conhecimento sobre esta fortificação após a pesquisa arqueológica? 96 A taipa era o sistema construtivo que melhor respondia ao armamento da época: balas de canhões (Figuras 1 e 2), arcabuzes e mosquetes.

Figura 1 - balas de canhão do forte Orange encontradas na pesquisa arqueológica. 95 Figura 2 - canhão- instituto arqueológico histórico e geográfico de Pernambuco. A taipa era rápida no que se referia à execução, econômica e não causava um grande impacto onde o edifício se instalava. O maior problema era a manutenção, pois exigia constantes reparos (MIRANDA, 2006: 43). A abordagem arqueológica utilizou a Teoria Geral dos Sistemas (BERTALLANFY, 1976). O forte Orange foi visto como um subsistema do

sistema de defesa da área ocupada pela Companhia das Índias Ocidentais e como um sistema próprio, com subsistemas como quartéis, casa de pólvora, alojamentos etc. Para o estudo foi utilizada a metodologia empregada por Lucena (1996) no Forte de Óbidos, no Pará, na sua tese de Doutorado: 1- a análise do risco ; 2-a análise da mão de obra empregada; 3- a análise da matéria-prima. O forte Orange foi peça importante para a conquista da Ilha de Itamaracá e a sede da capitania, a vila fortificada de Nossa Senhora da Conceição, atual Vila Velha (PUDSEY, 2000: 171). Controlava também o Porto de Pernambuco (atual Sítio dos Marcos, em Igarassu) e o acesso ao Canal de Santa Cruz. Ou seja, sua localização era estratégica. O atual edifício foi tombado em 1938 pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). A Fortaleza de Santa Cruz, conhecida como Forte Orange pelos habitantes da Ilha de Itamaracá, é um dos principais monumentos do estado de Pernambuco, é a principal atração turística do município e é uma das maiores fortificações do Nordeste. Já passou por várias reformas desde que se transformou em um forte luso-brasileiro após a saída da Companhia das Índias Ocidentais das terras brasileiras, em 1654. 95 Em 1645 o viajante alemão Schmalkalden, que se encontrava a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, desenhou o forte Orange com um Hornaveque (Figura 3). Em arquitetura militar, este elemento representa uma estrutura exterior a uma fortificação, composto de dois meio-baluartes e uma cortina.

Figura 3 - forte Orange desenhado em 1645 por Schmalkalden, fonte: a viagem de Caspar Schmalkalden, 1998, pág. 97. Entre os mapas pertencentes ao Conde alemão João Maurício de Nassau, foi encontrado um do Forte Orange, que também apresenta um Hornaveque (Figura 4). 96 Figura 4 - Forte Orange, Planta encontrada no arquivo do reino, em Haia, sem autor e sem data. A pesquisa arqueológica buscou entender o funcionamento das duas fortificações e seu relacionamento com os aspectos culturais e sociais (SOUZA, 1995: 119). Ao contrário do que fala o historiador alemão Wätjen (2004: 286), de que a

Companhia das Índias Ocidentais não havia deixado um só vestígio nos territórios ocupados, os vestígios do antigo forte Orange ainda existem. As áreas pesquisadas foram: 1- a capela e os quartéis luso-brasileiros, que se encontravam aparentes, sendo que uma parte destes últimos estava colocada sobre os vestígios da antiga casa de pólvora do forte primitivo; 2- a praça de armas, com a pesquisa do poço luso-brasileiro que se encontrava aparente e os vestígios dos quartéis e do poço do primitivo forte, que estavam enterrados; 3- o terrapleno, onde foram encontradas parte da antiga muralha em taipa e a primitiva porta do forte, voltada para o Canal de Santa Cruz; 4- a área externa, onde foram encontradas parte da berma, da contraescarpa e do fosso, este último provavelmente já era da fortificação lusobrasileira. Não foram localizados os vestígios da primitiva parte externa da defesa, como o hornaveque e a paliçada, citados nos relatos e presentes na iconografia. 97 A planta a seguir é datada de 1763 e apresenta uma disposição dos quartéis semelhante à que existe hoje. Na legenda está o programa de necessidades: A- entrada; B, C, D, E, contra-muralhas; F- quartéis acabados; G- capela; H- casa do cabo de sobrado de baixo; J- casa de pólvora sobre uma abóbada de 10 palmos de alto; L- escadas; M- quartel para acabar, O- subida para os baluartes (Figura 5). O nome da capela de Nossa Senhora da Conceição é uma homenagem à Igreja de Vila Velha. Foram localizados aí sepultamentos de oficiais luso-brasileiros, com enxoval fúnebre, como terços, medalhas, insígnias e botões do fardamento. A Praça de Armas foi a área onde mais se encontraram artefatos de metal, como chumbo encadeado e uma alabarda, pontas de lança e tesouras, por ser o local de convivência e de trânsito (LUCENA, 1996).

Figura 5- quartéis luso-brasileiros- planta do forte que existe na ilha de Itamaracá- Petipé de 400 palmos, com 348x401 mm, colorida. Menezes; rodrigues, 1986, pág. 110. 98 A casa de pólvora primitiva foi encontrada conforme estava assinalada nas plantas da época, do lado esquerdo de quem entra na fortificação, pela porta que se encontrava voltada para o Canal de Santa Cruz. Parte dela estava sob uma sala assinalada nas plantas da escavação arqueológica como a de número 12. Havia evidências de reformas e reaproveitamento de materiais de construção, o que indica que foi utilizada pelos luso-brasileiros durante certo tempo. Os alicerces em pedra dos quartéis foram descobertos através de cortes. Em número de cinco, estavam localizados onde a iconografia os assinalava, soltos da contra-muralha. Há evidências de que foram utilizados pelos luso-brasileiros e provavelmente reformados. Havia uma grande variedade de materiais empregados, como tijolos amarelos, vindos da região da Frísia, na atual Holanda, tijolos vermelhos, pedra

calcária, arenito retirado dos arrecifes. Foram empregados nos pisos dos quartéis e depois reaproveitados nas rampas de acesso aos terraplenos, na base dos canhões. O poço primitivo estava no centro da Praça de Armas do Forte Orange, deslocado do centro atual da fortaleza luso-brasileira, porque tinha o perímetro menor que esta. Seu sistema construtivo empregava tijolos nas bordas e um barril de madeira, sem o fundo. O poço luso-brasileiro foi assinalado em relato do Imperador D. Pedro II, em visita à fortificação em 1859 (COSTA, 1952). Data de 1676. Estava aparente no centro geométrico da Praça de Armas, como é comum nas fortificações. Foi encontrada na pesquisa arqueológica, voltada para o Canal de Santa Cruz, a porta do primitivo forte Orange. Era pequena para ser a entrada principal, por onde deveriam passar carros de boi e a artilharia. Uma das hipóteses que não foi confirmada é de que esta porta seria a poterna, a porta de serviço, que dá geralmente para o fosso e que é usada como porta de emergência em caso de fuga. É a única porta de uma fortificação holandesa que existe no mundo hoje. 99 Oito metros de uma muralha em torrão, variação da taipa, foram encontrados sob o terrapleno, assim como restos de madeira e pregos usados na estrutura. Provavelmente existem mais partes desta muralha, ocultas sob os outros terraplenos. Desde o século XVII não se constroem mais fortificações em taipa e no Brasil são poucos os vestígios existentes, o que aumenta a importância desta descoberta.

Recentemente o Laboratório de Arqueologia da UFPE realizou uma curta campanha arqueológica, que colocou de novo em evidência parte da primitiva muralha em taipa e a porta, que agora de novo se encontram encobertas pelas areias do terrapleno, enquanto a edificação está passando por uma reforma. A berma é uma subunidade que se localiza dentro das fortificações, mas quando foi mudado o sistema construtivo para a pedra e cal, a berma do antigo forte Orange ficou na área externa, tendo sido recoberta por aterro. A estrutura envolvia todo o forte e era feita em pedra. O fosso encontrado é provavelmente da fortaleza luso-brasileira porque o seu desenho acompanha a inclinação dos baluartes da mesma. 100 2. CONCLUSÕES Sobre o primitivo forte Orange: o risco, ou seja, o projeto, é de Pieter Van Bueren, responsável por outras fortificações no Recife. Existiram três versões do forte, todas em taipa; os trabalhadores vieram de Amsterdam, como carpinteiros, ferreiros, mestres de obra, um mestre fortificador, mas foram empregados também soldados, índios e escravos; a princípio a matéria-prima vinha dos Países Baixos. Madeira, tijolos, pregos, cravos, telhas, cal. A argila para a taipa era encontrada em local próximo, assim como a pedra, tanto o calcário quanto o arenito (MELLO, 1976). Sobre a Fortaleza de Santa Cruz: o risco definitivo é de Antônio Correia Pinto; vários engenheiros trabalharam, entre eles Fernão de Souza Coutinho, que fez

reformas na Praça de Armas em 1671 e José Pais Estevens, em 1696, quando mudou o sistema construtivo, Pedro Correia Rebelo e Luis Francisco Pimentel, substituído por José de Macedo Corte Real. Foram empregados índios Tapuia no enchimento dos baluartes; houve reaproveitamento de material de construção do antigo forte Orange. Vieram pedras de Portugal para a contenção do avanço das águas do Canal de Santa Cruz e para as novas muralhas (DIAS, s/data). Cada uma das fortificações utilizou preceitos eruditos e normas técnicas vigentes na época, projetadas por engenheiros militares, que seguiam as recomendações das Escolas de Fortificação. O risco das duas não difere muito. São quadradas, com quatro baluartes. O perímetro da fortaleza luso-brasileira era maior e os quartéis estavam dispostos de maneira diferente. Utilizaram mão de obra indígena, escrava, mestres de obra, engenheiros militares e trabalhadores especializados. Utilizaram materiais encontrados nas redondezas. No forte Orange há materiais vindos dos Países Baixos e na fortaleza luso-brasileira há materiais de Portugal. A taipa das muralhas foi mantida, respondendo bem aos ataques luso-brasileiros durante o conflito. Os quartéis do primitivo forte Orange estavam soltos na Praça de Armas, enquanto que na fortaleza luso-brasileira foram utilizadas as paredes da contra-muralha. O local da Casa de Pólvora antiga foi mantido na fortaleza lusobrasileira, embora a entrada principal da fortaleza tenha sido deslocada em 90 graus em relação ao forte primitivo. Os quartéis holandeses eram assobradados, pela iconografia. Os luso-brasileiros eram térreos. Os poços de ambas se encontravam no centro geométrico de cada fortificação. 101

Em ambos os momentos de ocupação não havia população civil perto. A questão da alimentação das tropas poderia ter sido resolvida com os recursos encontrados na região, com a coleta de mariscos e de frutas e eventualmente a caça e a pesca. A água dos poços era de boa qualidade, pela presença de riachos próximos e uma fonte perene. Os relatos falam de reconstrução do forte Orange, mas este termo é inadequado para ser empregado em relação à fortaleza luso-brasileira de Santa Cruz. Não houve reconstrução e sim uma nova construção, que aproveitou do antigo forte Orange os materiais de construção. Este foi demolido e a área aterrada. Desapareceu. Houve mudanças na Engenharia Militar, com o estabelecimento de novos preceitos. A Escola Holandesa de Fortificações foi superada pela Escola Francesa de Vauban (DIAS, s/data: 109). Criou-se outro terreno sobre os vestígios do antigo forte holandês às custas de aterro. O traçado foi aumentado, sobreposto ao traçado antigo. As construções em taipa feita pelos engenheiros militares da Companhia das Índias Ocidentais eram reputadas como excelentes, mas eram obras realizadas em caráter emergencial (DIAS, s/data). A mudança da taipa para a alvenaria de pedra se deu principalmente pelos estragos provocados pelos avanços da água do Canal de Santa Cruz sobre as muralhas. 102

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda; WALMSLEY, Doris. Fortes de Pernambuco: imagens do passado e do presente. Recife: Grafftorre, 1999. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Projeto Arqueológico Forte Orange: Ilha de Itamaracá PE, 2002/2003. Itamaracá: Laboratório de Arqueologia da UFPE/ MOWIC Foundation, 2003, Diário de Campo. ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda; PESSOA, Ricardo Trilha dos Holandeses Uma Avaliação Geo-Arqueológica, Itamaracá, julho de 2003. A viagem de Caspar Schmalkalden de Amsterdã para Pernambuco no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Index, 1998, Coleção Brasil Holandês. BERTALANFFY, L. Von et al. Teoria dos Sistemas. Rio de Janeiro: FGV, 1976 (Série Ciências Sociais). 103 COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos: 1635-1665. Recife: Arquivo Público Estadual, 1952, Vol. III. DIAS, Pedro. História da arte luso-brasileira: urbanização e fortificação. Coimbra: Almedina, s/d. Fort Orange Project. Amsterdam: MOWIC Foundation, s/data. GALINDO, Marcos; MENEZES, José Luís Mota. Desenhos da terra: Atlas Vingboons. Recife: Instituto Cultural BANDEPE, 2003. LUCENA, Veleda. O Forte de Óbidos, uma unidade de defesa na conquista do Norte do Brasil. Um projeto de pesquisa. Revista de Arqueologia, São Paulo: vol. 8, nº. 2, 1994/1995, p. 303 a 319.

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