Resumo. 1. Objetivos. 2. Justificativa

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Transcrição:

Resumo Este projeto de doutorado insere-se no âmbito do projeto temático Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística Fase II (processo FAPESP 04/03643-0) e tem como objetivo investigar as características da sintaxe de posição do verbo em duas fases gramaticais do Português: a gramática do Português Europeu Moderno (PE) e a gramática do período imediatamente anterior ao PE. Além disso, pretende-se delimitar no tempo o momento em que se dá a mudança entre esses dois sistemas gramaticais. Trabalhamos com a hipótese de que a gramática do Português Europeu era organizada com base no efeito V2 (verbo em segunda posição), vindo a perder essa característica a partir do século 18, quando se observa a emergência de certos aspectos sintáticos que caracterizam a gramática do PE e que não eram até então atestados. 1. Objetivos Neste trabalho, pretende-se estudar, a partir do quadro teórico da gramática gerativa, a questão da sintaxe de posição do verbo na história do Português Europeu, especificamente o período que se estende do século 16 ao 19, norteando-se pelas seguintes questões: Quais são as características da sintaxe de posição do verbo da gramática imediatamente anterior à do PE? Em que aspectos o PE se diferencia da gramática que o precede com relação ao posicionamento do verbo? Quando e como ocorre a mudança entre os dois sistemas gramaticais? 2. Justificativa Em anos recentes, na literatura gerativista, considerável debate tem sido realizado sobre a ordem V2 (verbo em segunda posição) em línguas nas quais se manifestava esse fenômeno, mas que, ao longo de sua história, deixaram de apresentálo, como o Francês (cf. Adams 1987, Vance 1989, Roberts 1993) ou o Inglês (cf. van 1

Kemenade 1987, Weerman 1989, Kroch & Taylor 1997). Em termos descritivos, podese dizer que, nas línguas em que se opera o fenômeno V2, o verbo finito de sentenças matrizes é necessariamente precedido por apenas um constituinte sintático. Ou seja, seqüências do tipo Y+XP+V, em que Y é um elemento não-nulo, são agramaticais nas sentenças matrizes de línguas V2. Em relação à posição XP pré-verbal, ela pode ser ocupada ou pelo sujeito, ou por um complemento ou ainda por um constituinte de natureza adverbial, fato este que mostra não haver restrições quanto à natureza precisa do elemento que precede o verbo. Essas considerações iniciais são ilustradas em (1), onde apresento exemplos do Holandês Moderno (extraídos de Lightfoot 1995), uma típica língua V2: (1) a. [Peter] [bezoek] [den Haag] Pedro visita Haia Pedro está visitando Haia. b. [den Haag] [bezoek] [hij]. Haia visita ele. Ele está visitando Haia. b. [in den Haag] [bezoek] [hij] [het museum] em Haia visita ele o museu Ele está visitando o museu em Haia. No que se refere à sintaxe de ordenação dos constituintes na história do Português Europeu, existem indícios de que a gramática do Português Clássico, ou Português Médio 1, como passarei a designar aqui, também apresentaria algum tipo de efeito V2, em contraste com a não-ocorrência desse fenômeno no PE. O primeiro deles vem da observação dos padrões de posicionamento do sujeito em posição pré-verbal. De acordo com os dados apresentados em Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005), que estudam a colocação de clíticos na história do Português Europeu, no contexto das orações matrizes enclíticas ou proclíticas com o verbo finito em segunda posição 1 Galves (2004) chama a fase gramatical anterior ao PE de Português Médio (para distingui-la do Português Clássico, termo este que faz referência a um período definido de um ponto de vista cultural e literário). Essa gramática intermediária entre a do Português Arcaico e a do PE corresponderia ao período central da história gramatical do Português, estendendo-se do século 14 ao fim do 17, e é delimitada, em Galves (2004), com base em fatos do fenômeno da colocação de clíticos. 2

superficial, a proporção percentual durante os séculos 16 e 17 entre as ordens SV (sujeitos pré-verbais) e XV (X podendo ser um PP ou um advérvio) apresenta um paradigma diferente daquele que é atestado para o período de tempo que corresponde aos séculos 18 e 19. Esta diferença é percebida de forma mais nítida especialmente a partir da segunda metade do século 18, como atesta o gráfico 1. 2 Este primeiro gráfico possibilita observar que, nos textos escritos entre a primeira metade do século 16 e a primeira metade do século 18, a opção SV nunca é superior em termos percentuais à seqüência XV. Além disso, o índice de uso da ordem SV não se mostra constante ao longo desse tempo (0,48-0,39-0,48-0,37-0,50). Interessa agora apontar o contraste oferecido pelos textos a partir da segunda metade do século 18. Tanto no período de 1750-1799, como no de 1800-1850, a proporção da ordem de palavras SV é de 65%. Em nítida diferença ao padrão anterior a 1750, agora não só a seqüência SV é superior à XV, mas também o seu índice de uso permanece regular. Um paradigma com as mesmas tendências é verificado por Antonelli (em curso). Nesse trabalho, que recobre o mesmo período de tempo investigado por Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005), estuda-se também o fenômeno da colocação de clíticos no contexto das orações com verbo em segunda posição superficial, porém apenas no subconjunto das sentenças que envolvam o pronome clítico se. No gráfico 2, a partir do universo de sentenças que fazem uso especificamente do pronome se com valor nãopassivo, 3 verifica-se o panorama para a superficialização do sujeito em posição préverbal do século 16 ao 19. Em comparação ao gráfico 1, este segundo evidencia que, nos textos escritos entre a primeira metade do século 16 e a primeira metade do século 18, há uma oscilação ainda maior no percentual de uso da ordem SV (0,63-0,36-0,52-0,26-0,59). Além disso, os dados revelam que a seqüência com sujeitos pré-verbais não é a ordem de palavras necessariamente preferida nesse período de tempo. Na realidade, o que se nota é que, em certos momentos, a proporção da ordem SV é maior, ao passo que em outros é inferior ao índice percentual da ordem XV. Porém, nos dois últimos períodos de 50 anos considerados, a superficialização do sujeito em ordem pré-verbal emerge como a escolha nitidamente preferida e em escala ascendente (0,73 e 0,94, respectivamente). 2 Por uma questão de melhor formatação do texto, todos os gráficos se encontram no apêndice deste trabalho. 3 Com relação às sentenças com se passivo, há questões teóricas em torno do constituinte comumente entendido como sujeito que fogem ao escopo da presente discussão. Para uma problematização aprofundada desse tópico, cf. Raposo & Uriagereka (1996). 3

Como hipótese de trabalho para a explicação dos diferentes paradigmas relativos ao posicionamento do sujeito em posição pré-verbal que podem ser observados a partir desses dois gráficos, poderia ser argumentado que, nos séculos 16 e 17, o Português Europeu se caracteriza como uma língua que manifesta algum tipo de restrição V2. Isto explicaria a oscilação no percentual de uso entre as construções SV e XV, algo esperado de um sistema gramatical no qual a posição que precede o verbo não precisa necessariamente ser preenchida pelo sujeito, tal como se dá em gramáticas do tipo V2. Por sua vez, do século 18 em diante, a gramática do Português Europeu não exibiria mais um sistema V2, tomando como base para essa afirmação o fato de que, a partir desse período, a superficialização do sujeito antes do verbo é nitidamente a escolha mais empregada em relação à alternativa XV, alternativa esta que se torna uma opção mais marcada, em termos quantitativos. Outro indício em favor da hipótese de que o Português Médio (PM) seria uma língua de natureza V2, diferentemente da gramática do PE, vem da comparação entre a proporção da ênclise com sujeito em posição pré-verbal e a proporção da ênclise com outros sintagmas em posição pré-verbal. Isso é realizado em Paixão de Sousa (2004), de onde extraímos o gráfico 3, que apresenta tanto o índice percentual de SV com ênclise bem como o de XV com ênclise. É importante destacar que os resultados de Paixão de Sousa diferem dos que são encontrados em Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005) e daqueles registrados por Antonelli (em curso) em dois aspectos. Ao contrário destes dois últimos trabalhos, Paixão de Sousa não computa as sentenças com o clítico se. Além disso, o universo total considerado não é apenas o conjunto de ocorrências de próclise e ênclise nos contextos de variação, tal como investigados por Galves, Britto & Paixão de Sousa e Antonelli, mas sim a totalidade de sentenças afirmativas matrizes com clíticos, divididas em sentenças V1, V2 e V3. O gráfico 3 mostra que a proporção de construções XV com ênclise nas orações principais, em períodos de 50 anos, superficializa-se num percentual de 0,024-0,004-0,009-0,007-0,030-0,012-0,115 (como esperado, a ênclise já é mais freqüente no século 19) 4. Por outro lado, a proporção de SV com ênclise em orações principais, em cada período de 50 anos, é de 0,000-0,004-0,006-0,024-0,051-0,156-0,319. Isto é, observa-se um acentuado aumento na freqüência de sujeitos pré-verbais com ênclise entre a primeira e a segunda metade do século 18 (de 0,051 para 0,156), paradigma este que 4 Para uma visão geral da distribuição da ênclise em relação à próclise nesse período, cf. Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005). Adiante, esse panorama geral será apresentado. 4

não é acompanhado pelo contexto XV (que passa de 0,030 para 0,012 no mesmo período); e, embora o aumento da ênclise seja finalmente observado com não-sujeitos no último período de tempo, a proporção de SV com ênclise permanece 20 pontos percentuais mais elevada do que a de XV com ênclise (0,319 para 0,115). Ressalte-se ainda que as duas construções têm uma proporção idêntica nos textos até a segunda metade do século 17 (0,024-0,004-0,009-0,007 para XV, e 0,000-0,004-0,006-0,024 para SV). Os resultados de Paixão de Sousa também podem ser interpretados a partir da hipótese de que, até o fim do século 17, o fato de não haver um contraste entre a proporção da ênclise em sentenças SV e sentenças XV é um indicativo de que sujeitos pré-verbais e tópicos deslocados poderiam ocupar a mesma posição, tal como ocorre em línguas de estrutura V2. Já o contraste observado entre esses dois tipos de construções, a partir de 1700, pode ser tomado como um indício de que os sujeitos em posição préverbal e os tópicos deslocados não estariam mais ocupando uma mesma posição em comum. A idéia de que, a partir do século 18, sujeitos pré-verbais e tópicos deslocados deixam de compartilhar a mesma posição sintática, tal como sugerem os resultados dos três trabalhos apresentados anteriormente, é compatível com fatos sintáticos da gramática do PE. Conforme discutido em Costa (1998), construções de múltipla topicalização apresentam um considerável grau de degradação no PE, ao passo que sentenças com apenas um tópico em posição pré-verbal são perfeitamente gramaticais. Assim, os exemplos em (2) e (3) são considerados mais marcados do que (4), e, para que sejam aceitos, é necessário que haja uma pausa prosódica entre o segundo PP préverbal e o verbo. (2)?/?? Sobre o tempo, com o Pedro, falei. (3)?/?? Com o Pedro, sobre o tempo, falei. (4) Sobre o tempo falei com o Pedro. Um aspecto interessante, conforme destacado por Costa, é que o contraste entre (2) e (3), por um lado, e (4), por outro, não é reproduzido em construções como (5), que envolvem um sujeito pré-verbal e um constituinte não-sujeito deslocado: tanto não há 5

grau algum de degradação como também não é necessário introduzir uma pausa entre o sujeito e o verbo. Por sua vez, alterar a ordem entre o sujeito e o PP afeta a aceitabilidade da sentença, como evidencia o exemplo (6). (5) Com a Maria, O Pedro falou. (6)?? O Paulo com a Maria falou rapidamente. Esses fatos indicam haver um claro contraste entre sentenças com sujeitos préverbais e sentenças com múltiplos tópicos, o que parece dar apoio à idéia de que os sujeitos não se comportam como tópicos deslocados e, por conta disso, ocupam uma posição diferente da que é preenchida por tópicos não-sujeitos. Tal conclusão, portanto, vem ao encontro da hipótese de que, com a perda do efeito V2 na passagem do PM para o PE, posições sintáticas distintas passam a ser reservadas para o sujeito pré-verbal e para constituintes não-sujeitos superficializados antes do verbo. À luz desse conjunto de dados, resta saber então qual a posição ocupada pelo verbo na gramática do PM e as mudanças que ocorreram na passagem para o PE. Enquanto que para o PE têm sido apresentadas propostas para a localização do verbo na estrutura oracional, 5 para o PM trata-se de uma questão a ser devidamente investigada ainda. Na realidade, o que se tem até o momento são apenas estudos que sugerem haver algum tipo de restrição V2 na gramática do Português desse período, ao se postular que não há uma posição pré-verbal exclusiva para o sujeito (cf. Galves, Britto & Paixão de Sousa 2005, Paixão de Sousa 2004). No entanto, falta ser realizada uma discussão sistemática que problematize especificamente a questão da posição do verbo dentro da estrutura sintática do PM, atentando para as possíveis diferenças ocorridas de uma fase para outra da língua. Além disso, um estudo detalhado dessa natureza que enfoque tais questões de uma perspectiva diacrônica poderá ainda lançar um esclarecimento maior de como e quando ocorre, em textos escritos, a emergência da gramática do PE, a partir da perspectiva da questão da sintaxe de posição do verbo. 3. Quadro Teórico 5 Cf. Benincà (1995), Raposo (2000), Galves & Sândalo (2004), entre outros. 6

3.1. A concepção de gramática na Teoria de Princípios e Parâmetros Neste projeto de pesquisa, assumo a concepção de gramática do modelo gerativista da Teoria de Princípios e Parâmetros em sua versão minimalista, tal como delineado em Chomsky (1995). Nesse modelo teórico, o estado inicial da faculdade da linguagem (Gramática Universal), inato a todos os indivíduos, é caracterizado como um conjunto de princípios gerais com parâmetros abertos, e as gramáticas particulares são entendidas como o resultado da fixação de valores paramétricos específicos, fixação esta baseada nos dados lingüísticos primários aos quais a criança tem acesso no processo de aquisição da linguagem. 3.2. A Mudança Sintática Dentro da Teoria de Princípios e Parâmetros, as diferenças sintáticas entre dois ou mais estágios de uma língua, assim como as diferenças entre as línguas, são analisadas em termos de fixação diferente para um determinado parâmetro. Nesse sentido, a mudança sintática é vista como mudança de parâmetro, e, em razão disso, fortemente vinculada à aquisição da linguagem. Ou seja, a mudança ocorre quando as crianças são levadas pelas propriedades dos dados lingüísticos primários aos quais são expostas a escolher uma gramática diferente da dos adultos. Para os estudos diacrônicos, tal concepção de mudança direciona o olhar do pesquisador para a tentativa de descobrir propriedades nos dados lingüísticos que induzem as crianças a uma análise destes dados diferente da dos adultos, ocasionando a mudança lingüística. Quanto à propagação da mudança, especialmente na forma como é manifestada na linguagem escrita, assumo que, embora a mudança gramatical seja de natureza abrupta no processo de aquisição da linguagem, a sua difusão no desempenho escrito dos falantes ocorre em meio a uma tensão entre a gramática nova e a gramática antiga, produzindo o que Kroch (1994, 2001) chama de Competição de Gramáticas. Assim, o que se vê nos textos não é a mudança em si, mas suas conseqüências. 4. Sintaxe de posição do verbo e mudança gramatical: hipóteses preliminares 7

O estudo da sintaxe de posição do verbo, no âmbito da teoria da gramática gerativa, envolve em particular uma pergunta abstrata que vai além da descrição da ordem relativa do verbo com os outros constituintes da oração, e que se coloca nos seguintes termos: em que categoria funcional se encontram o verbo e os constituintes que o precedem e o seguem? Diante dessa indagação, e motivado pela hipótese de que a gramática imediatamente anterior à do PE apresentava algum tipo de restrição V2, apresento inicialmente uma discussão sucinta de como tem sido analisada a ordem de palavras V2 nas línguas onde esse fenômeno é registrado. Em seguida, mostro como essas interpretações podem ser articuladas diante de fatos sintáticos do PM preliminarmente investigados, apontando para certas hipóteses e aspectos que deverão ser analisados mais profundamente na tarefa de definir a posição do verbo na estrutura oracional da gramática do Português desse período. Mostro ainda que tais hipóteses preliminares, por sua vez, possibilitarão uma comparação sistemática com análises que têm sido propostas para os fatos relacionados à questão da posição do verbo no PE, e, desse modo, permitindo também compreender o que de fato mudou de uma fase a outra. Além disso, apresento uma direção de trabalho inicial para a tentativa de delimitar no tempo a possível mudança ocorrida do PM para o PE. 4.1. Análises do fenômeno V2 Dentro do quadro teórico da gramática gerativa, vários estudos têm indicado que a restrição V2 pode ser interpretada como o resultado do movimento do verbo para uma de duas posições diferentes, a depender da língua investigada. Em línguas como o Holandês, o Alemão ou as línguas escandinavas continentais, a ordem de palavras V2 tem sido entendida como uma derivação do movimento do verbo finito para a posição de Comp (C 0 ) e concomitante movimento de alguma projeção máxima para [Spec, CP] (cf. den Besten 1983). Em outras línguas germânicas (Iídiche e Islandês), no entanto, a ordem V2 pode refletir o movimento do verbo finito para uma posição mais baixa. Em trabalhos que adotam a estrutura frasal proposta em Chomsky (1986), esta posição é I (I 0 ) (cf., entre outros, Diesing 1990 e Santorini 1992, para o Iídiche, e Pintzuk 1991, para o Islandês). Isso tem motivado os pesquisadores a nomearem de línguas CP-V2 aquelas em que o verbo se move para a projeção de CP, ao passo que aquelas nas quais o verbo permanece em I 0 são designadas de línguas IP-V2. 8

A principal razão para essa subdivisão em torno do fenômeno V2 tem a ver com fatos atestados no contexto das orações dependentes. Enquanto que todas as línguas V2 apresentam essa restrição em sentenças principais, os dois subtipos diferem na disponibilidade de tal ordem de palavras em sentenças encaixadas. Tomando-se como exemplo o Alemão, pode-se verificar que as línguas CP-V2 permitem a ordem de palavras com o verbo em segunda posição apenas nas orações principais, como atestam os exemplos em (7). (7) a. Er hat ihm gestern gesehen (van Kemenade 1997: 327) Ele tem o ontem visto Ele o viu ontem b. Gestern hat er ihm gesehen (ibid.) ontem tem ele o visto Ele o viu ontem c. *...daß gestern hat er ihm gesehen (op. cit.: 328) que ontem tem ele o visto d. *...daß hat er ihm gestern gesehen (ibid.) que tem ele o ontem visto e....daß er ihm gestern gesehen hat (ibid.) que ele o ontem visto tem que ele o viu ontem. Já no caso das línguas IP-V2, além da ordem V2 ser atestada em orações principais, no contexto de orações encaixadas essa restrição é igualmente registrada. Os 9

exemplos do Islandês em (8), extraídos de Rögnvaldsson & Thráinsson (1990), comprovam exatamente isso. (8) a. Ég held [aδ þegar hafi Maria lesiδ. Eu acredito que já tem Maria lido Eu acredito que a Maria já leu. b. Jón harmar [aδ þessa bók skuli ég hafa lesiδ João lamenta que este livro (v. modal) eu ter lido O João lamenta que eu tenha lido este livro. Em línguas CP-V2, a idéia é que, em orações principais, dada a ausência de material foneticamente realizado em Comp, o verbo seja alçado para essa posição (cf. 7a e 7b). Estando o núcleo de CP preenchido, como se supõe seja o caso das sentenças encaixadas, o alçamento do verbo para Comp é bloqueado. Vemos isso no contraste entre (7c) e (7d), por um lado, e (7e), por outro. Nesses três exemplos, o núcleo de CP é ocupado pelo complementizador daβ. O que se vê então é que a única opção gramatical é aquela em que o verbo finito permanece in situ, já que o movimento para Comp é impossibilitado pela presença do complementizador. Já em línguas IP-V2, o que se observa é que a ordem de palavras V2 é compatível mesmo com a presença de um complementizador, como atesta (8). Por conta disso, assume-se que o verbo passou por uma operação de movimento, porém tal movimento não se estende até o núcleo de CP, já que o complementizador se encontra ocupado, mas termina em alguma posição abaixo de Comp, como o núcleo de IP, por exemplo. 4.2. A posição do verbo no PM Como já procurei mostrar, há indícios que sugerem haver em operação, no PM, algum tipo de restrição V2. O desafio que se coloca então é investigar se a gramática dessa fase do Português Europeu possui características das línguas CP-V2 ou das línguas IP-V2. Isso pode ser verificado inicialmente por meio de uma descrição que tente verificar se há (a)ssimetria quanto ao fronteamento do verbo entre orações 10

principais e dependentes. Nesse sentido, é significativo o estudo preliminar de Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005), onde se afirma que, com relação ao PM, não há uma aparente assimetria entre orações matrizes e dependentes. De fato, os exemplos em (9) e (10) mostram que, tanto nas principais como nas orações dependentes, o verbo se superficializa na segunda posição 6. (9) Orações matrizes a. O mesmo diz S. Clemente Romano nas Constituições Apostólicas. b. Muito jejua o entendimento de quem, por enobrecer uma coisa tão vil, envilece outra tão nobre... (10) Orações dependentes a. Consta do sobredito [que toda a santidade destes homens era superficial... b. Poderá ser [que unidos obrem mais fortemente este engano no coração de algum afligido... O fato de se ter a ordem V2 também nas dependentes, mesmo em presença de um complementizador, sugere que o verbo estende o seu movimento até uma categoria em posição mais baixa que Comp. A princípio, então, pode-se pensar que o PM seja uma língua do tipo IP-V2, em que o verbo é alçado para I 0 tanto nas orações matrizes bem como nas dependentes. Neste caso, o [Spec, IP] seria capaz de abrigar tanto o sujeito pré-verbal como também tópicos deslocados. No entanto, há um indício que sugere uma proposta alternativa de implementação da ordem V2, proposta esta que consiste na hipótese de que o movimento do verbo se dá para alguma projeção intermediária entre CP e IP. Martins (2003), dando continuidade a idéias formuladas em Laka (1990), defende a existência de uma categoria funcional localizada entre CP e IP, por ela denominada de Σ. Essa categoria seria responsável por codificar valores de polaridade, tais como afirmação, negação ou modalidade. Partindo da idéia de que os itens lexicais que se superficializam em respostas mínimas não-marcadas para perguntas do tipo sim/não são incorporados em Σ, Martins argumenta que a possibilidade ou não de elipse de VP (uma construção que permite que objetos verbais não sejam expressos) em resposta a perguntas do tipo 6 Os exemplos em (9) e (10) foram extraídos da obra de Manuel Bernardes intitulada Nova Floresta, e disponível no Corpus Tycho Brahe (http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus/index.html). Esse autor nasceu em 1644. 11

sim/não, como contrastado nos exemplos do Galego e do Espanhol em (11) e (12), pode ser associada ao fato de Σ portar ou não um traço de V forte. Em línguas nas quais Σ tenha um traço de V forte, o verbo sempre seria alçado para essa posição e, conseqüentemente, a elipse de VP seria licenciada, como no Galego. Se, por outro lado, Σ tiver um traço de V fraco, o verbo não se move para essa categoria e a elipse de VP não é então licenciada, tal como ocorre no Espanhol. (11) Galego: (Tu) décheslle o livro? Si, din. Você lhe deu o livro? Sim, dei (12) Espanhol Le diste el libro? * Sí, di. Você lhe deu o livro? Sim, dei. Com relação ao PM, estudo preliminar mostra a possibilidade de elipse de VP em resposta a perguntas do tipo sim/não, como é verificado nos exemplos (13) e (14). (13) Este servo de Deus, sendo de treze anos, enfermou gravemente. E, mandando chamar ao Padre António de Vasconcelos, da mesma Companhia, Reitor do Colégio do Porto, onde ele estudava as primeiras letras, lhe disse, com maior siso do que sua tenra idade prometia: Estou para morrer; quero-vos encomendar um riquíssimo tesouro, que tenho escondido; haveis de me dar palavra de cuidar dele como coisa própria. Sim, prometo (disse o bom padre). (Manuel Bernardes, 1644) 7 (14) Não deseja V. M. muito o mesmo? Sim, deseja. (António das Chagas, 1631) 8 Assim, é plausível admitir então que, dentro da linha de raciocínio de Martins, o PM seja uma língua em que a categoria Σ tenha um traço de V forte, capaz, portanto, de hospedar o verbo. Desse modo, a questão da não-existência de uma assimetria entre orações matrizes e dependentes em relação ao fronteamento do verbo finito também se explicaria em termos de movimento do verbo para uma categoria funcional entre CP e 7 Cf. a nota 7. 8 A obra Cartas Espirituais, de António das Chagas, de onde tirei o exemplo (15), também se encontra disponível no Corpus Tycho Brahe (http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus/index.html). 12

IP, e concomitante movimento de algum outro sintagma para a posição de especificador de semelhante categoria, de tal forma que a presença ou não de um complementizador foneticamente realizado não afetaria o movimento do verbo e a subseqüente derivação da ordem V2. Aliás, essa hipótese vai ao encontro da proposta de Schwartz & Vikner (1996), os quais argumentam que, em qualquer tipo de língua V2, o verbo sempre se move para fora do domínio de IP. Dada essa problematização, para que se possa determinar com precisão a real posição do verbo na estrutura sintática do PM, é imprescindível verificar em que medida se dá a (a)ssimetria entre orações principais e encaixadas, procurando detalhar também aspectos relacionados a construções do tipo elipse de VP. Não menos importante nessa tarefa de escolha entre as duas possíveis implementações para a restrição V2 deve ser a descrição sistemática da ordenação dos constituintes que precedem o verbo. Para tornar mais claro esse ponto, veja-se o exemplo (15), extraído de Raposo (2000), onde se tem uma oração bem formada no PE. (15) Muito whisky o capitão me tem servido! Tem-se admitido que, no PE, constituintes quantificados, tais como muito whisky, estejam localizados no especificador de uma determinada categoria intermediária entre CP e IP. 9 Aceito isto, em (16), como argumenta Raposo, o verbo provavelmente se encontra em I 0, dado que entre ele e o sintagma quantificado se encontra o constituinte com a função de sujeito o capitão, admitida a hipótese plausível de que o sujeito oracional possa ocupar a posição [Spec, IP]. Dentro dessa perspectiva, será importante averiguar, com relação aos dados do PM, até que ponto se atesta algum tipo de constituinte entre o verbo e o elemento no especificador da categoria funcional localizada entre CP e IP, e, em caso afirmativo, qual a natureza desse constituinte. As implicações disso são claras: havendo elementos que se interponham entre o verbo e o especificador da categoria acima de IP, é bastante razoável supor então que o verbo foi licenciado em I 0 mesmo, sem necessidade de alçamento para o núcleo de alguma outra categoria projetada acima de IP Além disso, qualquer que venha a ser a hipótese de implementação para a posição do verbo no PM, será necessário articular ainda uma proposta que dê conta da eventual natureza V2 dessa gramática com o fato de que, nessa fase do Português 9 Trata-se da categoria Σ, nos termos de Martins (2003), ou F, na terminologia de Raposo (2000). 13

Europeu, atesta-se de maneira bastante produtiva sentenças em que o verbo é o primeiro constituinte da oração. Portanto, torna-se importante compreender em que contextos a ordem V1 é licenciada, e como tal fato pode ser estruturado dentro de uma gramática onde se opera um certo tipo de efeito V2. 4.3. A Posição do Verbo no PE Para que haja uma comparação minuciosa entre a gramática do PM e a do PE no que diz respeito à sintaxe de posição do verbo, não basta que se tenha uma análise criteriosa dos fatos sintáticos atestados no PM. Trata-se de uma tarefa igualmente importante interpretar de maneira sistemática a sintaxe de ordenação dos constituintes no PE, para que se possam formalizar as eventuais mudanças ocorridas do sistema médio para o sistema moderno. Boa parte dos estudos que abordam a questão da posição do verbo na estrutura oracional do PE articula esse tópico ao fenômeno da colocação de clíticos e ao problema da posição do sujeito. Especificamente em relação à sintaxe dos clíticos do PE, sabe-se que a próclise é obrigatória em orações subordinadas bem como em orações matrizes nas quais o verbo é precedido ou por um elemento wh, ou por um sintagma quantificado ou por um constituinte focalizado. Orações Subordinadas 10 (16) a. Todo mundo sabe que a viste. b. *Todo mundo sabe que viste-a. Orações matrizes com verbo precedido por um elemento wh (17), um sintagma quantificado (18) ou focalizado (19) (17) a. Quem me chamou? b. *Quem chamou-me? (18) a. Alguém me chamou. 10 Esses exemplos da colocação de clíticos no PE foram extraídos de Galves & Paixão de Sousa (2004). 14

b. *Alguém chamou-me. (19) a. Só ele a entende. b. *Só ele entende-a. Por sua vez, a ênclise é categórica quando o verbo está na primeira posição absoluta (cf. 20) ou quando o verbo finito, nas orações matrizes, é precedido por um sintagma referencial, como um sujeito, por exemplo (cf. 21). (20) a. Deu-me um livro. b. *me deu um livro. (21) a. O João deu-me um livro. b. *O João me deu um livro. Benincà (1995), para dar conta de fatos relacionados à colocação de clíticos nas línguas românicas medievais, e ao mesmo tempo estendendo sua proposta para o PE, assume que nessas línguas o verbo sempre se move para o núcleo de CP, a menos que tal núcleo já esteja preenchido por um complementizador. Além disso, a autora defende a aplicação da generalização de Tobler-Mussafia (T-M), que impede a superficialização de pronomes clíticos na primeira posição absoluta da sentença. Com base nesses pressupostos, a autora propõe a seguinte lei para a colocação enclítica, em hipótese aplicável também ao PE: (22) Os complementos clíticos ocorrem após um verbo finito se e somente se o verbo regente está em C e o [Spec, CP] se encontra vazio. Dentro dessa proposta, a próclise em sentenças como (16) é explicada devido ao fato de que o verbo não se move para o núcleo de CP, dada a presença de um complementizador foneticamente realizado. Quanto aos exemplos de (17) a (19), é assumido, por um lado, que o verbo estaria em Comp e, por outro, que operadores wh, constituintes quantificados ou sintagmas focalizados obrigatoriamente ocupem o [Spec, CP]. Nesse caso, então, embora o verbo esteja em C 0, o [Spec, CP] não está vazio, de modo que não são preenchidas todas as exigências para que a ênclise seja derivada. 15

Nos exemplos com a ênclise apresentados anteriormente, a explicação seria a seguinte. Em (20), por exemplo, o verbo estaria em Comp, dada a ausência de um complementizador foneticamente realizado. Como o [Spec, CP] está vazio, todas as condições para a superficialização da ênclise, tal como expressas em (22), são satisfeitas, e, por conseguinte, a colocação enclítica é derivada. Já em (21), para manter a validade de sua proposta para a derivação enclítica, Benincà assume que, no PE, sujeitos pré-verbais referenciais estejam localizados numa posição externa à oração, que seria uma categoria projetada acima de CP, denominada pela autora de TOP. Assim, tanto o [Spec, CP] se encontra vazio como também o núcleo de CP está disponível para o movimento do verbo, já que não há a presença de um complementizador que possa bloquear tal movimento. Portanto, a ênclise é a opção superficializada. Em termos de comparação com os fatos do PM preliminarmente investigados, a proposta de Benincá para a posição do verbo no PE pode não representar necessariamente uma mudança em relação ao período gramatical anterior. Dizemos isso desde que se adapte a idéia de movimento do verbo para o núcleo de CP, como argumentada pela autora, para uma análise variante que se baseie simplesmente no movimento do verbo para fora de IP, como, por exemplo, alguma projeção intermediária entre CP e IP. Nesse sentido, caso se comprove que o PM era uma língua em que o verbo também se movia até o núcleo de tal projeção intermediária, pode-se pensar que a real mudança entre o PM e o PE é que, naquele primeiro momento, o sujeito e o verbo estavam numa relação Spec-head, ao passo que neste segundo isso não mais ocorre, já que o sujeito se encontra numa posição de TOP acima do domínio do núcleo onde se localiza o verbo. Assim, a mudança que de fato ocorre não tem a ver crucialmente com a sintaxe de posição do verbo, mas sim com a sintaxe de posição do sujeito. Em Galves & Sândalo (2004), esses fatos da colocação de clíticos no PE são explicados de forma diferente. As autoras, em oposição à Benincà (1995), assumem que sujeitos pré-verbais no PE não são sintagmas deslocados, mas sim elementos internos a IP, conforme defendido por Costa (1998). Além disso, assume-se que o verbo finito permanece em IP, sem a necessidade de alçamento para Comp ou alguma outra categoria funcional entre CP e IP. As autoras argumentam então que a ênclise nessa língua é o resultado da aplicação da seguinte restrição no nível morfológico: 11 11 Galves & Sandalo (2004) formulam sua proposta dentro do quadro da Teoria da Otimalidade. 16

(23) NON-INITIAL (CL, 1X-BAR): um clítico não pode ser o primeiro elemento do primeiro X-barra da oração. Esta restrição adequadamente prediz que, nas situações em que I-barra é o primeiro X-barra da oração, a ênclise é derivada. 12 Isto aconteceria, por exemplo em orações verbo-iniciais. (24) A ênclise em orações verbo-iniciais [IP [I V cl Como Galves & Sandalo salientam, dado que (23) se aplica ao nível do primeiro X-barra (não no nível XP), a presença de um constituinte no especificador de IP é irrelevante para a restrição. Eis a razão então por que a ênclise é produzida independentemente da presença de um sujeito em IP: (25) A ênclise em sentenças com sujeito pré-verbal [CP [IP sujeito [I V cl A próclise seria desencadeada nos casos em que há algum X-barra projetado numa posição acima de IP. Estes seriam os contextos de próclise obrigatória nas orações subordinadas ou com operadores wh em posição pré-verbal: (26) A próclise em orações subordinadas ou com operadores wh [CP [que [IP [I cl V [CP wh [C [IP [I cl V Com relação a sintagmas quantificados e focalizados em posição pré-verbal, contextos estes em que a próclise também sempre é categórica, Galves & Sandalo seguem a proposta de vários que defendem a existência de um sintagma extra entre CP e IP no Português (cf., entre outros, Costa & Galves 2002, Martins 1994), sintagma este que tem recebido diferentes rótulos. Nesta hipótese, os elementos quantificados ou 12 Galves & Sandalo assumem considerações de economia, na linha de Bošković (1997), por exemplo. Para as autoras, sentenças que não são introduzidas por complementizadores foneticamente realizados são IP, e não CP 17

focalizados estão nesta posição intermediária entre CP e IP e, portanto, I-barra não é o primeiro constituinte X-barra. (26) A próclise com sintagmas quantificados ou focalizados em posição pré-verbal: [CP [Σ XP [IP [I cl V Dentro da análise de Galves & Sândalo, a alteração que se opera do PM para o PE pode ser entendida como um processo de mudança que afetou a sintaxe de posição do verbo e do sujeito, ao mesmo tempo, especialmente se viermos a confirmar que o PM era de fato uma língua em que o verbo se movia para fora do domínio de IP. Seguindo a proposta das autoras, pode-se pensar que o sujeito pré-verbal no PE é reinterpretado como um constituinte interno à categoria de IP, o que, forçosamente, obrigaria o verbo a não mais se mover para uma categoria localizada entre CP e IP. Dada essa discussão introdutória do problema, a fim de averiguar os possíveis contrastes entre a gramática do PM e a do PE, será importante que, em relação a este último período do Português Europeu, se tenha uma proposta de análise que relacione a questão da sintaxe de posição do verbo a outros fenômenos sintáticos, de uma forma especial, aos que dizem respeito ao problema da posição do sujeito na estrutura oracional e ao fenômeno da colocação de clíticos. 4.1. A mudança Em nosso trabalho, procuraremos também observar os padrões de evolução dos diferentes fatos pertinentes à questão da ordenação do verbo em relação aos demais constituintes da oração, para que, desse modo, possamos chegar a uma proposta o mais precisa possível da delimitação no tempo de uma eventual mudança quanto à sintaxe de posição do verbo do PM para o PE. Além disso, procuraremos verificar em que medida os resultados por nós obtidos no que diz respeito à sintaxe do verbo podem ser articulados com os resultados do padrão de evolução de outros fenômenos lingüísticos em mudança. Consideramos essa estratégia importante em razão do quadro teórico que utilizaremos para a realização dessa pesquisa, que se trata do modelo de Princípios e Parâmetros, no qual a mudança sintática é interpretada como a mudança na fixação de 18

uma ou mais parâmetros. Tal mudança paramétrica, como Kroch (2001) demonstra, afeta a gramática como um todo, e não apenas uma determinada construção. Nesse sentido, a descrição pormenorizada dos padrões de evolução do posicionamento do verbo em relação aos demais constituintes da oração, atentando igualmente para a evolução dos padrões de outros fenômenos lingüísticos em mudança, pode ser uma articulação interessante na tentativa de entender quais mudanças paramétricas desencadearam as possíveis alterações na sintaxe de colocação do verbo do PM ao PE. Dentro dessa perspectiva, um enfoque especial será dado ao fenômeno da colocação de clíticos. Em geral, as mudanças ocorridas na sintaxe de posição dos pronomes clíticos têm sido tomadas como uma diretriz para determinar o momento em que se dá a passagem do PM para o PE (cf., por exemplo, Galves 2004, Paixão de Sousa 2004, Galves, Britto & Paixão de Sousa 2005). A partir de uma investigação baseada na análise de textos escritos por autores nascidos entre 1542 e 1836, Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005) atestam uma significativa mudança no padrão de colocação de clíticos em orações matrizes XV, sendo X ou um sujeito referencial não-focalizado, ou um advérbio fronteado que não funcione como modificador de VP ou um PP que não seja um argumento fronteado. Até o fim do século 19 esses contextos sintáticos apresentam uma variação empírica entre a ênclise e a próclise, porém em padrões diferentes, como ilustra o gráfico 4, onde são apresentados os resultados obtidos pelas autoras. Com base numa análise quantitativa e qualitativa, Galves, Britto & Paixão de Sousa argumentam que uma mudança gramatical na questão da colocação de clíticos teria ocorrido na virada do século 17 para o 18. Até então, a alternância entre a ênclise e a próclise é produzida por uma única gramática, sendo que a ênclise é a opção marcada. Do início do século 18 em diante, porém, ocorre um aumento progressivo do uso da ênclise. As autoras mostram que, nesse segundo momento, a ênclise se constitui como a opção categórica da nova gramática, embora uma grande variação seja ainda atestada nos textos durante esse período. Essa variação seria o resultado de competição de gramáticas (no sentido de Kroch 1994, 2001), ou seja, a tensão entre a gramática do PE, que passa a emergir nos textos, e a gramática antiga, que permitia a alternância ênclise/próclise Observações interessantes podem ser feitas ao se comparar os resultados da variação ênclise/próclise com aqueles que foram obtidos para o índice percentual da 19

seqüência SV em relação à ordem XV em sentenças com o clítico se não-passivo, por exemplo. Registramos tal comparação no gráfico 5. Pela comparação entre os dois gráficos, nota-se que, de 1700 em diante, o percentual tanto de SV quanto de sentenças enclíticas passa a apresentar valores superiores ao que se tem pelo menos em relação ao século 17, o período de cem anos imediatamente anterior. E tanto no que diz respeito à colocação enclítica, bem como à ordem SV, o aumento no uso dessas possibilidades se dá de maneira crescente a partir do início do século 18. Dada essa comparação, os resultados sugerem que o início da fixação como ordem preferida da seqüência SV, um dos fatos que tomo como fundamental para a hipótese da mudança no sistema de colocação verbal no Português Europeu, coincide no tempo com o estabelecimento da colocação enclítica como opção preferível para o posicionamento do clítico. Assim, uma vez que esses dois fenômenos parecem passar por uma mudança quantitativa no mesmo período de tempo, surge a questão: estariam os processos de mudança relativos a esses dois fenômenos sendo desencadeados pelas mesmas mudanças paramétricas? Atualmente, existem ferramentas de pesquisa que, amparadas numa estatística robusta e baseadas num conjunto apropriado de dados, podem determinar a relação existente entre fenômenos em mudança aparentemente distintos. Uma dessas ferramentas é delineada em Kroch (1989). Usando métodos estatísticos que levam em consideração a razão (proporção) em que as mudanças ocorrem, o autor mostrou que, se a razão de mudança for constante, ou seja, a mesma para várias das mudanças superficiais, apenas um parâmetro está envolvido na mudança. Kroch pôs em evidência que mudanças afetando fenômenos distintos, mas associados na sincronia a uma mesma fixação paramétrica (como o uso de do perifrástico e a posição dos advérbios em Inglês), seguem uma taxa constante de evolução. Esse Efeito da Taxa Constante (Constant Rate Effect), portanto, uma vez solidamente fundamentado no plano empírico, torna-se um teste valiosíssimo para avaliar se duas mudanças são o efeito de uma única refixação paramétrica. Porém, enquanto que para o fenômeno da colocação de clíticos já existam trabalhos que analisem de maneira sistemática o processo de evolução que se dá do PM para o PE, 13 para a questão da sintaxe de posição do verbo, como dissemos em momento anterior, há uma ausência de estudos que forneçam uma descrição sistemática e amparada num conjunto apropriado de dados. Assim, dificulta-se qualquer articulação 13 Cf., entre outros, Paixão de Sousa (2004) e Galves, Britto & Paixão de Sousa (2005). 20

estatística, como a empregada por Kroch (1989), no sentido de investigar em que medida os fatos representados no gráfico 5 realmente ostentam efeitos de mudança paramétrica em comum no tocante à colocação de clíticos e à sintaxe de posição do verbo. Por essa razão, dada a possibilidade permitida por ferramentas estatísticas de associar as mudanças na sintaxe de posição do verbo a outros fenômenos em mudança, torna-se fundamental descrever detalhadamente os padrões de evolução do posicionamento do verbo em relação aos demais constituintes da sentença. Além disso, esta estratégia poderá trazer um esclarecimento maior sobre a questão de quando emerge nos textos a nova sintaxe verbal do Português Europeu. 5. Corpus e Método de Trabalho 5.1. O Corpus Nesse projeto de pesquisa, assumo tal como em Galves (2004) que o PM se estende do século 14 ao 17 14. Nessa perspectiva, então, a partir do século 18 já teríamos a emergência da gramática do PE. Portanto, a fim de documentar a sintaxe de posição do verbo no PM e a evolução desse fenômeno até o PE, escolhi como ponto inicial da pesquisa o século 16, momento este que corresponde a um período central do PM, focalizando até o século 19, quando já se tem uma gramática do PE mais estabilizada. Os textos selecionados para compor o corpus dessa pesquisa se encontram disponíveis no Corpus Tycho Brahe (http://www.ime.usp.br/~tycho/corpus/index.html). A opção por selecionar textos que se encontram no Corpus Tycho Brahe parte do fato de que, nesse corpus eletrônico, é abrangido com uma significativa diversidade de autores todo o período de tempo que pretendo investigar. Além disso, o trabalho com um material em formato eletrônico propicia a vantagem de se recuperar dados com uma maior agilidade em relação a outras formas de trabalho. Com relação à questão da data que será considerada para localizar o texto de cada autor na história do Português, sigo a proposta empregada na elaboração do Corpus Tycho Brahe, que leva em conta a data de nascimento dos escritores. Feitas essas considerações, os textos que formarão o corpus da pesquisa são: 14 Cf. a nota 1. 21

1) Francisco de Holanda (1517-1585) Da Pintura Antiga 2) Diogo do Couto (1542-1616) Décadas 3) Luis de Sousa (1556-1632) A Vida de Frei Bartolameu dos Mártires 4) F. Rodrigues Lobo (1579-1621) Côrte na Aldeia e Noites de Inverno 5) Antonio Vieira (1608-1697) Cartas 6) Antonio das Chagas (1631-1682) Cartas Espirituais 7) Maria do Ceu (1658-1753) Rellaçaõ da Vida e Morte da Serva de Deos a Venerável Madre Ellena da Crus 8) André de Barros (1675-1654) A Vida do Padre António Vieira 9) Matias Aires (1705-1763) Reflexão sobre a Vaidade dos Homens e Carta sobre a Fortuna 10) Antonio da Costa (1714-1780?) Cartas do Abade António da Costa 11) Marquesa D Alorna (1750-1839) Cartas e Outros Escritos 12) Almeida Garrett (1799-1854) Viagens na Minha Terra 13) Camilo Castelo Branco (1825-1890) Amor de Perdição 14) Ramalho Ortigão (1836-1915) Cartas a Emília 5.2. Método de Trabalho O método de trabalho que empregarei divide-se em três etapas: 1) coleta e classificação dos dados; 2) quantificação dos dados; 3) análise qualitativa dos dados. 1) Coleta e Classificação dos dados: Esta etapa consiste na separação das sentenças que se encaixam dentro dos contextos sintáticos relevantes para este trabalho. A princípio, selecionaremos sentenças matrizes finitas, sejam elas declarativas, interrogativas ou imperativas, bem como as sentenças dependentes finitas. Para a classificação dos dados, serão levados em consideração os seguintes critérios: a) O tipo de sentença se matriz ou dependente. No caso das orações matrizes, se declarativa, interrogativa ou imperativa. b) A natureza dos constituintes que precedem o verbo se um sujeito (nominal ou pronominal), um PP, um advérbio, uma oração etc. 22

c) A natureza dos constituintes que se superficializam após o verbo se um sujeito (nominal ou pronominal), um PP, um advérbio, uma oração etc. 2) Quantificação dos dados: Consiste no tratamento estatístico dos dados para a verificação dos padrões de ordenação do verbo em relação aos demais constituintes da sentença. 3) Análise qualitativa dos dados: Nesse estágio, dentro do quadro teórico do modelo de Princípios e Parâmetros, a idéia é analisar os padrões de posicionamento do verbo em diferentes contextos com o intuito de propor uma análise abrangente da sintaxe de colocação do verbo no PM bem como as mudanças pelas quais ela passa na passagem do sistema gramatical do PM para o PE. 6. Cronograma de trabalho 1 o. ano: Aprofundamento na bibliografia referente ao fenômeno V2 bem como à sintaxe de posição do verbo no Português Europeu. Levantamento e classificação dos dados. Cumprimento de créditos em disciplinas. 2 o. ano: Continuação de leituras relevantes para os fenômenos estudados. Continuação do levantamento e classificação dos dados. Tratamento estatístico dos dados. Encaminhamento de qualificação de área em Sintaxe (início do 2 o. semestre). Exame de qualificação de área em Sintaxe (final do 2 o. semestre). 3 o. ano: Estágio no exterior. Preparação da qualificação da tese (2 o. semestre). 4 o. ano: Exame de qualificação da tese (início do 1 o. semestre). Redação final da tese. Referências Bibliográficas Adams, M. (1987). Old French, Null Subjects and Verb Second Phenomena. Tese de Doutorado, UCLA. Antonelli, A. L. (em curso). O Clítico SE e a Variação Ênclise/Próclise do Português Médio ao Português Europeu Moderno. Projeto de Mestrado em andamento, Unicamp. 23

Benincà, P. (1995). Complement Clitics in Medieval Portuguese: the Tobler-Mussafia Law. In A. Battye & I. Roberts (orgs.), Clause Structure and Language Change. Oxford University Press. Besten, H. den. (1983). On the Interaction of Root Transformations and Lexical Deletive Rules, in W. Abraham (org.), On the Formal Syntax of the West Germania. Amsterdam: John Benjamins. Bošković, Ž. (1997). The Syntax of Nonfinite Complementation: an Economy Approach. Cambridge, MA: MIT Press. Chomsky, N. (1986). Barriers. Cambridge, Mass.: MIT Press.. (1995). The Minimalist Program. Cambridge, Mass.: MIT Press. Costa, J. (1998). Word Order Variation: a Constraint-Based Approach. HIL/Leiden University. Costa, J. & Galves, C. (2002). External Subjects in Two Varieties of Portuguese: Evidence for a Non-Unified Analisys. In C. Beyssade, R. Bok-Bennema, F. Drijkoningen & P. Monachesi (orgs.), Proceedings of Going Romance 2000. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins. Diesing, M. (1990). Verb Movement and the Subject Position in Yiddish. Natural Language and Linguistic Theory 8(1): 41-81. Galves, C. (2004). Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística Fase II. Projeto de pesquisa apresentado à FAPESP. Campinas, março de 2004. Galves, C. & Paixão de Sousa, M. C. (2004). Clitic-Placement and the Position of Subjects in the History of European Portuguese. In H. Jacobs & T. Gwaart (orgs.), Romance Languages and Linguistic Theory 2003. Selected Papers from Going Romance 2003. No prelo. Galves, C. & Sândalo, F. (2004). Clitic-Placement in European Portuguese and the Syntax-Phonology Interface. In Romance Op. 47, Collected Papers on Romance Syntax, A. Castro, M. Ferreira, V. Hacquard & A. P. Salanova (orgs.), MIT Working Papers in Linguistics 47, 115-128. Galves, C., Britto, H. & Paixão de Sousa, M., C. (2005). The Change in Clitic Placement from Classical to Modern European Portuguese: Results from the Tycho Brahe Corpus. Journal of Portuguese Linguistics 4(1): 39-67. Kemenade, A. van. (1987). Syntactic Case and Morphological Case in the History of English. Foris, Dordrecht. 24