ICP nº 1.13.000.001253/2004-29 Resumo: Apurar conflitos de posse e propriedade entre comunidades tradicionais localizadas no Puraquequara, em Manaus/AM, e o Exército brasileiro (CIGS). RECOMENDAÇÃO Nº 07/2013 5º OFÍCIO CÍVEL PR/AM O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais, CONSIDERANDO a atribuição constitucional do Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem assim para a defesa judicial e extrajudicial das populações indígenas, nos termos dos artigos 5º, inciso III, alínea e, e 6º, incisos VII, alínea c, XI e XIV, e, da Lei Complementar nº 75/93, e dos artigos 127 e 129, inciso V, da Constituição Federal; CONSIDERANDO a atribuição do Ministério Público Federal para atuar em causas nas quais haja interesse da União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas, na forma do art. 109, I, da Constituição Federal; CONSIDERANDO as atribuições do 5º Ofício Cível da Procuradoria da República no Amazonas sobre os procedimentos relativos aos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais e demais matérias afetas à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 12, I, da Resolução PR/AM nº 01/2012; Página 1 de 10
CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75/93, compete ao Ministério Público expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis ; CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu art. 216, define como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver; CONSIDERANDO que os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, conforme prevê a norma do art. 5º, 2º, da CF; CONSIDERANDO que o Estado democrático de direito sobre o qual se funda a República Federativa do Brasil está assentado sobre a égide do pluralismo e do respeito à diversidade cultural; CONSIDERANDO o objetivo geral da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040/2007, de promover o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições; Página 2 de 10
CONSIDERANDO que, além dos povos indígenas e quilombolas, os ribeirinhos, assim como os extrativistas e seringueiros, são considerados comunidades tradicionais do Estado do Amazonas 1 ; CONSIDERANDO as tratativas que vêm sendo realizadas no âmbito do Inquérito Civil Público nº 1.13.000.001253/2004-29, com o fim de compatibilizar os interesses do Exército brasileiro na área do Centro de Instrução de Guerra na Selva CIGS com a permanência das comunidades ribeirinhas no local, respeitando-se os seus modos de vida e sua tradicionalidade; CONSIDERANDO que as comunidades São Francisco do Mainã, Jatuarana e Santa Luzia do Tiririca demandam uma regularização fundiária que leve em consideração as práticas ancestrais que desenvolvem na terra, sobretudo quanto ao seu uso coletivo, com a observância de regras claras de convivência, a fim de evitar transtornos decorrentes da prática de treinamentos militares; CONSIDERANDO que na comunidade São Francisco foi realizada reunião em 26 de abril de 2013, oportunidade em que se acordaram, com a mediação do Ministério Público Federal, as diretrizes para a concessão de direito real de uso aos comunitários, bem como o estabelecimento de regras de convivência; CONSIDERANDO que houve acolhimento por parte do Exército quanto às medidas acordadas naquela reunião, conforme se registrou em memória de reunião (fls. 1419/1422-v); CONSIDERANDO que, antes da expedição do título de concessão de direito real de uso, se faz necessária a apresentação de requerimento perante a União, a 1 <http://www.planalto.gov.br/consea/3conferencia/static/documentos/comunidades%20tradicionais. pdf> Acesso em 07/06/2013. Página 3 de 10
ser formulado por cada família, por meio do qual os ribeirinhos desde já apresentam sua concordância com as condições necessárias à regularização fundiária; CONSIDERANDO que as relações desenvolvidas entre as comunidades e a União (Exército brasileiro), com a mediação do MPF, se pautaram, desde o início, pelos princípios da boa-fé objetiva e da proteção da confiança; CONSIDERANDO que tais princípios decorrem do direito fundamental à segurança jurídica, princípio basilar do Estado direito e um dos vetores do princípio da dignidade da pessoa humana; CONSIDERANDO que, dado o histórico de divergências e conflitos na região, bem como com o objetivo de dar confiabilidade ao processo de negociação realizado, se mostra necessário que as condições acordadas estejam formalizadas desde já, não sendo recomendável aguardar a elaboração de minuta de concessão de direito real de uso; RESOLVE: I RECOMENDAR ao Comando Militar da Amazônia e ao Comando da 12ª Região Militar que façam constar do formulário de requerimento de regularização fundiária as condições acordadas na reunião de 26 de abril de 2013 (fls. 1419/1422-v), da seguinte forma: Eu,, nacionalidade brasileira, naturalidade, estado civil, profissão, nascido aos / /, residente e Página 4 de 10
domiciliado no município de venho requerer, nos termos da Portaria nº 011, de 04 de outubro de 2005, e da legislação pertinente, e tendo em vista o que consta do Inquérito Civil Público nº 1.13.000.001253/2004-29, a regularização, por meio da formalização de concessão de direito real de uso, da área de dominialidade da União que ocupo e de onde retiro recursos indispensáveis ao sustento de minha família localizada às margens do. Declaro também que estou ciente das condições acerca da regularização fundiária, que foram acordadas em 26 de abril de 2013, no bojo do referido inquérito civil público, quais sejam: i) A CDRU será coletiva, em favor da comunidade São Francisco do Mainã, a despeito de este requerimento ser formulado apenas por minha família; ii) O limite da área objeto da CDRU vai da sede da comunidade até a área da Missão Novas Tribos do Brasil; iii) Os descendentes terão seus direitos de ocupação da área observados. Declaro, por fim, que sou morador da área ora requerida, sob permissão do Exército brasileiro, de Página 5 de 10
onde extraio recursos essenciais para o sustento de minha família, não sendo proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural -, e de estar ciente de que a autorização de uso na forma requerida não me confere quaisquer direitos dominiais (de propriedade) sob a área em questão, cujos direitos não poderão ser transferidos a terceiros, salvo por direito sucessório, sob pena de imediato cancelamento pelo Comando da 12ª Região Militar. Pelo presente instrumento, o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) detentor da área patrimonial e a Comunidade São Francisco do Mainã ajustarão entre si as seguintes normas de convivência: I Sobre os lotes demarcados e a área do Campo de Instrução do CIGS, a Comunidade São Francisco do Mainã e o CIGS deverão observar as seguintes regras: a) O igarapé do Mainãzinho está livre para trânsito e atividade de pesca por parte da comunidade; b) Quanto ao igarapé do Mainã grande, este estará livre para trânsito e atividade de pesca nas ocasiões em que não houver treinamento ou atividades de risco por parte do Exército. Caso haja essas atividades, a comunidade deverá ser informada com Página 6 de 10
a antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, oportunidade em que se aterá aos limites de exploração da área concedida; c) A proibição de entrada em determinadas áreas será sinalizada por meio de bandeirola vermelha, a qual será hasteada tão somente durante o período em que estiver proibido o acesso, mediante acompanhamento e controle rígido por integrante do Exército; d) Os sepultamentos e visitas ao cemitério situado na Base de Instrução nº 04 (BI-04) deverão ser informados com a antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, salvo, quanto aos sepultamentos, em situações excepcionais que demandem a sua utilização em prazo menor; e) A execução de instruções em áreas adjacentes à comunidade dependerão de aviso, por parte do integrante da equipe do CIGS, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, ao Presidente da Associação dos Moradores da comunidade, oportunidade em que serão apresentadas as cautelas que serão adotadas com vistas a respeitar a continuidade das atividades da comunidade; f) Ficam proibidas as seguintes atividades na área em questão: Página 7 de 10
f1) A pesca e a caça predatórias; f2) A retirada de madeira sem a devida autorização legal; f3) A prática de crimes ambientais, não especificados nestas normas. g) Será consentida a pesca de subsistência para os moradores da Comunidade São Francisco do Mainã, nos igarapés Mainã e Mainãzinho, durante o dia e à noite. No que concerne ao igarapé Mainã grande, a realização da pesca só ocorrerá se não estiverem sendo realizadas atividades militares de risco, na forma dos itens anteriores, devendo ser solicitada autorização ao Comandante da Guarda do Setor Fluvial antes da entrada no igarapé para a prática da pesca; II O CIGS dispõe-se a prestar o apoio médico em casos excepcionais de saúde, desde que não comprometa as atividades de instrução programadas ou que a urgência assim determine; III Por ocasião de cessão para outra Organização Militar ou outra Força Armada (Marinha e Força Aérea), para realização de instrução nas cercanias da área da comunidade, estes deverão ser instruídos pelo CIGS acerca das presentes normas de convivência; Página 8 de 10
IV Em caso de omissão nas presentes regras de convivência, o Comando do CIGs e a diretoria da associação dos comunitários realizarão reunião, com a lavratura de ata, para sanar eventuais dúvidas, podendo levar a questão à comunidade sempre que for necessário. V É parte integrante do presente formulário cópia da ata de reunião realizada em 26 de abril de 2013 entre a comunidade, o Exército brasileiro e o Ministério Público Federal (Inquérito Civil Público nº 1.13.000.001253/2004-29) II RECOMENDAR ao Comando Militar da Amazônia e ao Comando da 12ª Região Militar que façam constar de todos os requerimentos, como anexa, cópia da ata da reunião constante de fls. 1419/1422-v; III RECOMENDAR à Secretaria de Patrimônio da União que, tão logo sejam assinados os requerimentos, promova, no prazo de 60 (sessenta) dias, a conclusão do processo de regularização fundiária, nos termos do acordado às fls. 1419/1422-v. Fixa-se o prazo de 05 (cinco) dias para que os órgãos do Exército e a Secretaria do Patrimônio da União informem ao Ministério Público Federal o acatamento da presente recomendação, encaminhando comprovação de seu cumprimento.. Página 9 de 10
Encaminhe-se cópia da presente ao Presidente da Associação da Comunidade São Francisco do Mainã, à SPU em Manaus e em Brasília, à Presidência da Comissão de Direitos Humanos do Senado brasileiro. Manaus, 24 de junho de 2013. Julio José Araujo Junior Procurador da República Página 10 de 10